Em defesa da Revolução Proletária, desmascarando a mitologia makhnovista na revolução russa
Reproduzimos abaixo um documento do camarada
turco Zuo Lecra, a qual consideramos a mais completa refutação marxista dos
mitos anarquistas e liberais sobre Kronstadt e Makhno fabricados contra o
bolchevismo
Com a Revolução Russa próxima de completar um século,
correntes de diversos matizes políticos continuam a empreender uma verdadeira
cruzada contra o bolchevismo e os principais líderes da Insurreição de Outubro
- Lênin e Trotsky. Os anarquistas, em particular, não se cansam de repetir os
velhos mitos já derrubados pela história. Como se sabe, durante o longo
processo revolucionário na Rússia, o Partido Bolchevique foi a única fração que
ofereceu de fato uma direção revolucionária aos trabalhadores e pôs um fim
definitivo na questão da dualidade de poder; os anarquistas ou se esconderam em
seu reduto periférico ou atuaram em união com os bolcheviques. Após a revolução,
uma parcela dos que se proclamavam "anarquistas", alheios ao processo
revolucionário de 1917, passou para o lado da reação contra-revolucionária com
a intenção de derrubar o nascente Estado operário e o poder soviético. De todos
eles, o movimento de Makhno na Ucrânia (1918-21) e a malfadada rebelião de
Kronstadt (1921) são apresentados ainda hoje como alternativas
"revolucionárias" ao bolchevismo. Ambos os episódios continuam
gerando uma enorme polêmica e despertando até mesmo a curiosidade e simpatia dos
setores mais reacionários da burguesia.[1] Não sem razão, Trotsky declarou em
1938 que a rebelião de Kronstadt parecia não ter ocorrido há dezessete anos,
mas apenas ontem... O que diria hoje o velho dirigente bolchevique quando as
inúmeras falsificações reproduzidas ao longo do tempo transformaram-se
praticamente num mito?
Fazendo uma pequena analogia, lembremos que Stálin, em seu
tempo, revisou descaradamente a história da Revolução Russa e da Guerra Civil,
apagando o papel de dirigentes que participaram ativamente de todo o processo
revolucionário e criando ficções históricas em torno de si mesmo. As
falsificações foram tão numerosas que Trotsky teve o dever de refutar cada uma
delas. Os anarquistas não fogem à regra, empenhados na luta contra o bolchevismo
e a ditadura do proletariado revisam completamente a história romantizando
cegamente os elementos que tomaram parte tanto na rebelião de Kronstadt como no
movimento de Makhno. Entre os defensores encontram-se inclusive aqueles que
mantêm uma crítica contundente à política traidora da CNT-FAI na Espanha.
Muitos desses neófitos repudiam o papel representado por uma parcela
considerável dos anarquistas (apelidados por Lênin como
"anarco-soviéticos" e chamados por muitos como "anarco-bolcheviques")
aos quais se opuseram de maneira intransigente a qualquer movimento hostil aos
bolcheviques, quer fosse dirigido por supostos "anarquistas" ou não.
Estes heróicos camaradas devem ser lembrados por sua coragem e firmeza, pois
enquanto a maioria deles ocupou funções de grande importância num Estado
operário, servindo à causa do proletariado, os dirigentes espanhóis da CNT-FAI
exerceram cargos de ministros num Estado burguês, sepultando o avanço
revolucionário das massas e vivendo como verdadeiros "barões da anarquia".
Sem dúvida, é muito estranho que esses dois episódios tenham
se mistificado de forma tão absurda exatamente quando ocorria a traição da CNT
na Espanha em plena década de 30. Enquanto Trotsky trazia à tona o papel
traidor jogado pelos cenetistas no movimento operário espanhol, os anarquistas
faziam manobras distracionistas utilizando Kronstadt e Makhno como couraça
protetora. Emma Goldman, que apoiou a política nefanda da CNT, foi especialista
neste tipo de manobra.
Como defensores do legado de Lênin e Trotsky (ou seja, do
bolchevismo) nosso dever é mostrar a verdade, por mais dura que possa parecer.
A intenção deste artigo é desmistificar os mitos criados pela escola de
falsificação anarquista mostrando provas e relatos que atestam a veracidade das
análises de Trotsky. O bem da verdade é que esses mitos já não surtem mais
efeito, a história real dos fatos vem emergindo pouco a pouco e os anarquistas
não encontram argumentos plausíveis para responder à enorme quantidade de
documentos descobertos pelos historiadores através de arquivos secretos. Por
fim, vale ressaltar que a maioria dos críticos anarquistas rechaça
categoricamente a construção de um Estado operário, a ditadura do proletariado
e a organização partidária, ou seja, os únicos meios capazes de enfrentar o
capitalismo e sua reação contra-revolucionária. Isto só prova que seus métodos
de "organização" já estão superados pela história e que jamais
servirão aos objetivos finais da classe trabalhadora, e sim aos seus pérfidos
inimigos.
A DITADURA ANARCO-KULAK DE NESTOR MAKHNO
Nestor Ivanovich Mikhailenko (Makhno) nasceu em 1889 na
próspera e rica região rural de Gulyay-Pole, Ucrânia. Filho de camponeses,
iniciou sua militância política através do "terrorismo individual",
unindo-se a um grupo de jovens que se ocupavam em saquear ricos proprietários
de terras e promover atentados contra oficiais do governo czarista. Em 1908 foi
condenado à forca pelas autoridades por ter assassinado um comissário de
polícia. Devido à sua jovem idade, 19 anos, a pena foi comutada em prisão
perpétua, sendo transferido para a prisão de Butyrki, em Moscou. No cárcere,
Makhno entra em contato com o anarquista Piotr Arshinov, que o influencia
politicamente e que mais tarde fará parte de seu movimento. Como conseqüência
da Revolução de Fevereiro, é solto em 1917 pelo Governo Provisório, retornando
assim à sua terra natal.
Em 1918, a nascente República Soviética deu início ao
tratado de paz com a Alemanha, firmado em Brest-Litovsk, na qual foi obrigada a
ceder partes do território russo em troca da paz. Entre esses territórios
estava a Ucrânia, a terra onde Makhno e Trotsky haviam nascido. A Ucrânia era
uma região atrasada industrialmente, mas muito rica em agricultura,
predominando nela uma abastada e robusta classe camponesa - os chamados
"kulaks". A maioria dos anarquistas e social-revolucionários
classificou este tratado como uma "traição política". Por sua vez, o
oportunista Nikolai Bukharin incitava no interior do Partido Bolchevique a
continuação da Rússia na guerra imperialista através de uma "guerra
revolucionária de guerrilhas". Ao fim e ao cabo, a proposta de Lênin a
favor da paz saiu-se completamente vitoriosa com o apoio de Trotsky. Apesar das
bravatas e loucuras suicidas propostas pelos oposicionistas, não havia outra
alternativa para o jovem Estado operário senão a paz, pois como Trotsky abordou
posteriormente: "A URSS, no final de 1917 e início de 1918, não contava
com um só batalhão em condições de lutar. A Alemanha dos Hohenzollern atacou a
Rússia e tomou províncias e depósitos militares soviéticos. Ao governo não
restou outra possibilidade concreta do que firmar o tratado de paz. Definimos
abertamente esta paz como uma capitulação de uma revolução desarmada diante de
um inimigo bastante poderoso" (Leon Trotsky, "Stálin, Depositário
Interino da Ucrânia", Socialist Appeal, 24 de outubro de 1929). A situação
do jovem Estado operário era preocupante, os trabalhadores e soldados russos
estavam submetidos ao cansaço da guerra e a economia soviética encontrava-se completamente
arrasada. A revolução estava vulnerável e sofria o extremo perigo de ser
derrubada pelas potências imperialistas. O armistício rendeu o tempo necessário
para que a República Soviética se preparasse belicamente e organizasse suas
forças militares. Trotsky criou o Exército Vermelho em apenas um ano e, após
duras batalhas, conseguiu repelir as forças contra-revolucionárias de todo o
país.
Makhno ganha notoriedade a partir do momento em que a
Ucrânia é ocupada pelas tropas austro-alemãs. Aproveitando a situação política
em Gulyay-Pole, cujas organizações predominantes no nativo distrito eram de
tendências anarquistas e social-revolucionárias, Makhno organiza uma guerrilha
basicamente rural, adotando como bandeira a cor negra do anarquismo e um crânio
com os ossos entrelaçados.[2] Sua força militar foi batizada de "Exército
Revolucionário Insurrecional da Ucrânia", passando a ser vulgarmente
conhecido como "Exército Makhnovista", ou, ainda, "Exército
Negro" devido à cor de sua bandeira. Simultaneamente, Makhno conseguiu
reunir alguns poucos anarquistas proeminentes ao seu redor, sobretudo os que
pertenciam ao notório grupo "Nabat" ("Rebate"). Este
agrupamento viu no movimento de Makhno o expoente para suas aspirações, já que
rejeitava qualquer soviete ou sindicato onde estivesse o Partido Bolchevique.
Entre os anarquistas que pertenciam ao "Nabat" estavam Piotr
Arshinov, Volin, Tepper, Glagzon e Aaron Baron.
No princípio, os bolcheviques pretendiam trabalhar de forma
sincera com Makhno através de uma frente única na luta contra os Guardas
Brancos e a intervenção estrangeira. Quando Makhno visitou a cidade de Moscou
em 1918, o governo soviético tomou todas as providências necessárias para que
ele retornasse à Ucrânia com o menor de risco possível.[3] Os bolcheviques
ainda apontaram Makhno comandante de uma divisão do Exército Vermelho - a
"Terceira Brigada" - incorporando seus guerrilheiros e respeitando
sua bandeira e independência política. No acordo firmado, os makhnovistas foram
contemplados inclusive a receber armas e suprimentos na mesma proporção que as
unidades comunistas. No entanto, apesar de todas as tentativas de cooperação
que os bolcheviques tentaram estabelecer com Makhno, a conduta deste último foi
extremamente sectária e oportunista. Com o intuito de suprir a carência de
equipamentos militares e provisões, Makhno aliou-se ao governo soviético, mas
ignorou as cláusulas do acordo firmado e sabotou todas as medidas e ordens
necessárias para a vitória nos fronts ucranianos: recusou-se a requisitar
alimentos destinados aos trabalhadores das cidades e às tropas do Exército
Vermelho; rejeitou as designações dos comissários políticos para cada
regimento; não coordenou suas ações com as do Exército Vermelho - abrindo
diversos flancos de acordo com sua "tática de guerrilha"; implementou
uma política anti-operária nas regiões conquistadas; fez campanha aberta contra
os bolcheviques convocando congressos completamente hostis no meio de uma
sangrenta guerra civil, etc.
Não há como negar que a atuação de Makhno no verão de 1918
contra as tropas do Hetman Skoropadsky e a ocupação austro-alemã contribuiu
positivamente para a causa revolucionária, tendo sido bastante elogiado pela
imprensa soviética. Entretanto, ao querer seguir sua luta contra os poderosos
exércitos regulares através da organização e táticas guerrilheiras, Makhno
passou a sofrer uma série de derrotas, batendo quase sempre em retirada e
abrindo constantemente os flancos aos exércitos inimigos. Mesmo diante de um
exército numericamente inferior, os makhnovistas debandavam-se a quilômetros de
distância, em diversas direções, abandonando posições, cidades e equipamentos
militares. Esta desorganização, resultante da ausência de centralismo, também
provocava danos irrefletidos contra a população pacífica - como pilhagens e
assassinatos indiscriminados.
Naqueles tempos, o vício da "partizanshchina" era
uma doença quase incurável. Muitos líderes do Partido Bolchevique (incluindo
Stálin) queriam combater os Brancos através de uma guerra de guerrilhas
descentralizada, o que levaria a uma imediata derrota da República Soviética na
guerra civil. Estes idealistas inconseqüentes ignoravam o alto grau de
especialização e mobilidade dos Exércitos Brancos, apoiados desde o estrangeiro
através do financiamento de armas, suprimentos e munição. Lênin e Trotsky
compreendiam perfeitamente que, na correlação de forças internacional da época,
o exército regular revolucionário (moderno, disciplinado, instruído e dirigido
por um Estado-Maior de especialistas militares na arte da guerra) era a única
força capaz de derrotar os exércitos contra-revolucionários financiados pelo
imperialismo. Neste contexto, Trotsky se viu com diversos problemas ao tentar
convencer as inúmeras forças dispersas pelo país a unir-se às unidades do
Exército Vermelho e submeter-se à sua ordem e disciplina. Muitos desses
destacamentos "partisans" não viam com bons olhos uma força militar
centralizada e organizada com uniformidade. A maioria deles ainda encontrava-se
preso às idealizações do campo e ao "espírito de guerrilha",
recusando-se a obedecer ordens "de cima" e tentando fazer guerra de
acordo com sua imaginação. Não há como negar o importante papel que muitas
dessas forças desempenharam no processo da guerra civil, ajudando o Exército
Vermelho na medida do possível e superando seu próprio campo de ação; porém,
não conseguiram oferecer resistência diante de um conflito estendido com um
exército regular. Percebendo suas limitações, algumas dessas forças
integraram-se às unidades do Exército Vermelho, enquanto que outras, opondo-se
aos comunistas, uniram-se ora ao Exército Verde (dos social-revolucionários),
ora aos Brancos, e ora às unidades de Makhno, comprometendo-se com armas e
munição. Como aborda o historiador marxista Colin Darch: "Os camponeses,
acostumados com o tipo de organização anárquica, foram os últimos a confiar nos
membros do Exército Vermelho. Eles desertaram em massa, e sua moral
variava" (Colin Darch, "A Makhnovshchina, 1917-1921: Ideologia,
Nacionalismo e Revolta Camponesa no Início do Século XX na Ucrânia"; Ph.D.
dissertação, Universidade de Bradford, 1994).
Quando os primeiros comissários políticos foram enviados a
esses regimentos viciados pelo espírito de guerrilha observaram pessoalmente a
falta de organização e disciplina resultantes da espontaneidade
pequeno-burguesa:
"Dificuldades particulares surgiram ao redor do sistema
de nomeação de comissários para cada unidade em todos os níveis (...) tudo
estava num estado de incerteza e caos (...) No 'Nono Regimento', o comissário
tinha sido obrigado a introduzir o que ele eufemisticamente chamou de
'disciplina de camaradagem', e não havia células de partido organizado. A
'Seção Pravda', outrora o 'Primeiro Regimento Liubtskii', não tinha nem
comissários nem operários políticos, e, segundo informes, estava infectado com
anti-semitismo. O 'Primeiro Regimento dos Cossacos do Don' havia sido formado
recentemente, e a artilharia tinha pouquíssima organização política. Os
comissários estavam desmoralizados, e queixaram-se de ladrões espalhados entre
as tropas. Bêbados tinham sido enviados ao front. Membros da Cheka haviam sido
encontrados decapitados ou fuzilados nos campos. Numa cidade, os partisans
arrastaram um comunista ferido da cama de um hospital e o espancaram barbaramente.
Um dos ajudantes de campo de Makhno, Boris Veretelnikov, havia ganho uma
reputação por perseguir bolcheviques e recusar a fornecê-los alimentos. A
aversão era recíproca. Um comissário descreveu os partisans como 'a escória da
Rússia Soviética'. Outro solicitou ao RevVoenSoviet que enviasse os melhores
operários possíveis às seções de Makhno (...) Além disso, o comissário apontava
que alguns de seus colaboradores eram alcoólatras excessivos, aos quais
necessitavam de supervisão íntima" (Colin Darch, idem).
Para se ter uma idéia, só na Ucrânia em abril de 1919 havia
cerca de 93 grupos separados operando contra os bolcheviques. Enquanto essas
guerrilhas restringiram-se em seus "bunkers" rurais não encontraram
nenhum sinal de resistência, contando inclusive com a ajuda da população local;
porém, ao lutar longe de suas aldeias, viveram através do banditismo e, como
conseqüência, perderam o apoio massivo do povo. O movimento de Makhno é o maior
exemplo disso, pois ao tentar estender sua autoridade fora de Gulyay-Pole
acabou não obtendo nenhum resultado satisfatório, conquistando apenas a
antipatia dos trabalhadores das cidades.[4] Lênin, por sua vez, não perdia a
ocasião de colocar o dedo na ferida desses movimentos supostamente
"livres" e "independentes", mergulhados no completo
banditismo social: "No presente momento, todo tipo de gang escolhe um
título político na Ucrânia, cada um mais livre e democrático do que o outro, e
há uma gang para cada região" (Lênin, "Dois Discursos ao Primeiro
Congresso de Toda a Rússia sobre Educação para Adultos", 6-19 de maio de
1919).
Abordando o papel dessas guerrilhas e o obstáculo que
representavam para a vitória dos sovietes na guerra civil, Trotsky faz uma
importante análise estabelecendo as profundas diferenças entre os desejos
políticos do campesinato e do operariado:
"Durante a guerra civil, o campesinato criou seus
próprios destacamentos guerrilheiros em diversas partes do país, que às vezes
se converteram em verdadeiros exércitos. Alguns destes destacamentos consideravam-se
bolcheviques e muitas vezes estavam dirigidos por operários. Outros eram
apartidários e freqüentemente eram comandados por ex-oficiais camponeses sem
graduação. Também havia um exército 'anarquista' comandado por Makhno. Enquanto
as guerrilhas operaram na retaguarda dos Guardas Brancos, serviram à causa da
revolução. Alguns se distinguiram por um heroísmo e uma fortaleza excepcionais.
Mas dentro das cidades estes destacamentos muitas vezes entravam em conflito
com os operários e com as organizações partidárias locais. E quando os
guerrilheiros e o Exército Vermelho regular encontravam-se frente a frente,
também surgiam problemas que em alguns casos assumiram um caráter extremamente
penoso e agudo. A dura experiência da guerra civil nos demonstrou a necessidade
de desarmar os destacamentos camponeses imediatamente depois que o Exército
Vermelho ocupasse as províncias que já haviam se libertado dos Guardas Brancos.
Nestes casos, os melhores elementos, os de maior consciência de classe e mais
disciplinados, incorporaram-se às fileiras do Exército Vermelho. Entretanto,
uma considerável proporção dos guerrilheiros queria se manter como força
independente, e muitas vezes entraram em um conflito armado direto com o poder
soviético. Foi o que aconteceu com o exército anarquista de Makhno, de espírito
totalmente kulak. Mas esse não foi o único exemplo; muitos destacamentos
camponeses que lutaram esplendidamente contra a restauração dos latifundiários
transformaram-se depois do triunfo em instrumentos da contra-revolução (...) Os
conflitos entre os camponeses armados e os operários tinham uma só e única raiz
social: a diferença na situação e educação de classe de uns e outros. O
operário encara os problemas do ponto de vista socialista; a posição do
campesinato é pequeno-burguesa. O operário quer socializar a propriedade que
lhe arrancaram os exploradores, o camponês pretende reparti-la. O operário
deseja converter os palácios e os parques em lugares de uso comum; o camponês,
já que não pode reparti-los, tende a incendiá-los. O operário briga por
resolver os problemas em escala nacional e de acordo com um plano geral, o
camponês encara todos os problemas em escala local e adota uma atitude hostil
para com a planificação centralizada, etc. Evidentemente que um camponês também
pode elevar-se à perspectiva socialista. Sob um regime proletário, massas
camponesas cada vez mais amplas se reeducam no espírito socialista. Mas isto
exige tempo, anos, talvez décadas. Há que ter muito claro que nas etapas
iniciais da revolução as contradições entre o socialismo e o individualismo
camponês adquirem muitas vezes um caráter extremamente agudo" (Leon
Trotsky, "Guerra Camponesa na China e o Proletariado", The Militant,
15 de outubro de 1932).
Como se sabe, Makhno nunca teve prestígio entre a classe
operária, muito pelo contrário, sua base era essencialmente camponesa. Porém, é
totalmente descabido afirmar, como fazem os anarquistas, que o movimento
makhnovista constituía-se integralmente de camponeses pobres. Por meio de
pesquisas, Colin Darch assegura que "não há provas conclusivas de que o
movimento makhnovista consistia essencialmente de camponeses pobres. Há razões
suficientes para supor que o principal motivo de apoio ao seu movimento foi o
enorme desenvolvimento do senso de propriedade entre a população rural
camponesa. Se for este o caso, então o ataque soviético de que o movimento foi
uma força kulak pode ser parcialmente justificado" (idem). Apesar dos
bolcheviques terem garantido o direito à terra aos camponeses, a guerra civil
conduziu uma boa parcela deles ao completo conservadorismo. Após a revolução,
os bolcheviques tiveram que encarar uma série de problemas que colocava a
República Socialista numa situação delicada: a eclosão da guerra civil, o
isolamento do Estado operário, o bloqueio econômico, o colapso da
infra-estrutura, a crise nas indústrias, a falta de alimentos nas cidades, etc.
Toda essa calamidade forçou o governo soviético a implementar o "Comunismo
de Guerra", onde uma de suas principais características era a requisição
dos excedentes de grãos produzidos nos campos a fim de alimentar os soldados do
Exército Vermelho que se batiam nos fronts e abastecer as cidades para salvar a
população urbana da fome. A maioria dos trabalhadores compreendeu a necessidade
de sacrifícios e através de assembléias decidiram por um maior esforço na
produção e uma disciplina mais rigorosa no trabalho. Em contrapartida, uma
parcela considerável do campesinato não viu com bons olhos a adoção de tais
medidas; após a conquista de suas propriedades não lhes restavam mais nada
senão protegê-las de quem quer que fosse, seja da Direita ou da Esquerda. Uma
boa parte dos camponeses considerava-se donos particulares de suas terras e
cobiçava comercializar ou consumir livremente sua produção e excedente. Este
espírito individualista e pequeno-burguês chocava-se com o coletivismo dos
trabalhadores urbanos e com as necessidades da guerra civil. Conseqüentemente,
o campo passou a nutrir um ódio característico em relação às cidades,
compartilhando a concepção de que os centros urbanos nada mais significavam que
um "entrave" e uma "decomposição" à vida natural das zonas
rurais. Em represália às medidas adotas pelo governo, os kulaks egoisticamente
passaram a sabotar o cultivo e a ocultar alimentos para vendê-los no mercado
negro. O governo não encontrou outra saída senão enviar destacamentos de
operários armados para recolher o grão à força. Os camponeses responderam
semeando menos ou assassinando os comissários operários responsáveis pelas
requisições.
Como aborda Trotsky, os camponeses só trabalhavam para a
satisfação das suas próprias necessidades e voltavam às antigas formas de
artesanato. Nessa relação conflitante, o campo podia viver tranqüilamente sem
as cidades, já que os camponeses produziam seu próprio meio de subsistência e
não necessitavam da circulação da economia, mas as cidades dependiam dos
produtos agrícolas para o sustento e sobrevivência. Lutando por seus próprios
interesses particulares, os kulaks reduziam seu ódio a concepções atrasadas que
remontavam à época do feudalismo e da barbárie medieval. Mas apesar de sua
atitude hostil tinham apenas duas opções: admitir a situação emergencial em que
o Estado operário se encontrava, e ser compreensível diante das medidas do
governo, ou então lutar pela restauração do antigo regime dos
"pomeshtchiki" (latifundiários). O agricultor havia sido beneficiado
pela revolução mais do que qualquer outra parte da população. O "Decreto
da Terra" (confisco sem indenização das grandes propriedades e a entrega
das mesmas aos sovietes rurais) foi uma das mais progressistas medidas agrárias
já realizadas desde então; após sua anunciação uma grande parcela dos soldados
das linhas inimigas desertou em massa para participar da partilha do solo. A
restauração do antigo regime dos latifundiários era, portanto, inaceitável para
a massa do campesinato, incluindo os kulaks reacionários. Sendo assim, o
Comunismo de Guerra foi aceito como um "mal menor" perante a ameaça
dos Brancos.
Makhno, porém, explorou ao máximo a insatisfação das camadas
rurais pequeno-burguesas, aos quais eram consideradas pelo guerrilho ucraniano
como a única força "potencialmente revolucionária" capaz de
libertar-se do capital. Makhno e os principais líderes de seu movimento
compartilhavam do mesmo ponto de vista de grupos como os social-revolucionários
e os "narodniks" (populistas), que colocavam o campesinato como a
principal força motriz da revolução, deixando de lado o movimento operário e
dedicando-se unicamente ao trabalho no campo. A propaganda makhnovista era
bastante explícita nesse aspecto: "Em resumo, a Makhnovshchina parte
inteiramente da base do campesinato e toma parte por tudo aquilo que vem
autenticamente do povo trabalhador" (Panfleto Makhnovista, Seção de
Propaganda do Estado-Maior do Exército Revolucionário Insurrecional
Makhnovista, março de 1920). Piotr Arshinov argumenta que "o objetivo era
organizar as grandes massas camponesas como força social que devia ter uma
missão histórica particular: fazer brotar a energia revolucionária acumulada
nelas durante séculos e esgrimir essa força formidável sobre todo o regime
opressor contemporâneo" (Pior Arshinov, "A História do Movimento
Makhnovista"). Antes de tudo é necessário esclarecer que tais concepções
em torno do campesinato como mola propulsora da luta de classes surgiram
inteiramente de Bakunin, que criticou com veemência a concepção marxista do
operariado como classe dirigente. Para Bakunin, o papel da classe operária como
dirigente revolucionário significava "o domínio aristocrático dos
trabalhadores das fábricas e das cidades sobre os milhões que constituem o
proletariado rural" (Bakunin, "Carta ao La Liberté", 5 de
outubro de 1872). Determinando o potencial revolucionário pelo nível de
pobreza, Bakunin via a incultura das camadas mais atrasadas da sociedade, isto
é, as massas rurais e o lumpemproletariado, como uma qualidade que os colocava
à frente dos trabalhadores urbanos:
"Na Itália não há, como em muitos outros países da
Europa, um estrato operário separado, em parte já privilegiado, graças a altos
salários, gabando-se mesmo de certos conhecimentos literários e a tal ponto
impregnado de idéias, aspirações e vaidade burguesas que os operários que
pertencem a esse meio só se diferenciam dos burgueses por sua condição, nunca
por sua tendência. É principalmente na Alemanha e na Suíça que existem
operários desse gênero, o que não acorre na Itália, onde são poucos, tão poucos
que se perdem na massa e não têm nenhuma influência sobre ela. O que predomina
na Itália é o proletariado em andrajos. Os senhores Marx e Engels, e, em
seguida, toda a escola da democracia socialista alemã, falam dele com o mais
profundo desprezo e isto bem injustamente, pois é nele e somente nele, e não na
camada aburguesada da massa operária que residem na totalidade o espírito e a
força da futura revolução social" (Mikhail Bakunin, "Estatismo e
Anarquia").
No entanto, apesar dos delírios idealistas, o que se viu na
prática foi exatamente o contrário daquilo que teorizavam os anarquistas. A
incultura das camadas rurais - e, neste caso, do lumpemproletariado submerso na
marginalidade - representou um sério obstáculo para a realização material das
idéias abstratas do anarquismo. O próprio Volin, que participou ativamente do
movimento de Makhno, é obrigado a admitir que uma dentre tantas debilidades da
Makhnovshchina foi "a ausência de um vigoroso movimento operário
organizado, que apoiasse ao dos camponeses insurretos" (Volin, "A
Revolução Desconhecida"). Os anarquistas não compreendiam que por sua
própria condição material de vida (apego à propriedade, individualismo no modo
de produção, isolamento geográfico e econômico, extremo atraso cultural, etc.)
o campesinato russo não era capaz de tomar o poder sozinho em suas mãos,
careciam de uma direção e um programa revolucionário definido. Karl Marx já
dizia em 1852 que "os camponeses são incapazes de fazer valer seu
interesse de classe em seu próprio nome (...) Não podem representar-se, têm que
ser representados. Seu representante tem, ao mesmo tempo, que aparecer como seu
senhor, como autoridade sobre eles (...) Os camponeses encontram seu aliado e
dirigente natural no proletariado urbano, cuja tarefa é derrubar o regime
burguês" (Karl Marx, ?O Dezoito Brumário de Louis Bonaparte?). O longo
processo revolucionário na Rússia demonstrou que as análises de Marx estavam
corretas. Os próprios "narodniks", que superestimava por demais o
campesinato e ignorava a massa dos trabalhadores urbanos, tiveram sua
experiência frustrada nas áreas rurais e pagaram muito caro por sua política
equivocada:
"Para os 'narodniks', não os trabalhadores industriais,
mas o camponês seria o pilar da nova sociedade de seus sonhos (...) Não a
fábrica industrial da propriedade pública, mas a comuna rural de propriedade
coletiva seria a célula básica dessa sociedade (...) A princípio tentaram levar
os camponeses à ação, seja esclarecendo os mujiques sobre os males da
autocracia, como fizeram os seguidores de Lavrov, seja incitando-os contra o
czar, como Bakunin. Duas vezes, durante essa década, homens e mulheres da
intelectualidade abandonaram seu lar e profissão e tentaram viver como
camponeses entre camponeses, a fim de conseguir compreender-lhes a mentalidade.
'Toda uma legião de socialistas', escreveu um general da polícia cuja ocupação
era vigiar esse êxodo, 'empenhou-se nessa tarefa com uma energia e um espírito
de auto-sacrifício que não tem paralelo na história de qualquer sociedade
secreta da Europa'. O sacrifício foi infrutífero, pois os camponeses e a
intelectualidade tinham finalidades diferentes. O mujique ainda acreditava no
czar, o 'Emancipador', e recebeu com desconfiança indiferença ou hostilidade
clara as palavras de 'esclarecimento' ou 'incitamento' narodniks. A polícia
prendeu os idealistas que haviam 'procurado o povo' e os tribunais os
condenaram a longas penas, a trabalhos forçados e à deportação" (Isaac
Deutscher, "O Profeta Armado").
