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quarta-feira, 1 de abril de 2020

1964 - 2016 - 2020

56 anos de 1964, quatro anos de 2016 e a tática miserável da esquerda brasileira

Há 56 anos a população trabalhadora do Brasil sofreu um Golpe de Estado. Há quatro anos, sofreu outro. A redemocratização do país, entre 1985 e 2016 foi produto das lutas de resistência da classe trabalhadora contra a ditadura do capital. O mesmo vale para as lutas atuais contra a nova ditadura que se instaura agora não mais pela ocupação imediata das ruas por tanques, mas pela tática das “aproximações sucessivas”, como expôs o próprio General Mourão em 15/09/2017, hoje vice presidente e candidato a substituir Bolsonaro em uma trama palaciana com o apoio da centro-esquerda brasileira. Essa tática é o método do processo atual, golpe parlamentar, governo tampão do vice, nada de movimentos militares clássicos, lawfare, guerra híbrida, eleição fraudada, ocupação “em massa” por militares de postos do executivo que sempre foram ocupados por civis.

Para os marxistas, a extrema direita é uma expressão política dos interesses de uma ala da burguesia, ainda que possa ser dirigida por frações pequeno burguesas. E um golpe de Estado da extrema direita burguesa é uma contrarrevolução social que aprofunda a ditadura do capital. Então, em 1964 e 2016 temos duas formas de contrarrevolução, formas que se relacionam dialeticamente com a essência da ditadura do capital.


"Contrarrevolução burguesa permanente!"

Histórica e excepcionalmente, a ditadura capitalista no Brasil foi forjada na herança de uma escravidão de quatro séculos e na dependência de metrópoles capitalistas como Portugal, Inglaterra e EUA. Todo regime democrático burguês, inclusive o desses últimos 29 anos, sofreu as determinações dessa herança escravista colonial. Mas também a acumulação de capitais no Brasil também gozou permanentemente de um certo gradualismo das soluções por cima e quase sempre à frio desde a Independência que estruturam o Estado a partir dos interesses oligárquicos, burgueses e imperialistas contra a grande maioria da população e através de um processo que Octavio Ianni chamou de “contrarrevolução burguesa permanente”. Nesse sentido, o golpe de 1964, generalizou as relações capitalistas no Brasil, completou a revolução burguesa iniciada nos primeiros 30 anos daquele século.

Em 2014, portanto, dois anos antes do impeachment, em declaração da Liga Comunista pelos 50 anos do golpe de 1964 alertávamos que:

“Se a crise econômica mundial de 1973 marcou o início do declínio da ditadura militar, a crise de 2008, que atinge retardatariamente o Brasil, coloca novamente o país em uma encruzilhada: avançar em direção a revolução social ou retroceder para um novo golpe de Estado.” 
(Líbia, Síria, Egito, Honduras, Paraguai, Ucrânia, Venezuela, o espectro do golpismo ronda o planeta - Derrotar a reação golpista no Brasil! - Nenhuma confiança no governo Dilma, que aprimora o aparato repressivo herdado do regime militar contra a população trabalhadora!)
Nossas piores expectativas se realizaram. Retrocedemos em direção a um novo golpe de Estado muito pior que o de 1964 do ponto de vista da economia nacional, de sua dependência em relação ao grande capital internacional. O país caminha em direção a condição neocolonial e as relações trabalhistas em direção a uma nova escravidão. Mas ninguém previra o quanto as coisas poderiam piorar. As crises econômicas são decisivas nas viradas políticas do Brasil. Pois bem, nos encontramos diante de uma conjunção de fatores completamente nova. Uma crise econômica mundial associada a uma pandemia. E como se isso não bastasse, nossas particularidades conjunturais fazem com que a crise econômica e a pandemia mundiais encontrem o Brasil com um governo neonazista que a todo instante ameaça todo o povo com um golpe dentro do golpe, com todo saudosismo do mundo em relação ao regime instaurado em 1964, particularmente depois da imposição do AI-5.

A forma do golpe de Estado, ou seja, o fato do golpe de 2016 ter sido parlamentar e não militar como o de 1964 não deve nos consolar. Pelo contrário, a forma “pacífica’ de golpe, típico dos tempos correntes de guerra híbrida e de retrocesso nas lutas e sobretudo na consciência da classe trabalhadora permite a que a ditadura do capital vá mais fundo no ataque as condições de vida da classe trabalhadora e na extração da mais valia.

E a aparência democrática do processo golpista, sem mostrar os dentes, permite a instauração de um novo governo empresarial-militar a frio, por cima.


Bolsonarismo sem Bolsonaro?

