“A
Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo buscava integrar o sindicato e outros organismos
de resistência operária na perspectiva da luta de classes.”
José de Lima Soares faz um balanço das oposições metalúrgicas e
o PT nos anos 80. Soares foi trabalhador metalúrgico e atuou junto a Oposição
Metalúrgica de São Paulo até 1990. Formou-se em Sociologia e Política, fez
Mestrado em Sociologia do Trabalho pela Unicamp e Doutorado e Pós-Doutorado em
Sociologia pela Universidade de Brasília - UnB. É Professor de Sociologia e pesquisador
da Universidade Federal de Goiás – UFG/CAC. É autor dos seguintes livros: O PT
e a CUT nos anos 90: Encontros e Desencontros de duas Trajetórias (Fortium,
2005); Sindicalismo no ABC Paulista: Reestruturação Produtiva e Parceria
(Universa, 2006) e Ensaios de Sociologia do Trabalho (Ed. Ciência Moderna,
2011). É dirigente sindical da ADCAC, filiada ao Andes (Sindicato Nacional dos
Professores do Ensino Superior).
FdT
- Soares, como e quando se formou a Oposição Metalúrgica de São Paulo?
Soares:
Em primeiro lugar, gostaria de dizer que, inicialmente, quando ingressei na
categoria metalúrgica, não era membro da Oposição Metalúrgica. Aliás,
organicamente, nunca militei no MOMSP. Eu pertencia a um grupo trotskista,
liderado por Paulo Skromov, pois havíamos rompido, em 1977, com a Organização
Socialista Internacionalista (OSI), filiada ao Comitê de Reconstrução da Quarta
Internacional (CORQUI, com sede na França). Essa organização mantinha, em suas
fileiras, algumas figuras reconhecidas a nível internacional, dentre eles: o
historiador Pierre Broué, o economista François Chesnais e Pierre Lambert. Então,
quando saí do setor gráfico e vim para a categoria metalúrgica, começamos a
editar um jornalzinho que se chamava o “Metalúrgico Independente”.
Ou seja, já
tínhamos um expressivo grupo de militantes atuando na categoria metalúrgica
(que não pertencia a Oposição Metalúrgica). Só muito tempo depois, é começamos
a participar das reuniões da Oposição, mas sempre mantivemos nossa autonomia.
Historicamente, a Oposição Sindical Metalúrgica, como movimento, surge a partir
de meados dos anos de 1960. Com o golpe militar, em 1964, a ditadura cassa os
dirigentes sindicais combativos e implementa a política de intervenção nos
sindicatos. É aí que surge a figura de Joaquim dos Santos Andrade (o
Joaquinzão) que, embora fosse trabalhador metalúrgico, já era homem de
confiança dos militares. Sem sombra de dúvida, a Oposição Sindical Metalúrgica
(depois MOMSP). Ao
longo de uma trajetória de mais de vinte anos, a OSM-SP (como passa a ser
referida) afirmou-se como uma frente de trabalhadores, centrada em um programa
de defesa de um sindicalismo livre, democrática e de massa e pela auto-organização
dos trabalhadores nas fábricas, através de grupos e comissões orientados pela
perspectiva de uma independência política e ideológica dos organismos operários.
Seu objetivo imediato foi o de conquistar a diretoria do Sindicato dos
Metalúrgicos do Município de São Paulo, pela via das eleições sindicais, portanto,
por dentro da estrutura, assentada no apoio e na organização de base nas fábricas
do centro da maior concentração operária do país. A OSM desenvolveu uma ação que
buscava integrar o sindicato e outros organismos de resistência operária na
perspectiva da luta de classes. Atuando dentro da estrutura sindical subordinada
ao Estado e fora, a partir da fábrica, com uma prática direcionada para a
construção de um sindicalismo de massa e democraticamente organizada com uma prática
classista.
FdT
- Qual era a conjuntura política da época? Quais eram os seus objetivos e a sua
composição em termos de tendências do movimento operário?
Soares:
De 1967 a 1990, a Oposição Sindical desempenhou um papel muito importante na
organização e mobilização dos trabalhadores. É lógico que a Oposição Sindical
não era uma organização homogênea, mas uma organização que englobava um vasto
espectro da esquerda (comunistas, trotskistas, setores da igreja católica,
independentes etc.) e por isso tinha suas limitações. O período histórico, é
bom lembrar, foi marcado por uma ditadura militar, onde o trabalho de
organização e mobilização ocorria dentro de uma ambiente de clandestinidade ou
semi-clandestinidade. Daí as dificuldades de se organizar os trabalhadores para
a luta. Além das famosas “listas negras” ou “sujas”, fornecidas aos patrões
pela pelegada. Quando fomos presos, no DOPS, os próprios agentes nos disseram
que havia diretores do sindicatos que estavam ali simulando que estavam
“presos”, mas, na verdade, eles eram os verdadeiros “dedos duros”. E os agentes
citaram até mesmo os nomes desses diretores.