Trotsky comenta que quando os narodniks acusavam os
marxistas russos de "ignorar" o campesinato, de não trabalhar nas
aldeias, etc., os marxistas respondiam: "Levantaremos e organizaremos os
operários avançados e por seu intermédio levantaremos os camponeses". Os
bolcheviques compreenderam perfeitamente que o camponês segue o operário ou o
burguês, e as experiências anteriores já haviam demonstrado na prática que o
campesinato não podia exercer um papel de dirigente. Somente a força do
proletariado urbano, arrastando atrás de si as massas camponesas, pavimentou
definitivamente o terreno para a revolução socialista: "Bastava que o urso
camponês se levantasse sobre as patas traseiras para mostrar a sua terrível
fúria. Contudo, não tinha capacidade para dar à sua revolta uma séria expressão
consciente: tinha necessidade de um guia. Pela primeira vez na história do
mundo, o campesinato sublevado encontrou um dirigente leal: o proletariado.
Quatro milhões de operários da indústria e dos transportes lideraram 100
milhões de camponeses; tal foi a relação natural e inevitável entre o
proletariado e o campesinato na revolução" (Trotsky, "Conferência de
Copenhague", 27 de novembro de 1932).
Porém, durante todo o período de guerra civil os
bolcheviques tiveram que empreender uma luta implacável contra os kulaks que
pretendiam aniquilar a ditadura do proletariado utilizando reivindicações
demagógicas apartidárias e anti-estatais. Isto só prova que a sociedade moderna
não pode ser dirigida a partir do campo. Caso tivessem os
social-revolucionários ou os anarquistas comandado a resistência contra a
reação Branca teriam sido ambos os arquitetos de uma política de destruição das
cidades e o retorno à antiga barbárie medieval. O próprio Makhno declarava-se
como um "camponês semi-analfabeto" e suas observações particulares em
relação às cidades representavam o profundo atraso em que estavam mergulhados os
camponeses da época: "Nas cidades sempre há um veneno político... as
cidades sempre emitem um odor de mentira e traição do qual muitos, inclusive
entre os companheiros que se chamam anarquistas, não estão isentos"
(Nestor Makhno, "A Revolução Russa na Ucrânia", Manifesto dos
Makhnovistas, 1918). As atitudes hostis de seu movimento contra os intelectuais
chegaram a ser semelhantes ao que se produziu no Camboja através do Khmer
Vermelho. Sukhogorskaya, testemunha ocular das ações makhnovistas na região de
Gulyay-Pole, narra em poucas palavras as relações dos guerrilheiros
makhnovistas com a intelligentsia urbana: "Os makhnovistas odiavam a
intelligentsia. Membros da intelligentsia, especialmente homens, tinham medo de
sair quando os makhnovistas tomavam o controle de uma cidade. Uma vez queriam
matar um conhecido meu só porque ele estava usando um chapéu de aba larga (!).
'Chapéu extravagante esse seu, você deve ser um maldito intelectual. Eu me
sentiria melhor dando cabo de sua vida!', um makhnovista disse isso na cara
dele. Diante disso ele correu rapidamente para bem longe, até onde suas pernas
puderam levá-lo" (N. Sukhogorskaya, "Agafya Andreyevna").
Segundo as palavras de Volin, Makhno tinha "aversão a tudo que não era
camponês (...) Ele não tinha muita confiança no operariado porque os operários,
de acordo com ele, já havia sido desmoralizado pela loucura, pela má vida das
cidades e da indústria (...) Ele tinha menos confiança nos intelectuais. Sua
cega confiança no campesinato o levava a desconfiar de todas as outras classes
da sociedade e a ter um certo desprezo por intelectuais, mesmo que fossem
anarquistas" (citado por Alexandre Skirda, "Bibliographical
Afterword", em "The Struggle Against The State And Other Essays by
Nestor Makhno").
Por se tratar de um movimento camponês, a Makhnovshchina
encarou todos os problemas do ponto de vista local, restringindo grande parte
de suas ações na zona rural de Gulyay-Pole. Na sua fase terminal, Makhno e seus
partidários passaram a defender a "causa nacional ucraniana" contra
todos os estrangeiros (tanto Brancos como bolcheviques). Mas não passou disso,
seu interesse pelo movimento revolucionário internacional foi praticamente
nulo. Completamente isolado, o guerrilheiro ucraniano abraçou muito antes de
Stálin e Bukharin a idéia de "socialismo num só país" defendida pelo
social-democrata alemão Georg Von Vollmar em 1879. No mesmo panfleto
makhnovista de 1920, Makhno deixou bem claro as aspirações de seu movimento:
"O movimento insurrecional makhnovista aspira criar, a partir dos
camponeses revolucionários, uma força real e organizada, para combater a
contra-revolução e defender a independência de UMA região livre".
Em fins de 1918, Makhno finalmente conseguiria romper os
limites de sua área rural em Gulyay-Pole e tentaria estender sua influência num
dos mais importantes centros urbanos da Ucrânia, Ekaterinoslav. No calor da
guerra civil, quando Makhno tomou Ekaterinoslav pela primeira vez, declarou
nulas todas as leis e estruturas do Estado. Seu slogan foi "organizem-se por
si só". Mas não houve nenhum tipo de ordem e organização. A cidade ficou
completamente desgovernada. Os makhnovistas engajaram-se em muitos atos de
distúrbio e destruição, cometendo saques, queimando bibliotecas e arquivos, e
bombardeando deliberadamente as mais belas construções da cidade com um
canhão.[5] Os Guardas Vermelhos ficaram atônitos com a "anarquia
administrativa" e solicitaram que Makhno tomasse alguma providência,
porém, nada foi feito. Para piorar a situação, por ordens diretas de Makhno,
seus soldados esvaziaram todas as prisões que encontraram pela frente, não
distinguindo entre presos políticos e criminosos comuns - que, por sinal,
sentiram-se livres para organizarem "por si só" assaltos, estupros e
homicídios.
Ekaterinoslasv era uma cidade industrial de forte base
operária, os trabalhadores deste grande centro urbano simpatizavam com os
bolcheviques ou até mesmo com os mencheviques, mas nunca com os anarquistas ou
social-revolucionários. Mesmo não tendo nenhuma confiança nas forças makhnovistas
os operários os ajudaram assim mesmo: "Em fins de 1918, Makhno se deteve
em Nijne-Dnieprovsk, subúrbio de Ekaterinoslav, e preparou-se para atacar a
cidade. Havia ali um comitê bolchevique, o qual dispunha de algumas forças
armadas, mas era insuficiente para uma ação própria (...) O comitê lhe ofereceu
o comando dos destacamentos operários do partido, que imediatamente
aceitou" (Volin, idem). Após a tomada da cidade, era questão de urgência
organizar a vida econômica deste grande centro industrial e colocar os trilhos
para funcionar. Jamais seria possível vencer exércitos tão bem equipados pelas
forças imperialistas sem que houvesse um planejamento econômico e militar bem
organizado. Contudo, o problema não se restringiu apenas no plano
administrativo, seguindo sua própria estratégia de guerra - ou seja, a
"tática de guerrilha" -, Makhno não se ocupou de perseguir o restante
das tropas nacionalistas de Symon Petlyura após a tomada da cidade, deixando-as
livres para se restabelecer e voltar com toda a carga. No momento em que as
tropas petliuristas começaram a atacar a cidade, sob a liderança do general
Samokish, não encontraram nenhum sinal de resistência e organização. As tropas
makhnovistas debandaram-se a quilômetros de distância, deixando os trabalhadores
à sua própria sorte. Cerca de 2.000 operários e camponeses foram assassinados
pelas tropas de Petlyura quando tentavam cruzar o rio Dnieper. A cidade só foi
recapturada em janeiro de 1919 pelo jovem bolchevique e marinheiro de Kronstadt
Pavel Dybenko, que do ponto de vista da população local representou uma
profunda melhora na organização da cidade: "Em comparação não somente aos
makhnovistas como também aos petliuristas, os homens do Exército Vermelho
criaram uma extraordinária impressão de ordem e disciplina" (G. Igrenev,
"Ekaterinoslavskaia vospominaniia", Arkhiv russkoi revoliutsii, vol.
3, 1921, p.240).
Mas enquanto Dybenko retomava a cidade, os makhnovistas
passavam as férias em seu feudo particular, Gulyay-Pole. Apesar das
dificuldades, o Exército Vermelho tomou praticamente sozinho a cidade de
Ekaterinoslav, sem nenhuma ajuda do "super-exército" anarquista de
Nestor Makhno. Todavia, do outro lado da barricada, Denikin conseguiu reunir um
exército poderosíssimo com a ajuda do imperialismo britânico e começou a
avançar sobre Kharkov, Bakhmut e Ekaterinoslav. Enquanto isso, os makhnovistas
seguiam sua própria estratégia de guerra e convocavam um "congresso
anarquista" no meio de uma grave situação militar. O congresso não teve
escrúpulos em adotar uma plataforma política hostil ao governo soviético:
anunciava uma ferrenha oposição à ditadura do proletariado (em benefício da
ditadura dos kulaks); proclamava o direito de revolta contra os comissários
bolcheviques e agentes da Cheka (o serviço de segurança da República
Soviética); incitava os soldados do Exército Vermelho a desertar de seus
postos; negava a legitimidade do Congresso dos Sovietes de Toda a Ucrânia; e,
por fim, mas não menos importante, advogava a liquidação total de todos os
sovietes representados pelo Partido Bolchevique (!). Não foi à toa que o
governo soviético viu este congresso como uma "clara provocação", e
sua atitude não podia ter sido outra senão a de bani-lo completamente. Na
refrega, o Congresso dos Comitês Executivos Regionais de Toda a Ucrânia
denunciou Makhno de querer procurar proteção sob a bandeira soviética e depois
atacar as organizações políticas do governo enquanto tentava consolidar seu
próprio poder na região. Note-se que enquanto o governo soviético preocupava-se
com inúmeros fronts (dentro e fora da Ucrânia), Makhno sentia-se à vontade para
adotar uma política hostil contra seus aliados numa situação extremamente
delicada. O estopim veio em 29 de maio de 1919, quando o quartel-general
makhnovista anunciava abertamente a Antonov-Ovseenko (comandante das tropas do
Exército Vermelho no front ucraniano) que havia aprovado a decisão de
"criar um exército insurgente independente, encarregando Makhno da
liderança absoluta do exército" (Colin Darch, idem). Através desta nota,
Makhno desertava publicamente de seu posto e renunciava à aliança firmada entre
ambas as forças. Como assinala Colin Darch, este episódio é omitido pelos
anarquistas, que chegam a alterar dados cronológicos tentando passar a idéia de
que foram os bolcheviques os principais responsáveis por terem quebrado a
natimorta frente única. Foi em vista destas circunstâncias que Trotsky emitiu a
notória Ordem de nº 1824, que não só proibia o congresso anarquista como também
denunciava a traição dos makhnovistas em bater sempre em retirada, abrindo
constantemente os flancos aos exércitos inimigos. A Ordem também exigia a
prisão de todos os desertores, por conduta traidora. Arshinov denunciou esta
Ordem como uma "perfídia bolchevique", entretanto, não menciona uma
única palavra sobre a perfídia makhnovista. É óbvio que a Ordem 1824 é só mais
um item encontrado pelos partidários de Makhno para demonizar os bolcheviques e
colocar o movimento makhnovista no rol das "vítimas inocentes" - o
que naturalmente está bem longe disso.
Diante de tantos obstáculos, inevitavelmente a cidade de
Ekaterinoslav seria tomada de assalto pelas tropas de Denikin. Porém, o
Exército Vermelho impôs uma forte resistência pelo Norte, forçando o Exército
Branco a bater em retirada ao Sul. Depois de duras batalhas na retaguarda
inimiga, Makhno e seus homens conseguiram penetrar mais uma vez na cidade de
Ekaterinoslav e, devido à malfadada experiência anterior, desta vez implantou
uma ditadura anarco-kulak com autoridade absoluta. Makhno reprimiu qualquer
forma de organização simpática aos bolcheviques e designou comandantes com
poderes militares e civis ilimitados. Lashkevich ficou encarregado de fuzilar
os bolcheviques locais caso tentassem tomar o poder civil na cidade.[6] A
ocupação de Denikin havia deixado a população de Ekaterinoslav na mais absoluta
miséria, e os que mais sofreram penúria foram os operários. Apesar da escassez
de provisões, os camponeses ainda possuíam suas propriedades particulares para
o cultivo de grãos, mas aos operários não lhes restavam mais nada senão sua
força de trabalho. Quando os ferroviários e operadores de telégrafo da linha
Ekaterinoslav-Sinelnikovo pediram a Makhno que lhes pagasse por seu trabalho
com suprimentos alimentícios, para que assim pudessem aplacar a fome, Makhno
então respondeu: "Nós não somos como os bolcheviques para alimentar vocês
à custa do Estado, não precisamos de estradas de ferro; se vocês precisam de
dinheiro, leve o pão daqueles que precisam de suas estradas de ferro e
telégrafos".[7] Ou seja, enquanto Denikin entrincheirava-se nas
proximidades de Ekaterinoslav e tentava retomá-la utilizando o fogo das
baterias de seus numerosos trens blindados; Makhno, numa louca insanidade
medieval, tentava substituir os trens pelos cavalos, ignorando inclusive a
situação famélica dos trabalhadores urbanos.
Acostumado ao modo de vida das tribos locais, que viviam sob
a economia de subsistência, Makhno nunca entendeu a complexidade de uma
economia urbana. Quando suas atividades restringiram-se ao campo não encontrou
nenhum sinal de resistência, pois tinha o apoio massivo dos kulaks. A coisa
realmente começou a se complicar quando estendeu sua influência às cidades,
onde predominavam os operários. É bem verdade que a pretensão de Makhno era a
de abolir o dinheiro de uma só vez e trabalhar sob a economia do escambo
primitivo. De fato, o movimento makhnovista aboliu o dinheiro em algumas
regiões atrasadas industrialmente, mas ao tomar o controle dos centros urbanos
não viu outra saída senão instituir uma política monetária própria, a qual
resultou num completo colapso. Makhno não só reconheceu a legalidade de todas
as moedas já existentes (desde a moeda bolchevique, até a moeda dos Brancos e
nacionalistas), mas também emitiu uma moeda corrente que continha as palavras
estampadas: "Primeiro Exército Insurgente da Ucrânia". Com a
circulação dessa moeda, Makhno executou uma ordem que permitia o livre direito
de falsificá-la, no dorso dela havia as seguintes palavras: "Sinta-se
livre para falsificá-la". Muitas cédulas fabricadas pelos makhnovistas
eram acompanhadas com frases de gozação e galhofa, adicionadas pelos próprios
oficiais, tais como: "Com esse dinheiro você não poderá comprar nem pão
nem mel" e "O dinheiro de Makhno é melhor que mel".[8] Para
assegurar a total obediência aos requisitos dessa estranha "política
econômica", Makhno ordenou que todos aqueles que não admitissem a livre
troca das diversas moedas deveriam ser tratados como
"contra-revolucionários" e sujeitos à "sanção revolucionária"
(isto é, "execução sumária"). O dirigente makhnovista em Nikopol,
Skaladitsky, levou esta ordem ao pé da letra.[9]
Não é preciso ser um gênio em economia para saber que esta
brincadeira infantil levaria de maneira inevitável a uma superinflação; e quem
sofreu diretamente com isto não foram os kulaks bem alimentados mas a classe
operária e os camponeses pobres. A superinflação gerou um ódio ainda maior dos
operários contra os makhnovistas. As tensões entre proprietários e
não-proprietários tornavam-se cada vez mais agudas. Os sindicatos operários de
Ekaterinoslav argumentaram que a inflação era "intencional" e
correspondia aos desejos do Exército Negro em favorecer os kulaks que
exploravam recursos naturais em detrimento dos trabalhadores urbanos. Makhno,
porém, superava todos os limites de classe diante de tamanha situação. O
guerrilheiro ucraniano não pensou duas vezes antes de agir de forma truculenta
e ditatorial com os operários de Briansk que exigiam o pagamento pelos reparos
das "tachankas" (carros de combate): "Já que os operários não
querem apoiar o nosso movimento e exigem o pagamento pelos reparos da tachanka,
levarei esta tachanka de graça e não pagarei absolutamente nada!"
(Yakovlev J., "Machnovshina I Anarchizm").[10] Em retribuição, os
sindicatos ignoravam os tão alardeados "congressos anarquistas"
conclamados por Makhno. No congresso de Alexandrovsk, por exemplo, os
sindicatos operários enviaram apenas 18 delegados num total de 288 - não é
necessário mencionar que o restante eram todos de origem camponesa. Porém, 1/3
desses 18 delegados decidiram abandonar o congresso após Makhno tê-los chamado
de "cachorrinhos da burguesia" durante o debate em torno da
organização sócio-econômica. Após esse episódio, todos os 18 delegados e seus
respectivos sindicatos decidiram não reconhecer o congresso e negar qualquer
conexão com o evento. Profundamente irritado, Makhno respondeu-lhes com mais
grosseria: qualificou os operários de "ratos e covardes". Os
operários sindicalistas só se salvaram de uma retaliação física devido ao
avanço do Exército Vermelho sobre ambas as cidades, forçando os makhnovistas a
bater em retirada ao seu reduto natural em Gulyay-Pole.
Pierre Broué aborda em poucas linhas a bancarrota da
administração makhnovista nas cidades conquistadas: "A política financeira
de Makhno provoca uma inflação intensíssima na qual os camponeses, carentes de
problemas de aprovisionamento, conseguem suportar, porém, o operariado se
afunda completamente na miséria (...) No plano econômico, as realizações de seu
regime são bastante exíguas. Sua força militar baseada na cavalaria, na
capacidade de deslocamento rápido e na sua infantaria que vai montada em
tachankas, termina por ressentir-se da diminuição do número de cavalos e da
incapacidade dos dirigentes para organizar, inclusive quando dominam uma
cidade, a produção de armas e munição" (Pierre Broué, "O Partido
Bolchevique"). A aliança entre Makhno e os bolcheviques pretendia resolver
essa questão de escassez de armamento bélico, mas o próprio Makhno desestimulou
os operários das indústrias com sua política "anarco-kulak" e não
ajudou a organizar as cidades de forma que a produção andasse. Na sua
concepção, os bolcheviques deveriam fornecer praticamente tudo, mesmo que
estivessem comprometidos com dezenas de fronts. Mas o que resulta realmente
interessante em toda essa situação é que enquanto Makhno pedia de modo egoísta
ao governo soviético as melhores armas para combater os Brancos, negava-se
intransigentemente a requisitar os excedentes agrícolas produzidos nos férteis
campos de Gulyay-Pole, para que fossem enviados aos soldados do Exército
Vermelho e aos centros urbanos, com os quais o governo soviético comprava armas
e pagava aos operários das fábricas de munição.
Os conflitos entre kulaks e operários levaram o governo soviético
a estimular a organização de "Comitês de Camponeses Pobres" a fim de
reagir às hostilidades e ao egoísmo dos camponeses privilegiados pelos férteis
campos ucranianos. Trotsky discorreu brevemente sobre a árdua realização desta
tarefa:
"O campesinato ucraniano, isto é, o setor mais pobre,
está sendo atraído pela revolução e adquirindo confiança nela. Da experiência
de quase quatro anos convenceu-se de que, embora muitos regimes tenham entrado
e saído na Ucrânia, o poder soviético retorna cada vez mais forte e organizado
do que antes. Os camponeses pobres compreenderam que o 'kurkul' (designação
ucraniana para 'kulak') apoderou-se da revolução, e agora exigem a sua parte. A
Revolução de Outubro abriu caminho na zona rural ucraniana com um atraso de mais
de dois anos. O rápido crescimento e fortalecimento dos 'Comitês de Camponeses
Pobres' significa a organização revolucionária dessa seção do campesinato
ucraniano que é companheira dos trabalhadores urbanos e completamente hostil
aos kulaks" (Trotsky, "Qual o significado de Makhno ter se aliado ao
poder soviético?", Escritos Militares, 1920).
Devemos dizer que, infelizmente, esses progressivos comitês
foram totalmente dispersados e reprimidos por Makhno que, diante das
circunstâncias, já era considerado o braço armado e testa-de-ferro dos kulaks
ucranianos. Por outro lado, as críticas dos anarquistas concernentes às
requisições de grãos e ao "Comunismo de Guerra" sempre são
acompanhadas de pura demagogia. O próprio Makhno tinha sua rede particular de abastecimento
providenciada diretamente pelos kulaks, que se dedicaram desde o início ao
aprovisionamento regular de suas tropas - afinal de contas, todo exército
precisa comer. Não precisa dizer que o centro principal era exatamente
Gulyay-Pole, de onde saiam víveres e forragens que eram enviados de imediato
aos fronts. De acordo com Michael Palij: "Os recursos primários de
alimentos seriam livres doações dos camponeses, os espólios da vitória e as
requisições de grupos privilegiados" (Michael Palij, "O Anarquismo de
Nestor Makhno, 1918?1921", 1976). Apesar disso, a guerrilha makhnovista
não tinha nenhum planejamento de organização dos suprimentos; quando dispersos
e distantes de seus territórios não encontraram outra saída, diante da
escassez, senão engajar-se na prática dos saques e pilhagens generalizados:
"A provisão de alimentos era primitiva, no padrão insurgente tradicional,
os makhnovistas dispersavam-se entrando nas aldeias e comia o que Deus enviava;
assim não havia nenhuma escassez, embora houvesse saques e danos irrefletidos
ao estoque dos camponeses. Eu os vi mais de uma vez atirarem nos gados dos
camponeses por pura diversão, entre os berros de mulheres e crianças (...) Por
onde passavam tomavam os equipamentos daqueles que possuíam, e requeriam
alojamentos" (citado por Michael Malet, idem). Não há como negar, diante
dos fatos, que Makhno praticava seu próprio "Anarquismo de Guerra"
criticando demagogicamente as requisições bolcheviques.
A questão da voluntariedade, explorada até hoje pelos anarquistas,
também não passava de outro engodo. A contradição entre idealismo (exército
voluntário) e necessidade (conscrição) foi o maior problema encontrado por
Makhno no decorrer da guerra civil. A guerrilha makhnovista era uma força
baseada na cavalaria, recrutando principalmente os camponeses da região de
Gulyay-Pole. Com o número cada vez mais reduzido de homens, Makhno enterrou o
tão alardeado "recrutamento voluntário" e mobilizou os camponeses à
força. Anunciou-se que a mobilização seria voluntária, mas aquele que
desobedecesse ao chamado era cruelmente tratado pela polícia secreta de Makhno.
De acordo com o historiador Paul Avrich (simpático ao movimento makhnovista):
"O Segundo Congresso Regional Makhnovista, ocorrido em 12 de fevereiro de
1919, votou a favor da 'mobilização voluntária', que na realidade significou a
completa conscrição, todos os homens fisicamente capazes e aptos eram
requeridos a servir ao exército quando fossem chamados" (Paul Avrich,
"Anarchist Portraits", 1988). E todos aqueles que entravam nas
fileiras do Exército Negro não eram livres para deixá-lo, muito pelo contrário:
"Qualquer um que deixa voluntariamente a tropa makhnovista é considerado
como um traidor e é ameaçado com um sangrento ajuste de contas, especialmente
se entrar em uma unidade do Exército Vermelho. Conseqüentemente, os
'voluntários' sentem que estão sendo mantidos sob um domínio de ferro, e não
pode deixar a tropa" (Trotsky, "Como a Tropa de Makhno é
Organizada", 15 de outubro de 1920).
Longe de ter sido um movimento "antiautoritário" e
"não-hierárquico", os camponeses makhnovistas seguiam lealmente seus
chefes locais (Atamans, Hetmans, Batkos, Marussias, etc.), que eram eleitos
diretamente pelos clãs cossacos. Nesse aspecto, o movimento de Makhno foi
profundamente personalista. Além de ter denominado seu próprio movimento como
"makhnovista", o guerrilheiro camponês fora batizado por seus
próprios homens de "Batko" ("paizinho" em ucraniano) e sua
esposa Galina de "Mat" ("mãe") ou "Matushka"
("mãezinha"), e isso sem nenhuma objeção de sua parte. O termo, de
certo modo, simbolizava um tipo de hierarquia tradicional muito comum aos
regimentos cossacos que elegia uma figura dominante, um caudilho, para
representá-los e depositar nele total obediência. A maioria dessas guerrilhas
geralmente colocava o culto à personalidade acima do programa político. Trotsky
abordou corretamente que no movimento de Makhno os homens não estavam unidos em
torno de um programa nem de uma bandeira ideológica, mas em torno de um
homem.[11] Alexandre Berkman relata com uma certa admiração este atributo
distintivo do movimento makhnovista:
"Certa vez, enquanto eu falava com um velho mujique, um
verdadeiro patriarca com uma longa barba, fui surpreendido ao vê-lo tirar sua
'chapka' (tipo de chapéu de pele usado pelos camponeses ucranianos) com um
gesto respeitoso quando o nome de Makhno foi pronunciado: 'é um bom e grande
homem' - disse -, 'que Deus o proteja!' (...) concluiu o velho com ardor,
dirigindo-se ao ícone suspenso num canto da cabana, inclinou-se e benzeu-se; em
seguida, virou-se para mim, com toda majestade de uma devota convicção e disse:
'a profecia de Pugatchev se realizou, Deus seja louvado!' (...) 'Certa vez eu
disse a Makhno: Paizinho tu és nosso libertador. De agora em diante serás nosso
Batko e juramos te seguir até a morte!' (...) Batko? Surpreendi-me. 'Sim', ele
respondeu, 'Batko Makhno' (...) 'É nosso paizinho, nosso Batko bem-amado, o
título mais honorífico que podemos lhe dar'" (Alexandre Berkman, "O
Homem Que Salvou os Bolcheviques").
Enquanto alguns anarquistas afirmam que esta expressão
denotava um tom de respeito sem comportar autoritarismo ou liturgia, outros são
forçados a admitir o contrário: Dmitry Berger diz que "a palavra 'Batko',
traduzido ao pé da letra como 'pai' e 'líder', teve uma conotação espiritual,
da mesma maneira que as denominações cristãs quando se referem aos padres como
pais" (Dmitry Berger, "A Religião de Nestor Makhno"). Já o
anarquista Ben Annis admite que o termo "indicava uma tradicional hierarquia
social, dado a uma figura dominante, e Makhno algumas vezes sucumbiu a
comportamentos ditatoriais de um chefe guerreiro, esquecendo suas convicções
igualitárias nas difíceis circunstâncias da guerra civil e tomando decisões
arbitrárias sem consultar a decisão suprema dos movimentos que tomou corpo
através do 'Congresso Operário, Camponês e Insurgentes'" (Ben Annis,
"Makhno e a Makhnovshchina - Mitos e Interpretações").
De fato, a relação de Makhno com o povo foi semelhante ao
que se produziu durante o regime de Stálin, onde o "guia genial dos
povos" também denominou a si mesmo como um "paizinho". A negação
da ditadura do proletariado forçou os anarquistas a aplicar uma ditadura
pessoal, burocrática e totalitária, apoiando-se na ignorância e nos anseios
pequeno-burgueses do campesinato ucraniano. Sukhogorskaya afirma que a região
de Gulyay-Pole havia sido apelidada naqueles tempos de "Makhnogrado"
("A Cidade de Makhno") e narra como era natural a relação de
vassalagem entre o campesinato e o seu suserano: "Makhno amava o poder e o
medo que incutiu no povo. Ele desfrutou a estima da população e todas as pompas
do poder. Certa vez eu o vi chegar na cidade com sua esposa montados numa
carruagem luxuosa rodeada por um tecido azul e puxada por três cavalos cinzentos.
O povo ficava de pé e se curvava, tirando suas 'chapkas'. Makhno e sua esposa
respondiam a seus vassalos com um aceno condescendente. De fato, ele foi um
verdadeiro monarca de Gulyay-Pole" (Sukhogorskaya, "Gulyay-Pole em
1918").
Como figura central e líder absoluto, Makhno impôs a total
obediência de todos os opositores através do medo. Segundo Skirda: "Todos
os destacamentos que se recusassem a reconhecer sua autoridade eram desarmados
e seus comandantes eram levados a um tribunal geral dos insurgentes"
(Alexander Skirda, "Nestor Makhno: O Cossaco da Anarquia - A luta dos
sovietes livres da Ucrânia, 1918-21"). Apesar de todo o misticismo dos
contos populares reproduzidos pela fértil imaginação anarquista, as cidades que
caíram sob a jurisdição de Makhno não eram governadas por sovietes, como tentam
passar seus defensores, mas por prefeitos tirados de suas forças militares,
cuja liderança ficava a cargo do RevCom (Comitê Militar Revolucionário), que
decidia praticamente tudo e ignorava os interesses da população local. Michael
Malet diz que "apesar de garantir que os comandantes das cidades não
interferissem na vida civil de seus cidadãos, eles possuíam enormes poderes.
Klein em Alexandrovsk queixou-se que tudo que fazia era sentar-se numa escrivaninha
e assinar pilhas de papéis" (idem). Já Paul Avrich é mais contundente em
sua análise: "Na teoria, o RevCom e o Exército Insurgente estavam sujeitos
à supervisão dos Congressos Regionais. Na prática, entretanto, a direção da
autoridade repousava em Makhno e seu Estado-Maior. Apesar de seus esforços para
evitar qualquer tipo de sujeição ao controle governamental, Makhno designou
seus oficiais mais importantes (o resto eram eleitos por seus próprios homens)
e sujeitou suas tropas à severa e rigorosa disciplina TRADICIONAL entre as
legiões cossacas da vizinha região de Zaporozhian" (idem).
