Stalinofobia e Stalinofilia na Ucrânia
Segue abaixo texto do Socialist Fight (original aqui), traduzido para o português pelo Espaço Marxista, membro do Comitê Paritário. O SF é a seção britânica do Comitê de Ligação para a Quarta
Internacional. O texto aborda as posições que as diversas organizações da esquerda
britânica têm adotado sobre a questão ucraniana. Os interessados em conhecer
mais a fundo o cenário local e compreender melhor os episódios e grupos citados
no texto, podem entrar em contato através do email socialist_fight@yahoo.co.uk.
Tropas ucranianas empurram blindado enguiçado na debandada de Debaltseve, em meados de fevereiro. |
Na Ucrânia há três posições equivocadas que reivindicam o
nome do trotskysmo, oscilando entre suas margens e as margens do stalinismo (ao
menos na Grã-Bretanha). Essa última é mais ou menos a de uma apoio acrítico a
Putin e aos líderes de Donbass. Ninguém nesta lista defende esse
posicionamento, apesar de terem sido por muitas vezes falsamente acusados disso
por Michael Calderbank e outros por aí para encobrir seus próprios rastros
políticos. O único autodeclarado grupo nessa posição são os posadistas, que em
verdade se afastaram até mesmo do trotskysmo centrista em meados dos anos 50.
Seu correspondente stalinista seria o CPGB (ML) de Harper Brar.
À esquerda deste campo, na política interna britânica, mas à
direita na questão imperialista, está toda a gama de grupos centristas pequenos
burgueses de origem trotskysta, a AWL, o Socialist Resistance, ligado ao Secretariado Unificado, mandelista, o SWP,
Workers Power (e o RCIT baseado na Áustria, ao qual Laurence [Humphries] se
juntou), o Socialist Party e o Socialist Appeal britânico (SA, corrente mãe da Esquerda Marxista do PT brasileiro), junto com os grupos
internacionais como o NPA francês e os morenistas latino americanos, que tomaram
uma espantosa posição pró-imperialista na Líbia e vão pelo mesmo caminho na
Síria e na Ucrânia. Eles sequer podem defender um duplo derrotismo, como seria
o caso de um conflito inter-imperialista aberto. É um agrupamento se movendo
constantemente ao social-chauvinismo de direita, mas há duas exceções que conhecemos.
As exceções são o Workers Party e o Socialist Appeal que adotaram posições
relativamente boas na Ucrânia após tomarem posicionamentos muito ruins sobre a Líbia e
Síria. O patrocínio do imperialismo anglo-americano a grupos abertamente
fascistas lhes chocou e lhes empurrou, de alguma forma, para a esquerda. Mas
eles continuam centristas e não trotskystas porque fracassam em defender a
derrota de sua própria classe dominante e a vitória de Donbass. Fracassaram em
celebrar a vitória das forças antiimperialistas em Debaltseve. Nesse campo se inclui o RCIT e pode ser chamado de "shachtmanista de esquerda", a
linha do "nem Washington nem Moscou, mas pela classe trabalhadora
mundial". Eles caracterizam a Rússia e a China como imperialistas e têm
uma visão pusilânime do conflito, conforme analisamos em nossos artigos sobre o
Workers Party [ 1 ] e a saída de Laurence Humphries do RCTI [ 2 ].
Eles postulam uma classe trabalhadora pura, sindicalista, acima de nações e da História, nem pró-imperialista nem antiimperialista, e sim
"a classe trabalhadora independente". Tal entidade mítica do
shachtmanismo nunca existiu, nem poderia. Trabalhadores são pró-imperialistas, quando pertencem e defendem as nações imperialistas e antiimperialistas se pertencem e defendem nações semicoloniais. Assim, há os agentes e burocratas sindicais que são
agentes de segundo classe do Estado burguês, e partido operários burgueses que são
partidos capitalistas e imperialistas de segunda classe.
A tarefa do partido revolucionário é fazer com que a classe
desenvolva sua consciência, sempre embrionária, por exemplo através da
solidariedade com a Resistência Antifascista Ucraniana e esclarecendo os
aspectos do conflito
Nos campos do stalinismo e da stalinofobia. Percebemos três
tendências na reunião pública do New Communist Party (NCP) que ocorreu há algumas
semanas. O CPGB (marxista-leninista) que adota uma posição sobre a imigração próxima da posição do UKIP [o Partido de Independência do Reino Unido, um partido da direita britânica], e defende uma espécie de socialismo em um só país levado ao extremo. E como reflexo destas duas primeiras posições, o CPGB lançou uma nova publicação "provando" que Josef Stálin estava certo nos "Processos de Moscou" de 1936-9. Mas, por
outro lado, estão definitivamente a favor da derrota do imperialismo
angloamericano e da vitória de Donbass. Tanto eles quanto o NCP celebraram a
vitória em Debaltseve, sendo os únicos grupos políticos, além do Socialist Fight / Comitê
de Ligação para a Quarta Internacional, que fazem isso. Eles não militam no
movimento trabalhista britânico, tendo o tradicional desprezo maoísta pela
classe trabalhadora urbana como sendo simplesmente burguesa.
