por Pepe
Escobar
8/3/2016, RT
Reproduzimos a análise do renomado jornalista internacional Pepe Escobar, que corrobora integralmente com a caracterização da Frente Comunista dos Trabalhadores. Escobar recorre a geopolítica para explicar a situação. Para ele, como para nós, dentre as causas que motivam o Golpe de Estado que ameaça o Brasil, visando derrubar o governo de Dilma e prender Lula, a principal é a participação do país nos BRICS. Isso explica a inexplicável "ingratidão" do grande capital com os governos do PT, o que ninguém do governo, do PT e de amplos setores da esquerda brasileira parece entender. O texto foi traduzido pelo Coletivo Vila Vudu.
"BRICS" é a sigla mais amaldiçoada no eixo Av.
Beltway [onde ficam várias instituições do governo dos EUA em Washington] - Wall
Street, e por razão de peso: a consolidação dos BRICS é o único projeto
orgânico, de alcance global, com potencial para afrouxar a garra que o
Excepcionalistão mantém apertada no pescoço da chamada "comunidade
internacional".
Assim sendo, não é surpresa que as três potências chaves dos
BRICS estejam sendo atacadas simultaneamente, em várias frentes, já faz algum
tempo. Contra a Rússia, a questão é a Ucrânia e a Síria, a guerra do preço do
petróleo, o ataque furioso contra o rublo e a demonização ininterrupta da tal
"agressão russa". Contra a China, a coisa é uma dita "agressão
chinesa" no Mar do Sul da China e o (fracassado) ataque às Bolsas de
Shanghai/Shenzhen.
O Brasil é o elo mais fraco dessas três potências
emergentes crucialmente importantes. Já no final de 2014 era visível que os
suspeitos de sempre fariam qualquer coisa para desestabilizar a sétima maior
economia do mundo, visando a uma boa velha 'mudança de regime'. Para tanto
criaram um coquetel político-conceitual tóxico ("ingovernabilidade"),
a ser usado para jogar de cara na lama toda a economia brasileira.
Há incontáveis razões para o golpe, dentre elas: a
consolidação do Banco de Desenvolvimento dos BRICS; o impulso concertado entre
os países BRICS para negociarem nas respectivas moedas, deixando de lado o
dólar norte-americano e visando a construir outra moeda global de reserva que
tome o lugar do dólar; a construção de um cabo submarino gigante de
telecomunicações por fibra ótica que conecta Brasil e Europa, além do cabo
BRICS, que une a América do Sul ao Leste da Ásia – ambos fora de qualquer
controle pelos EUA.
E acima de tudo, como sempre, o desejo pervertido obcecado
do Excepcionalistão: privatizar a imensa riqueza natural do Brasil. Mais uma
vez, é o petróleo.
Peguem esse Lula, ou...
WikiLeaks Já expôs há muito tempo, em 2009, o quanto o Big
Oil estava ativo no Brasil, tentando modificar, servindo-se de todos os meios
de extorsão, uma lei proposta pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
conhecido também como Lula, que estabelece que a estatal Petrobrás (lucrativa)
será a única operadora de todas as bacias de petróleo no mar, da mais
importante descoberta de petróleo desse jovem século 21: as reservas de
petróleo do pré-sal.
Lula não só deixou à distância o Big Oil – especialmente
ExxonMobil e Chevron –, mas também abriu a exploração do petróleo no Brasil à
Sinopec chinesa – parte da parceria estratégica Brasil-China (BRICS dentro de
BRICS).
O inferno não conhece fúria maior que a do Excepcionalistão
descartado. Como a Máfia, o Excepcionalistão nunca esquece; mais dia menos dia
Lula teria de pagar, como Putin tem de pagar por ter-se livrado dos oligarcas
cleptocratas amigos dos EUA.
A bola começou a rolar quando Edward Snowden revelou que a
Agência de Segurança Nacional dos EUA (ing. NSA) andava espionando a presidenta
do Brasil, Dilma Rousseff, e vários altos funcionários da Petrobrás. Continuou
com o fato de que a Polícia Federal do Brasil coopera, recebe treinamento e/ou
são controladas de perto por ambos, o FBI e a CIA (sobretudo na esfera do
antiterrorismo). E prosseguiu via os dois anos de investigações da Operação Car
Wash, que revelou vasta rede de corrupção que envolve atores dentro da
Petrobrás, as maiores empresas construtoras brasileiras e políticos do partido
governante Workers’ Party.