Em setembro de 1920, o RevVoenSoviet (Soviete Militar
Revolucionário) do front Sul despachou alguns representantes ao quartel-general
de Makhno na cidade de Ekaterinoslav. Entre esses representantes estava Vassili
Ivanov, que estudou detalhadamente a organização das tropas de Makhno. Após se
familiarizar com a situação do local, Vassili Ivanov enviou ao Front de Comando
um informe detalhado do acampamento makhnovista, eis alguns trechos deste
informe: "O regime é brutal, a disciplina é dura como aço, os rebeldes são
surrados no rosto por qualquer pequena infração, não há eleições para o comando
do Estado-Maior, todos os comandantes até o comandante de companhia são designados
por Makhno e o Conselho de Guerra Revolucionário Anarquista. O Soviete Militar
Revolucionário (RevVoenSoviet) tornou-se uma instituição não-eleita,
insubstituível e incontrolável. Sob o Conselho Militar Revolucionário há uma
'seção especial' que trata de desobediências secretamente e sem perdão"
(Yakovlev J., "Machnovshina I Anarchizm"). De acordo com os
fantásticos contos anarquistas, a disciplina no movimento de Makhno era mantida
através da responsabilidade de cada insurgente, sem qualquer coerção vinda de
cima (disciplina "livremente consentida"). Entretanto, como podemos
observar, isto não passa de mais um engodo colossal. Os comandantes
makhnovistas, sobretudo os de alta patente, desfrutavam privilégios e poderes
ilimitados sobre seus soldados. Este tipo de disciplina, "dura como
aço", não era a disciplina revolucionária de ferro adotada pelo Exército
Vermelho, mas a disciplina tradicional e tribal dos regimentos cossacos.
Trotsky, mais uma vez, avaliou corretamente o informe de Vassili Ivanov afirmando
que um exército não poderia, naturalmente, ser construído sobre os princípios
de "liberdade" e "independência", mas era bastante óbvio
que no Exército Vermelho havia muito mais liberdade e respeito para com o ser
humano se comparado com o exército "anarquista" de Nestor Makhno.
Assim, Trotsky dá o seguinte exemplo:
"Quando, não faz muito tempo, num de nossos exércitos
um responsável e merecido camarada, durante um estado de extremo excitamento
nervoso, golpeou um soldado do Exército Vermelho, este honrado camarada, que
ocupava um posto de responsabilidade, foi substituído imediatamente, foi
afastado e punido. Enquanto isso, na tropa de Makhno, socos na face são
considerados um meio de 'autodisciplina'" (Trotsky, "Como a Tropa de
Makhno é Organizada", 15 de outubro de 1920).
Já a "seção especial" a qual se refere Ivanov nada
mais era do que uma das duas polícias secretas de Makhno. Enquanto os
anarquistas ainda hoje gracejam contra a formação do serviço de segurança
bolchevique, a revolucionária "Cheka" ("Comissão Extraordinária
de Toda a Rússia para Combater a Contra-Revolução, a Especulação, a Sabotagem e
o Abuso de Estado"), silenciam-se diante do fato de Makhno ter criado duas
polícias secretas: a "Kontrrazvedka" ("Contra-Informação")
e a "Kommisiya Protivmakhnovskikhdel" ("Comissão Punitiva
Makhnovista").[12] Segundo Sukhogorskaya: "A espionagem de Makhno era
muito efetiva (...) Quando Makhno ordenava seus espiões a descobrir algo,
apenas por 'encorajamento' ele dizia: 'Se você não descobrir, você está
morto!', curto e grosso. E ele realmente matava, sem hesitação. Este
'encorajamento' funcionava muito bem, e o serviço de inteligência de Makhno
tinha um êxito incrível" (N. Sukhogorskaya, "Gulyay-Pole em
1918").
A principal força policial, a "Kontrrazvedka", era
dirigida com total mão-de-ferro por Zinkovsky (Lev Zadov) um indivíduo
extremamente brutal e sádico, muito semelhante ao carrasco de Stálin, Lavrenti
Beria. Coincidência ou não, após a derrota do movimento makhnovista, Zinkovsky
exilou-se na Romênia e de lá entrou em contato com a desprezível GPU (a então
polícia política stalinista) a fim de negociar seu retorno à União Soviética e
voltar a fazer o que sabia de melhor: torturar e assassinar bolcheviques.
Zinkovsky retornou à URSS em meados dos anos 20 e serviu lealmente ao seu
segundo "paizinho", Josef Stálin. Apesar de fazer seu trabalho por
puro gozo, Zinkovsky seria recompensado posteriormente por seus generosos
serviços: foi fuzilado em 1938 durante os expurgos stalinistas!
Ainda hoje os anarquistas escondem o fato de que os serviços
de segurança de Makhno não só assassinaram muitos comunistas, mas também os
torturaram. A alegação dada por seus defensores para a criação dessas duas
forças policiais é de que foram o fruto das "condições específicas da
guerra" e que Makhno precisava "proteger-se de seus inimigos, tanto
Brancos como Vermelhos". É realmente cômico (ou tragicômico), pois os
anarquistas ignoram as dificuldades objetivas que o governo soviético teve que
enfrentar num momento delicado da revolução, mas simultaneamente são
compreensíveis com a maioria das medidas autoritárias adotadas por Makhno, não
perdendo inclusive a oportunidade de utilizar os mesmos argumentos dos
bolcheviques para justificar sua linha política. E viva a dialética!
Através dos informes de Vassili Ivanov, Trotsky expôs
publicamente como os serviços de segurança makhnovista protegiam cuidadosamente
a vida de seu amado chefe: "Para sua própria proteção, Makhno tem um
'Esquadrão Negro', no qual, como dizem os próprios makhnovistas, a disciplina é
'diabólica'. Os alojamentos de Makhno são guardados por um forte pelotão de
cinco a sete sentinelas. Não são permitidos que estranhos se aproximem de
Makhno sem que sejam desarmados" (Trotsky, "Como a Tropa de Makhno é Organizada",
15 de outubro de 1920). Enquanto ninguém podia aproximar-se de Makhno sem que
fosse desarmado por seus "guarda-costas", Lênin havia sido atingido
por um tiro de pistola em 1918 pela social-revolucionária Fanny Kaplan. Já
Uritsky (importante membro do Comitê Central do Partido Bolchevique e chefe da
Cheka de Petrogrado) havia sido assassinado por um outro social-revolucionário
na cidade de Petrogrado. O mesmo havia ocorrido com Volodarsky (Comissário de
Petrogrado para Assuntos da Imprensa, Propaganda e Agitação). Afinal de contas,
que medidas os bolcheviques deveriam ter tomado senão proteger-se dos
virulentos atentados da reação que desejava destruir o poder soviético e
edificar uma "República de pogroms"? Eis o que disse Fanny Kaplan
após seu infrutífero atentado contra Lênin: "Além de ser a favor da
Assembléia Constituinte (parlamento burguês), eu estou incondicionalmente ao
lado do governo de Sâmara e na luta contra a Alemanha, lado a lado com os
Aliados" (Victor Serge, "O Ano Um da Revolução Russa"). O
governo de Sâmara foi uma coalizão entre social-revolucionários e o Exército
Branco, onde em conjunto massacraram toda a oposição comunista afogando a
região num banho de sangue.[13]
Victor Serge, no seu choramingo usual, diz que "o maior
erro dos bolcheviques foi ter criado a Cheka", mas em seguida afirma que a
Comissão Extraordinária "havia sido benigna no início, até o verão de
1918", ou seja, exatamente quando os Brancos e outras facções
contra-revolucionárias tomaram a iniciativa do terror.[14] O Terror Vermelho
foi uma reação ao terror já promovido pelos numerosos elementos
contra-revolucionários que desejavam aniquilar a República Soviética. Mas o
terror não se restringiu apenas aos Brancos e social-revolucionários, algumas
facções "anarquistas" que atuavam em Moscou também utilizaram os
velhos e conhecidos métodos terroristas contra o governo soviético. Em Moscou,
a "Guarda Negra" (chefiada por anarco-individualistas como Lev
Chernyi) constituía-se como uma milícia armada que ameaçava resistir ao Tratado
de Brest-Litovsk e assassinar dirigentes do Partido Bolchevique. Bandidos e
criminosos comuns aproveitavam-se da suposta "liberdade" concedida
por este grupo para se infiltrar e cometer os mais variados crimes, como
menciona Victor Serge:
"Os anarquistas estavam divididos em diversos grupos,
subgrupos e tendências e subtendências, do individualismo ao sindicalismo e
comunismo, de fato havia muitos grupos anarquistas armados (...) Um
Estado-Maior Negro dirigia tais forças, que constituía uma espécie de Estado
armado - irresponsável, incontrolável e descontrolado - dentro do Estado. Os
próprios anarquistas admitiam que elementos suspeitos, aventureiros, criminosos
comuns e contra-revolucionários estavam atuando entre eles, mas seus princípios
não lhes permitiam recusar a entrada em suas organizações a nenhum homem, ou
sujeitar ninguém ao controle" (Victor Serge, "O Ano Um da
Revolução").
Inevitavelmente, a Guarda Negra seria dissolvida pela Cheka
através das armas, já que estavam armados até os dentes. Mas em julho de 1919,
um outro grupo chamado "Anarquistas Clandestinos" (com Lev Chernyi
novamente à cabeça!), em união com os social-revolucionários, puseram uma bomba
no Comitê do Partido Bolchevique em Moscou onde ocorria uma reunião de trabalhadores
e dirigentes do governo, assassinando 12 pessoas e ferindo 55, incluindo
Bukharin. A maioria das vítimas deste perverso atentado eram trabalhadores
comuns, simples operários. Entre os mortos encontravam-se: Ignatova (condutor
de trens); Volkova (trabalhadora de uma loja de departamentos); Zargoski
(militante do movimento revolucionário durante vinte anos); Racerenov Nikitin
(entalhador); Nicolaef (secretário da União dos Trabalhadores Ferroviários de
Moscou); Kroptov (um velho professor); Haldina (operária comunista de 18 anos
de idade); Safonov e Titov (moldadores); Kvasha (um dos primeiros organizadores
do "Sabotnik", trabalho voluntário aos sábados); Kolbin e Tankus
(estudantes-operários da Universidade Sverdlov).[15] Após o atentado, os
"Anarquistas Clandestinos" cantaram vitória proclamando uma
"nova era de dinamite" que varreria os bolcheviques de toda a Rússia.
Mas para a sua própria surpresa, o resultado veio no dia seguinte: além da
implacável Cheka ter acabado com esses bandidos contra-revolucionários, treze
mil trabalhadores filiaram-se ao Partido Bolchevique em solidariedade às
vítimas que os anarco-terroristas haviam assassinado. Quer dizer, enquanto os
anarquistas ultra-esquerdistas isolavam-se cada vez mais dos trabalhadores em
decorrência de suas próprias ações, os trabalhadores voltavam-se cada vez mais
crescente em direção aos bolcheviques; uma relação natural da luta de classes.
Sem dúvida, o terror não foi exclusividade do governo
soviético, e o Terror Negro do movimento makhnovista foi extremamente cruel
nesse aspecto. Segundo relatórios soviéticos, um dos chefes do Estado-Maior de
Makhno, que havia sido pego prisioneiro pelas autoridades bolcheviques, afirmou
que os makhnovistas utilizavam a tortura para "inspirar terror aos seus
inimigos". Isto explica perfeitamente porque Alexandre Berkman utilizava a
mesma expressão ao denominar a guerrilha makhnovista.[16] O próprio Makhno
admitiu que sua "GPU" cometeu abusos e excessos que o deixaram
completamente envergonhado: "No curso das atividades, os órgãos de
contra-espionagem do exército makhnovista cometeram erros ocasionais, a qual me
causaram dor e vergonha, peço desculpas aos prejudicados..." (citado por
Aleksandr Shubin, "Nestor Ivanovich Makhno"). No congresso anarquista
de Alexandrovsk há relatos que afirmam as queixas dos trabalhadores sobre os
atos "arbitrários" e "incontroláveis" da polícia
makhnovista, cuja prática era seguida de "requisições, prisões, torturas e
execuções". Os trabalhadores ainda exigiram que fossem tomadas sérias
medidas para investigar os inúmeros casos de desmandos. Porém, de acordo com
Volin, "as condições específicas da guerra" impediram de levar
adiante uma comissão que investigasse o caso: "Os fatos imediatos não
permitiram a esta comissão levar a cabo sua ação: os combates incessantes, os
deslocamentos dos exércitos e as urgentes tarefas que absorviam todos os seus
serviços, os impediram..." (idem). É muito normal que num período de
guerra civil haja excessos e descontroles; estamos inclusive de acordo que os
serviços de segurança da revolução não podem ser baseados em princípios
"pacifistas" e "humanitários", no entanto, a Cheka foi
muito mais responsável e democrática do que as duas polícias de Makhno juntas.
A Comissão Extraordinária consistia em 18 peritos revolucionários que
representavam o Comitê Central do Partido Bolchevique e o Comitê Executivo
Central dos Sovietes; uma execução só era possível após a decisão unânime de
todos os membros da comissão em reunião plenária. Bastava que um único membro
se expressasse contrário à execução para que a vida do acusado fosse perdoada.
O maior exemplo disso é o caso de Volin, que após ter sido pego prisioneiro só
escapou da execução porque Lênin e Kamenev opuseram-se ao resultado final do
julgamento. Além disso, como dirigente responsável pela Cheka, Félix
Dzerzhinsky preocupava-se bastante com a atuação das Chekas locais, e os abusos
de autoridade geralmente eram punidos quando descobertos.[17]
Como líder absoluto, Makhno utilizou a autoridade militar da
qual dispunha para suprimir adversários políticos. Nos territórios
conquistados, Makhno impôs autoritariamente "sovietes sem
bolcheviques" (chamado eufemisticamente de "sovietes livres"),
reprimindo até mesmo trabalhadores comuns simpáticos ao governo soviético.
Makhno dissolveu os comitês revolucionários dos bolcheviques em Ekaterinoslav e
Alexandrovsk, aconselhando seus membros a se dedicarem a "algum trabalho
honesto" (Paul Avrich, "Os Anarquistas Russos", 1967). Mas o
autoritarismo do guerrilheiro camponês não se restringiu apenas às regiões mais
desenvolvidas da Ucrânia, onde a influência dos bolcheviques era notável. Os
anarquistas costumam descrever o território de Gulyay-Pole como um verdadeiro
"paraíso na terra", o único lugar cuja liberdade e direitos humanos
prevaleciam em todo o território soviético durante o período de guerra civil.
Porém, este "éden paradisíaco" nos parece mais uma fábula
extravagante do que uma realidade nua e crua. Segundo Sukhogorskaya "os
corpos dos inimigos eram deixados expostos nas ruas de Gulyay-Pole por algum
período de tempo, como lição aos inimigos e para impor medo" (N.
Sukhogorskaya, "Agafya Andreyevna"). Sukhogorskaya explica ainda como
os makhnovistas se divertiam em "profanar" os corpos dos defuntos
expostos nas ruas "esmagando suas cabeças com os cascos dos cavalos"
(idem). Mas tudo isso ainda era pouco diante da punição que sofriam todos
aqueles que passavam a estreitar laços com os bolcheviques, sujeitos a um
implacável ajuste de contas que ia desde o fuzilamento a torturas que
remontavam à Idade Média:
"A população tinha medo de todas as forças militares, e
de Makhno acima de tudo. Todas elas apareciam durante um certo tempo e partiam
de novo, às vezes muito rápido, e quando Makhno retornava sempre ficava furioso
e vingativo. A vingança dos makhnovistas era terrível. Uma jovem camponesa foi
fuzilada em nosso pátio por ter ousado falar com os Vermelhos quando tomaram o
controle da cidade (...) Até mesmo suspeitas de coisas pequenas, inofensivas e
infundadas, poderia levar à tortura e até mesmo à morte. Makhno declarou: 'Se
apenas uma única pessoa dar informações ao inimigo eu acabarei com toda a
região' (...) Um dia eu tive o infortúnio de testemunhar a tortura de uma
pessoa suspeita de traição. Um homem de compleição colossal irrompeu em nosso
pátio, empurrando um jovem camponês e agindo como se isso fosse algum tipo de
jogo. O camponês era de estatura normal, mas ao lado de seu torturador gigante
ele parecia uma criança. O mastodonte imediatamente levou o camponês até o muro
e, pressionando sua cabeça, o ordenou que a batesse contra a parede, e ainda
por cima o alertou que deveria fazê-lo de forma correta e com bastante força.
Diversos outros makhnovistas estavam assistindo, eles começaram a cantar e
forçaram o camponês a dançar. Até aquele momento a cabeça do jovem rapaz estava
bastante ferida, o sangue escorria de sua face e lágrimas desciam de seus
olhos, mas os assassinos o esbofetearam no rosto e lhe ordenaram que
continuasse dançando. O pobre diabo caiu ao chão, era bastante perceptível que
ele havia desmaiado. Então os makhnovistas desembainharam seus sabres e
começaram a apunhalá-lo nas costas. Ele nem mesmo gemeu ou gritou... Este pobre
atormentado foi um simples camponês que os makhnovistas suspeitaram, sem
fundamento, de ter dado informações aos bolcheviques sobre os planos de
Makhno" (idem).
Nem mesmo Polonsky, um velho simpatizante bolchevique e
comandante do Terceiro Regimento do Exército Negro, conseguiu escapar da
implacabilidade de Makhno. Enquanto Volin conseguiu salvar sua cabeça por
intermédio de Lênin e Kamenev, Polonsky e outros oposicionistas foram presos
pela "Kontrrazvedka" e fuzilados sem julgamento no quartel-general de
Makhno, sob a acusação de estarem envolvidos numa suposta "conspiração"
com o intento de criar uma "organização AUTORITÁRIA ilegal" (!). Na
teoria, os anarquistas buscam ser os campeões do "antiautoritarismo",
na prática ganham o troféu de campeões da demagogia. O próprio Makhno era um
totalitário incorrigível que centralizou todo o poder em suas mãos e proibiu
todo tipo de atividade política ao Partido Bolchevique, reprimindo suas seções
sob o pretexto de "atentar contra a liberdade plena das massas" (quer
dizer, dos "kulaks"). Foi nesse ambiente que Polonsky e outros partidários
tentaram organizar células bolcheviques clandestinas, reivindicando como
consigna "sovietes de deputados operários". Isto foi suficiente para
que o "paizinho" os expurgasse do Exército Negro através do
fuzilamento imediato, sem julgamento ou direito de defesa. Os bolcheviques
ainda fizeram um apelo para que Polonsky e os outros acusados fossem julgados
através de um tribunal popular aberto, para que assim pudessem se defender das
acusações, mas Makhno recusou categoricamente este apelo.[18] Segundo as
memórias de Ida Mett (amiga pessoal de Makhno e membro do Grupo "Dielo
Trouda" de 1925-28), muitos membros do Estado-Maior ficaram abatidos com a
execução sumária de Polonsky.
Volin chegou a ouvir queixas de diversos soldados no
quartel-general, mas sequer deu atenção ao episódio: "Qual a opinião de
Makhno?" - perguntou Volin - "Se ele disse que essa era a coisa certa
a se fazer então não há o que discutir!".[19] Esta atitude de Volin
demonstra que o temor a Makhno era muito forte. De acordo com Ida Mett, Makhno
costumava afirmar que Volin nunca tinha coragem de expor suas próprias opiniões
quando o "paizinho" estava por perto.
Embora tenha sido cúmplice deste e de muitos outros
assassinatos cometidos pelo Exército Negro, Volin explicitou no exílio uma
série de debilidades que assolavam o movimento makhnovista e o próprio Makhno
em pessoa. O nacional-anarquista Alexandre Skirda criticou essas exposições
feitas por Volin acusando-o de puro "arrivismo". Nos causa estranheza
esta observação, já que Volin dedica pouquíssimas páginas de seu livro à
crítica ao movimento makhnovista (menos de seis de quase duzentas páginas); a
maior parte do conteúdo são fábulas a favor de Makhno e Kronstadt e calúnias
incessantes contra os bolcheviques. Ademais, mesmo com as polêmicas entre ambos
no exterior em torno da Plataforma, Volin sempre considerou Makhno como um
"grande gênio militar" e sempre o defendeu daqueles que o acusavam de
anti-semitismo. Portanto, não haveria nenhum motivo de Volin utilizar-se da mentira
para sair-se vitorioso numa suposta "disputa anarquista". A análise
de Skirda nada mais é do que a de um cego partidário, que muitas vezes cai à
beira da loucura e contradição ao defender causas estranhas ao
proletariado.[20] Sendo assim, vejamos o que diz Volin sobre as debilidades do
movimento makhnovista:
"O maior defeito de Makhno foi, certamente, o abuso do
álcool, ao qual se habituou pouco a pouco, e que chegava a ser lamentável em
certos períodos. O estado de embriaguez se manifestava nele principalmente no
aspecto moral. Fisicamente, se mantinha firme, mas se voltava maligno,
superexcitado, intratável, violento. Quantas vezes, durante minha estadia no
exército, o observei desesperado, sem poder tirar nada de razoável deste homem
por seu estado anormal - e isto em assuntos de grave importância! Sem falar que
em algumas épocas isso chegou a ser quase um estado normal. O segundo defeito
de Makhno, e de alguns de seus íntimos - comandantes ou não -, foi sua atitude
em relação às mulheres. Sobretudo em estado de embriaguez, estes homens
cometiam atos inadmissíveis - odiosos, seria a palavra correta -, chegando a
realizar orgias em que certas mulheres eram OBRIGADAS a participar. Nem precisa
dizer que tais atos libertinos causavam um efeito desmoralizador a quem se
inteirava deles. E o bom renome do comando se ressentia. Esta má-conduta moral
entranhava-se fatalmente a outros excessos e abusos. Sob a influência do
álcool, Makhno tornava-se irresponsável de seus atos, cujo controle perdia
totalmente. E então era o capricho pessoal, apoiado às vezes na violência, que
substituía bruscamente o dever revolucionário: o arbitrário, os despropósitos
absurdos, as estranhas ocorrências, os arremedos ditatoriais de um chefe
armado, substituindo estranhamente à calma, a reflexão, a clarividência, a
dignidade pessoal, o domínio de si, o respeito ao próximo e à causa, qualidades
que não deveria ter abandonado jamais um homem como Makhno. O resultado
inevitável destes desvios e aberrações foi um excesso de sentimento guerreiro,
que conduziu à formação de uma espécie de camarilha militar ao seu redor, que
muitas vezes tomava decisões e realizava atos sem levar em consideração a
opinião do Conselho ou de outras instituições (...) Perdida a noção das coisas,
permitia-se desprezar tudo que lhe fosse alheio, e assim afastava-se cada vez
mais da massa dos combatentes e da população trabalhadora (...) Uma noite, em
que o Conselho tratava a má-conduta de certos comandantes, Makhno se
apresentou, completamente alcoolizado e superexcitado ao extremo. Puxou seu
revólver, apontou para os presentes, movendo-lhe de um lado para outro,
enquanto lhes insultava grosseiramente. E saiu em seguida, sem querer ouvir
nada" (idem).
Eis a moral espontaneísta levada aos seus últimos extremos!
De um lado, ações que refletem a falta de disciplina e moral revolucionárias,
obrigando mulheres a manter relações sexuais à força, ou seja, eram estupradas
(!); do outro, a arbitrariedade de um ditador absoluto, pronto a decidir tudo
pela maioria através do veto e do cano de um revólver. Considerar esse
movimento como "alternativa ao bolchevismo" é realmente uma piada de
muito mau gosto!
Em relação ao álcool, há informes apontando que os soldados
makhnovistas dirigiam-se aos fronts de guerra completamente bêbados. Os
comissários bolcheviques da Terceira Brigada informaram que era necessário
estimular neles o espírito da disciplina revolucionária, supervisioná-los e, se
possível, dar-lhes assistência psicológica. Makhno, porém, resolveu a questão
do seu modo mais característico: sujeitou os soldados a rigorosas punições com
chicotadas e espancamento público. Por outro lado, o chefe tribal e seus
oficiais de alta patente não perdiam a oportunidade de colocar-se acima de suas
próprias leis e do próprio povo. Klein, por exemplo, utilizou-se da autoridade
civil e militar que dispunha em Alexandrovsk para emitir uma proclamação que
proibia a população de abusar das bebidas alcoólicas e a mostrar-se nas ruas em
estado de embriaguez; entretanto, o mesmo promovia distúrbios sobre os efeitos
do álcool, abusando de sua autoridade de "prefeito militar". De modo
semelhante, Sukhogorskaya afirma que em estado de estupor alcoólico Makhno
tornava-se agressivo e mandava torturar ou matar quem ele quisesse:
"Não somente os aldeões comuns temiam Makhno, mas
também seus próprios camaradas de armas. Uma vez eu testemunhei como Makhno
espancou um makhnovista bêbado com um chicote arrastando-o pelas ruas por algum
tipo de má-conduta fútil; o homem curvou-se e beijou os seus pés e os cascos de
seu cavalo, chorando e implorando: 'Perdoe-me, Batko, eu não o farei
novamente!'. Porém, isso não significa que Makhno fosse contrário ao álcool em
princípio. Ele apenas punia aqueles que bebiam 'precocemente' em situações de
perigo quando o inimigo estava próximo. Ele próprio só bebia em seu tempo livre
quando não estava ocupado com assuntos militares. Mas também quando bebia
tornava-se um completo demônio. Nesse estado ele ficava fora de si e matava
qualquer inimigo pessoal ou torturava e executava prisioneiros. Uma vez quando
ele estava bêbado mandou matar 13 prisioneiros de guerra, fuzileiros siberianos
comunistas, por puro prazer" (N. Sukhogorskaya, "Gulyay-Pole em
1918").
O ano de 1920 foi decisivo para ambas as forças, os
conflitos entre Makhno e o governo soviético chegaram a ponto de ebulição. No
início de janeiro, os bolcheviques entraram em contato com Makhno solicitando
que seu exército tomasse posições na fronteira polaca. Makhno negou-se a ajudar
os bolcheviques e deu início a uma feroz guerra civil contra a República
Soviética que durou cerca de oito meses. O Exército Negro atacou destacamentos
bolcheviques, destruindo sua linha de suprimento; invadiu instituições
soviéticas; fuzilou comunistas; destruiu estradas de ferro; saqueou trens destinados
a fábricas, etc. Alguns destes atos foram detalhadamente retratados pela amante
de Makhno num diário encontrado pelas autoridades bolcheviques enquanto as
tropas makhnovistas batiam em retirada. Tais ações haviam sido praticadas num
período em que o Estado operário enfrentava os Guardas Brancos poloneses e as
tropas do Barão Wrangel, armados até os dentes pelos imperialistas. Vejamos os
trechos deste diário na íntegra:
23 de Fevereiro de 1920 - Nossos rapazes capturaram alguns
agentes bolcheviques, aos quais então foram fuzilados.
5 de Fevereiro de 1920 - Nós nos mudamos para Mayorovo.
Foram capturados três representantes do 'prodotriadi' (coletores de grãos) e
foram fuzilados.
1º de Março de 1920 - Assim que os rapazes chegaram
informaram a Makhno que Fedyukin, um comandante do Exército Vermelho, havia
sido pego prisioneiro. Makhno o chamou, mas o mensageiro retornou com a notícia
de que os rapazes não haviam podido ficar com ele - ele havia sido ferido - e o
fuzilaram a seu pedido.
7 de Março de 1920 - Em Varvarovka. Makhno ficou muito
bêbado, começou a gritar palavrões nas ruas em uma linguagem impublicável.
Chegamos em Gulyay-Pole, e algo incrível ocorreu sob as ordens embriagadas de
Makhno. Os cavalarianos utilizaram os seus chicotes e as coronhas de seus
rifles contra todos os ex-guerrilheiros Vermelhos que encontraram nas ruas.
Eles atacaram como uma horda furiosa na direção de pessoas inocentes... Dois
deles tiveram suas cabeças quebradas e um deles foi arrastado até o rio...
11 de Março de 1920 - Ontem à noite os rapazes pegaram dois
milhões de rublos e hoje todos eles ganharam mil cada.
14 de Março de 1920 - Hoje nos mudamos para Mikhailovka. Um
comunista foi morto aqui.
5 de Junho de 1920 - Na estação de Zaitsevo, Makhno cortou
as comunicações de telefonia e telégrafo, o trilho na frente e atrás do trem de
nº 423 foram arrancados, a propriedade do trem foi saqueada e todos os
comunistas cortados em pedaços.
16 de Julho de 1920 - Makhno invadiu a estação Grishino,
onde ele permaneceu por três horas. 14 oficiais de sovietes e organizações
operárias foram fuzilados, comunicações de telégrafo destruídas e os depósitos
de comida dos ferroviários foram saqueados.
26 de Julho de 1920 - Makhno invadiu a junção de
Konstantinogrado e oitenta e quatro homens do Exército Vermelho foram
assassinados em dois dias.
12 de Agosto de 1920 - Em Zenkovo, Makhno assassinou dois
comunistas ucranianos e sete oficiais de organizações operárias e rurais.