FdT
- Dentro do movimento de oposição houve outra chapa para eleição do Sindicato
dos Metalúrgico de SP. O PCdoB com Aurélio Peres,e a oposição com Waldemar
Rossi,isso influenciou na eleição do Sindicato?
Soares: Sem dúvida, a divisão da esquerda,
facilitou a vitória da pelegada. O PC do B sempre fez esse tipo de política;
lançou Aurélio Peres, rachou a oposição e acabou dando vitória aos pelegos. Em
seguida, passou a fazer uma política de conciliação com essa mesma pelegada.
FdT
- Qual era o papel do Luiz Antonio Medeiros, hoje Secretário do Trabalho de SP,
e Paulinho da Força Sindical naquela época?
Soares: Medeiros se formou na escola do velho
“partidão” (PCB); esteve em Moscou, fez cursos de formação política na escola
do estalinismo. Chegou a São Paulo no final dos anos de 1970 e logo se alinhou
com a política de Joaquinzão e sua pelegada. Em seguida, ao ser eleito presidente
do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, abandonou o partidão e aderiu ao
neoliberalismo. Passou a fazer a chamada política do “sindicalismo de
resultado”, em detrimento dos interesses dos trabalhadores. Criou, em 1991, juntamente
com a pelegada, a central Força Sindical, que passou a se identificar
claramente com a política neoliberal. A Força Sindical tinha como principal
objetivo fazer frente à outra central já existente que era a CUT. A Força Sindical não tem em
seus princípios ser contra o Capitalismo, mas um suposto sindicalismo de
resultados. Já Paulo Pereira da Silva (o Paulinho) foi meu colega de trabalho
na Duratex (Lapa), entre 1978-79, período em que eclodiu a greve dos
metalúrgicos de São Paulo, que culminou com a morte do companheiro Santo Dias,
em um piquete na porta de uma fábrica na zona sul. Nesse período, Paulinho não
era militante político orgânico de nenhum partido e nem era membro da Oposição
Metalúrgica; atuava junto ao pessoal remanescente da AP (Ação Popular),
Deputado Sérgio dos Santos (MDB) e um pessoal ligado à Igreja e ex-militantes
da ALN. Depois da greve de 1979, em seguida, se filiou ao PT, em Franco da
Rocha, onde foi candidato, obtendo uma boa votação, ficando, se não me engano,
como suplente de vereador nas eleições 1982. Daí em diante, Paulinho abandonou
qualquer perspectiva de luta, foi cooptado pela cúpula da pelegada, e ingressou
no sindicalismo neoliberal, onde permanece, até hoje.
FdT
- Quais as principais lutas, greves e mobilizações impulsionadas pela Oposição
Metalúrgica de São Paulo?
Soares:
A Oposição Sindical, mesmo sendo uma organização bastante heterogênea (onde atuavam
diferentes tendências políticas), com todos os problemas, acabou atuando em
todas as greves e mobilizações de trabalhadores. Como sempre, incentivando e
apoiando as lutas de outras categorias, de outras oposições sindicais.
FdT
- Qual a sua participação na fundação do Partido dos Trabalhadores e na luta
contra a Ditadura Militar?
Soares: Sem dúvida, a fundação do PT foi muito
importante para os trabalhadores brasileiros. Tive a oportunidade de participar
desde o primeiro momento de sua fundação (como delegado), no Colégio Sion, em
10 de fevereiro 1980. Mesmo com a vigência da ditadura militar, havia um forte
ascenso de massas que grassava em todo país. Esse foi um momento muito
importante para a organização e mobilização dos trabalhadores. Nesse sentido,
faço um balanço positivo de momento histórico. O problema do PT é que seu
processo de degenerescência foi bem mais rápido do a velha socialdemocracia e
os partidos ditos comunistas. Falo de tudo isso em meu livro O PT e a CUT nos 90: Encontros e
desencontros de duas trajetórias. Sabíamos que o PT - como partido de massa
– não tinha nenhum perspectiva de se converter em um partido revolucionário,
mas acreditou-se (inclusive eu), durante um certo período, que fosse possível
impulsionar as direções centristas, sindicalistas, no sentido de organizar e
mobilizar os trabalhadores para a luta contra o capital. O que para um partido,
com as características do PT, já seria um salto qualitativo de suma
importância. O PT tinha, no seu horizonte, uma plataforma vaga, no que diz
respeito ao socialismo, à emancipação dos trabalhadores, um governo de
trabalhadores etc. Creio que nunca passou (pelo menos para aqueles
revolucionários abnegadamente sérios) de que o PT fosse fazer a revolução no
Brasil. O PT nunca teve essa vocação estratégica! Mas esperávamos que cumprisse
um papel fundante: o de lutar pela independência de classe. Mas isso não foi
levado adiante.