A rede de corrupção parece ser real – mas com
"provas" quase sempre exclusivamente orais, sem nenhum tipo de
comprovação documental, e obtidas de trapaceiros conhecidos e/ou neomentirosos
seriais que acusam qualquer um de qualquer coisa em troca de redução na própria
pena.
Mas para os Procuradores encarregados da Operação Car Wash,
o verdadeiro negócio sempre foi, desde o início, como envolver Lula em fosse o
que fosse.
Entra o neo-Elliott Ness tropical
Chega-se assim à encenação espetacularizada, à moda
Hollywood, na 6ª-feira passada em São Paulo, que disparou ondas de choque por
todo o planeta. Lula "detido", interrogado, humilhado em público
(comentei esses eventos em"Terremoto no Brasil").
O Plano A na blitz à moda Hollywood contra Lula era
ambicioso movimento para subir as apostas; não só se pavimentaria o caminho
para o impeachment da presidenta Dilma Rousseff (q seria declarada
"culpada por associação"), como, também, já se neutralizaria Lula,
impedindo-o de candidatar-se à presidência em 2018. E não havia Plano B.
Como não seria difícil prever que aconteceria – e acontece
muito nas 'montagens' do FBI – toda a 'operação' saiu pela culatra.
Lula, em discurso-aula, master class em matéria de discurso
político, reproduzido ao vivo por todo o país pela internet, não só se
consagrou como mártir de uma conspiração ignóbil, mas, mais que isso, energizou
suas tropas de massa. Até respeitáveis vozes conservadoras condenaram o show à
moda Hollywood, de um ministro da Suprema Corte a um ex-ministro da Justiça,
que serviu a governo anterior aos do Workers' Party, além do conhecido
professor e economista Bresser Pereira (um dos fundadores do PSDB, que nasceu
como partido da social-democracia do Brasil, mas virou a casaca e é hoje
defensor das políticas neoliberais do Excepcionalistão e lidera a oposição de
direita).
Bresser disse claramente que a Suprema Corte deveria
intervir na Operação Car Wash para impedir novos abusos. Os advogados de Lula,
por sua vez, requereram à Suprema Corte que detalhasse a jurisprudência que
embasaria as acusações assacadas contra Lula. Mais que isso, um advogado que
teve papel de destaque na blitz hollywoodiana disse que Lula respondeu a tudo
que lhe foi perguntado durante o interrogatório de quase quatro horas, sem
piscar – eram as mesmas perguntas que já lhe haviam sido feitas antes.
O professor e advogado Celso Bandeira de Mello, por sua vez,
foi diretamente ao ponto: as classes médias altas no Brasil – nas quais se
reúnem quantidades estupefacientes de arrogância, ignorância e preconceito, e
cujo maior sonho de toda uma vida é alcançar um apartamento em Miami – estão
apavoradas, mortas de medo de que Lula volte a concorrer à presidência – e
vença – em 2018.
E isso nos leva afinal ao juiz mandante e carrasco executor
de toda a cena: Sergio Moro, protagonista de "Operação Car Wash".
Ninguém em sã consciência dirá que Moro teve carreira
acadêmica da qual alguém se orgulharia. Não é de modo nenhum teoricista peso
pesado. Formou-se advogado em 1995 numa universidade medíocre de um dos estados
do sul do Brasil e fez algumas viagens aos EUA, uma das quais paga pelo
Departamento de Estado, para aprender sobre lavagem de dinheiro.
Como já comentei, a chef-d’oeuvre da produção intelectual de
Moro é artigo antigo, de 2004, publicado numa revista obscura, nos idos de 2004
("Considerações sobre Mãos Limpas", revista CEJ, n. 26, Julho-Set.
2004), no qual claramente prega a "subversão autoritária da ordem judicial
para alcançar alvos específicos" e o uso dos veículos de mídia para
envenenar a atmosfera política.