12 de Dezembro de 1920 - Uma invasão em Berdiansk. Durante
três horas os anarquistas de Makhno, conduzidos por ele próprio, assassinaram
83 comunistas, incluindo Mikhalevich, um dos melhores operários ucranianos,
torcendo seus braços, arrancando pernas, rasgando estômagos, baionetando e
retalhando-os até a morte.
16 de Dezembro de 1920 - Um trem foi descarrilado entre
Sinelnikovo e Alexandrovsk. Cerca de cinqüenta comunistas, operários e homens
do Exército Vermelho foram mortos.[21]
Do mesmo modo que a maioria dos regimentos partisans de base
essencialmente rural, Makhno também resistiu ao trabalho dos comissários
operários na Terceira Brigada, e isto só contribuiu para a degeneração de suas
próprias unidades. Segundo informes, alguns bolcheviques que ainda faziam parte
da Terceira Brigada chegaram a solicitar ao RevVoenSoviet que enviasse os
melhores comissários operários às seções de Makhno, entretanto, com a
permanente perseguição e hostilidade, muitos operários rejeitaram tal pedido.
Segundo um informe de um comissário que se encontrava no regimento makhnovista,
a falta de operários políticos só contribuiu para que o Exército Negro se
afundasse ainda mais no "banditismo, alcoolismo e
anti-semitismo".[22]
Não há dúvida que a base social da
"Makhnovshchina" (o atrasado kulak ucraniano) contribuiu incontrolavelmente
para a disseminação de tais vícios em suas fileiras. O preconceito anti-semita
era muito forte entre o campesinato russo e ucraniano. Após a Revolução de
1905, o governo czarista esforçou-se ao máximo em tentar convencer a população
de que todos os males ocorridos na Rússia eram culpa dos judeus. Em 1911, a
administração czarista deu início à encenação teatral do "Caso
Beilis", onde acusava um trabalhador judeu da região de Kiev de assassinar
uma criança "cristã" a fim de obter seu sangue para um ritual
secreto. A polícia secreta czarista (Okhrana) ficou encarregada de propagar
entre a população o "Libelo de Sangue" e os "Protocolos dos
Sábios de Sião", manuscritos fraudulentos que haviam sido criados com a
finalidade de intensificar a perseguição aos judeus e desviar a atenção das
massas para os problemas reais do país. Qualquer tentativa de subversão por
parte dos movimentos revolucionários era classificado como uma
"conspiração mundial judaico-comunista". Grupos para-militares como
as "Centúrias Negras" foram organizados para levar a cabo pogroms
(massacres) contra judeus e comunistas em todo o território do Império Russo. A
religião, por sua vez, desempenhou um papel não menos importante na propaganda
anti-semita; além de ter sido uma das principais forças utilizadas pelo
czarismo para a "russificação" das populações conquistadas, a Igreja
Ortodoxa disseminava o anti-semitismo entre o povo classificando os judeus como
"sanguinários assassinos de cristãos". Para piorar a situação, o
analfabetismo atingia a maior parte da população ucraniana (cerca de 83%), cuja
maioria constituía-se de camponeses. Sentimentos nacionalistas e raciais
solidificaram-se de modo intenso na tradição popular ucraniana e o
anti-semitismo tornou-se praticamente uma "norma social".[23]
O papel desempenhado por vários judeus no Partido
Bolchevique e na Revolução Russa também foi largamente explorado pelos Brancos
para a propaganda anti-semita durante a guerra civil. O Exército Branco
esforçou-se até o fim da guerra em vincular a Revolução Russa com um suposto
"complô judeu". Os generais Brancos distribuíam cópias dos Protocolos
aos seus soldados nos fronts e produziam uma vasta quantidade de charges
retratando os bolcheviques - e, em particular, Trotsky - como "demônios
judeus". Na Ucrânia, em particular, espalhavam que os judeus pretendiam
bolchevizar todo o país e acabar com o cristianismo. Vale lembrar a preocupação
de Trotsky em torno dessa questão quando Lênin o indicava para certas posições
no comando do Estado operário: "Não é arriscado dar aos nossos inimigos
arma suplementar que seria a minha origem judaica?", e Lênin respondia
indignado: "Fazemos uma grande revolução internacional. Que importância
podem ter bobagens como esta?". A preocupação de Trotsky mostrou-se parcialmente
justificada, durante a guerra civil os numerosos exércitos
contra-revolucionários não só realizaram uma intensa propaganda anti-semita
como também promoveram os maiores crimes contra a população judaica muito antes
do surgimento do nazismo. Só na Ucrânia deixaram um saldo de mais de 1.000
pogroms, 125.000 judeus mortos e 40.000 feridos, sem contar a devastação
generalizada deixada pelos saques e pilhagens.[24] A propaganda anti-semita dos
russos Brancos mostrou-se tão alarmante que em março de 1919 Lênin pronunciou
um discurso por gramofone sobre a situação:
"O anti-semitismo quer espalhar a inimizade contra os
judeus. Quando a maldita monarquia czarista encontrava-se em fase terminal
tentou incitar os operários e camponeses ignorantes contra a população judaica.
A polícia czarista, em aliança com os latifundiários e capitalistas, organizou
pogroms generalizados. Os latifundiários e capitalistas tentaram desviar o ódio
dos operários e camponeses que haviam sido torturados para colocá-los contra os
judeus. Em outros países também observamos freqüentemente os capitalistas
fomentarem o ódio contra os judeus a fim de cegar os trabalhadores e desviar
sua atenção do verdadeiro inimigo, o capital. O ódio contra os judeus só
persiste nesses países onde a escravidão dos latifundiários e capitalistas
criou uma ignorância abismal entre o operariado e o campesinato. Somente os
elementos mais ignorantes e tiranizados podem acreditar nessas mentiras e
calúnias que estão espalhando sobre os judeus. Isto é um costume dos antigos
tempos feudais que ainda tenta sobreviver, quando os padres queimavam hereges
na fogueira, quando os camponeses viviam na escravidão e quando o povo era
subjugado e inarticulado. Esta antiga ignorância feudal está desaparecendo; os
olhos do povo estão se abrindo. Não são os judeus os inimigos do povo
trabalhador. Os inimigos dos trabalhadores são os capitalistas de todos os
países. Entre os judeus encontram-se a classe trabalhadora, e eles formam a
maioria. Eles são nossos irmãos que, como nós, são oprimidos pelo capital; eles
são nossos camaradas na luta pelo socialismo. Entre os judeus há kulaks,
exploradores e capitalistas, da mesma maneira que há entre os russos e povos de
todas as nações. Os capitalistas se esforçam para semear e fomentar o ódio
entre os trabalhadores de diferentes crenças, nações e raças. Aqueles que não
trabalham são mantidos no governo pelo poder e pela força do capital. Judeus
ricos, como russos ricos e ricos de todos os países, estão em aliança para
oprimir, esmagar, roubar e desunir os trabalhadores. Nos causa vergonha o
maldito czarismo que torturou e perseguiu os judeus. Nos causam vergonha todos
aqueles que fomentam o ódio contra os judeus e outras nações. Longa vida à
aliança fraterna e combativa dos trabalhadores de todas as nações na luta pela
destruição do capital!" (Lênin, "Sobre os Pogroms Anti-Judeus",
março de 1919; Discurso gravado em gramofone. Obras Escolhidas, 4ª edição em
inglês, Moscou, 1972).
No interior do Partido Bolchevique Lênin criou um ambiente
tal que qualquer forma de manifestação anti-semita, por mais ínfima que fosse,
era tratada com a expulsão imediata: "O problema da luta contra o
anti-semitismo deve figurar no programa educacional do partido... O partido
deve criar uma atmosfera na qual o anti-semitismo virulento deve acarretar na
expulsão do partido" (Obras completas). Esta luta implacável de Lênin
contra o preconceito medieval anti-semita nos faz relembrar a posição dos
primeiros ideólogos anarquistas em relação à questão judaica. Sabemos
perfeitamente que tanto Bakunin como Proudhon estavam mergulhados no mais
profundo e obscuro preconceito anti-semita resultante de sua época. Seguindo a
forma de pensar do nacionalismo russo, Bakunin utilizou argumentos nada
agradáveis em polêmica contra Marx no seio da Primeira Internacional, afirmando
que o comunismo marxista e o capital financeiro "trabalhavam juntos para
promover os interesses dos judeus":
"Sendo ele próprio judeu, Marx tem ao seu redor uma
multidão de judeus. Eles têm um pé nos bancos e o outro no movimento
socialista. Agora, este mundo judeu - que constitui uma seita exploradora, um
povo sanguessuga e parasitas vorazes - está intimamente unido não só nas
fronteiras nacionais, mas também através das diferenças de opinião política. Mantém-se
na maior parte à disposição de Marx, e ao mesmo tempo à disposição de
Rothschild (...) Tudo isso pode parecer estranho, o que pode haver em comum
entre o socialismo e um banco dirigente? O assunto é que o socialismo
autoritário, o comunismo marxista, pede uma forte centralização do Estado. E
onde tenha centralização do Estado, tem que haver necessariamente um banco
central, e onde exista tal banco, ali encontraríeis a nação judia parasita,
especulando com o trabalho do povo" (Mikhail Bakunin, "Polêmica
contra os Judeus", 1872; citado por R. Huch "Bakunin e a
Anarquia").
Bakunin (que apesar da retórica antiautoritária ele mesmo
era um autoritário da cabeça aos pés) não via nenhuma diferença entre um judeu
operário e um judeu burguês; para ele, a origem "racial" do povo
judeu estava acima de qualquer coisa. Seguindo essa linha de raciocínio,
Bakunin atacou todos os judeus em geral, independentemente de sua classe social
ou ideologia política. Eis sua apreciação sobre o assunto:
"Podemos observar na ligação com os judeus atuais que a
sua natureza poucas ligações possui ao socialismo franco. A sua história, muito
antes da era Cristã, implantou-lhes uma tendência essencialmente burguesa e
mercantilista. Como uma nação, são por excelência os exploradores do trabalho
dos outros homens. Estou consciente de que ao exprimir a minha oposição aos
judeus me exponho a enormes perigos, pois a seita judaica constitui hoje um
poder verificável na Europa (...) É, sobretudo, na Europa Oriental onde a
exploração judia exerce suas depredações mais desapiedadas e mais excessivas.
Em todos esses países o povo detesta os judeus; detesta-os até o ponto de toda
revolução popular vir acompanhada de uma matança de judeus; conseqüência
natural, mas que em modo algum propicia que os judeus sejam partidários da
revolução popular e social (...) Essa mescla com a burguesia do país de seu
nascimento é mais aparente do que real. No fundo, os judeus de cada país são
somente amigos dos judeus de todos os países, independentemente de todas as
diferenças que possam existir entre suas posições sociais, o grau de sua
instrução, suas opiniões políticas e seus cultos religiosos. Não é já o culto
supersticioso de Jeová o que hoje constitui como tal o judeu; um judeu batizado
segue sendo judeu. Há judeus católicos, protestantes, panteístas e ateus,
judeus reacionários, liberais, até mesmo judeus democratas e judeus
socialistas. Mas antes de tudo são judeus, e isso estabelece entre todos os
indivíduos dessa raça singular, por cima de todas as posições religiosas,
políticas e sociais que lhes separam, uma união e uma solidariedade mútuas
indissolúveis (...) Amplo cosmopolitismo e estreiteza nacional ao mesmo tempo,
tal é o primeiro rasgo. O segundo, burguês e explorador da cabeça aos pés,
adversário instintivo da revolução popular. Conseqüência natural: é em todo
caso partidário da civilização burguesa, da ordem burguesa, da dominação dos
bancos e da poderosa centralização dos Estados. Não é apenas só por interesse,
mas também por convicção sincera. Todo judeu, por ilustrado que seja, conserva
o culto tradicional da autoridade: é o legado de sua raça, o sinal manifesto de
sua origem oriental" (Bakunin, "Aos Companheiros da Federação das
Seções Internacionais da Jura", 1872. Tomado de "Eslavismo e Anarquia",
seleção de textos de Bakunin, Coleção Austral, 1998).
Já Proudhon conseguia ser pior que Bakunin exercendo o papel
de anti-semita asqueroso. Além deste personagem se opor à organização
partidária, à luta pelos direitos femininos,[25] aos sindicatos e greves, e
advogar pela colaboração de classes, ele declarava aberta e universalmente um
ódio imensurável contra os judeus, intercedendo inclusive pelo holocausto:
"Esta raça envenena tudo ao intrometer-se em qualquer assunto. É
necessário exigir sua expulsão da França, à exceção dos homens casados com
mulheres francesas, proibir as sinagogas, não admiti-los em nenhum emprego e
procurar a abolição final desta seita. O judeu é inimigo da humanidade e é
necessário enviar esta raça de volta à Ásia, ou simplesmente exterminá-la. Pelo
fogo ou pela expulsão o judeu deve desaparecer. O que os povos da Idade Média
detestavam por instinto, eu detesto por reflexão, e de modo irrevogável (...)
H. Heine, A. Weil e tantos outros são simplesmente espiões secretos. Rothschield,
Crémiuex, Marx, Fould são homens maus, coléricos, invejosos, amargos, etc.
etc., que odeiam a todos nós" (Proudhon, 1847; Garnets, vol. 2, p. 337: nº
VI, 178; Obras Escolhidas de Proudhon, editado por Stewart Edwards e traduzido
por Elizabeth Frazer, Macmillan, Londres, 1970, p. 227).
Não há dúvida que os makhnovistas realizaram os desejos
ardentes de Proudhon de eliminar os judeus "pelo fogo", literalmente.
Apesar de Makhno ter se declarado como um inimigo mortal do anti-semitismo e
contar com alguns judeus entre seus colaboradores, muitos de seus partidários
campesinos estavam imbuídos de preconceitos anti-semitas e cometeram os mais
terríveis crimes contra a população judaica. Alguns desses crimes foram punidos
com rigidez, dois deles são citados com um certo orgulho pelos próprios
anarquistas. O primeiro ocorreu em princípios de maio de 1919, quando o
Estado-Maior makhnovista dirigia-se a Gulyay-Pole para uma conferência com Lev
Kamenev e outros representantes da República Soviética no seu quartel-general.
Na estação "Verkhnii Tokmak" ambos observaram um cartaz com os
dizeres: "MORTE AOS JUDEUS! SALVE À RÚSSIA! LONGA VIDA A BATKO
MAKHNO!". De acordo com a literatura anarquista, Makhno mandou chamar o
responsável pelo cartaz e o fuzilou pessoalmente.[26] O segundo episódio
ocorreu em 12 de maio do mesmo ano na pequena colônia judaica de Gorkaya
(próxima a Alexandrovsk), onde 20 judeus foram assassinados por sete camponeses
adeptos de Makhno. Uma comissão foi instaurada para investigar o caso e os sete
camponeses foram sumariamente executados.[27]
Mas se por um lado certos crimes contra a população judaica
foram severamente punidos, outros foram completamente ignorados. Anti-semita ou
não, Makhno era um grande oportunista, e seu dilema de punir ou não punir cada
ato de pogrom chocava-se com a falta de homens para manter sua guerrilha
camponesa de pé. O oportunismo de Makhno atingiu o ápice em julho de 1919,
quando não pensou duas vezes antes de apoderar-se das tropas anti-semitas do
Ataman Grigoriev depois de tê-lo fuzilado.
Nikifor Grigoriev foi um ex-oficial czarista que em 1919
rebelou-se contra os bolcheviques e organizou-se através do Exército Verde dos
social-revolucionários.[28] Aventureiro, cossaco e camaleão político da pior
espécie, Grigoriev chegou a prestar ajuda aos Sovietes Ucranianos capturando a
região de Odessa. Por intermédio de Antonov-Ovseenko, aliou-se aos Guardas
Vermelhos, mas desde o início não inspirou nenhuma confiança ao poder central
bolchevique, no qual alertou reiteradas vezes sobre sua má-conduta e cobiça. As
exigências de Grigoriev eram inaceitáveis, porém, muito semelhantes às exigidas
por Makhno: "1) Livre organização; 2) Todas as armas, garantias e
equipamentos devem ser deixados à nossa disposição; 3) Não tocar em nossos
postos e títulos; 4) Garantia de nenhuma interferência nos assuntos domésticos
em nosso território, tropas e espólios que tomarmos em combate".[29]
Quando Anatol Skachko (comandante do grupo de Kharkov, Segunda Divisão do
exército ucraniano) dirigiu-se aos territórios controlados por Grigoriev
observou com seus próprios olhos o caos gerado pela liberdade absoluta e
irrestrita: não havia nenhum sinal de organização e trabalho político, por
conseguinte, os camponeses grigorievistas encontravam-se bêbados, ociosos e
disseminando o ódio anti-semita entre as tropas.[30] É evidente que as
propostas de "livre organização" e "liberdade
incondicional" foram rejeitadas pelo poder central. Logo, os comissários
operários foram designados para exercerem suas funções de supervisão,
organização e trabalho político. Em reação, os social-revolucionários (que
exerciam uma forte influência entre os grigorievistas) criaram o "Bureau
Informacional", um tipo de administração política que tentava impedir o
trabalho dos comissários no interior da brigada. Não por acaso, após rebelar-se
contra o governo soviético, Grigoriev passou a adotar a bem-conhecida demagogia
de "sovietes livres" para eliminar fisicamente os comunistas. Numa de
suas cartas endereçadas ao regimento de Makhno afirmou que os motivos de sua
revolta tinham sido a "repugnância de seus soldados contra as requisições
bolcheviques e as ordens dos chekistas e comissários" (Colin Darch, idem).
De fato, os chekistas e comissários eram impiedosos contra todos aqueles que
pretendiam transformar as regiões conquistadas numa República de pogroms.
Apelidado pelos kulaks de "Anjo Verde", Grigoriev conservava os
mesmos preconceitos anti-semitas compartilhados pelas massas rurais ucranianas,
tendo se destacado, ao lado de Petlyura, como um dos mais asquerosos
anti-semitas durante toda a guerra civil. Após proclamar sua rebelião contra os
bolcheviques, redigiu um chamamento universal dirigido "Ao Povo da Ucrânia
e aos Soldados do Exército Vermelho Ucraniano", anunciado que o país
estava sendo dominado por judeus recrutados diretamente de Moscou e conclamava
o fim da "ditadura partidária", "da violência tanto de Direita
como de Esquerda" e "por um governo do povo ucraniano", ou seja,
uma plataforma política não muito diferente da dos makhnovistas. Grigoriev
também exortou o sentimento religioso para despertar "a consciência das
massas", escondendo-se por detrás da demagogia católico-cristã. Entre maio
e junho de 1919, Grigoriev conseguiu ocupar regiões importantes como
Elisabethgrado, Kremenchug, Cherkassy e Kherson, onde os grigorievistas
assassinaram cerca de 10.000 pessoas (três mil só em Elisabethgrado, palco de
um dos maiores pogroms já cometidos em toda a história da Ucrânia), a maioria
de suas vítimas eram bolcheviques e judeus, mas os anarquistas também estavam
em sua lista. Era mais do que necessário julgá-lo pelas atrocidades cometidas;
não só ele como todo o seu bando.
Porém, entre os bastidores, Makhno e Grigoriev tentavam
costurar uma aliança quando ambos ainda faziam parte das fileiras do Exército
Vermelho, com a única e exclusiva intenção de "combater os bolcheviques e
os Brancos em conjunto". Na primavera de 1919, o RevVoenSoviet havia
recebido informações secretas de um simpatizante bolchevique que estava nas
fileiras do exército de Makhno, afirmando que o Estado-Maior tinha enviado um
emissário ao acampamento de Grigoriev a fim de discutir "termos para uma
aliança". Felizmente, a Cheka conseguiu prender os conspiradores a
tempo.[31] Em represália, os serviços de segurança de Makhno encarcerou o
informante e todos os comissários bolcheviques acusando-os de
"espionagem". Quando Antonov-Ovseenko dirigiu-se ao quartel-general
de Makhno para negociar a soltura deles não se esquivou em perguntar sobre as
suspeitas de um complô que pairavam em torno do Estado-Maior do Exército Negro,
e Makhno admitiu que tinha enviado um emissário ao acampamento de Grigoriev,
mas, como subterfúgio, afirmou que a intenção era "descobrir seus planos e
propostas". Ingenuamente, Antonov-Ovseenko respondeu ao poder central
soviético que o complô urdido não passava de um "infeliz engano" e
que tanto Grigoriev como Makhno "inspiravam total confiança". O
resultado veio dias depois numa breve mensagem de Khristian Rakovsky (Presidente
do Sovnarkom ucraniano): "Grigoriev rebelou-se. Tome muito cuidado! (fim
da mensagem)". A rebelião de Grigoriev havia estourado no nariz de
Antonov, com o consentimento de Makhno ou não.[32]
No início da "Grigorievshchina", Makhno tomou uma
posição de cínica neutralidade, mantendo uma postura defensiva e independente
no conflito, mesmo Grigoriev proclamando universalmente o extermínio de judeus
e comunistas, e conclamando uma união das diversas forças
contra-revolucionárias (incluindo os Brancos) contra os bolcheviques. O governo
soviético tentou forçar o Exército Negro a tomar uma posição, enviando-lhe um
telegrama em 12 de maio de 1919. O caráter reacionário do movimento makhnovista
manifestou-se explicitamente quando Makhno convocou seu Estado-Maior para uma
decisão sobre o caso, alguns de seus homens declararam-se desfavoráveis a
lançar um ataque contra Grigoriev: "Uma discordante nota veio de Yakiv
Ozerov, chefe do Estado-Maior de Makhno, que chamou os homens de Grigoriev de
'nossos irmãos' e sugeriu uma aliança com a sua rebelião" (Volodymyr
Horak, idem). De fato, as forças de Makhno não se distinguiam muito das de
Grigoriev, ambas eram semelhantes em muitos aspectos, tanto na sua composição e
método organizativo como na sua base social (kulaks), a única diferença residia
no subjetivismo ideológico, no qual Makhno apoderou-se do anarquismo como
estandarte de seu movimento. Mas apesar das discordâncias entre a camarilha
militar, Makhno encarregou seu serviço cultural de publicar uma proclamação que
atacava não só Grigoriev mas também os bolcheviques, chamando estes últimos de
"inimigos dos trabalhadores".
Ainda no ano de 1919, o Exército Vermelho comandado por
Dybenko assestou duros golpes contra Grigoriev e seu exército. Pressionado
entre as tropas Vermelhas de um lado e o Exército Branco do outro, Grigoriev
sofreu uma série de derrotas e se viu obrigado a fugir para os territórios
controlados por Makhno. Lá, ambos finalmente estabeleceram uma aliança onde os
dois contingentes fundiam-se num único exército pela "sagrada causa de
libertar a Ucrânia dos estrangeiros". Grigoriev ficou encarregado do
comando militar do exército tornando-se comandante-em-chefe (máxima autoridade
militar) e Makhno incumbiu-se da direção política do exército comum, exercendo
a função de Presidente do Conselho de Insurgentes (máxima autoridade civil).
Segundo Makhno: "Em julho de 1919 eu me encontrava num fogo cruzado entre
Denikin e Trotsky (...) Foi quando entrei em contato com o famoso Grigoriev, o
Ataman da região de Kherson. Enganado pelos rumores inanes que circulavam sobre
mim e o movimento insurgente, Grigoriev buscou concluir uma aliança comigo e
meu Estado-Maior a fim de empreender uma campanha combinada contra Denikin e os
Bolcheviques" (Nestor Makhno, "A Makhnovshchina e o Anti-Semitismo",
Dielo Trouda, No. 30-31, novembro-dezembro de 1927, pp. 15-18). Grigoriev
persuadiu Makhno a expelir todos os judeus do Exército Negro e a dar
continuidade à política de pogroms; apesar de não ter aceitado esta proposta,
ameaçando Grigoriev com punição, Makhno mesmo assim levou adiante a aliança,
independentemente das idéias e posturas reacionárias do "famoso Ataman de
Kherson".[33] Por um lado, este acordo coincidia com a degeneração
nacionalista a qual o Exército Negro vinha sofrendo ao longo da guerra civil;
por outro, resultou numa manobra oportunista levada a cabo por Makhno para
usurpar todo o contingente de Grigoriev.
De todo modo, a aliança terminou mal para este último.
Depois de firmado o pacto, Makhno sugeriu ao Ataman que suas tropas atravessassem
a cidade de Elisabethgrado. Os grigorievistas não declinaram: penetraram na
cidade, pilharam-na completamente e conduziram mais uma série de terríveis
pogroms, assassinando judeus, comunistas e, para o azar da aliança
"Verde-Negra", também anarquistas. Três notórios militantes que
publicavam o "Elisabetski Nabat" foram brutalmente assassinados:
Vishnievsky (um repatriado político de Chicago-EUA) e os irmãos mais jovens de
Zinoviev e Steklov (editor-chefe do jornal Izvestia de Moscou).[34] O governo
soviético, por sua vez, exercia o papel de Estado-Maior da revolução
proletária: não só denunciou essa aliança oportunista e os pogroms realizados,
como também levantou provas de que o Ataman estabelecia acordos secretos com os
inimigos dos sovietes. Em 16 de julho de 1919, Grigoriev direcionou uma carta
secreta ao dirigente nacionalista Symon Petlyura propondo uma aliança em prol
de um governo de frente popular, as exigências foram enumeradas da seguinte
forma: "1) A independência da Ucrânia; 2) A realização dos desejos do
povo; 3) A autoridade máxima nos Congressos dos Conselhos Ucranianos; 4) A
transferência de toda a autoridade local para os Conselhos Operários,
Camponeses e Deputados Cossacos; 5) A liquidação do Diretório (Rada) e a
criação provisória de um Soviete Supremo da República com elementos
socialistas, cuja autonomia deve ser dada ao regime do sovietes na República
Ucraniana Independente" (Victor Savchenko, idem). É claro que Petlyura
rejeitou tal proposta, já que significaria o próprio fim da administração
burguesa da Rada Central (Assembléia Constituinte dos Deputados da Ucrânia).
Mas além dos nacionalistas, os Brancos também foram contemplados com as
generosas propostas de Grigoriev, que entrou em contato com emissários de
Denikin e propôs uma "coalizão contra os bolcheviques".
Qual foi a atitude de Makhno frente às ações executadas pelo
"famoso Ataman de Kherson"? Mesmo com todas as provas e evidências,
sobretudo contra pogroms, Makhno solicitou a Grigoriev que apresentasse provas
de sua inocência e demonstrasse que as acusações eram falsas: "Eu requeri
que, dentro de duas semanas, o Ataman Grigoriev fornecesse ao meu Estado-Maior
e ao soviete do Exército Insurgente documentos que provassem que todos os
informes de pogroms levados a cabo por ele em duas ou três ocasiões contra os
judeus de Elisabethgrado eram infundados" (Nestor Makhno, idem). Makhno
esperou não duas semanas, mas três; foram exatamente três semanas de ações
conjuntas contra os bolcheviques. O fim da aliança Verde-Negra só foi ocorrer
em 27 de julho de 1919. Após bater em retirada sobre a ofensiva do Exército
Branco, Grigoriev recebeu um chamamento de Makhno para participar de uma
"assembléia pública" convocada pelos anarquistas para que pudesse
defender-se das acusações - um direito que não foi concedido a Polonsky e
outros partidários bolcheviques. Esta assembléia reuniu diversos destacamentos
cossacos da região Tauride, Kherson e Ekaterinoslav, onde Grigoriev foi
sumariamente executado após um julgamento tenso e caótico.[35]
Grigoriev pagou por seus crimes, mas seus homens não tiveram
o mesmo destino, pelo contrário, mais da metade deles passou para o lado de
Makhno. O guerrilheiro ucraniano e seu Estado-Maior sabiam perfeitamente que
estavam recrutando pogromistas em massa; todos tinham a compreensão de que o
exército de Grigoriev era constituído de elementos desmoralizados, lúmpens e
anti-semitas da pior espécie, assassinos de judeus, comunistas e até mesmo de
anarquistas, sua rebelião havia deixado isso muito bem claro. Não havia motivos
para isentá-los de culpa por estarem "obedecendo a ordens", se assim
o fosse teríamos que perdoar os asquerosos dirigentes e militares nazistas por
suas numerosas atrocidades. Lógico que era muito comum soldados inimigos mudarem
de barricada durante o longo processo da guerra civil, sobretudo quando seus
comandantes eram derrotados, porém, todos aqueles que haviam levantado suas
armas contra pessoas inocentes eram julgados e, se comprovado sua culpa,
sumariamente executados. Como já foi exposto anteriormente, Makhno não vacilou
em fuzilar certos partidários seus que cometeram atos de pogroms, mas a
pergunta agora é: por que Makhno sequer julgou os elementos grigorievistas que
cometeram genocídios e ainda por cima os aparelhou em seu exército? Os
anarquistas tentam responder a esta questão afirmando que o Estado-Maior tinha
a pretensão de "educar os soldados grigorievistas", que nada mais
eram do que "vítimas inocentes de seu líder".[36] Entretanto, há um
outro lado muito óbvio deste episódio a qual os anarquistas tentam esconder: a
execução de Grigoriev proporcionou a Makhno resolver o difícil problema da
carência de homens e armamentos, cujas debilidades encontravam-se na própria
essência das organizações partisans e na malfadada mobilização voluntária (um
embuste que ainda hoje é sustentado pelos anarquistas). Com as tropas de
Grigoriev à disposição, Makhno ganhava um novo contingente como reforço,
"voluntariamente", além de armas e munições que estavam em posse
deste regimento. Os próprios partidários de Makhno afirmam em suas memórias que
Grigoriev possuía um exército poderosíssimo que consistia, sobretudo, de
camponeses conscritos.[37]
Mas independentemente da liderança e da ideologia, os
grigorievistas incorporados às tropas de Makhno continuaram a promover pogroms
por toda a Ucrânia, só que desta vez não em nome de Grigoriev, mas da
"Makhnovshchina". Estes elementos só deixaram o Exército Negro após
terem cometido as maiores barbaridades contra o povo, "para não comprometer
o bom renome do exército insurrecional", diz Volin. Mesmo assim, foram
convidados a sair educadamente, sem que fossem julgados e punidos por seus
crimes. Uma boa parte desses elementos abandonou as fileiras do Exército Negro
para organizar-se em defesa da Rada nacionalista de Petlyura, por livre e
espontânea vontade concedida pelo Estado-Maior makhnovista. Nem Volin nem
Arshinov explicam o motivo de terem expulsado estes bandidos pogromistas sem a
devida punição, deixando-os livres para seguir seus caminhos de crimes e
assassinatos. Makhno, por sua vez, agia como o Pôncio Pilatos da anarquia:
lavava suas mãos, já bastante sujas com o sangue dos judeus mortos, e
absolvia-se dos crimes cometidos por seus "ex-makhnovistas", fingindo
nada ter acontecido. Tentando colocar toda a culpa dos pogroms nos soldados
grigorievistas, Piotr Arshinov aborda apenas um único caso (por sinal,
irrisório) do papel reacionário desempenhado por eles no interior do Exército
Negro: "Quando o exército insurrecional bateu em retirada em direção ao
Uman no verão de 1919, houve diversos casos de insurgentes saqueando as casas
de judeus. Quando o exército insurrecional examinou estes casos, foi tomado
conhecimento que um grupo de quatro ou cinco homens estavam envolvidos em todos
estes incidentes - homens que antes haviam pertencido aos destacamentos de
Grigoriev e que haviam sido incorporados no exército makhnovista após seu
fuzilamento" (Piotr Arshinov, idem). Já Volin nem se dá ao trabalho de
fazer um único relato, tentando se esquivar da realidade prefere dizer que tudo
não passa de "calúnia" ou "confusão".
