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quinta-feira, 24 de outubro de 2019

CHILE

Do “oásis” a “guerra conta um inimigo poderoso”, pega fogo o laboratório mundial do neoliberalismo


Ambas as expressões acima são do presidente chileno Sebastian Piñeda. Quando ele acreditava estar em “oásis” em meio a uma América Latina convulsionada e economicamente falida resolveu aumentar pela quarta vez o preço da passagem do metrô em menos de 2 anos. Foi a gota d´água de uma situação já insuportável de destruição das condições de vida da população que vive com salários baixos como os paraguaios, preços altos como os espanhóis, com uma miséria camuflada pela enganosa propaganda de ostentar o maior PIB per capita da América Latina.

As atuais condições de vida da maioria da população chilena foram impostas pela ditadura do General Augusto Pinochet que fez do país o laboratório neoliberal de Milton Friedman e passou a ser modelo mundial dos governos de direita, como o governo de Bolsonaro. 100% dos serviços sociais do país foram privatizados, acabando com direitos trabalhistas, sindicais, previdência, saúde e ensino superior públicos. O Chile é o único país do mundo onde o acesso a água foi integralmente privatizado. Os governos da concertação socialdemocratas mantiveram intactas essas medidas, mantendo até mesmo a Constituição imposta pela ditadura militar em 1980, outra exceção em todo continente. Os cidadãos se encontram-profundamente endividados com os bancos, principalmente os universitários, obrigados a recorrer a empréstimos bancários para matricular-se no ensino superior que irão carregar pelo resto de sua vida adulta.

Mas ainda pior é a situação dos trabalhadores aposentados. No Chile, a ditadura estabeleceu o regime de capitalização através da reforma previdenciária imposta em 1981. As Administradoras dos Fundos de Pensão (APPs) pagam no máximo metade de tudo que receberam de seus “beneficiários”, fazendo com que ao chegar a aposentadoria, muitos trabalhadores prefiram o suicídio a viver sob as condições miseráveis que foram condenados. O regime pinochetista preservou os militares da reforma previdenciária, mantendo-os no sistema previdenciário público e social, privilégio que também foi copiado pela reforma previdenciária de Bolsonaro no Brasil de 2019.

Mas esse ainda não é o maior privilégio dos militares chilenos. O país é o maior produtor mundial de cobre (28% do mercado global), tendo produzido quase 6 milhões de toneladas desse metal fundamental para grande parte dos processos mundiais. O cobre foi estatizado pelo governo de Salvador Allende. Estrategicamente, Pinochet não o privatizou, mas fez com que 10% de toda a renda com a venda internacional do cobre fosse destinada para as Forças Armadas. O Chile é praticamente um cobre-Estado dominado por uma casta militar associada ao grande capital e gendarme do imperialismo que impôs privatização da previdência enquanto assegurava para si uma previdência pública bancada com os lucros obtidos graças ao controle estatal dos ingressos com a venda do cobre. Todavia, a guerra comercial dos EUA contra a China fez despencar o preço do cobre no mercado mundial. Com a elevação de tarifas como a do metrô e mais ajustes neoliberais o governo pensava em fazer a população pagar pela crise de esgotamento do “modelo chileno”, vitrine mundial das políticas de austeridade.

Piñeda acreditava poder continuar tranquilamente apertando a corda em torno do pescoço da maioria dos chilenos. A população enfurecida demonstrou que não, que tudo tem limite e ateou fogo no laboratório neoliberal. Tendo à frente estudantes e usuários do metrô, surpreenderam o governo com uma reação que para o mesmo pareceu desproporcional diante de um pequeno aumento de 30 pesos (20 centavos de real).

Piñeda recuou no aumento do metrô acreditando que com isso reestabeleceria o “oásis”. Ledo engano, já havia sido despertado o profundo descontentamento social diante da degradante situação em que vive a classe trabalhadora, seus anciãos e filhos. O estado de emergência imposto pelo governo, instituindo a ação brutal dos odiados carabineiros, jogou mais combustível na fogueira, reabrindo as feridas abertas de mais de 30 mil assassinados pela ditadura pinochetista.

A população não acatou ao toque de recolher e saiu as ruas para enfrentar a mais brutal repressão dos últimos 30 anos. Piñeda reconheceu que estava em “guerra contra um inimigo poderoso”, ampliou a repressão, mas demagogicamente pediu desculpas por sua “falta de visão”:

"Os problemas vinham se acumulando há décadas. [...] E os diferentes governos não foram ou não fomos capazes de reconhecer esta situação em toda sua magnitude. Esta situação de desigualdade e de abuso que tem significado uma expressão genuína e autêntica de milhões e milhões de chilenos. Reconheço essa falta de visão e peço perdão aos meus compatriotas".

Milhares de pessoas vem engrossando as manifestações, estações de metrô, bancos, multinacionais foram incendiados. Em um novo recuou o governo anunciou um pacote de medidas sociais que inclui um aumento de imposto sobre as grandes fortunas que pode chegar a 40%, a criação de uma defensoria para vítimas de crimes, um programa de renda mínima estatal de complementação de 15% dos salários mais baixos, para elevá-los a 350 mil pesos (486 dólares ou 1.900 reais) para todos os trabalhadores com jornada completa quando o valor recebido for inferior. Piñera também anunciou a anulação da recente alta de 9,2% nas contas de luz e um seguro para a compra de medicamentos.

Todo apoio a greve geral e a rebelião popular pelo fim do governo Piñera e pela demolição definitiva do regime pinochetista

Esse pacote econômico de pacificação consegue ser até mais está à esquerda por exemplo do que o miserável programa eleitoral apresentado por Haddad candidato do PT brasileiro a presidência. Felizmente a população chilena até agora não se deixou enganar por essa tentativa de cooptação da rebelião popular, identificando nas medidas de Piñeda a lembrança da ditadura pinochetista, a população desafia nas ruas de peito aberto ao toque de recolher que já assassinou mais de dez pessoas e feriu outras 270 e prendeu milhares.

Desse modo, milhões de pessoas seguem manifestando-se e a Central Unitária dos Trabalhadores juntamente com duas dezenas das maiores organizações populares e estudantis chilenas convocaram uma greve geral pelo fim do Estado de Exceção, desmilitarização das ruas do país e libertação dos quase dois mil presos políticos feitos nos últimos dias. Para livrar-se das condições insuportáveis criadas pelo regime pinochetista a luta deve seguir adiante pela reestatização sob o controle de trabalhadores e usuários dos transportes coletivos, da previdência, saúde e educação; por uma assembleia constituinte livre e soberana; justiça e condenação dos crimes da ditadura militar; pela renúncia de Piñera e seu governo empresarial agente do imperialismo.