Quer dizer, o juiz Moro literalmente transpôs a famosa
operação da Justiça italiana de 1990s Mani Pulite ("Mãos Limpas") da
Itália para o seu próprio gabinete – e pôs-se a instrumentalizar os veículos da
grande mídia brasileira e o próprio judiciário, para alcançar uma espécie de
"deslegitimação total" do sistema político. Mas não quer deslegitimar
todo o sistema político: só quer deslegitimar o Workers’ Party, como se as
elites comprador que povoam todo o espectro da direita no Brasil fossem
querubins.
Assim sendo, não surpreende que Moro tenha contado com a
companhia solidária, enquanto se desenrolava a Operação Car Wash, do oligopólio
midiático da família Marinho – o império midiático O Globo –, verdadeiro ninho
de reacionários, nenhum deles particularmente inteligente, que mantiveram
íntimas relações com a ditadura militar que, no Brasil, durou mais de 20 anos.
Não por acaso, o grupo Globo foi informado sobre a
"prisão" hollywoodiana que Moro aplicaria ao presidente Lula antes de
a operação começar, e pode providenciar cobertura que efetivamente tudo
encobriu, ao estilo CNN.
Moro é visto por muitos no Brasil como um sub Elliot Ness
nativo. Advogados que têm acompanhado o trabalho dele dizem que o homem cultiva
a imagem de que o Workers’ Party seria uma gangue que viveria a sanguessugar o
aparelho do Estado, com vistas a entregar tudo, em cacos, aos 'sindicatos'.
Segundo um desses advogados, que falou com a mídia
independente no Brasil, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Moro é
cercado por um punhado de Procuradores fanáticos, com pouco ou nenhum saber
jurídico, que fazem pose de Antonio di Pietro (mas sem a solidez do Procurador
milanês que trabalhou na Operação Mãos Limpas).
Ainda pior, Moro não dá sinais de preocupar-se com a
evidência de que depois que o sistema político italiano implodiu, ali só
prosperaram os Berlusconi. No Brasil, certamente se veria a ascensão ao poder
de algum palhaço/idiota de bairro, elevado ao trono pela Rede Globo – cujas
práticas oligopolistas já são bastante berlusconianas.
Pinochets digitais
Pode-se dizer que a blitz à moda Hollywood contra Lula
guarda semelhanças diretas com a primeira tentativa de golpe de Estado no
Chile, em 1973, que testou as águas em termos de resposta popular, antes do
golpe real. No remix brasileiro, jornalistas globais fazem as vezes de Pinochets
digitais. Mas as ruas em São Paulo já mostram graffiti que dizem "Não vai
ter golpe" e "Golpe militar – nunca mais."
Sim, porque tudo, nesse episódio tem a ver com um golpe
branco – sob a forma de impeachment da presidenta Rousseff e com Lula atrás das
grades. Mas velhos vícios (militares) são duros de matar: vários jornalistas
próximos da Rede Globo e ativos agora na Internet já 'conclamaram' os militares
a tomar as ruas e "neutralizar" as milícias populares. E isso é só o
começo. A direita brasileira está organizando manifestações para o próximo
domingo, exigindo – e o que mais exigiriam? – o impeachment da presidenta.
A Operação Car Wash teve o mérito de investigar a corrupção,
a colusão e o tráfico de influência no Brasil, país no qual tradicionalmente a
corrupção corre solta. Mas todos, todos os políticos e todos os partidos
políticos teriam de ser investigados – inclusive e sobretudo – porque em todos
os casos esses são corruptos conhecidos há muito tempo! – os representantes das
elites comprador brasileiras. A Operação Car Wash não opera igualmente contra
todos. Porque o projeto político aliado aos Procuradores do juiz Moro
absolutamente não está interessado em fazer "justiça"; a única coisa
que interessa a eles é perpetuar uma crise política viciosa, como meio para
fazer fracassar a 7ª maior economia do mundo, para, com isso, alcançarem seu
Santo Graal: ou aquela velha suja 'mudança de regime', ou algum golpe branco.
Mas 2016 não é 1973. Hoje já se sabe quem, no mundo, é doido
por golpes para mudar regimes.*****