Os pogroms cometidos pela guerrilha makhnovista jamais
poderiam ser revelados por oportunistas como Volin ou Arshinov. Por outro lado,
estes atos de barbárie social são confirmados pelos arquivos soviéticos (que
são muito mais confiáveis que a escola de falsificação anarquista) e pelo
Instituto YIVO de Pesquisas Judaicas de Nova York, onde há um farto material de
informações sobre pogroms ocorridos durante a Guerra Civil Russa. Os informes a
seguir encontram-se originalmente em idioma iídishe no Instituto YIVO e a
tradução para o inglês encontra-se no "Prometheus Research Library",
situado também em Nova York. Vale destacar que os pogroms ocorridos em
Novo-Poltava, Novy-Bug, Romanovka, Bratskeye e Melitopol ocorreram logo após a
incorporação dos grigorievistas ao Exército Negro, o restante foi realizado por
makhnovistas "puros" - o que contesta o argumento de Arshinov de que
os camponeses grigorievistas foram os únicos responsáveis pelos pogroms, o bem
da verdade é que após a incorporação destes elementos o anti-semitismo
intensificou-se ainda mais nas fileiras do Exército Negro:
Ekaterinoslav - No final de dezembro de 1918 e início de
janeiro de 1919, os destacamentos insurgentes de Makhno lutaram contra os
petliuristas ao redor de Ekaterinoslav. A luta na cidade e nos subúrbios
vizinhos durou sete dias. A cidade rapidamente foi alvo da artilharia. Os
makhnovistas saquearam e queimaram o mercado 'Azyorne'. Toda a região comercial
também foi saqueada. Após a batalha, 83 vítimas judias foram levadas ao
cemitério para serem enterradas. Isso só foi um pequeno número das fatalidades
causadas pelas acidentais balas e bombas. O resto foram selvagemente
assassinados pelos makhnovistas. O excesso tomou um caráter puramente
anti-semita (Materiais do 'Yekapo', relatório de M. Aspiz, 24 de agosto de
1922).
Roseve (província de Kiev) - Em fevereiro de 1919, os
destacamentos petliuristas de Mirgorod pilharam continuamente a cidade de
Roseve. Em 16 de fevereiro, um grupo de soldados chamados 'makhnovistas'
apareceu na cidade e começou a arrastar sacos de açúcar, farinha e outros
produtos das casas judaicas e diversas outras casas. Durante estes ataques uma
judia chamada Riabchinsky foi estuprada e assassinada. Os soldados disseram:
'nós temos que impor medo aos judeus!'. As vítimas afirmaram que os soldados
faziam parte dos destacamentos de 'Batko Makhno' (Materiais de 'Kope', relato
testemunhado por Moshe Zarachansky).
Colônia de Novo-Poltava (província de Kherson) - Em agosto
de 1919, um destacamento de 30 makhnovistas atacou a colônia de Novo-Poltava e
começou a pilhá-la. Porém, a autodefesa judaica os expulsou. No dia seguinte,
os makhnovistas voltaram e deram continuidade às pilhagens e aos assassinatos
generalizados. A autodefesa foi destruída e os campos devastados. Ao todo foram
84 judeus assassinados e 800 casas pilhadas (Informe de D. Traibman,
responsável pela investigação da evacuação da colônia judaica de Kherson).
Colônia de Novy-Bug (província de Kherson) -
Simultaneamente, os makhnovistas fizeram um pogrom em Novy-Bug, onde
permaneceram por dois meses. 22 judeus foram assassinados (Informe de D.
Breitman).
Romanovka (província de Kherson) - Os makhnovistas
apareceram desta vez em diversos locais na província de Kherson. Um bando
chegou em Romanovka e exigiu dos judeus o recolhimento de 20.000 rublos em
contribuições em 20 minutos. Todas as mulheres judias foram pegas como
garantias ('Jewish Thought' #23, 11 de outubro de 1919, Odessa).
Bratskeye (província de Kherson) - No final de agosto de
1919 um bando de makhnovistas apareceu em Bratskeye, próximo de Elisabethgrado.
Na manhã de uma sexta-feira. Num período de 4 horas, todas as famílias judias,
aproximadamente 120, foram saqueadas pelo bando. Um senhor de 75 anos que
tentava evitar a violação de sua nora também foi assassinado (Informe de
Wilf-Aaron Dubkin, apresentado à Kehillah - organização da comunidade judaica -
de Odessa, 27 de setembro de 1919).
Melitopol - Logo nos primeiros dias em que os makhnovistas
apareceram na cidade cometeram pogrom, e somente depois que os judeus lhes
pagaram 15 milhões em contribuição, eles cessaram. No terminal de trem, as
vítimas judias queixavam-se sobre a situação ('Our Word' #10, 21 de outubro de
1919, Odessa, e 'Jewish Thought' #29, Odessa).
Chudnov - O pogrom de Chudnov ocorreu em 1919 por uma
unidade militar regular makhnovista. Na cidade, cerca de 1.000 homens
apareceram com o slogan 'Destruam os Judeus, Salve a Rússia!'. Eles pilharam as
casas judaicas e numa noite chacinaram cerca de 22 judeus. Eles também
estupraram um bom número de mulheres judias e, além disso, saquearam quase toda
a cidade. Por 12 dias Chudnov encontrou-se nas mãos do bando selvagem. A
população sobreviveu à horrível ocupação e agüentou o horrível tributo de ouro
e outros produtos (Materiais de 'Kope', relato de H. Frolkim).
Ekaterinoslav - Os pogroms makhnovistas em outubro de 1919
foram principalmente cometidos por suas unidades militares. No mês de outubro,
Ekaterinoslav encontrava-se por diversas semanas numa batalha entre os
makhnovistas e denikinistas. Durante este período, 180 judeus foram
assassinados pelas tropas de Makhno e Denikin (Material de 'Yekapo', informe de
M. Aspiz, 24 de agosto de 1920). Os makhnovistas permaneceram sozinhos em
Ekaterinoslav de 28 de outubro a 6 de novembro. Foi emitida uma ordem oficial
do comitê dos insurgentes revolucionários contra saques e pelo comércio livre
(...) As lojas judaicas foram fechadas, e em 6 de novembro foram forçadas a
reabrir. Desta vez os makhnovistas pilharam muito pouco, mas soltaram os
criminosos das cadeias, que cometeram assaltos generalizados, não
especificamente contra judeus. Neste dia, o órgão 'Nabat' foi publicado. Os
insurgentes emitiram uma ordem, a qual tornava-se público as expropriações
organizadas, mas contra saques. Desta vez, Makhno indubitavelmente estava
presente. Ele liderou as negociações com o conselho da cidade e as organizações
profissionais sobre a organização do governo, mas eles fracassaram (Materiais
do coletivo editorial, testemunhada pelo estudante Yehuda Barishansky). Há
também testemunhas que viu o próprio Makhno estático na cidade enquanto um de
seus insurgentes pilhava um estabelecimento judaico ('Forward' - Forverts -
#8133, 17 de janeiro de 1920, Nova York; Testemunha de Frida Greenfeld,
relatado por H. Nagel).
Kazatin - Em outubro de 1919, uma unidade petliurista tomou
Kazatin, que pilhou e assassinou os judeus locais. Hoje, com os petliuristas
somaram-se os 'makhnovistas' que vieram diretamente de Chudnov, cerca de 300
homens. Todos eles cometeram atrocidades em Kazatin, assassinando os judeus
Kodel e Belilovsky. 40 mulheres foram estupradas. Os makhnovistas permaneceram
ali por 12 dias. As requisições contra os judeus atingiram a soma de 5 milhões
de rublos. Os ataques aos não-judeus tomaram um caráter episódico. Os
makhnovistas fizeram um acordo com os petliuristas sob a ordem de luta contra
os denikinistas. Por outro lado, os makhnovistas cometeram pogroms em
Chudnov-Wolinsky, Skvire, Ruzshin, Gelopolye e outros pontos (...) Eles
afirmaram que haviam se separado dos bolcheviques e dado início a um
levantamento contra o poder soviético sob o slogan 'Abaixo os Judeus e os
Brancos!' (Material da organização 'Poale-Zion'. Testemunhado pelo secretário
da organização Poale-Zion de Kazatin, Goldfein).
Por fim, vale dar um destaque especial sobre os terríveis
pogroms realizados nas colônias judaicas de Trudoliubovka e Nechaevka, onde os
sobreviventes que testemunharam o massacre imputam a responsabilidade do crime
aos destacamentos makhnovistas. Estes dois massacres também ocorreram muito
tempo antes da incorporação dos grigorievistas nas fileiras do Exército Negro,
após a total bancarrota da administração makhnovista na cidade de
Ekaterinoslav. Ambas as colônias foram apelidadas carinhosamente pelos judeus
de "Engels" e "Peness", respectivamente. "As colônias
judaicas na província de Ekaterinoslav estavam situadas no centro de atividade
dos bandos anarquistas de Makhno. Quase todas as colônias de Ekaterinoslav
sofreram ataques. Todos os habitantes das colônias de Trudoliubovka (Engels) e
Nechaevka (Peness), que numeravam cerca de 1.000 pessoas, foram assassinadas. A
propriedade foi completamente saqueada e desde então nenhum judeu botou os pés
nessas colônias" (Jewish Agriculturalists in the Steppes of Russia, Israel
1965; citado por Chaim Freedman, "Our Fathers' Harvest - Supplement",
1990).
A colônia de Trudoliubovka ficava aproximadamente a 45
quilômetros de Gulyay-Pole. Sua destruição se dá logo após o primeiro combate
por Ekaterinoslav, no qual o exército de Makhno foi facilmente destruído pelos
petliuristas. Com as tensões entre ambas as forças, Makhno e os seus homens
bateram em retirada dispersando-se em diversas regiões; ao longo do percurso,
uma pequena força makhnovista destruiu completamente a colônia de
Trudoliubovka. A. D. Rosenthal descreve como foi levado a cabo este massacre:
"Um grande grupo de partisans camponeses eclodiu nos
arredores de Trudoliubovka (Engels), aproximadamente 800 homens armados. Eles
se espalharam pelas ruas, arrombaram casas, arrastaram os judeus para fora,
bateram-nos com as coronhas de seus rifles e os conduziram à força até a
'assembléia'. Em um celeiro (de Moshe Nol) eles reuniram cerca de 150 pessoas e
exigiram a entrega de todas as armas que possuíam. Quando os judeus lhes
entregaram a pequena quantidade de armas que estavam em posse, os guerrilheiros
camponeses fecharam o celeiro e atearam fogo por todo lado. Eles colocaram
guardas ao redor do celeiro; aqueles que tentavam escapar pelo telhado eram
golpeados pelos sabres. Seis judeus que tentaram fugir foram apunhalados e o
resto consumido pelas chamas. Enquanto uma gang comprometia-se com o celeiro,
outra gang invadia as casas e estuprava todas as mulheres e meninas que
encontravam na colônia. Os gritos e lamentos dos torturados misturavam-se com
os choros dos que estavam em chamas, e um forte odor sufocante da carne das
pessoas que queimavam no celeiro era levado pelo ar" (A. D. Rosenthal,
"Megilat Hatevakh" - livro em hebreu que narra os pogroms ocorridos
durante a Guerra Civil Russa -, The Scroll of Slaughter; Jerusalém-Tel Aviv,
publicado pelo "Khavurah", 1927).[38]
Após a incursão em Trudoliubovka, os makhnovistas realizaram
uma outra investida na colônia de Nechaevka (Peness), localizada a diversos
quilômetros. Mas os habitantes já sabiam sobre o pogrom ocorrido na colônia
anterior e a maioria teve tempo de fugir. Mesmo assim, os bandidos conseguiram
assassinar 19 judeus e destruir praticamente toda a colônia.[39] A identidade
dos perpetradores foi revelada pelos próprios sobreviventes que refugiaram-se
em outras colônias espalhadas por Ekaterinoslav. William Komesaroff (Melbourne,
Austrália) recolheu boa parte dos relatos das vítimas que se abrigaram na
colônia de Grafskoy, incluindo os de sua própria família. Todos eles declararam
categoricamente que os destacamentos makhnovistas foram os principais
responsáveis por esses terríveis massacres.[40]
Makhno puniu estes crimes? Tudo indica que não, pois não há
sequer um único relato desses episódios por parte de seus bajuladores. Não há a
menor dúvida que com a escassez de homens no exército, Makhno fechou os olhos
para a maioria desses massacres. Segurando a bandeira negra de caveira, Makhno
encontrou-se no difícil dilema shakesperiano de "punir ou não punir, eis a
questão". Mas para aqueles que duvidam desta afirmação, eis um relato de
um colono de Novozlatopol que organizou uma delegação para exigir de Makhno uma
atitude mais firme contra os massacres:
"Durante a guerra civil, algumas colônias judaicas
sofreram invasões organizadas por bandidos que viviam na área. Nossa colônia
Novozlatopol foi afortunada neste aspecto já que tínhamos um grupo organizado
de autodefesa chamada 'Samochrana'. Nós possuíamos muitas armas de fogo e
munição deixados pelos exércitos em retirada. Em 1919, a filha de Hersche
Wiseman e sua família moveram-se para Novozlatopol da colônia 'Engels', na
época em que seu marido havia sido assassinado no pogrom de 1919. Um dia eu vi o
bandoleiro, Makhno, que veio de Gulyay-Pole a Novozlatopol com diversos de seus
cavalarianos. Ele era um homem baixo, mais baixo do que os homens que o
acompanhavam. Ele também era manco. O rumor era de que ele estava na cidade
para negociar um acordo a fim de nos deixar em paz. Os judeus responsabilizavam
a gang de Makhno por toda a incursão na região, pela qual pôde ou não ter sido
responsável. Certa vez, a delegação de Novozlatopol dirigiu-se a Makhno para
discutir suas incursões contra os judeus. A resposta de Makhno foi: 'O que eu
posso fazer? Eles são apenas um bando de camponeses ignorantes', referindo-se
aos seus próprios homens" (William Comisarow, Vancouver, Canadá, memórias
de 1996).
O governo soviético ocupava-se com inúmeros fronts, dentro e
fora da Ucrânia. Ao trair e arruinar a defesa da República Soviética na guerra,
as forças de Makhno causaram a retirada do Exército Vermelho inúmeras vezes da
região. Isto provocou um rápido giro à direita dos makhnovistas, voltando-se
cada vez mais nacionalistas e advogando pela "união nacional
ucraniana". O movimento makhnovista não só firmou um pacto de aliança com
o Ataman Grigoriev, mas manteve relações fraternais e colaborativas com as
forças nacionalistas de Petlyura. Ambos realizaram um acordo temporário quando
fizeram frente às Guardas Brancas de Denikin em setembro de 1919, próximo à
região de Uman. Petlyura enviou uma delegação ao Estado-Maior de Makhno
solicitando que ao entrar em guerra contra Denikin era necessário evitar a
formação de uma nova frente contra os makhnovistas. Assim, realizou-se um pacto
onde as duas partes comprometiam-se reciprocamente em exercer uma "estrita
neutralidade militar". Os petliuristas consentiram até mesmo em atender os
feridos makhnovistas em seus hospitais espalhados pelo Uman e outras regiões
que estavam sob seu controle.[41] Nos arquivos da YIVO Institute, podemos
observar que os makhnovistas realizaram inclusive uma frente única temporária
para lutar contra os denikinistas em torno da cidade de Kazatin, e esta aliança
é confirmada pelo próprio Denikin em seus informes particulares.
As relações de Petlyura e Makhno não se restringiram apenas
no período de guerra civil. O comando petliurista chegou a entrar em contato
com Makhno e seus homens durante seu exílio na Romênia. Num documento datado de
fins de 1921 há declarações que afirmam explicitamente "suas simpatias
pela criação de uma Ucrânia independente". Segundo o documento: "Eles
nada tinham contra nossas aspirações (para cooperar contra os bolcheviques), às
quais eram exigidas: 1) O reconhecimento do Governo da República Ucraniana; 2)
A subordinação de todos os destacamentos ao nosso comando; 3) As organizações e
lemas do movimento insurrecional deveriam unificar-se com o propósito de
conseguir uma insurreição" (L'Ukraine Sovietiste, pp. 124-125; citado por
Michael Malet, "Makhno e seus Inimigos", História Libertária, números
4 e 5, 1979). Se Makhno não levou adiante esta proposta foi por falta de
oportunidade, e não por questões ideológicas. Sua esposa de armas, Galina
Kuzmenko, era uma nacionalista extremada e mantinha profundas simpatias para
com o movimento de Petlyura. Isso sem falar que no interior do movimento
makhnovista haviam elementos intimamente vinculados aos nacionalistas, como
aborda minuciosamente o anarquista Michael Malet:
"Durante a primeira ocupação de Ekaterinoslav pelos
makhnovistas, um dos destacamentos locais insurgentes, ao comando de Dyakivski,
recebeu armas e munições de Makhno. Dyakivski era considerado um 'petliurista',
mas chamava a si mesmo de 'membro do Exército Ucraniano do Povo' (...) Um
bolchevique conta que: 'houve casos de makhnovistas dando armas aos
petliuristas, quando aqueles ainda tinham de sobra, como ocorreu nas províncias
de Chernikov, Kiev, Poltava e Kherson, quando os makhnovistas andavam por
aquelas zonas' (...) Na região de Reshetylyka, próxima de Poltava, um comando
do Exército Vermelho cruzou com simpatizantes makhnovistas e petliuristas (...)
Alguns pequenos bandos de nacionalistas uniram-se a Makhno, merecendo destacar
a de Matveenko, com trezentos homens, da região de Novomoskovsk. Próxima de
Zinkiv, na província de Poltava, em agosto de 1920, Butavetski, à cabeça de um
destacamento de quinhentos ou seiscentos homens, também se uniu a Makhno"
(idem).
Segundo Ida Mett, Makhno não acreditava no anarquismo a qual
advogava devido à incompetência, debilidade e covardia da maioria dos
anarquistas que ele conheceu em relação aos camponeses com os quais lutava.
Apesar de ter contado com alguns anarquistas em sua direção, a
"Makhnovshchina" não foi de fato um movimento anarquista em sua
totalidade. A maioria dos anarquistas russos e ucranianos conhecia
perfeitamente as ações e o caráter de classe das forças makhnovistas, e não
lhes concederam qualquer tipo de apoio. É exatamente por isso que Volin e
Arshinov, os dois principais líderes anarquistas intelectuais que se uniram a
Makhno, condenam fortemente a maioria dos anarquistas russos e ucranianos em
seus escritos. O próprio periódico oficial dos makhnovistas, "Caminho para
a Liberdade", editado por Arshinov, escrevia na época sem o mínimo pudor:
"O exército makhnovista não é um exército anarquista e não consiste de
anarquistas" (citado por Michael Malet, "Nestor Makhno na Guerra
Civil Russa"). Por outra parte, os atrasados e bem-alimentados kulaks
ucranianos seguiram Makhno não porque estavam motivados pelo
"paraíso" da teoria anarquista, mas porque o movimento makhnovista
representava seus interesses materiais particulares e anseios pequeno-burgueses
- como a luta pela pequena propriedade rural, livre produção e consumo,
comércio livre, favorecimento das aldeias em detrimento das cidades, aspirações
nacionalistas, etc. Dificilmente um movimento baseado em ricos proprietários
rurais e numa grande quantidade de aldeões analfabetos, submetidos a um extremo
atraso cultural e imbuídos de preconceitos pequeno-burgueses, sem nenhuma
experiência política revolucionária, poderia combater sobre os princípios
abstratos do anarquismo. A isto nós só podemos dar razão a Trotsky quando respondeu
aos seus adversários que "Somente uma pessoa completamente superficial
pode ver nos bandos de Makhno ou na revolta de Kronstadt uma luta entre os
princípios abstratos do anarquismo e o 'socialismo de Estado'. Na realidade,
estes movimentos foram convulsões da pequena-burguesia camponesa que desejava,
evidentemente, libertar-se do capital, mas que, ao mesmo tempo, não aceitava
subordinar-se à ditadura do proletariado" (Trotsky, "Muito Barulho
por Kronstadt").
Mesmo com todos os crimes cometidos pelo movimento
makhnovista, e tendo o próprio Makhno rejeitado ir ao front polonês para
combater em nome da República Soviética, o governo bolchevique cedeu ao seu
desesperado apelo em unir as duas forças na luta contra Wrangel, que avançava
sob a Bacia do Donetz. Devido ao enfraquecimento cada vez maior da guerrilha
makhnovista, o conselho dos insurgentes decidiu dialogar com os bolcheviques
para combater Wrangel em conjunto. E aqui devemos fazer uma observação muito
importante: um dos maiores mitos criados pelos fantásticos contos anarquistas
em relação ao movimento makhnovista é dizer que o Exército Negro derrotou
sozinho todas as investidas das esmagadoras forças do Exército Branco (que era
mil vezes superior ao exército de Makhno). Como bem colocou Jason Yanowitz:
"Os soviéticos tinham cinco milhões de tropas em dezesseis exércitos,
lutava ao longo de cinco milhas do front, e produzia seu próprio armamento. O
exército de Makhno tinha cerca de 30.000 tropas, nunca lutou fora da Ucrânia, e
contava com outros para conseguir armas. Além disso, a magnitude das táticas de
Makhno - incomodando a retaguarda do Exército Branco - teria sido impossível se
o Exército Vermelho não tivesse se empenhado a atacar o front dos Brancos"
(idem). Em nome do Exército Vermelho, Bela Kun, Frunze e Gusev firmaram um novo
pacto com Makhno no mês de outubro de 1920. Com a realização desta aliança,
permitiu-se aos makhnovistas plena liberdade de propaganda, desde que não
chamassem a destruição do governo soviético. Foi concedida a liberdade para
todos os anarquistas presos por várias ações contra-revolucionárias. Volin foi
posto em liberdade com o direito de retornar a Kharkov. Os anarquistas desta
região tiveram o livre-arbítrio de chamar uma Conferência Pan-Russa e publicar
seus respectivos órgãos: o "Nabat" (órgão da Federação Anarquista da
Ucrânia) e o "Golos Makhnovtsa" ("A Voz Makhnovista", órgão
oficial do grupo de Makhno). Mas em retribuição a esta boa vontade do governo
soviético, Makhno agiu da forma que lhe é caracteristicamente natural: quebrou
o acordo militar, no qual exigia do exército insurgente a subordinação ao
comando supremo do Exército Vermelho em relação às operações. Makhno negou-se a
coordenar suas ações com as do Exército Vermelho, recuando às forças de Wrangel
e posicionando-se sempre na retaguarda, aproveitando para usurpar as armas
capturadas do inimigo pelos soldados do Exército Vermelho. Frunze (comandante
do front Sul) relatou com irritação em 20 de dezembro de 1920: "Makhno e
seu Estado-Maior acalmaram suas consciências enviando um punhado de seus
partidários contra Wrangel. Enquanto isso, por alguma razão, preferem
permanecer na retaguarda. Makhno organiza rapidamente novos destacamentos
armando-os com as armas que nós capturamos do inimigo" (Mikhail Frunze,
Informe ao Estado-Maior Soviético, 20 de dezembro de 1920). Mas não foi só
isso, Makhno não moveu sequer um único dedo para cessar os freqüentes ataques
de seus homens contra os soldados do Exército Vermelho e os bolcheviques. Em 7
de novembro, em plena "frente única", seus guerrilheiros camponeses
assassinaram seis soldados do Exército Vermelho na aldeia de Ivanovka. Em 12 de
novembro assassinaram e roubaram doze soldados do Exército Vermelho na aldeia
de Mikhailovka. Em 16 de novembro roubaram os soldados da 124º Brigada do
Exército Vermelho na aldeia de Pologi. No dia seguinte, o comandante do 376º
Regimento também foi atacado na mesma aldeia. Não nos surpreende que após a
vitória sobre Wrangel, cujas últimas forças foram esmagadas no Criméia, o
rompimento ocorrera de imediato, e isso já era previsto por ambas as forças.
Frunze deu um ultimato aos insurgentes makhnovistas
indisciplinados para que se integrassem às fileiras do exército regular e que
se submetessem à sua ordem e disciplina, mas foi terminantemente rechaçado. A
partir daí deu-se início a uma nova luta que se prolongou quase um ano todo.
Após um longo período de batalhas, a guerrilha de Makhno foi esmagada pelo
Primeiro Exército de Cavalaria comandada por Semyon Budyonny. O próprio Makhno fugiu
para a Romênia, enquanto a maioria de seus combatentes capitulou e recebeu
anistia. Os últimos resquícios do movimento makhnovista acabaram após o decreto
da NEP (Nova Política Econômica) em 1921, onde o governo soviético substituía a
requisição por um imposto fixo em espécie. Após ter-se exilado na Romênia,
Makhno passou pela Polônia e em seguida França, onde se estabeleceu até o fim
de sua vida, mas não sem antes gerar algumas polêmicas entre os próprios
anarquistas e seu círculo interno.
Os debates que seguiram nos anos 20 em torno do movimento
anarquista suscitaram em inúmeras polêmicas. Da França, Makhno e outros
anarquistas russos (Arshinov, Ida Mett, Valevsky e Linsky) lançaram um programa
para a organização política dos anarquistas com base no centralismo e nos
métodos bolcheviques de organização. Este programa foi denominado como
"Plataforma Organizacional" (apelidado pela oposição anarquista de
"Plataforma de Arshinov"), tendo sido repudiado internacionalmente
pela maioria dos anarquistas. Eles argumentavam que o programa pretendia
estabelecer um tipo de "anarquismo autoritário", ameaçando a
liberdade individual dos membros anarquistas. Agora Arshinov insistia na
necessidade de "organizar forças revolucionárias de trabalhadores na
vanguarda OPERÁRIA... criando um movimento homogêneo baseado no princípio da
responsabilidade coletiva e agindo dentro da organização nacional e
internacional". Já o anarquista polonês Ranko, que deu aval a Plataforma,
era incisivo na sua declaração: "Nossa meta é unir todos os militantes de
NOSSA tendência e lutar contra a Sagrada-União Anarquista".
Porém, uma das mais importantes figuras que se oporia ao
método organizativo proposto por Makhno e Arshinov seria seu próprio
companheiro de armas, Volin. Junto com Sebastián Fauré, Volin elaborou a
proposta chamada "Síntese", que tentava justificar o ecletismo
anarquista através do anarco-comunismo, anarco-sindicalismo e
anarco-individualismo. Volin dizia então: "Sustentar que o anarquismo é
apenas uma teoria de classes é o mesmo que limitá-lo a um único ponto de
vista". Volin esboçava assim uma concepção próxima da de Martov e dos
mencheviques, onde as portas do partido deveriam estar abertas a "todas as
classes e tendências", sem disciplina revolucionária e centralismo democrático.
Volin também criticara a Plataforma por sua concepção de revolução, acreditando
que não caberia à organização lutar pela tomada do poder nem liderar as massas,
cuja espontaneidade deveria ser "preservada". Foi o próprio Volin que
em plena Revolução de Outubro havia dito em seu periódico russo "Golos
Truda" ("A Voz do Trabalhador") que "a tomada do poder e a
revolução social estavam diametralmente opostas"; felizmente os operários
russos não compartilhavam dessa mesma concepção pequeno-burguesa de
"demonização do poder" - na qual, diga-se de passagem, foi
reproduzida pela CNT na Espanha e é refletida hoje pelo movimento
"zapatista" do Sub-Comandante Marcos. Em resposta a Volin, Makhno o
acusou de ser um "agente bolchevique infiltrado no movimento anarquista"
(!!!). Entre outros opositores à proposta da Plataforma também estavam
Alexandre Berkman, Errico Malatesta e... Camilo Berneri (!).