FdT
- Qual o balanço que o Professor faz da experiência da Oposição Metalúrgica de
São Paulo?
Soares:
Como já coloquei, a Oposição Metalúrgica teve um papel importante na
organização e mobilização da categoria metalúrgica, incentivou a organização
por locais de trabalho (Grupos de Fábrica, Comissões de Fábrica etc.), mas não
conseguiu derrotar a pelegada (as eleições sempre foram fraudadas, é verdade)
e, por uma série de fatores - que exigiria uma análise sociológica e política
mais profunda - e construir uma alternativa hegemônica ao velho sindicalismo. O
resultado é que a Oposição foi perdendo força, acabou sendo derrotada.
Arriscaria afirmar que o ressurgimento de uma nova Oposição Sindical, só seria
possível com um “novo curso” da luta de classes, com um novo ascenso de
massas...
FdT
- Soares, como e quando foi fundado o Partido dos Trabalhadores no Bairro da
Lapa paulistana, 2ª. Região Industrial da Capital paulista (a 1ª é Santo Amaro)?
Soares: O Núcleo PT – LAPA da Rua Catão - foi
um marco importante na fundação e organização do Partido. O PT – Lapa
desempenhou um papel importantíssimo na mobilização e organização dos
trabalhadores da região. Participou de todas as lutas e greves que se desencadearam
na Lapa e região, apoiou, angariou fundo de greve, montou Comitês contra o
desemprego, atuou junto às lutas dos trabalhadores do ABC paulista, bem como de
outras categorias profissionais, além de prestar solidariedade a outras lutas
sociais a nível nacional.
FdT
- O comitê de desempregado do Núcleo Catão do PT Lapa realizou um comício
contra o desemprego no bairro Lapa,qual a importância desse ato nos movimentos
de desempregados dos anos 80.
Soares: A luta contra o desemprego foi uma das
principais iniciativas que o Núcleo Catão acabou assumindo. Realizamos um
Comício, que contou com a presença de várias lideranças petistas e do movimento
sindical. Pela atuação combativa, vários companheiros acabaram presos, por
diversas vezes, inclusive eu. Além de que, reconhecidamente, o Núcleo Catão,
sempre se caracterizou pelo alto nível de politização e debates, onde se
discutia grandes temas nacionais, análise de conjuntura, mas também a questão
da transformação da sociedade, a luta contra o capital, a luta pela emancipação
dos trabalhadores e pelo socialismo. Lembro-me que nossa atividade contou com a
solidariedade de importantes intelectuais, dentre eles, Florestan Fernandes,
Marilena Chauí e o historiador Edgar Carone.
FdT
- A atuação dos militantes do Núcleo Catão do PT Lapa foram importante nas
eleições sindicais,greve geral e na luta pelo fim da Ditadura Militar?
Soares: Indubitavelmente, o Núcleo Catão foi
um dos grandes baluartes da luta dos trabalhadores. Lamento que a história
tenha tomado outros rumos.
FdT
- Qual era a conjuntura política da época ? Quais eram as tendências políticas
precursoras do PT da Lapa? Qual o balanço que o Prof. faz da atuação da
Organização Quarta Internacional, que editava o Jornal Causa Operária na época
?
Soares: Minha militância política começa muito
cedo, no Estado da Paraíba. Lá, em 1969, fui preso, juntamente com outros
jovens companheiros, quando ainda era menor de idade, por participar do
movimento estudantil secundarista, ligado ao Partido Comunista Brasileiro
Revolucionário (PCBR), uma organização clandestina, que havia rachado com o velho
“Partidão”. Já, em São Paulo, nos anos de 1970, ingressei na Quarta
Internacional, através do companheiro Paulo Skromov. Já falei dessa passagem
pela OSI. Na Causa Operária, minha passagem foi bem mais rápida, mas no período
de 1982, realizamos importantes atividades, desde campanhas contra o
desemprego, a participação na Campanha Eleitoral, quando saí candidato a
deputado estadual pelo PT, obtendo quase seis mil votos. Tudo isso foi
importante para o avanço da consciência da classe trabalhadora. Em seguida, fui
para Convergência Socialista, de onde saí para atuar no MTM (Movimento Por uma
Tendência Marxista), que incorporava militantes de diferentes origens e
ramificações políticas. Me desfiliei do PT, nos anos de 1990, me aproximei dos
marxistas independentes, e hoje, atuo no movimento sindical, juntamente aos
companheiros do PSTU e do PSOL. Não estou filiado a nenhuma organização
política, mas sigo defendendo a ideia da centralidade do partido na luta pela
emancipação dos trabalhadores e a construção de uma nova sociabilidade “para
além do capital”.