23 de outubro de 1937
Em épocas como a atual em que a ideologia imperialista busca expandir seus domínios tapeando as massas em nome da defesa da "democracia"; no momento em que arrastados por esta pressão do inimigo, muitos dos que ainda se dizem "marxistas" substituíram a política revolucionária pela venal demagogia populista; quando todos os revisionistas se unificam em torno do ódio a ditadura do proletariado e ainda mais contra a "ditadura do partido" (combatendo o bolchevismo, identificando-o falsamente com stalinismo), os ensinamentos de Trotsky chamam a atenção para elementos fundamentais da política na história moderna. Reproduzimos abaixo uma magnífica carta do revolucionário russo a sua leitora Margaret de Silver com
lições obtidas a partir da derrota do proletariado na Guerra Civil espanhola.
Agradecemos ao camarada Erivaldo Costa pela meticulosa tradução do texto, pela
primeira vez apresentado em língua portuguesa.
Minha querida camarada Margaret de Silver,
Gostei muito de ler sua carta, tão fraternal e ao mesmo
tempo tão franca. Demais será dizer quão grato me pareceu o fato de que meu
livro lhe interessasse tanto, até o ponto de dedicar-lhe muito tempo a sua
leitura. Os leitores atentos são muito escassos, quase tão escassos como os
autores sérios, mas por isso mesmo são tão valiosos.
As objeções que você formulou se revestem grande importância
teórica e política. Em meu último trabalho [Estalinismo e Bolchevismo] tentei
me referi a esta questão de forma por demais concisa e – reconheço – demasiado
insuficiente. Não sei se você já recebeu meu folheto. Anexo-lhe uma cópia. Aqui
tratarei de formular alguns pontos suplementares em apoio a minha posição.
Para mim a ditadura revolucionária de um partido proletário
não é algo que alguém possa aceitar ou rechaçar livremente: é uma necessidade
objetiva que nos impõem as realidades sociais – a luta de classe, a
heterogeneidade da classe revolucionária, a necessidade de uma vanguarda
selecionada assegurar a vitória. A ditadura de um partido, como o próprio
Estado, pertence à pré-história bárbara, mas não podemos saltar este capitulo
que pode abrir (não de um só golpe) a autêntica história humana.
Os dirigentes da CNT espanhola renunciavam em todo momento
participar em “política” e renunciavam a ter algo que ver com o Estado, porém a
realidade social é mais poderosa que qualquer dessas negações abstratas.
Durante a guerra civil, os dirigentes da CNT se tornaram ministros burgueses,
mas, ai!, ministros secundários e impotentes. Em maio os operários anarquistas
iniciaram uma poderosa insurreição. Se tivessem contato com uma direção
adequada seguramente poderiam ter conquistado o poder na Catalunha e, com seu
exemplo, levantar as massas trabalhadoras da Espanha inteira. Solidaridad
Obrera disse em centenas de ocasiões: “A acusação de que nós provocamos o
movimento é totalmente falsa. Se tivéssemos provocado ou simplesmente
orientado, seguramente tínhamos conseguido a vitoria. Mas não queremos uma
ditadura, por isso renunciamos dirigir a insurreição”. Qual foi o resultado? Ao
renunciar a ditadura para si, os dirigentes da CNT deixaram o campo livre para
a ditadura estalinista: a natureza social como a física não tolera o vazio.
O partido revolucionário (vanguarda) que renuncia sua
própria ditadura entrega às massas à contrarrevolução. Tal é o ensinamento de
toda a história moderna.
Falando em termos abstratos, seria muito bom que a ditadura
do proletariado pudesse ser substituída pela ditadura de povo trabalhador em
seu conjunto, sem partido, porém isso implica um nível de desenvolvimento das
massas tão elevado que jamais se pode alcançar sob as condições criadas pelo
capitalismo. A revolução é consequência também do fato de o capitalismo não
permite o desenvolvimento material e moral das massas.
A ditadura não pode resolver todos os problemas nem impedir
novos reveses (reação, termidor, contrarrevolução). O desenvolvimento da
humanidade é muito contraditório, porém não podemos renunciar a dar um passo
adiante com o fim de impedir meio passo atrás. Apesar da ditadura desonesta da
burocracia termidoriana na União Soviética, a Revolução de Outubro em seu
conjunto significa um progresso imenso na história da humanidade. Inclusive
agora sob o tacão de ferro da nova casta privilegiada, a URSS não é a mesma que
a Rússia czarista. E graças à Revolução de Outubro a humanidade é
incomparavelmente mais rica em experiências e possibilidades.
Gostaria muito de me reunir alguma vez com o camarada Carlo
Tresca. Logicamente não com o fim ingênuo de convertê-lo (nós, velhos
revolucionários somos pessoas cabeça dura), mas sim para discutir as
possibilidades para a ação conjunta contra a gangrena estalinista. Zamora, o
membro mexicano da comissão [Dewey] voltou muito satisfeito com a comissão e
totalmente cativado por Tresca.
Minha esposa e eu guardamos uma gratíssima recordação de sua
breve visita ao México e esperamos que essa visita não seja a última.
Meu mais caloroso agradecimento por sua carta e por sua
amizade em geral.
Fraternalmente,
León Trotsky
Nota:
[1] Ditadura e Revolução. Do arquivo de James P. Cannon. Com
a autorização da Library of Social History. Carta a Margaret Silver, membro da
CNDLT e viúva de Albert Silver, fundador da American Civil Liberties Union.
Carlos Tresca era seu companheiro.