Baseando-se na experiência da Revolução Russa - onde os
bolcheviques, e não os anarquistas, tiveram o apoio massivo da classe
trabalhadora e lideraram a revolução -, a Plataforma tomava emprestado os
métodos revolucionários do Partido Bolchevique tentando apresentar-se como
"alternativa revolucionária de esquerda". Porém, esta "vanguarda
anarquista" não conseguiria resistir por muito tempo às duras pressões da
repressão internacional, o declínio das lutas proletárias e os incessantes
ataques dos oposicionistas. O resultado final desta curta experiência foi uma
completa bancarrota. Decepcionados, muitos plataformistas abandonaram a
ideologia anarquista e atolaram-se na lama da desmoralização. O mais importante
entre eles foi Arshinov (o principal idealizador da Plataforma e outrora o mais
fiel companheiro de Makhno), que retornou à URSS em 1934 e abraçou de corpo e alma
a causa stalinista e o "Camarada Stálin", rejeitando tudo que havia
escrito sobre Makhno e a Plataforma Organizacional. Seu livro, "A História
do Movimento Makhnovista", vale menos que seu caráter político. Arshinov,
no entanto, teria o mesmo destino que Lev Zadov: foi vítima dos pogroms
stalinistas e executado em 1936 durante os grandes expurgos. O mais
interessante é que os anarquistas ainda hoje orientam suas análises e críticas
contra os bolcheviques a partir dessas pessoas cujas idéias são tão descartáveis
como papel higiênico!
Mas além de todas essas polêmicas entre o círculo
anarquista, Makhno teve no exílio um relacionamento complicado com sua mulher,
a "mãezinha" Galina - a mesma que dizia que "contra comunistas e
comissários não havia misericórdia!".[42] Segundo consta, ela tentou
assassinar Makhno com uma faca enquanto ele dormia, produzindo uma enorme e
profunda cicatriz em sua face direita. O motivo que levou Galina a realizar tal
ato era que, além de simpatizar com o movimento nacionalista de Petlyura,
apaixonou-se perdidamente por um oficial petliurista durante o breve exílio na
Polônia. Ida Mett afirma que a esposa de Makhno costumava enaltecer a patente
do milico em sua presença, dizendo com orgulho que "aquilo sim era um
general de verdade, e não como Nestor era" (idem). Sukhogorskaya também
afirma que Galina costumava declarar-se como uma "orgulhosa
ucraniana" e defensora da "independência nacional da Ucrânia", e
ainda narra os diversos encontros que teve com ela:
"Eu encontrei Agafya Andreyevna diversas vezes. Uma vez
ela chegou na aldeia e sugeriu numa noite que organizássemos uma coleta de
fundos para os professores pobres. Os makhnovistas haviam retornado de uma
campanha e estavam com bastante dinheiro. 'Eles gastaram tudo em bebida e jogos
de cartas', ela disse (...) Galina não participava das rodadas de bebida de
Makhno, mas amava jogo de cartas. Ela brincava com altas apostas quando tinha
muito dinheiro, a qual não vinha do trabalho árduo, mas do banditismo (...)
Certa vez, ela me disse que havia fuzilado sozinha diversos makhnovistas que
haviam sido pegos saqueando e estuprando. Os makhnovistas também a temiam. Eles
a chamavam de Mat (Mãe)" (Sukhogorskaya, "Agafya Andreyevna").
No ano de 1926-27, Galina também pediu permissão ao governo
stalinista para retornar à Ucrânia, mas foi rejeitada. Somente após a Segunda
Guerra Mundial, com a libertação da França pelas tropas soviéticas, Galina
conseguiu retornar à sua terra natal, vivendo até os seus 86 anos, falecendo em
1976.
Para colocar um ponto final nesta primeira parte do texto,
que fique bem claro que o movimento makhnovista foi apenas uma dentre tantas
rebeliões camponesas reacionárias que estouraram na República Soviética durante
o período de guerra civil. Victor Serge destaca que só na Rússia Européia havia
cerca de 50 focos de insurreição camponesa dirigidas contra o poder soviético.
Basta lembrar que no Sudeste de Moscou, em agosto de 1920, ocorreu a rebelião
do social-revolucionário de direita Alexander Antonov, na província de Tambov,
com mais ou menos 40.000 voluntários (praticamente o dobro das tropas de
Makhno). A "Antonovshchina" foi um movimento exclusivamente camponês
e de cunho pequeno-burguês, que criticava as fazendas estatais (kolkhozes) e as
requisições. Por meio de um congresso fajuto proclamou a abolição dos sovietes
e restabeleceu a Assembléia Constituinte à força. Antonov estava ainda em
negociações com os Guardas Brancos. A rebelião foi esmagada em maio de 1921
pelo Exército Vermelho, sob o comando de Mikhail Tukhachevsky.[43] Apesar de
ter sido uma rebelião com uma dimensão maior que a de Makhno, o levantamento de
Antonov confinou-se igualmente em suas províncias rurais, não conseguindo
espalhar sua influência às regiões mais importantes. Porém, na Ásia Central os
bolcheviques tiveram que conter outra rebelião camponesa-medieval: a dos
"Basmatchi"; um movimento rebelde que lutava na base de cavalos e
operava com a ajuda dos aldeões de suas regiões. Este movimento (muito
semelhante ao dos Talebans) iniciou-se no vale de Fergana, uma rica área de
plantações de algodão. Mas ao contrário das guerrilhas de Makhno e de Antonov,
os Basmatchi conseguiram expandir sua influência para outras áreas importantes,
sobretudo nas regiões orientais, e chegaram a cruzar a fronteira de territórios
neutros como o Irã e Afeganistão. Os Basmatchi lutavam contra a coletivização e
a requisição e era um movimento de tendência nacionalista/religioso, o qual se
unificou para levar adiante uma luta contra o que eles chamaram de "ocupadores
russos não-muçulmanos".
Perguntamos então por que todo esse frenesi de hoje pelo
caudilho Makhno? Para nós está bastante claro que tudo isso não passa de
preconceitos anticomunistas na atual época de reação burguesa contra o marxismo
e a classe operária. Os mitos servem exatamente para isso: encobrir a realidade
e legitimar a ordem estabelecida.
O GOLPE MILITAR NA FORTALEZA DE KRONSTADT
A rebelião de Kronstadt é, sem dúvida, um dos episódios mais
explorados pelos oportunistas de todos os matizes políticos para atacar Lênin e
Trotsky e assemelhá-los à figura grotesca de Stálin. Os críticos identificam os
elementos desmoralizados que tomaram parte na rebelião como
"revolucionários", porém, não é o que confirma as centenas de
documentos encontrados por diversos historiadores - entre eles burgueses e
anarquistas. Esses indivíduos tomaram o poder de uma fortaleza fortemente
armada e fizeram numerosos reféns, encarcerando-os e ameaçando-os de morte;
mantiveram até mesmo contato com as forças Brancas situadas no estrangeiro. A
maioria dos anarquistas proclamou a rebelião como uma "Terceira
Revolução", não há dúvida que se os bolcheviques tivessem esperado um
pouco mais para sufocá-la haveria a "Quarta Revolução" e, diante da
situação incontrolável, o retorno inevitável ao antigo regime - só que desta
vez ainda mais cruel e brutal. Como na Espanha, os anarquistas chorariam o
sangue derramado e passariam os anos seguintes lamentado-se do fracasso dessa
suposta "Terceira Revolução".
Antes de qualquer coisa, cabe fazer a pergunta: teria sido a
rebelião de Kronstadt um movimento legitimamente "anarquista", no
sentido subjetivo da palavra? Os bakuninistas da UNIPA (União Popular
Anarquista) são induzidos a crer o contrário:
"Com relação a Kronstadt, é interessante observar que
na realidade não se trata de uma experiência anarquista; os marinheiros eram
quase na totalidade membros do Partido Bolchevique, e reivindicavam apenas as
bandeiras de 1917. A metamorfose de 'Kronstadt' em um 'levante anarquista' não
tem o menor embasamento histórico" (UNIPA, "Anarquismo e Ecletismo,
em geral e Particularmente no Brasil", Comunicado da União Popular
Anarquista - UNIPA # nº 15; Rio de Janeiro, Setembro de 2006).
Devemos concordar que nem Kronstadt nem o movimento
makhnovista representaram uma "experiência anarquista" na prática.
Mas diferentemente do que diz a UNIPA e outras organizações - sejam anarquistas
ou não - o levantamento de Kronstadt não reivindicava as bandeiras de 1917, seu
lema foi "sovietes sem bolcheviques" e os valentes marinheiros de
1917 nunca se expressaram de tal maneira, muito pelo contrário, apoiaram o
Partido Bolchevique e sua participação nos conselhos em todo o processo
revolucionário. Na verdade, a rebelião expressava o desespero das camadas
pequeno-burguesas recém-chegadas à fortaleza que não queriam se submeter à
ditadura do proletariado e aos sacrifícios impostos pela guerra civil. E apesar
das avaliações baseadas na emoção, a rebelião de Kronstadt tinha sim seus
representantes "anarquistas" (assim como o movimento de Makhno); mas
não só eles, como também social-revolucionários, ex-oficiais czaristas,
liberais-burgueses (kadetes), etc. Os membros do Partido Bolchevique contrários
ao golpe foram todos encarcerados e ameaçados com julgamentos sumários.
Aproveitando o momento de penúria, a reacionária rebelião de
Kronstadt eclodia num momento crítico para a República Soviética, arrasada pela
sangrenta guerra civil. A situação era extremamente grave, pois além do
bloqueio econômico a renda nacional havia sido reduzida de forma drástica, a
indústria e o transporte estavam em completo colapso, a epidemia de cólera e
tifo fazia estragos arrasadores na população, não havia combustível suficiente
para aquecer as cidades, etc. Ademais, apesar dos fronts terem sido liquidados
em dezembro de 1920 e a guerra ter finalizado na primavera de 1921, ainda havia
o perigo da contra-revolução triunfar. O Exército Branco havia sido
parcialmente derrotado, mas não completamente; muitos núcleos ainda estavam
dispersos por toda a Rússia. O general Wrangel ainda possuía unidades com cerca
de 80.000 homens estacionados na Turquia e outros contingentes na Sérvia e
Bulgária. Wrangel estava sendo protegido e financiado diretamente pela França,
o único país que reconheceu seu regime como o "verdadeiro governo da
Rússia Sulista". Sem mencionar que pequenas rebeliões lideradas por
Guardas Brancos eclodiam por toda Rússia:
"Em janeiro-março de 1921 ocorreu o motim de Tumensk na
região de Tobolsk na Sibéria. Os insurgentes contavam com 20.000 homens. Em
maio de 1921, destacamentos do Exército Branco foram apoiados pelos
descendentes de japoneses em Vladivostok, que mantiveram o controle por um
curto período de tempo. Após a assinatura da Paz de Riga (18 de março de 1921),
grupos de Guardas Brancos, alguns somando milhares, outros pouco menos que
isso, invadiram a Ucrânia e outros pontos do território soviético. Outra série
de incursões ocorreu na Karelia que se iniciou em 23 de outubro de 1921, e só
foi liquidado em fevereiro de 1922 (!). Pouco tempo depois, em outubro de 1922,
o território soviético foi infestado com bandos guerrilheiros da
contra-revolução" (J. G. Wright, "A Verdade Sobre Kronstadt",
New International, publicado em fevereiro de 1938).
É inegável que a base naval de Kronstadt desempenhou um
papel fundamental durante a Revolução Russa, tendo sido responsável por
rebeliões contra o governo czarista em 26-27 de outubro, mas nesta época os
marinheiros estavam sob o comando do Partido Bolchevique: "A direção dos
sovietes de Kronstadt no verão de 1917 pertencia ao Partido Bolchevique, que se
apoiava nas melhores seções dos marinheiros e incluía em suas fileiras muitos
revolucionários do movimento clandestino, que haviam sido libertados dos campos
de trabalhos forçados" (Trotsky, "Muito Barulho por Kronstadt";
New International, abril de 1938). Os anarquistas que estavam na fortaleza eram
intimamente ligados aos bolcheviques (como Yarchuk e Zhelezniakov) e
coordenavam suas ações em conjunto com o Partido Bolchevique, não sem ele.
Durante a guerra civil, esta base naval de primeira classe forneceu aos fronts
de combate os melhores marinheiros revolucionários, os mais experientes e
abnegados, que lutaram pela salvaguarda da revolução e pela manutenção do poder
soviético com um heroísmo inaudito, sem precedentes na história da luta de
classes - nem mesmo a Revolução Francesa conheceu tamanho exemplo de
auto-sacrifício. Cerca de 40.000 marinheiros da frota, durante toda a guerra
civil de 1918-1920, lançaram-se na luta contra os Brancos. Os dirigentes de
1905-1917 já não estavam mais em Kronstadt no ano de 1921, quando rebentou a
rebelião. A maioria dos marinheiros ligados ao poder soviético tombaram na
guerra civil, outros dispersaram-se por todo o país exercendo funções no
governo soviético. Foi exatamente desse modo que uma grande quantidade de
marinheiros recém-chegados da luta política, sem a mínima instrução e
disposição revolucionária, inundaram a fortaleza substituindo os antigos
marinheiros revolucionários. Uma grande parte era proveniente da Ucrânia e do
Suldeste da Rússia, territórios fortemente influenciados por Makhno. Este
processo gradual mudaria radicalmente o caráter político da fortaleza:
"Conscientemente ou não, os bolcheviques enviaram para
a fortaleza soldados desacreditados. Entre eles antigos desertores,
indisciplinados, e assim por diante. Ou seja, o Exército Vermelho enviou
aqueles que eram inúteis e indesejáveis entre as unidades reservas. E a frota
foi obrigada a aceitar estes 'habilidosos' reforços porque havia muita
reclamação em torno deles" (A. S. Pukhov, "Kronstadt e a Frota do
Báltico Antes do Motim de 1921", Krasnaia Letopis', 1930, No.6).
Durante o ano de 1920, Kronstadt foi submersa com mais de
dez mil recrutas novos, elevando o total para mais de dezessete mil, de toda
esta esfera numérica apenas cinco mil tomaram parte na rebelião.[44] Ainda
segundo estimativas, a tripulação do encouraçado Petropavlovsky havia sido
reduzida de aproximadamente 1.400 para apenas 200 no final de 1918; e a maioria
dos substitutos não eram veteranos de Kronstadt, mas conscritos, entre os quais
muitos deles haviam servido na Frota do Mar Negro, onde, em comparação à Frota
do Báltico, a influência dos social-revolucionários e dos anarquistas era
notavelmente grande.[45] Em relação ao caráter de classe da fortaleza, o
anarquista Paul Avrich é obrigado a admitir que "Em 1921, de acordo com
cifras oficiais, mais de três quartos dos marinheiros eram de origem camponesa,
proporção substancialmente maior que a de 1917, ano na qual uma parte
considerável da frota estava constituída por operários industriais provenientes
do setor de Petrogrado. O próprio Petrichenko reconheceu mais tarde que muitos
de seus camaradas de armas eram camponeses do Sul movidos pela situação dos
aldeões de sua região" (Paul Avrich, "Kronstadt 1921").
A rebelião de Kronstadt só teve tamanha importância por se
tratar de uma fortaleza que desempenhou um papel notável no processo
revolucionário de 1917. No entanto, apesar da mitologia criada durante quase um
século inteiro, é fato incontestável que a composição política de Kronstadt
mudou radicalmente com o desenvolvimento da guerra civil. A fortaleza havia
perdido o brilho que reluzia em 1917, tendo sido submergida por
social-revolucionários, anarco-populistas e ex-oficiais czaristas. A grande
parte desses elementos espalhava falsos rumores na guarnição sobre os
bolcheviques e a situação em Petrogrado, muitos foram arrastados pela rebelião
por meio de mentiras e calúnias:
"Mesclada com os informes iniciais seguia-se uma
variedade de falsos rumores que logo incendiaram as paixões dos marinheiros.
Dizia-se, por exemplo, que as tropas governamentais haviam disparado fogo sobre
os manifestantes da ilha Vasili e que os líderes da greve haviam sido fuzilados
nas masmorras da Cheka (...) Mas foi o informe falso de que os comunistas
estavam preparando-se para atacar a assembléia que precipitou realmente a
formação do Comitê Revolucionário Provisório (CRP), passo pelo qual os
marinheiros cruzaram a fronteira da insurreição. Quem foi o responsável por
este rumor? Segundo Petrichenko, foi obra dos próprios comunistas, com o
objetivo de dissolver a conferência. Embora seja provável, não há nenhuma prova
de que tenham sido eles. É igualmente provável que o marinheiro responsável por
ter berrado a notícia desejasse agitar as coisas contra os comunistas. E vale a
pena notar que o próprio Petrichenko deu crédito ao rumor e anunciou que era
verdade, ou seja, que estava a caminho um destacamento de 2.000 comunistas que
iriam dispersar a assembléia" (Paul Avrich, idem).
Para se ter mais ou menos uma idéia da composição política
dos principais responsáveis pelo golpe, vejamos algumas figuras mais
importantes:
1) Stepan Petrichenko: nacionalista ucraniano de origem
kulak, simpatizante anarquista, foi a principal figura do levantamento
nomeando-se presidente absoluto do fictício "Comitê Revolucionário
Provisório" (CRP);
2) Anatoly Lamanov: maximalista social-revolucionário, um
dos editores responsáveis pelo diário Izvestia de Kronstadt;
3) Vershinin: social-revolucionário, kulak e antigo
especulador - membro do CRP;
4) Ivan Oreshin: democrata-constitucionalista do principal
partido burguês KDT, também foi membro do CRP;
5) Vladislav Valk: menchevique germânico, um defensor resoluto
do parlamento burguês; como membro do CRP tornou-se responsável pelos assuntos
civis na fortaleza;
6) Perepelkin: anarquista e marujo do encouraçado
Sevastopol, membro do CRP responsável pela agitação e propaganda;
7) Sergei Putilin: um padre reacionário católico-ortodoxo
que antes havia prestado enormes serviços à catedral de Kronstadt; simpatizante
do partido KDT e editor-chefe do diário Izvestia de Kronstadt;
8) Tukin: ex-policial czarista proprietário de SEIS casas e
TRÊS oficinas em Petrogrado, como membro do CRP ficou encarregado do
abastecimento alimentício na fortaleza;
10) Stanislav Shustov: anarquista e chefe da prisão de
Kronstadt;
Entre os ex-oficiais czaristas (ou seja, os
"especialistas militares") estavam: Solovianov (ex-capitão),
Kozlovsky (ex-general), Arkannikov (ex-tenente-coronel) e Dmitriev
(ex-contra-almirante), todos eles fizeram parte do chamado "Comitê de
Defesa da Fortaleza de Kronstadt", tendo Solovianov como manda-chuva
principal.
Mas apesar de toda essa "heterogeneidade", as
reivindicações nas assembléias eram as mesmas: novas eleições nos sovietes sem
a participação do Partido Bolchevique; liberdade de palavra e de imprensa aos
partidos social-revolucionários e anarco-terroristas (mesmo que clamassem pelo
assassinato de dirigentes bolcheviques e pelo fim da poder soviético);
liberdade aos prisioneiros social-revolucionários e anarquistas condenados por
diversas atividades contra-revolucionárias como atentados, terrorismo e
sabotagem; supressão dos destacamentos comunistas de inspeção encarregados de
combater a especulação; abolição dos comissários políticos no Exército Vermelho
(este ponto da resolução provavelmente teve o dedo dos ex-oficiais czaristas);
e ?dar aos camponeses TOTAL liberdade de ação em suas terras, bem como o
direito de manter o gado, em condições nas quais administrem com seus próprios
meios; ou seja, sem empregar trabalho assalariado?, etc. De todos estes pontos,
apenas o último representava nada mais nada menos que os interesses econômicos
das massas rurais pequeno-burguesas de "comércio livre". Mas se caso
a ditadura do proletariado tivesse se sujeitado a este programa pequeno-burguês
de oposição à economia planificada e em benefício do "comércio ilimitado e
irrestrito" (escondido por detrás do eufemismo de "total liberdade de
ação"), rapidamente teria surgido uma nova classe capitalista entre os
camponeses mais bem-sucedidos e teria aberto às portas, sem muitas
dificuldades, para a restauração do capitalismo. De resto, a resolução tinha
nitidamente o dedo e a tinta dos Guardas Brancos e seus aliados mencheviques,
social-revolucionários e nacional-anarquistas, dispostos a derrubar o poder
soviético.
Se os especialistas militares estavam antes sob a estrita
supervisão dos comissários políticos, após o golpe todos os comissários haviam
sido encarcerados pelos amotinados. O ex-general czarista Kozlovsky sentiu-se
livre para dizer ao comissário comunista Gromov que o seu tempo "havia
acabado" e agora era ele "quem ditava as ordens". Kozlovsky
exerceu um posto importante no Comitê de Defesa da cidadela após a rebelião.
Foi um dos que propuseram, entre outras coisas, que se desse início à ofensiva
sobre os povoados o mais depressa possível, a fim de estabelecer contato com a
Finlândia que estava sob a batuta do ditador Mannerheim. Este ex-general
czarista estava muito longe de sentir qualquer simpatia pelo anarquismo ou
comunismo, declarava-se abertamente defensor de uma
"monarquia-constitucional".
Os anarquistas não podem negar que os rebeldes kronstadinos
tinham à disposição seus próprios especialistas militares, que os aconselhavam
e elaboravam planos minuciosos para um ataque bem-sucedido contra o governo
soviético. O ex-oficial czarista Solovianov foi nomeado "Chefe de
Defesa" pelos rebeldes. Segundo o testemunho de um velho
oficial-marinheiro que havia sido preso: "O Presidente do Comitê
Revolucionário Provisório (Petrichenko) subordinava-se completamente à decisão
do Chefe de Defesa (o ex-comandante czarista Solovianov) e não fazia objeções
às atividades operacionais ulteriores" (P.A Zelenoi, "Minutos de
Interrogatório à Cheka", 26 de março de 1921).[46]
Entre os planos propostos pelos especialistas militares de
Kronstadt estavam:
1º) O desembarque imediato em Oranienbaum com a intenção de
apoderar-se da força militar desta cidade e estabelecer contato com unidades
favoráveis do exército;
2º) Avançar imediatamente contra Petrogrado antes que o
governo soviético pudesse reunir uma posição efetiva;
3º) Realizar um ataque surpresa aos moinhos de trigo de
Oranienbaum para obter suprimentos;
4º) Utilizar os canhões da fortaleza para destruir o gelo ao
redor da ilha (a fim de torná-la inacessível a qualquer invasão da infantaria
soviética) e dos encouraçados Petropavlovsk e Sevastopol, que estavam
encalhados sobre o gelo;
5º) Formar barricadas nas ruas na parte leste da cidade
próxima à Porta de Petrogrado.
Os rebeldes chegaram de fato a enviar um destacamento de 250
homens armados a Oraniebaum através do gelo na noite do dia 02 e 03 de março
para tomar de assalto a Esquadra Aérea Naval. Entretanto, foram recebidos à
bala pelos trabalhadores leais à revolução. Os golpistas deixaram-se levar por
mais uma quantidade de falsos rumores de que a Esquadra Aérea Naval de
Oranienbaum havia votado em massa a favor do golpe e que tinha nomeado seu
próprio "Comitê Revolucionário Provisório". Na verdade, apenas três
insurretos haviam simpatizado com as resoluções dos rebeldes, a massa de
Oranienbaum era completamente indiferente para com o motim, como os resto dos
trabalhadores da República Soviética.
Embora os anarquistas tratem este episódio com puro
romantismo, afirmando que o movimento foi "espontâneo, despreparado e
pacífico", e jogando toda a culpa nos dirigentes bolcheviques (sobretudo
em Trotsky), a história real mostra-se bem diferente das fábulas e mitos
criados pela literatura anarquista. Em Kronstadt ocorreu uma rebelião e, como
toda rebelião, houve excessos, repressão e violência. Os rebeldes não pensaram
duas vezes antes de descer o tacão na cabeça dos comunistas e da população
pacífica. Já no dia 2 de março, 200 trabalhadores leais ao Partido Bolchevique
armaram-se contra os rebeldes, mas como estavam em menor número decidiram fugir
para Krasnaya Gorka através do gelo. Temendo uma fuga em massa, os rebeldes
estabeleceram o toque de recolher às onze horas da noite, impedindo a saída da
fortaleza de quem quer que fosse, sem permissão especial.[47] Ao contrário do
que dizem os anarquistas, o comando dos rebeldes não estava baseado nos
sovietes, mas no "Comitê de Defesa da Fortaleza de Kronstadt", onde
seus principais dirigentes nada mais eram do que os ex-oficiais czaristas. Os
rebeldes, por sua vez, aderiram de corpo e alma às prisões generalizadas:
"No terceiro dia de março de 1921, 170 comunistas foram presos em
Kronstadt. No dia 15 de março, muitos dos velhos marinheiros revolucionários
também estavam presos. Mas não foram apenas os comunistas que sofreram
repressão. Um rapaz de 17 anos de idade (!) foi enviado ao cárcere por
perguntar por que os membros do Comitê Revolucionário Provisório receberam
melhores comidas e porções maiores que os trabalhadores comuns"
(Krondshtadskaia tragediia 1921 goda. Dokumenti v dvuch knigach. Moskva,
ROSSPEN, 1999, vol. 02, p. 632; citado por A. Kramer).
Paul Avrich afirma que cerca de 300 comunistas foram presos
durante o curso da insurreição. Sem mencionar que os rebeldes instigavam a
população a dedurar os inimigos comunistas para fazer justiça "sem
tribunal algum, de acordo com as leis ditadas pelo momento" (Paul Avrich,
idem). Os delegados bolcheviques Kuzmin (comissário da Frota do Báltico),
Vassiliev (presidente do soviete de Kronstadt) e Kroskunov (comissário da
esquadra de guerra de Kronstadt), eleitos por ampla maioria popular nos
sovietes, foram todos encarcerados e impedidos de exercerem suas funções.
Paradoxalmente, os insurretos nomearam delegados sem eleição alguma, tendo como
caudilho principal Stepan Petrichenko. No dia seguinte, o bolchevique Batis
(chefe do diretório político) também foi preso por uma patrulha rebelde
enquanto tentava cruzar o gelo para dirigir-se ao forte Totleben. Outro
bolchevique encarcerado foi o doutor Bregman, um veterano de Kronstadt e
secretário do comitê partidário do distrito. Estas medidas causaram uma grande
revolta entre os velhos marinheiros revolucionários que ainda encontravam-se
estacionados na fortaleza:
"Dentro de Kronstadt houve enfrentamentos entre os
velhos marinheiros revolucionários e os novos recrutas que procediam de
famílias camponesas e pequeno-burguesas. No informe de inteligência militar do
Sétimo Exército podemos ver que muitos marinheiros e soldados rebeldes queriam
passar para o lado dos bolcheviques, mas foram ameaçados por seus comandantes.
Em 15 de março, o Comitê Revolucionário Provisório de Kronstadt ordenou a
prisão de todos os velhos marinheiros que se recusavam a 'obedecer
ordens'" (A. Kramer, "Kronstadt: Trotsky tinha razão! - O Novo
Material dos Arquivos Soviéticos Confirma a Postura dos Bolcheviques").
Segundo um informe de Agranov ao Presidium da Cheka: "A
repressão levada a cabo pelo Comitê Revolucionário Provisório contra os
comunistas que permanecem fiéis à revolução refuta as intenções supostamente
pacíficas dos rebeldes. Praticamente em todo o momento as sessões do CRP demonstram
que a luta contra os comunistas que ainda estão em liberdade, e contra os que
ainda estão presos, continuam sendo o foco de sua atenção. Em última instância,
recorrem até mesmo a ameaças de cortes marciais, apesar de sua declarada
revogação da pena de morte" (Agranov, Informe ao Presidium da Cheka, 5 de
abril de 1921). O anarquista Stanislav Shustov (chefe da prisão de Kronstadt)
foi um dos que propuseram o fuzilamento de todos os comunistas. No entanto,
Kuzmin demonstrou uma coragem notável diante de todas as ameaças. Na
conferência realizada pelos rebeldes no auditório da "Casa da
Educação", Kuzmin respondeu: "Vocês me têm à vossa mercê, podem até
me fuzilar, mas se atreverem a levantar a mão contra o governo soviético, os
bolcheviques lutarão até o extremo de suas forças!". Os revoltosos só
recuaram na sua decisão de fuzilar os comunistas porque o Comitê de Defesa de
Petrogrado, que estava sob a jurisdição de Zinoviev, tomou a família dos
rebeldes sob custódia e aplicou a lei sobre os reféns, dando o seguinte aviso:
"O Comitê de Defesa declara que os presos são mantidos como reféns para o
Comissário da Frota do Báltico, N. N. Kuzmin, o Presidente do Soviete de
Kronstadt, T. Vassiliev, e outros comunistas. Se o menor dano for sofrido por
um de nossos camaradas detidos, os reféns pagarão com suas próprias
vidas".