O NCP se posiciona muito bem na Ucrânia mas seu o artigo sobre
as greves de ônibus em Londres é comparável ao do Workers Party, que girou para
a direita na política doméstica; ele aceita a boa fé dos burocratas, que
estariam fazendo seu melhor pelos motoristas explorados pelas empresas de
ônibus. A noção de que tais burocratas possam ser cúmplices dessa exploração
não é sequer cogitada. Uma parcela de propaganda ultraesquerdista contra um decente
grupo de camaradas. Mas, não pode ser ao mesmo tempo antiimperialista e
anti-operário, apesar de muitos tentarem. Em algum momento as contradições
amadurecerão e uma tendência se sobressairá sobre a outra
E também o "Morning Star", cujos dois porta-vozes
participaram da SARU também, obviamente representantes da tendência esquerdista
do partido. Mas, falando sério, examine qualquer cópia do "Morning
Star" e ficará claro que se trata da voz da burocracia do TU, os
apologistas de todas as burocracias de esquerda e apenas levemente críticos dos
burocratas de direita. E, também suave e hesitantemente, críticos do Trabalhismo.
A revolução é uma memória distante, apenas sonhos reformistas desconectados da
política diária.
Mas na luta contra o imperialismo o stalinismo deve ser
criticamente apoiado, assim como apoiamos Trabalhistas contra o [partido
conservador] Tory. Escolher o imperialismo contra aquilo que nada mais é que
parte do movimento da classe trabalhadora, como o Partido Trabalhista, é
traição de classe, levando a stalinofobia ao extremo do anticomunismo e do
social-chauvinismo. O Partido Comunista combate o fascismo na Ucrânia porque
está obrigado em razão de sua sobrevivência e de sua história, assim como
Kadaffi, Assad, Saddam, o Talibã, al-Qaeda e ISIS o enfrentaram ou estão
enfrentando, apesar de anteriormente terem sido clientes do imperialismo.
Podemos sugerir seriamente que o stalinismo é mais ou menos
contrarrevolucionário que o Partido Trabalhista britânico, por exemplo? São
ambas tendências contrarrevolucionárias internacionalmente, mas de formas
diferentes, como falamos acima. Nessa diferença, assim como nos conflitos entre
o imperialismo angloamericano e o imperialismo franco-germânico, o trotskysmo
revolucionário deve buscar seu caminho. Porque é dessa crítica que o trotskysmo
revolucionário se reconstruirá.
Notas
(1) Workers Power’s backsliding on Ukraine- link
(2) Reply by the LCFI to the Resignation of Laurence
Humphries from the Socialist Fight Group/LCFI- link
Adendo
Trotsky: Teoricamente é possível apoiar o candidato
stalinista. É uma forma de aproximação com os trabalhadores stalinistas. Quero
dizer, sim, conhecemos esse candidato. Mas daremos apoio crítico. Podemos
repetir em pequena escala o que faríamos se Lewis fosse indicado.
Teoricamente isso não é impossível. Seria difícil, é
verdade- mas por ora é apenas uma análise. Eles, é claro, diriam, não queremos
o seu apoio. Responderíamos, não apoiamos vocês, e sim os trabalhadores que
apóiam vocês. Nós lhes alertamos, mas seguimos com eles na experiência. Esses
líderes trairão vocês. É necessário encontrar uma aproximação com o partido
stalinista. Teoricamente não é impossível apoiar os candidatos deles com
advertências duras. Isso os guiaria. O quê? Como?
Kay: Mas em Boston os stalinistas não admitiriam sequer que
passássemos pelo portão. Eles chegaram a expulsar nosso camarada.
Trotsky: Eu sei. Eles chegaram a atirar contra nós. Mas
dezenas de milhares de trabalhadores estão com eles. Eu não sei exatamente
quantos. É difícil determinar. Claro, nós sofreríamos a indignação de Burnham.
Shachtman diria, "vejam, eu previ isso: capitulação ao stalinismo".
Haveria mesmo uma considerável aversão em nossas fileiras. Mas a questão são os
trabalhadores stalinistas. A classe trabalhadora é decisiva. Com garantias,
alertas, por que não considerar isso? Browder é uma canalha pior que Lewis? Eu
duvido. Ambos são canalhas.
(fonte)