Vale destacar que o bolsonarismo não passa do chorume da ditadura militar. Não a reivindica sequer por seu plano econômico, que aprofundou a dependência externa do país potenciando a dívida externa para criar uma infraestrutura logística para o capitalismo no Brasil. Nesse quesito,se espelha no o plano econômico ultraliberal do pinochetismo chileno, onde o ministro da economia Paulo Guedes fez seu primeiro estágio.

Representante efetivo das milícias – as máfias parapoliciais, a forma atual dos esquadrões da morte – a herança que mais o bolsonarismo reivindica da ditadura empresarial militar é a tortura, assim como a figura de seu comandante abjeto, o torturador Brilhante Ustra.

O bolsonarismo é uma ala lumpem da pequena burguesia que, com seu ultraliberalismo, conclui a obra de privatização-destruição de condições essenciais para o desenvolvimento nacional do capitalismo, obra iniciada pelo neoliberalismo desde nos anos 1990, pelos governos anteriores, de Collor a Dilma.


A frágil e tímida redemocratização do Brasil após o regime militar e o próprio golpe de 2016, bem como a instauração de uma nova ditadura por aproximações sucessivas, só são possíveis graças à miserável resistência da esquerda brasileira, PT, PDT, PCdoB, PSOL, PCB. Esses partidos já se colocam como previamente rendidos e colaboradores de classe do regime instituído em 2016.

Esses partidos eleitoralistas da esquerda possuíam como tática o “Fica Bolsonaro!”. Apostavam em ficarem Escolheram ficar quietos, opondo-se a organizar a insatisfação popular para derrubar o neonazista e apostando cretinamente nas eleições a serem organizadas pelos golpistas. Eleições estas, cuja tendência é serem cada vez mais fraudadas, como evidentemente o foram, por todos os meios, as de 2018.


Manifesto da centro esquerda: bola no pênalti para Mourão

Essa esquerda burguesa e pequeno burguesa mudou de tática. Nada de reivindicar um “Fora Bolsonaro!” consequente, a serviço dos interesses da maioria da população. Fizeram um documento em favor do impeachment de Bolsonaro. Por dois aspectos essa tática é um cheque em branco para a direita tradicional e setores do bolsonarismo assumirem o governo e realizarem o bolsonarismo sem Bolsonaro: o primeiro aspecto é que essa esquerda se opõe sempre se opôs a fazer luta de rua para derrubar Bolsonaro, como já dissemos, e agora se opõe ainda mais, aproveitando a deixa da quarentena (efetivamente, a única forma da classe trabalhadora defender-se da pandemia em todo o mundo dada a precariedade de todos os sistemas de saúde burgueses). O segundo aspecto, em parte associado ao primeiro, está no fato de que é o Congresso, capitaneado pela direita e pelo Centrão, quem pode decidir pelo impeachment.

Portanto, essa saída, apresentada pela esquerda, é, na verdade, uma saída favorável à direita, que só beneficia ao Mourão, o qual pode realizar um governo mais estável, com menos crises políticas na cúpula do governo, que Bolsonaro. Então, a direita tradicional realizaria uma frente com uma ala do governo Bolsonaro (Mourão, Guedes, Moro, Mandetta) contra a ala conformada pelo presidente e os olavistas. O impeachment ou a pressão máxima pela renúncia (em troca da anistia para os crimes da família) resultaria em um governo tampão de Mourão até as eleições de 2022, quando a centro direita espera retomar o governo através de uma frente tipo Doria-Maia. Mourão defende a ditadura militar e a eliminação dos direitos trabalhistas, como o 13º salário.

A tática miserável da esquerda contida no manifesto do dia 30 de março de 2020, para além da classe trabalhadora, pode atraiçoar também os planos da própria esquerda eleitoralista e até da centro direita. E se Mourão e os militares que terão o governo todo para eles, sem os olavistas, não quiserem mais largar o osso e traírem a direita como o golpe de 1964 traiu Lacerda? A pequena vanguarda classista dos trabalhadores não pode continuar refém dessa traição oportunista e desse destino trágico, e não pode seguir marginal na luta de classes, sem fazer um grande esforço militante por conquistar a confiança e a consciência das bases exploradas na sua luta pela sobrevivência. Porque não basta criticar corretamente as traições da esquerda burguesa, pois ainda são as direções tradicionais que continuam como referências para os trabalhadores.

E por isso, precisamos acumular forças durante a pandemia para construir entre os trabalhadores a necessidade de derrubada do conjunto do governo bolsonarista, Mourão, Guedes, Mouro, sem permitir que a direita de Maia, Doria, Witzel, Luciano se apresentem como alternativa. A alternativa precisa vir dos trabalhadores organizados em sua luta por seus interesses imediatos e estratégicos.