Como se sabe, o Partido Bolchevique não tinha experiência
militar na arte da guerra, e um exército moderno necessitava de técnicos
especializados. Foi então necessário recrutar especialistas militares cuja
maioria haviam pertencido ao antigo regime, ex-oficiais czaristas. Mas é óbvio
que esses "especialistas militares" não ingressaram nas fileiras do
Exército Vermelho gratuitamente. Além de Trotsky ter estabelecido seu controle
e vigilância pelos comissários operários, o velho dirigente bolchevique
instituiu um decreto de guerra em 1919 que ficou conhecido como "a lei
sobre os reféns", onde as famílias dos traidores seriam tomadas sob
custódia em caso de deserção. Isto serviu como advertência aos oficiais
reacionários caso aderissem ao bando inimigo da contra-revolução. Foi uma
medida necessária durante a guerra civil, já que a traição e a deserção
representavam um sério obstáculo para a vitória da República Soviética na
guerra.[48] Apesar dos anarquistas estrebucharem contra a aplicação deste
decreto no episódio de Kronstadt, não havia outra saída para salvar a cabeça
daqueles que haviam sido detidos pelos rebeldes; lembremos que estes últimos,
em união com os seus próprios especialistas militares, também fizeram reféns,
encarcerando inclusive os comissários operários responsáveis pelo controle e
vigilância dos ex-oficiais czaristas, e estavam decididamente dispostos a
fuzilá-los. Kuzmin descreve como a ameaça das execuções em massa por parte dos
golpistas quase foi levada a cabo por Shustov: "Na manhã do dia 18 de
março, Shustov armou uma metralhadora fora da cela que continha 23
prisioneiros, e ele só foi impedido de matar os comunistas pelo avanço do
Exército Vermelho sobre o gelo" (Kuzmin, "Informe à sessão do soviete
de Petrogrado", 25 de março de 1921).
A suspeita de Lênin e Trotsky em relação a uma conspiração
internacional confirmara-se na prática. Os órgãos da imprensa burguesa situados
no estrangeiro já relatavam com antecipação, duas semanas antes da revolta, que
alguns marinheiros já estavam organizando uma rebelião em Kronstadt contra o
governo soviético. No dia 13 de fevereiro apareceu uma matéria no "Le
Matin" sob o título "Moscou toma medidas contra os rebeldes de Kronstadt",
o artigo afirmava que havia estourado uma rebelião na fortaleza e que as
autoridades bolcheviques haviam-na reprimido para que não se estendesse a
Petrogrado. No dia 14 de fevereiro o mesmo periódico publicou um segundo artigo
onde afirmava que uma delegação de marinheiros haviam sido encarcerados
enquanto dirigiam-se a Moscou para pedir melhores rações, o órgão dizia que
"a situação em Kronstadt havia se deteriorado, e os rebeldes dirigiram
seus canhões contra Petrogrado". No mesmo dia, apareceu um outro relato
num órgão parisiense chamado "L?Echo de Paris", no qual afirmava que
os marinheiros haviam prendido o comissário principal da frota (Kuzmin) e
despachado vários encouraçados contra Petrogrado. O periódico norte-americano
"New York Times" chegou ao extremo absurdo de afirmar que os
marinheiros haviam tomado pleno controle de Petrogrado e estavam derrotando
todas as tropas enviadas por Trotsky, uma a uma (!). Tudo isso duas semanas
antes da rebelião! Como a imprensa burguesa internacional prenunciava
pormenorizadamente algo que aconteceria semanas mais tarde? Trotsky, na época,
deu a seguinte resposta:
"Os centros da conspiração contra-revolucionária estão
situados no estrangeiro. Entre estes centros, os emigrantes russos e certos
grupos do imperialismo europeu e a imprensa européia há um laço muito íntimo
que, evidentemente, não é de forma alguma platônico em caráter. Os
contra-revolucionários russos prometeram organizar um motim no momento
propício, mas o impaciente bulevar e os periódicos da bolsa de valores escreveram
sobre isto como se já fosse um fato" (Leon Trotsky, "Sobre os
Acontecimentos em Kronstadt - Entrevista à Imprensa Estrangeira"; Pravda,
16 de março de 1921, Nº 57).
O velho bolchevique estava correto! Os rumores, de acordo
com Paul Avrich, surgiram de uma única fonte: um correspondente da agência de
notícias "Russunion", que tinha sua sede em Helsinque (Finlândia),
centro notório de propaganda anti-soviética. A agência "Russunion"
era uma organização de periodistas russos que estavam em estreito vínculo com o
Centro Nacional - uma coalizão contra-revolucionária entre kadetes,
mencheviques e social-revolucionários na emigração. Nos Arquivos Russos do
Centro Nacional da Universidade de Columbia foram descobertos manuscritos
datados de 1921 que tratam dessa questão com maiores detalhes. Estes documentos
estão carimbados com o famoso "Top Secret" e levam o sugestivo título
de "Memorando Sobre a Questão da Organização de um Levantamento em
Kronstadt". O memorando apresenta um plano detalhado sobre uma eventual
rebelião na fortaleza que ocorreria na "próxima primavera", além de
informações sobre a situação da guarnição, recursos materiais, quantidade de
armas e planos minuciosos para um golpe contra-revolucionário bem-sucedido. O
Memorando expõe qual atitude deveria ser tomada pelas potências estrangeiras se
caso "um pequeno grupo de pessoas, mediante uma ação rápida e decisiva,
tomasse o poder na fortaleza". Paul Avrich, o principal responsável pela
descoberta deste material, fez uma revelação que pegou todos de surpresa:
"A julgar pela evidência que contém, é bastante claro
que o plano descrito no memorando foi traçado em janeiro ou início de fevereiro
de 1921 por um agente do Centro Nacional localizado em Viborg ou Helsinque. Ele
prediz que ocorrerá uma sublevação dos marinheiros durante a 'próxima
primavera' (...) O autor obviamente está muito familiarizado com a situação de
Kronstadt. Há uma extensa e bem informada análise das fortificações da base, na
qual avalia-se cuidadosamente o perigo do bombardeio da artilharia desde
Krasnaya Gorka, mas não se considera como ameaça séria para a rebelião. Além
disso, o documento acentua a necessidade de preparar abastecimentos de
provisões para os rebeldes com bastante antecipação no início do levantamento.
O autor acentua muito este aspecto. Com a ajuda da França, diz, é possível
aportar navios de transporte carregados de alimentos no Báltico, que esperarão
ordens para seguir até Kronstadt. Como contingente militar operativo, continua,
deve-se mobilizar o Exército Russo do general Wrangel, apoiado por uma esquadra
francesa e unidade da frota do Mar Negro aportadas em Bizerta (...) Assim, com
a chegada do Exército Russo, toda a autoridade de Kronstadt passaria
imediatamente para as mãos de seu comandante-em-chefe (Wrangel). A fortaleza
serviria então como 'uma base invulnerável' para desembarcar no continente 'com
o intuito de derrubar a autoridade soviética na Rússia'. Entretanto, o êxito da
operação dependeria da disposição dos franceses em proporcionar dinheiro,
alimentos e apoio naval. De outra forma, ocorreria igualmente uma revolta e
estaria destinada ao fracasso. Se o governo francês estivesse de acordo,
conclui o memorando, seria então desejável que designasse 'uma pessoa com a
qual pudesse entrar em acordos mais detalhados sobre este assunto com os
representantes dos organizadores da rebelião e à qual pudessem comunicar os
detalhes do plano da revolta e ações posteriores, assim como facilitar
informações mais precisas a respeito dos fundos que necessitam para a
organização e demais aspectos financeiros do levantamento'" (idem).
A preocupação principal dos imperialistas era de que a
revolta não acontecesse antes do degelo, momento em que Kronstadt ficaria imune
a um ataque bolchevique. Por que então, perguntam os anarquistas, os rebeldes
kronstadinos não esperaram o degelo para aplicar o golpe? O general Elvengren
(representante de Wrangel na Finlândia) afirma que realmente havia uma operação
organizada dos Guardas Brancos em Kronstadt e explica porque os rebeldes
decidiram estourar o motim antes do degelo:
"Todo o segredo está no fato de que os marinheiros de
Kronstadt (a organização local conectada com a organização mais ampla), ao
inteirar-se do início de um movimento em Petrogrado (ou seja, falsos rumores) e
de sua escala, tomaram este movimento por um levantamento geral. Não querendo
ficar passivamente à margem dos acontecimentos, decidiram, apesar do calendário
acordado, ir até Petrogrado, mas rapidamente se orientaram e viram que as
coisas não estavam como eles esperavam. Tiveram que regressar a Kronstadt
rapidamente. O movimento em Petrogrado já havia acabado faz tempo, as coisas
estavam tranqüilas, mas eles - os marinheiros - que já estavam comprometidos
diante dos comissários, sabiam perfeitamente que seriam reprimidos e decidiram
dar o passo adiante, usando o isolamento de Kronstadt para anunciar sua ruptura
com o poder soviético e, de forma independente, levar a cabo o levantamento que
haviam sido forçados a iniciar" (Elvengren, Informe ao Comitê de Evacuação
Russa na Polônia; citado por Israël Getzler, "O Destino da Democracia
Soviética").
De fato, Petrogrado encontrava-se em crise devido à
devastação deixada pela guerra civil, os sistemas de transportes estavam
deteriorados e desarticulados, faltava combustível e o inverno era cruel, os
trabalhadores iniciaram greves em algumas fábricas de Petrogrado
(influenciados, sobretudo, pela agitação de dirigentes mencheviques), mas os
bolcheviques não se desesperaram: os sovietes da região realizaram assembléias,
explicaram a situação em que se encontrava o país, alertou contra a provocação
dos agitadores contra-revolucionários e o protesto extinguiu-se por si só, sem
derramar uma única gota de sangue. Não houve repressão nem ameaças, mas diálogo
- algo que os rebeldes de Kronstadt desconheciam completamente.
Após o ribombar da rebelião, a tarefa imediata da
contra-revolução internacional consistiu em reunir ajuda suficiente para os
rebeldes a fim de manter seu moral elevado: "A sublevação de Kronstadt - diz
uma circular confidencial dos arquivos do Centro - encontrou uma resposta no
coração de todos os exilados russos. Devemos enviar alimentos e produtos
médicos imediatamente, sob a bandeira da Cruz Vermelha; além disso, devemos
proporcionar aos insurgentes aviões, lanchas a motor, petróleo e roupas para
ajudá-los a difundir a revolta no continente antes que os bolcheviques possam
reunir suas forças" (Paul Avrich, idem). O órgão "Obshchee Delo"
("A Causa Comum"), situado em Paris e dirigido pelo veterano populista
Vladimir Burtsev, publicou um chamado no dia 6 de março a todos os grupos
contra-revolucionários de emigrantes para que se unissem em apoio à rebelião,
com o intenção de não perder a preciosa oportunidade de retomar a guerra civil:
"Estamos vivendo um momento que não se repetirá. Não
cabe manter-se na atitude de testemunha ociosa dos eventos. Fazemos um chamado
urgente a todos os russos - e através deles a nossos aliados - para que
proporcionem aos revolucionários de Kronstadt um apoio material ativo. Para que
seja entregue armas aos insurgentes e que se assegure comida para Petrogrado. A
luta contra os bolcheviques é nossa causa comum! Se nos restringirmos apenas às
palavras nestes terríveis dias, se ainda não nos atermos à tempestade dos
debates e das resoluções, pobres de nós, pobre da Rússia! Se a Europa, que já
perdeu tantas oportunidades, perder também esta, então pobre dela, pobre do
mundo inteiro!".
Os imperialistas tinham plena consciência da importância que
a fortaleza de Kronstadt representava, e não mediram esforços para ajudar os
rebeldes. O diretor do Banco Internacional de Paris, Kokovtzov - que antes
havia trabalhado como ministro das finanças e primeiro-ministro durante o
regime czarista -, chegou a depositar 5.000 libras inglesas nas contas do
Centro Nacional para que fossem enviados de imediato aos rebeldes. Já o Banco
Russo-Asiático transferiu 225.000 francos. Em Paris, Berlim e Praga, os mais
renomados líderes dos social-revolucionários de direita, como Alexander
Kerensky e Viktor Chernov, entregaram-se de corpo e alma à tarefa de recolher
fundos para comprar alimentos e outros abastecimentos necessários para
"manter viva a insurreição". Duas cartas de Zenzinov, escritas em
Praga e dirigidas a um membro do Centro Nacional de Paris, mencionam quantias
que ultrapassam os 100.000 francos franceses. O mesmo Centro Nacional recebeu
de Boris Bakhmetiev (embaixador de Kerensky nos Estados Unidos) mais 25.000
dólares. As cartas indicam ainda que foram reunidos cerca de 50.000 sacos de farinha
em Amsterdã para embarcá-los à fortaleza. Dentre os países Aliados, a França
foi quem mais apoiou a rebelião, devido à sua rígida oposição ao regime
bolchevique. Há provas documentais de que o Centro Nacional entrou em contato
com o primeiro-ministro francês de relações exteriores, Briand, durante todo o
levantamento. Numa reunião com Malachov, ex-embaixador do antigo Governo
Provisório, Briand prometeu "qualquer ajuda necessária a Kronstadt".
O diário de Kerensky em Berlim informava que uma esquadra francesa havia
recebido ordem de partir para o porto de Reval no Báltico com a missão de
"ajudar Kronstadt a qualquer custo". Um correspondente diplomático do
jornal trabalhista "Daily Herald" escrevia em março de 1921:
"Posso afirmar decididamente que o governo francês está interessado no
assunto de Kronstadt, e que enviou uma grande soma de dinheiro para uso dos
amotinados a um certo professor (Tseidler) que reside em Viborg. Também
enviaram abastecimentos com a cumplicidade da Cruz Vermelha" (Daily Herald,
14 de março de 1921). A União Russa do Comércio e Indústria de Paris enviou um
radiograma ao CRP de Kronstadt assegurando seu pleno apoio e a intenção de
enviar "suprimentos e outros abastecimentos necessários". O
radiograma declarava que os imperialistas haviam se comprometido a ajudar os
rebeldes com uma soma inicial de dois milhões de marcos finlandeses para a
"sagrada causa de libertar a Rússia". Fundos adicionais foram doados
por outros bancos russos, companhias de seguros e pela astuta Cruz Vermelha.
Kokovtzov informou ao Comitê dos Bancos Russos em Paris que os depósitos para
Kronstadt já excediam a faixa dos 775.000 francos (!), ou dois milhões de
marcos finlandeses, prometidos aos rebeldes pela União de Comércio e Indústria.
Não por acaso, a Bolsa de Valores encontrava-se excitada com o desenrolar dos
acontecimentos, a ponto de quase ter um orgasmo financeiro: "Em Petrogrado
os mencheviques estão causando um alvoroço; as ações da 'Putiov Works' subiram
a um valor de 10 francos. Chernov promete abrir a Assembléia Constituinte;
outros 5 francos marcaram em alta. Em Kronstadt a artilharia falou em nome dos
sovietes contra os comunistas; isso significa que os capitalistas belgas
poderão voltar aos seus trabalhos e minas no Donbas - uma alta para essas ações
de 20-30 francos" (Boletins da Bolsa de Valores da Europa de
fevereiro-março de 1921).
Mas além da ajuda financeira também houve propostas de ajuda
militar. Viktor Chernov (dirigente dos social-revolucionários de direita e
ex-ministro da agricultura durante o Governo Provisório) propôs uma inestimável
ajuda e colocou-se como mediador nas negociações diante das potências
imperialistas para enviar suprimentos aos insurretos. Durante a primeira semana
do golpe, Chernov enviou o seguinte radiograma ao CRP de Kronstadt: "O
presidente da Assembléia Constituinte, Viktor Chernov, envia suas fraternas
saudações aos heróicos camaradas marinheiros, aos homens do Exército Vermelho e
aos operários, que pela terceira vez desde 1905 estão tentando livrar-se do
jugo da tirania, e lhes oferece ajuda com homens e provisões através das
cooperativas russas do exterior. Nos informem do que necessitam e a quantidade.
Estou preparado para ajudar em pessoa e dar-lhes minhas energias e autoridade à
serviço da revolução do povo", Chernov conclui: "Tenho fé na vitória
final das massas trabalhadoras. Glória ao primeiro a levantar a bandeira da
libertação do povo! Abaixo o despotismo de Direita e de Esquerda!".[49]
Contudo, o CRP de Kronstadt rechaçou momentaneamente a ajuda de Chernov por
razões táticas e não de princípios: "O Comitê Revolucionário Provisório
agradece a oferta de Chernov, mas o recusa no momento, até que a situação
esteja mais clara. Entretanto, tudo será levado em consideração" (Assinado
por Petrichenko, presidente do CRP de Kronstadt).[50] É evidente que os
rebeldes avaliaram a situação de um ponto de vista racional: se tivessem
aceitado a ajuda dos social-revolucionários naquele momento teriam conquistado
ainda mais a hostilidade das massas trabalhadoras, que já não viam com bons
olhos o estouro de uma rebelião no nascente Estado operário - e, sobretudo,
contra aqueles que haviam repelido a contra-revolução na guerra civil, ou seja,
os bolcheviques. Por sinal, uma das causas do inevitável fracasso do
levantamento de Kronstadt foi seu isolamento, pois a grande massa dos
trabalhadores não lhe prestou nenhum apoio. Até mesmo o líder menchevique
Fyodor Dan admitiu em 1922 que "o motim de Kronstadt não teve nenhum apoio
dos trabalhadores de Petrogrado" (Fyodor Dan, "Os Mencheviques no
Motim de Kronstadt", Krasnaia Letopis', 1931, No. 2). De acordo com
Trotsky: "os trabalhadores sentiram imediatamente que os amotinados de
Kronstadt estavam colocados ao lado oposto das barricadas... e apoiaram o poder
soviético. O isolamento político da fortaleza foi a causa de sua vacilação
interna e sua derrota militar" (Leon Trotsky, "Muito Barulho por
Kronstadt").
Outro notório personagem que propôs ajuda aos rebeldes foi o
Barão Vilken (ex-comandante da Armada Imperial que havia servido no encouraçado
Sevastopol), ele sugeriu uma ajuda a Kronstadt de 800 oficiais armados e
permaneceu na cidade durante a revolta como representante da Cruz Vermelha
Russa na Finlândia. Vilken também se comprometeu em oferecer ao CRP alimentos e
produtos médicos. Ao ser interrogado pela Cheka, o anarquista Perepelkin deu o
seguinte depoimento a Komarov (Presidente Regional da Cheka de Petrogrado):
"E aqui eu dei de cara com o antigo comandante do
Sevastopol, Barão Vilken, com o qual eu tinha navegado logo cedo. Ele ficou
reconhecido pelo CRP como representante da delegação que nos ofereceu aliança.
Eu fiquei ultrajado com isto. Chamei todos os membros do CRP e disse: 'então
essa é a situação em que nos encontramos, a quem somos forçados a manter
conversações...' Petrichenko e os outros pularam sobre mim, dizendo: 'Nós não
temos comida e remédios - a escassez iniciou-se em março de 1921 - devemos
então ser obrigados a nos render aos conquistadores? Não há outro caminho!'. Eu
parei de argumentar e disse que aceitaria a proposta. E, no segundo dia, nós
recebemos 400 puds (1 pud=16,8 kilos) de alimentos e cigarros. Aqueles que
aceitaram a amizade mútua com o Barão dos Guardas Brancos disseram que ele
estava a favor do poder soviético" (Interrogatório de Perepelkin a
Komarov, Presidente Regional da Cheka de Petrogrado - informe taquigráfico, 25
de março de 1921).
O Barão Vilken ainda sugeriu ao CRP que emitisse
publicamente uma adesão formal em favor da Assembléia Constituinte. No mesmo
interrogatório, Komarov indagou a Perepelkin se no dia seguinte após as
negociações o Barão Vilken tivesse exigido não uma Assembléia Constituinte mas
uma ditadura militar, qual seria a posições dos insurretos? Perepelkin deu sua
resposta: "Hoje eu admito com toda a franqueza que nós teríamos adotado
tal medida - nós não tínhamos outra saída!". Vale ressaltar que as
propostas de negociações com o Barão Vilken vieram diretamente de Petrichenko,
que telegrafou a David Grimm (chefe do Centro Nacional e representante oficial
de Wrangel na Finlândia) no dia 13 de março.
Como já analisamos no princípio, a maioria dos amotinados
que formaram uma nova composição social em Kronstadt eram camponeses
provenientes do Sul da Rússia e da Ucrânia, territórios que possuíam uma rica
classe camponesa (kulaks) e eram profundamente afetados pelo anti-semitismo.
Paul Avrich afirma que "embora os rebeldes kronstadinos negassem alguns
preconceitos anti-semitas, não há dúvida que havia sentimentos de ódio contra
os judeus entre os marinheiros, muitos deles vieram da Ucrânia e dos confins
ocidentais, as clássicas regiões de virulento anti-semitismo na Rússia (...) Os
habitantes de Kronstadt mostravam uma forte veia de nacionalismo eslavo, que
não resulta surpreendente em vista de suas origens predominantemente
camponesas, embora se proclamassem internacionalistas, os marinheiros mostraram
pouco interesse pelo movimento revolucionário mundial" (idem).
Entre os nomes mais importantes na rebelião encontrava-se
Vershinin (membro do CRP), um antigo especulador que havia sido transferido
como marinheiro para o encouraçado Sevastopol. Este elemento degenerado fez o
seguinte chamamento aos soldados do Exército Vermelho para jogá-los contra os
bolcheviques e unir-se à causa dos rebeldes: "Basta de 'hurrás', juntem-se
a nós para derrotar os judeus. Vamos acabar com essa maldita dominação que nós,
operários e camponeses, temos que suportar!" (Paul Avrich, idem). Outras
evidências de anti-semitismo apareceram nas memórias de um marinheiro envolvido
na rebelião. Paul Avrich aborda que este referido marinheiro demonstrava asco
pelo governo soviético, o qual, segundo suas próprias palavras, foi "o
principal responsável por ter transformado a Rússia na primeira república
judia"; ele também denomina o ultimato que os bolcheviques enviaram à
fortaleza para que os rebeldes se rendessem imediatamente como "o ultimato
do judeu Trotsky". Mas pior ainda foi a descoberta de uma carta que o
marinheiro Dmitry Urin enviou a seu pai, na província de Kherson, no dia 5 de
março de 1921, o conteúdo deste bilhete é um tiro de misericórdia na nuca dos
falsificadores que tentam colocar uma auréola sobre a cabeça dos rebeldes:
"Nós rejeitamos completamente a comuna, nesse momento não temos mais
comuna alguma, agora só temos poder soviético. Fizemos uma resolução em
Kronstadt para enviar todos os judeus à Palestina, para que não haja mais na
Rússia tal escória, todos os marinheiros gritaram: 'FORA JUDEUS!'"
(Krondshtadskaia tragediia 1921 goda. Dokumenti v dvuch knigach., Moskva,
ROSSPEN, 1999, vol. 01, doc. 58, pág. 119).
Afinal, deveria o governo bolchevique dar de mão beijada uma
base naval fortemente armada, de primeira classe, a esses elementos atrasados e
desmoralizados? Os anarquistas ainda têm a cara-de-pau de afirmar que os
elementos supracitados não representavam o conjunto geral dos rebeldes
kronstadinos, mas grande parte dos que foram citados representou posições de
destaque no CRP, e alguns são mencionados inclusive por autores anarquistas que
vangloriam o motim - como Alexandre Berkman, por exemplo, que no seu livro
sobre a rebelião de Kronstadt destaca Vershinin como um dos mais importantes
membros do CRP e coloca-o no rol dos "trabalhadores de conhecida história
revolucionária" (sic).
Esses sentimentos anti-semitas refletiam o caráter
reacionário da rebelião. Não foi à toa que o governo bolchevique emitiu um
comunicado no dia 2 de março de 1921 afirmando que os rebeldes estavam
aprovando "resoluções que refletiam o espírito das Centúrias Negras".
O social-revolucionário Lamanov, que tomou parte no levantamento, afirmou que o
veneno do anti-semitismo era tão forte que se sentiu no dever de
"bloqueá-lo" através de artigos no órgão oficial dos rebeldes, o
diário "Izvestia de Kronstadt". É exatamente por isso que as
manifestações de anti-semitismo nunca estiveram presentes no periódico da
fortaleza. Por incrível que pareça, esses artigos de Lamanov foram tomados como
"provas definitivas" por Volin para demonstrar as supostas
"intenções revolucionárias" dos rebeldes e sua luta contra os "preconceitos
anti-semitas". Seria cômico se não fosse trágico! O próprio Lamanov
arrepender-se-á mais tarde de ter participado da rebelião, pois, segundo suas
próprias palavras, "a participação dos Guardas Brancos confirmara-se de
fato após a fuga para a Finlândia".
Sobre a declaração fanática dos rebeldes aos sovietes (como
a demonstrada por Dmitry Urin, por exemplo), o general czarista Elvengern
escreveu um extenso relatório em março de 1921 que diz o seguinte: "De um
ponto de vista tático, eles (o Comitê Revolucionário Provisório) declararam-se
partidários fanáticos do poder soviético, e diziam que só se opunham à ditadura
do Partido Comunista com a esperança de que, com tal plataforma, tornar-se-ia
difícil aos comunistas mobilizarem suas defesas e unidades soviéticas para
esmagá-los" (Krondshtadskaia tragediia 1921 goda. Dokumenti v dvuch
knigach., Moskva, ROSSPEN, 1999, vol. 02, doc. 535, pág. 61). No exílio, Ivan
Oreshin também afirmou que: "A questão do sufrágio universal, estendendo o
voto também à burguesia, foi cuidadosamente evitada pelos oradores da
manifestação (do 1º de março). Eles não queriam provocar uma oposição entre os
mesmos insurgentes que os bolcheviques pudessem aproveitar. Não falaram da
Assembléia Constituinte (parlamento burguês), mas se assumiram favoráveis e que
se chegaria a ela gradualmente, via a livre eleição de sovietes" (Ivan
Oreshin, Volia Rossii, abril-maio de 1921; citado por Shetinov, idem).
Devemos admitir que a solidariedade internacional para com a
rebelião era realmente extraordinária, mas não vinha da classe trabalhadora nem
dos movimentos revolucionários, e sim da burguesia reacionária. Para Kerensky,
"a rebelião de Kronstadt anunciava o colapso iminente do bolchevismo"
(Golos Rossi, 13 de março de 1921). O multimilionário Pavel Milyukov (principal
dirigente do partido KDT e ex-ministro das relações exteriores do antigo
Governo Provisório) também entoou loas no exílio aos insurretos e, sobretudo,
ao slogan de "sovietes sem comunistas". No seu periódico
"Poslednia Novosti" ("Últimas Noticias"), ele abordou a
questão da seguinte forma: "Este programa precisa ser manifestado no
seguinte slogan: 'Abaixo os Bolcheviques! Longa Vida aos Sovietes!' (...) No
presente momento, 'Viva os Sovietes!' significa que o poder passará dos
bolcheviques para os socialistas moderados, que irão receber a maioria nos
sovietes (...) É necessário então utilizar a consigna de apartidarismo nos
sovietes para destruir o próprio poder soviético" (Pavel Milyukov,
"Poslednia Novosti", 11-18 de março de 1921). Em uma entrevista com o
correspondente em Paris do "New York Times", Milyukov ainda afirmou
que "os dias do regime de Lênin e Trotsky estavam contados" e pediu
ao governo norte-americano que enviasse alimentos aos rebeldes. É preciso ser
muito cego para não enxergar que a consigna de "sovietes sem
comunistas" satisfazia a burguesia mundial e representava o próprio
derrocamento da República Soviética. Todos tinham a absoluta certeza que uma
vez os bolcheviques fora do poder seria muito fácil o triunfo da
contra-revolução internacional. A consigna de "apartidarismo" foi
demagogicamente explorada pelos principais dirigentes do golpe. Agranov
notificou ao Presidium da Cheka que praticamente "todos os participantes
do motim encobriram cuidadosamente a fisionomia de seus respectivos partidos
sob a bandeira apartidária".
Kronstadt estava ligada diretamente pelo gelo, durante o
inverno podia-se irromper seus portões e escalar suas muralha, porém, após o
degelo, a fortaleza tornar-se-ia inexpugnável e serviria como uma ponte para os
imperialistas ocupar Petrogrado. No Memorando da Universidade de Columbia há
notas informando sobre a importância do degelo, pois só assim a fortaleza
ficaria imune aos ataques soviéticos a partir do continente; sendo assim, as
forças do general Wrangel já estariam abastecidas e prontas para o ataque. O
governo bolchevique tinha plena consciência do perigo que o Estado operário
estava correndo, por isso não tiveram outra alternativa senão atacar a
fortaleza o mais depressa possível. Para os críticos, Lênin e Trotsky deveriam
ter feito o mesmo que o social-revolucionário chinês Mao Tsé-Tung, que permitiu
a Chiang Kai-Chek apoderar-se da Ilha de Formosa (Taiwan) e formar
tranqüilamente um governo contra-revolucionário do Kuomintang naquela região.
Como expõe perfeitamente Leon Trotsky: "Naturalmente, o governo
revolucionário não poderia ?dar de presente? a fortaleza que protegia
Petrogrado aos marinheiros insurretos só porque uns tantos duvidosos
anarquistas e social-revolucionários protegiam um punhado de camponeses
reacionários e soldados amotinados, empenhados numa rebelião". Os
bolcheviques pertenciam a uma outra escola do marxismo-revolucionário, muito
mais avançada diga-se de passagem. Mas isto não quer dizer que o governo soviético
não tenha feito todo um sacrifício (gigantesco, por sinal) para convencer os
rebeldes de seus equívocos. Uma dessas tentativas veio através de um ultimato
(do "judeu Trotsky") para que os amotinados se rendessem
imediatamente, a fim de evitar uma batalha sangrenta e poupar a população
pacífica de mais sofrimentos. Alguns trechos do ultimato diziam o seguinte:
"(...) ordenamos a todos que ergueram suas mãos contra
a pátria socialista a depor suas armas imediatamente. Os recalcitrantes devem
ser desarmados e entregues às autoridades soviéticas. Os comissários detidos e
outros representantes do governo devem ser libertados imediatamente (...)
aqueles que se renderem incondicionalmente poderão contar com a clemência da
República Soviética" ("A Última Advertência", ultimato do
governo bolchevique aos rebeldes de Kronstadt, enviado a 5 de março de 1921).
Os falsificadores ainda tentam imputar a Trotsky uma ordem
insinuando que caso os rebeldes não se rendessem seriam "caçados como
perdizes" (ou como "faisões", dependendo do paladar dos
anarquistas). Na verdade, foi Zinoviev através do Comitê de Defesa de
Petrogrado que emitiu tal mensagem, como aborda Paul Avrich:
"Embora a ameaça de caçar os rebeldes 'como perdizes'
tenha sido atribuída erroneamente a Trotsky, seu verdadeiro perpetrador foi o
Comitê de Defesa de Zinoviev (...) No dia 05 de março, o Comitê de Defesa de
Petrogrado editou um novo panfleto e lançou sobre Kronstadt através de
aeroplanos (...) O panfleto concluía suas palavras com uma advertência
profética: 'no último minuto, os 'Kozlovskys' e 'Petrichenkos' os deixarão
plantados e fugirão para a Finlândia. O que vocês farão então? Se os seguirem,
acreditam realmente que encontrarão alimento na Finlândia? Não ouviram o que
aconteceu com os homens de Wrangel, que estão morrendo como moscas de fome e
doenças? O mesmo destino os aguarda, a menos que se rendam no prazo de 24
horas. Se o fizerem, serão perdoados; mas se resistirem, serão caçados como
perdizes'".
Devemos admitir que o conteúdo do panfleto era de fato
profético, pois tanto Kozlovsky (um ex-general czarista) como Petrichenko (um
kulak nacionalista pequeno-burguês) abandonaram seus "camaradas" à
própria sorte e fugiram no último instante para a Finlândia, onde se uniram às
tropas do Barão Wrangel para lutar por uma "ditadura militar
temporária" na Rússia.
Sem dúvida, Zinoviev era conhecido por seus palavrórios
excessivos e demagogia colossal, entretanto, cabe a pergunta: se os amotinados
estavam ameaçando judeus e comunistas, se os mantinham presos sob a mira de
armas, que direito tinham eles de reclamar das frivolidades de Zinoviev? Além
do mais, foi dado mais um prazo de 24 horas e, apesar do tom áspero de Zinoviev
no último parágrafo, mais uma vez declarava-se a clemência da República
Soviética para com rebeldes, caso se rendessem, evidentemente. Porém, a
intransigência reinava na fortaleza, e outra prova desta inflexibilidade
ocorreu no dia 06 de março. Alexandre Berkman e Emma Goldman (por sinal, os
dois maiores falsificadores deste episódio) enviaram um telegrama ao Soviete de
Petrogrado apresentando uma proposta que dizia:
"Deixem uma Comissão ser selecionada consistindo de
cinco pessoas, incluindo dois anarquistas. A Comissão deve ir para Kronstadt
assentar a disputa por meios pacíficos. Na dada situação, este é o método mais
radical. Será de um significado revolucionário internacional" (Alexandre
Berkman, Emma Goldman, Perkus e Petrovksy, "Ao Soviete do Trabalho e
Defesa de Petrogrado - Coordenador Zinoviev", 05 de março de 1921).
Pois no dia seguinte o Soviete de Petrogrado telegrafou ao
CRP de Kronstadt perguntando aos rebeldes se uma delegação de membros do
soviete, filiados e não-filiados ao Partido Bolchevique, poderiam dirigir-se à
fortaleza para um diálogo pacífico. Qual foi a resposta dos rebeldes? Na sua
intransigente fúria apartidária, afirmaram não confiar no "status
apartidário de vossos representantes partidários" (Paul Avrich, idem).
Isto prova que não faltou boa vontade do governo soviético em dialogar com os rebeldes
e procurar um resultado pacífico da situação. Infelizmente, Alexandre Berkman e
seus companheiros omitem todos estes fatos, induzindo o leitor a acreditar que
os bolcheviques foram inflexíveis ao diálogo, quando, na verdade, foram os
rebeldes que rechaçaram todas as soluções pacíficas vindas do governo. Decerto
que os bolcheviques não podiam esperar o degelo e deixar que os imperialistas
tomassem a fortaleza.
Kronstadt era uma fortaleza altamente fortificada localizada
sobre a Ilha de Kotlin, no Golfo da Finlândia, a 30 quilômetros de Petrogrado.
Foi fundada por Pedro ?O Grande? no séc. XVIII com a intenção de proteger a
nova capital (na época com o nome de "São Petersburgo"). Kronstadt
tinha cerca de 135 canhões e 68 metralhadoras, já os encouraçados Petropavlovsk
e Sevastopol possuíam, cada um deles, uma dúzia de canhões de 12 polegadas e
dezesseis canhões de 129 milímetros. A preocupação principal dos bolcheviques
era que os Brancos tomassem a fortaleza e a utilizasse como uma nova base para
colocar-se de pé em todo o continente, provocando uma nova e sangrenta guerra
civil. Em vista do esgotamento geral do país, o regime soviético poderia ter se
extinguido sem muitas dificuldades, dando lugar ao regime monárquico-fascista
dos Guardas Brancos. No dia 7 de março havia vencido o prazo dado pelo regime
soviético. O primeiro assalto empreendido na noite do dia 07 a 08 de março não
teve êxito, e o resultado foi terrível para os soldados do Exército Vermelho.
Dybenko (um ex-membro da tripulação do Petropavlosk e proeminente bolchevique
na frota durante a revolução) enviou um panfleto a seus "velhos camaradas
marinheiros de Kronstadt", denunciando Petrichenko como um "Poltava
kulak" (cidade ucraniana onde Petlyura havia nascido) e pediu aos rebeldes
para depor as armas. Mais uma vez não houve uma resposta positiva por parte dos
rebeldes.
Segundo o periódico de Kronstadt, a neve nas ruas da cidade
estava começando a desaparecer já no dia 15 de março, portanto, não havia tempo
para cerimônias. No mesmo dia, Mikhail Tukhachevsky (comandante das tropas do
Sétimo Exército) deu a ordem de começar novamente o ataque à fortaleza. Após
uma poderosa preparação da artilharia, as unidades do Exército Vermelho
avançaram sobre o gelo. Cerca de 50.000 homens do Exército Vermelho e das
forças especiais da Cheka, camuflados de branco e cantando a
"Internacional", atacaram a fortaleza em três direções; após uma
batalha espantosa, conseguiram escalar suas muralhas e controlar a guarnição.
Os comunistas que estavam nos encouraçados Petropavlovsk e Sevastopol, unidos
com a parte consciente dos marinheiros, prenderam alguns rebeldes do CRP e
entregaram os encouraçados às tropas Vermelhas que avançavam sobre a fortaleza.
Infelizmente, a maioria dos dirigentes rebeldes não teve um julgamento
merecido, pois no último momento fugiram para a Finlândia do ditador
Mannerheim. Entre eles estavam onze membros do CRP (incluindo Petrichenko) e os
diversos "especialistas militares" (como Kozlovsky e Solovianov).
Em relação ao número de mortos, a manipulação anarquista não
tem limites. Ante Ciliga afirma em seu livro, "No País da Grande
Mentira", que Trotsky fuzilou "mais de dez mil marinheiros". O
velho bolchevique deu a resposta: "duvido muito que a frota inteira do
Báltico tivesse toda essa quantidade naquele momento".[51] Antes de mais
nada é necessário esclarecer que em qualquer guerra sempre haverá vítimas e
feridos; é sempre bom lembrar que os rebeldes rejeitaram os apelos do governo
soviético em se render, portanto, tinham que arcar com todas as conseqüências
que uma guerra produz. Cinicamente, Ante Ciliga faz uma inversão de papéis,
pois a batalha foi sangrenta principalmente para os bolcheviques. Os amotinados
(que detinham o poder de uma fortaleza fortemente armada) dispararam tiros de
canhões e de fuzis do alto da fortaleza, muitos soldados do Exército Vermelho
caíram no mar pelos buracos criados no gelo. Segundo estimativas, perderam-se
cerca de 10.000 soldados do Exército Vermelho na luta contra os golpistas. Por
outro lado, os mortos entre os rebeldes, incluindo os fuzilados depois da
tomada da base, somaram-se 600 (sim, seiscentos!).[52] Dez mil soldados do
Exército Vermelho pereceram durante a batalha, exatamente a cifra que a nossa
"Alice" dá ao número de rebeldes mortos. O título de seu livro,
"No País da Grande Mentira", é realmente um grande jogo de palavras,
só resta saber quem é a Rainha de Copas nesse mundo imaginário criado por
Ciliga: Petrichenko, Kozlovsky ou o Barão Vilken?
Quanto à repressão aos que ficaram na fortaleza, Trotsky
diz: "Até onde recordo, Dzerzhinsky estava pessoalmente encarregado dela e
não podia tolerar a menor interferência em suas funções (apropriadamente). Se
houve vítimas desnecessárias não o sei. A respeito disto confio mais em
Dzerzhinsky do que em seus irrequietos críticos" (idem). Em novembro de
1921, na comemoração do quarto aniversário da Revolução de Outubro, o governo
bolchevique libertou de todo o castigo os trabalhadores inconscientes
arrastados pela rebelião. Em 1922, o Comitê Executivo Central da URSS promulgou
a segunda anistia, que se estendeu a todos que participaram do golpe. Para
aqueles que haviam buscado exílio nos países estrangeiros lhes foram concedido
à possibilidade de regressar à República Soviética. Apenas os principais dirigentes
da rebelião continuaram na emigração, e há provas suficientes de que estes
indivíduos estabeleceram um acordo com o Centro Nacional elaborando planos para
a derrubada do governo soviético.
Em maio de 1921, Petrichenko e vários de seus companheiros
refugiados no acampamento do forte "Ino" decidiram oferecer seus
serviços como voluntários ao general Branco Wrangel. No final do mês,
escreveram uma carta a David Grimm oferecendo suas forças numa nova campanha
anti-bolchevique. Com a vitória na mão, os rebeldes e os Brancos instalariam
uma "ditadura militar temporária" para impedir que o país se
afundasse na anarquia. Petrichenko só exigiu um pequeno pedido a Wrangel: que
num futuro remoto "o povo russo decidisse por si só que classe de governo
desejaria ter".[53] Não é preciso dizer que David Grimm e Wrangel enviaram
de imediato uma resposta favorável aos rebeldes, já que sabiam perfeitamente
que uma vez instalada a "ditadura militar" ela, com certeza, não
seria "temporária". No verão de 1921, Petrichenko colaborou com Grimm
e o Barão Vilken no recrutamento de um grupo de marinheiros refugiados e os
introduziu de contrabando em Petrogrado. Uma vez dentro da cidade, os
marinheiros trabalhariam sob a direção da "Organização de Luta de
Petrogrado", grupo clandestino afiliado ao Centro Nacional e encabeçado
por Tagantsev (ex-professor de geografia da Universidade de Petrogrado), tendo
como ajuda militar as tropas "voluntárias" do Barão Wrangel. O complô
foi descoberto e a Organização de Luta foi imediatamente liquidada pela Cheka.
O ucraniano Stepan Petrichenko era, sem dúvida, um camaleão
político profissional. Principal protagonista da rebelião de Kronstadt e líder
dos rebeldes na emigração, este marinheiro anti-bolchevique já havia sido preso
mais de uma vez antes do golpe por tentar estabelecer contato com as forças
Brancas, entretanto, havia sido rechaçado pelos oficiais sob o pretexto de ter
sido um "ex-comunista". Os sentimentos nacionalistas deste indivíduo
eram tão fortes que seus próprios camaradas puseram-lhe o apelido de
"Petlyura". Petrichenko viveu quase 25 anos na Finlândia após a
supressão da revolta, onde prestou enormes serviços aos Brancos anti-semitas.
Apesar disso, ele mudaria novamente de cor em 1927: trabalhou para Stálin como
agente secreto na Finlândia até 1944, quando foi descoberto e preso pelas
autoridades finlandesas durante a Segunda Guerra Mundial. No ano seguinte, foi
repatriado à Rússia e morreu num gulag em 1947.
Por outro lado, não foram poucos os que compreenderam que a
rebelião abria nitidamente um caminho à contra-revolução. O
social-revolucionário Lamanov, por exemplo, arrependeu-se amargamente de sua
participação e deu o seguinte depoimento:
"Mudei de opinião a respeito do movimento, e já não o
considero mais como espontâneo. Até a tomada de Kronstadt pelas tropas
soviéticas eu pensava que o movimento havia sido organizado por
social-revolucionários de esquerda. Após ter me convencido que o movimento não
era de forma alguma espontâneo deixei de simpatizar com ele. Segui tomando
parte na Izvestia somente devido aos meus temores de que o movimento
precipitasse à direita. Agora estou firmemente convencido, sem sombra de
dúvida, de que os Guardas Brancos, tanto russos como estrangeiros, tomaram
parte no movimento. A fuga para a Finlândia me convenceu disto. Agora considero
que minha participação no movimento foi um erro estúpido e imperdoável"
(Anatoly Lamanov, 19 de março de 1921. Kronshtadtskaia tragediia).
O mais irônico é que para defender a suposta
"espontaneidade" do levantamento, o anarco-falsificador Israël
Getzler faz uma breve citação desta declaração de Lamanov tomando apenas alguns
parágrafos: "O motim de Kronstadt me pegou de surpresa. Considerei de
imediato um movimento espontâneo" (idem). O pior é que Getzler não se
restringe apenas ao interrogatório de Lamanov, mas a muitos outros documentos
dos Arquivos Soviéticos que são citados apenas em partes. Devemos admitir que
esses senhores aprenderam muito bem com o stalinismo como falsificar a
história!
Victor Serge, um anarquista convicto na época, repudiou o
assalto à fortaleza, mas reconheceu que o levantamento não caminhava em direção
a um sentido revolucionário: "A contra-revolução popular transformou a
reivindicação de sovietes livres pela de 'sovietes sem comunistas'. Se a
ditadura bolchevique caísse, seria apenas um passo muito curto em direção ao
caos e, através do caos, à insurreição camponesa geral, ao massacre dos
comunistas, ao retorno dos emigrantes com suas políticas estéreis e antiquadas,
e, no final, pela força incontrolável dos acontecimentos, à outra ditadura,
desta vez anti-proletária" (Victor Serge, "Memórias de um
Revolucionário", 1901-1941). A decisão em atacar a fortaleza foi adotada
por unanimidade por meio de uma votação no Décimo Congresso do Partido
Bolchevique, onde até a Oposição Operária (Shlyapnikov, Lutovinov, Alexandra
Kollontai, Medvedev) e os Decemistas (centralistas democráticos), que possuíam
críticas semelhantes aos dos anarquistas e faziam exigências
anarco-sindicalistas, apoiaram a decisão de sufocar o motim e ainda por cima
apresentaram-se como voluntários, enviando uma seção ao Sétimo Exército para
lutar contra os rebeldes. A maioria da fração dos "anarco-soviéticos"
(entre eles Roshchin e Shatov) apoiou totalmente o assalto à fortaleza. O
anarquista Efim Yarchuk (que outrora havia pertencido a Kronstadt e, no momento
da rebelião, encontrava-se em Moscou) chegou a escrever um livro sobre a
atuação dos anarquistas na fortaleza durante o período revolucionário onde
sequer dedica páginas ao golpe e aos rebeldes. No exterior, o Partido Comunista
Operário Alemão, o KAPD (espartaquista), que também criticava certas medidas
adotadas pelos bolcheviques, apoiou totalmente a ação militar do governo
soviético contra os golpistas. O mais irônico é que certos anarquistas de hoje
que reivindicam o legado do KAPD (como é o caso da Federação Anarquista da
Grã-Bretanha) continuam a defender com unhas e dentes a rebelião de Kronstadt e
sua tentativa de golpe militar. Algumas recalcitrantes realmente nunca aprendem
com a história!
A rebelião de Kronstadt foi um movimento pequeno-burguês de
natureza objetivamente contra-revolucionária, nada mais do que isso. Em relação
às reivindicações, é necessário dizer que a requisição dos excedentes agrícolas
havia sido necessária para manter o exército de pé e abastecer as cidades
durante a guerra civil. Os bolcheviques (e, sobretudo, Trotsky) já haviam
discutido a possibilidade de mudar a lei sobre as requisições acompanhada por
um imposto em espécie, o que resultou na NEP. Uma rebelião como a de Kronstadt,
num momento crítico da revolução e numa área estrategicamente importante, só
poderia levar às piores conseqüências, conduzindo a República Soviética ao
inevitável derrocamento. Por outra parte, a ideologia dominante entre os
rebeldes era explicitamente reacionária, com nítidas manifestações de
anti-semitismo e nacionalismo eslavo. Não foi à toa que o Guarda Branco do
final do séc. XX, Boris Yeltsin, reabilitou esses degenerados em 1994, afinal
de contas, seus anseios contra-revolucionários haviam sido finalmente
atingidos. Basta mencionar também que um dos primeiros atos dos rebeldes
kronstadinos foi o enviar um radiograma congratulando a posse do conservador
republicano Warren G. Harring como presidente dos Estados Unidos (!!!).[54] Mas
quem pensa que a simpatia da burguesia reacionária pela rebelião se extinguiu
engana-se completamente. No site "Mídia Sem Máscara", organizado pelo
astrólogo e dublê de filosofo Olavo de Carvalho, podemos observar um texto depreciativo
contra Trotsky abordando o seu suposto papel "autoritário" no
episódio:
"Trotsky foi o general-chefe que conduziu a repressão
contra os marinheiros, os operários e os camponeses da ilha de Kronstadt,
revoltados contra a 'autocracia bolchevique', em março de 1921. Depois de
violentos combates, os rebeldes foram esmagados na manhã de 18 de março,
exatamente 50 anos depois da proclamação da Comuna de Paris. Cerca de mil
prisioneiros e feridos foram fuzilados no local (sic), 2.103 outros foram condenados
à morte (sic), 6.459 foram levados às prisões e campos de concentração (dos
quais apenas 1.500 ainda estavam vivos um ano depois) (sic)".[55]
A falsificação numérica muito mal-intencionada carece de
comentários, mas em relação à participação direta de Trotsky no ataque à
fortaleza, é necessário dizer que ele sequer tomou parte nas operações
militares. Trotsky estava em Moscou exercendo seu trabalho político, as
negociações com os marinheiros ficou inteiramente a cargo do Comitê de Defesa
de Petrogrado, já que Zinoviev havia levado uma campanha demagógica contra
Trotsky no debate sobre a questão sindical:
"A esmagadora maioria dos marinheiros que apoiaram a
resolução de Zinoviev tomaram parte na rebelião. Considerei, e o Bureau
Político não teve objeções, que as negociações com os marinheiros, e no caso de
necessidade, sua pacificação, deveriam estar nas mãos dos dirigentes que até
ontem tinham a confiança política destes marinheiros. De outro modo, a
população de Kronstadt assumiria o assunto como se eu tivesse tomado 'vingança'
sobre eles por ter votado contra mim durante a discussão do partido"
(Trotsky, "Algo Mais Sobre a Repressão de Kronstadt").
Já as operações de ofensiva contra Kronstadt foram lideradas
pessoalmente pelo notável oficial Mikhail Tukhachevsky, comandante do Sétimo
Exército em Petrogrado. Apesar disso, Trotsky assumiu total responsabilidade
pelo resultado final dos eventos, diferentemente dos covardes makhnovistas que
assassinaram dezenas de legítimos comunistas, trabalhadores e judeus, e negaram
cinicamente sua responsabilidade.
ANARCO-BOLCHEVISMO: O AVANÇO DO ANARQUISMO
Há quem insista no caráter sectário dos bolcheviques contra
os opositores de "esquerda" durante os primeiros anos da revolução.
Por mais que teimam, os críticos demagogos não podem negar o fato de que os
bolcheviques foram demasiadamente tolerantes no tratamento aos partidos
políticos não-bolcheviques durante os primeiros anos do governo. Os periódicos
dos social-revolucionários, mencheviques e anarquistas tiveram plena liberdade
de divulgação até agosto de 1918, mesmo tecendo críticas ao regime soviético e
advogando por seu declínio. Evidentemente que para tudo há um limite, e nos
dias trágicos em que sucedeu o assassinato de Volodarsky e Uritsky, bem como a tentativa
de homicídio contra Lênin, a "brandura" e a paciência da revolução
transformou-se em tolerância zero (acertadamente!).
Embora tenham tomado o poder sozinho em outubro de 1917, os
bolcheviques demonstraram boa vontade em cooperar com outros partidos
soviéticos, e com eles entraram em negociações. Os primeiros anos da revolução
foi uma coalizão entre bolcheviques e social-revolucionários (representantes do
campesinato no governo). Foram estes últimos, e não os bolcheviques, que
romperam a coalizão após o Tratado de Brest-Litovsk, partindo de mala e cuia
para o terrorismo e a reação Branca. Outros, porém, continuaram fiéis à
revolução, os militantes esseristas mais valorosos e abnegados lutaram lado a
lado com os bolcheviques contra toda a tentativa de golpe. O caso mais
conhecido - não sendo, portanto, uma exceção - foi o de Yakov Blumkin,
social-revolucionário de esquerda e um dos mais destacados membros da Cheka.
Blumkin foi responsável por ter assassinado o embaixador alemão Conde Von
Mirbach durante as negociações de Brest-Litovsk, agindo de acordo com as
diretrizes de seu partido, na qual desejava provocar uma guerra entre Alemanha
e Rússia. Mais tarde Blumkin se arrependeria deste ato imprudente e seria
perdoado pelo regime soviético, retornando às suas funções na Comissão
Extraordinária com a total aprovação de Dzerzhinsky. Blumkin destacou-se
maravilhosamente na guerra civil, tornando-se um bolchevique responsável e
capaz. Na década de 1920, denotou profundas simpatias pela única fração que representava
a chama viva de outubro: a oposição trotskista. Quando Trotsky esteve exilado
na Ilha de Prinkipo, Blumkin o visitou secretamente e voltou a Moscou com uma
mensagem sua para a oposição, entretanto, antes de conseguir entregar a
mensagem, foi preso e fuzilado pelo regime stalinista. Morreu gritando em alto
e bom som: "LONGA VIDA A TROTSKY!". Blumkin foi um genuíno
revolucionário, um chekista de primeira linha que jamais será esquecido pela
história.[56]
Outro social-revolucionário intimamente ligado aos
bolcheviques foi Mark Andreyevitch Natanson (Brobov), antigo dirigente
populista e organizador do "Círculo Tchaikovsky". Exilado na
província de Arkhangel, organizou em 1876 a "Sociedade dos Populistas do
Norte" (uma seção dos narodniks), de cunho totalmente conspirativo. No
verão do mesmo ano organizou e dirigiu um outro grupo que realizou a fuga de
Kropotkin da prisão. Natanson foi um dos fundadores do "Zemlia i
Volia" ("Terra e Liberdade"), tornando-se depois líder da "Narodnaia
Volia" ("Vontade do Povo"), após a cisão. Preso em 1881, cuja
implicação ligava-o diretamente ao assassinato do Czar Alexandre II, foi
condenado a 10 anos de exílio na Sibéria. Em 1891, organizou com Viktor Chernov
o partido "Narodnie Pravo" ("Os Direitos do Povo"), sendo
preso em 1894. Natanson foi um dos fundadores do Partido Social-Revolucionário,
membro de seu Comitê Central e chefe de sua ala esquerda desde 1905. Durante a
Primeira Guerra Mundial, comportou-se como um legítimo internacionalista
(diferentemente da maioria dos social-revolucionários). Natanson comandou os
social-revolucionários de esquerda após a cisão de 1917, concedendo total apoio
à aliança com os bolcheviques. Em oposição à política anti-bolchevique de seus
companheiros após o tratado de Brest-Litovsk, Natanson encabeçou um grupo
conhecido como "comunistas-revolucionários", apresentando-o como
alternativa aos social-revolucionários de esquerda. Natanson foi totalmente
contrário à criação de uma Assembléia Constituinte, apoiando a decisão de
dispersá-la.
Mas não foram apenas militantes social-revolucionários de
base que aderiram aos bolcheviques e lutaram do seu lado contra a reação. O
mesmo ocorreu com os anarquistas, aos quais Lênin e Trotsky chegaram a estudar
a possibilidade de brindá-los com uma área geográfica, com o consentimento da
população local, para que assim pudessem pôr em prática suas experiências de
uma ordem social sem Estado. Infelizmente, o estouro da guerra civil e as ações
daninhas de Makhno impediram de levar adiante esta proposta.
Não foram poucos os anarquistas que apoiaram os bolcheviques
e a ditadura do proletariado. Lênin chegou a tecer elogios à postura
revolucionária desses notáveis militantes classificando-os como "os mais
dedicados apoiadores do poder soviético", segundo suas próprias palavras:
"Numerosos operários anarquistas passam agora a ser os
mais sinceros partidários do poder dos sovietes e, portanto, nos dão a prova de
serem nossos melhores camaradas e amigos, os melhores revolucionários, que não
eram inimigos do marxismo senão como conseqüência de um mal entendido... ou
melhor dizendo, não como conseqüência de um mal entendido, mas da traição do
socialismo oficial da Segunda Internacional ao marxismo, de sua queda no
oportunismo e de sua falsificação da doutrina de Marx em geral e das lições da
Comuna de Paris de 1871 em particular" (Lênin, Obras Completas, tomo XXIX,
pág 567; Sochineniia, 2nd ed., 31 vols., Moscou, 1931-1935, XXIV, 437).
De fato, havia uma enorme diferença de princípios e métodos
entre os diversos grupos de tendência anarquista, alguns bastante
condescendentes e solidários, outros extremamente conservadores e sectários.
Muitos militantes das fileiras anarquistas, os mais capazes e honestos,
participaram nos sovietes em conjunto com os bolcheviques e decidiram que
poderiam servir à causa da revolução entrando para as fileiras do partido:
"Numerosos militantes anarquistas são atraídos
fortemente pelo bolchevismo no início da revolução: o russo americano
Krasnotchekov e o franco russo Kibálchich, aliás, Victor Serge, unem-se ao
Partido Bolchevique; outros, sem chegar a filiar-se, colaboram assiduamente.
Este é o caso do ex-presidiário Sandomirsky e de seu companheiro Novomirsky, do
anarco sindicalista Schapiro e, sobretudo, do antigo líder do sindicato
revolucionário americano IWW (Industrial Workers of the World), o russo
americano Bill Shatov, que será um dos fundadores da República Soviética do
Extremo Oriente e do Exército Vermelho. O próprio Alexander Gay participará na
guerra civil no bando Vermelho, sendo fuzilado pelos Brancos em 1919"
(Pierre Broué, idem).
Bill Shatov foi um dos mais notórios anarco-sindicalistas
apoiadores do regime soviético, colaborou ativamente com os bolcheviques
durante a Guerra Civil Russa e criticou o "anti-bolchevismo" de seus
companheiros mais próximos. A história deste intrépido militante revolucionário
é fascinante: quando jovem, Vladimir ("Bill") Shatov havia emigrado
para os EUA onde representou o papel de agitador do IWW, entretanto, voltou a
Petrogrado assim que estourou a Revolução de Fevereiro, participando ativamente
do movimento operário. Em outubro de 1917, foi eleito membro do Comitê Militar
Revolucionário do Soviete de Petrogrado, presidido por Trotsky, e, juntamente
com outros militantes bolcheviques, organizou a insurreição contra o governo de
Kerensky, visando à tomada do Palácio de Inverno. Durante a guerra civil foi
nomeado oficial do Décimo Exército Vermelho no outono de 1919, defendendo
Petrogrado contra o avanço do general Yudenich. Em virtude de seus trabalhos
militares foi condecorado com a Ordem da Bandeira Vermelha. No ano seguinte, em
1920, tornou-se Ministro dos Transportes da República Soviética no
Extremo-Oriente da Rússia. Este grande herói da Revolução de Outubro e da
guerra civil foi fuzilado sem julgamento pelo stalinismo, e não por Lênin e
Trotsky.
Shatov deixava bem claro a Emma Goldman sua posição frente à
Revolução de Outubro: "Eu apenas quero dizer a você que o Estado comunista
em ação é exatamente aquilo que nós anarquistas havíamos sempre proclamado que
se tornaria: um poder altamente centralizado, ainda mais rígido pelos perigos
que corre a revolução. Em tais condições, não se pode fazer o que se bem
entende. Não se pode simplesmente pular sobre um trem e viajar clandestinamente,
ou talvez montar em pára-choques, como eu fazia nos Estados Unidos. Tem que ter
permissão. Mas não pense que eu perdi minhas ?maldições? americanas.
Entretanto, estou pela Rússia, pela revolução e por seu glorioso futuro".
E Emma Goldman continua: "A experiência russa havia ensinado a ele
(Shatov) que nós, anarquistas, 'éramos os românticos da revolução, totalmente
esquecidos dos sacrifícios impostos, do preço assustador que os inimigos
impunham e todos os métodos diabólicos que eles recorriam para destruir os
ganhos obtidos pelo proletariado. O ser humano não pode lutar sob lógicas e
justiças idealistas. Os contra-revolucionários combinaram isolar e subjugar a
Rússia pela forme, e o bloqueio estava levando uma assustadora porcentagem de
vidas humanas. A intervenção e a destruição imperialista seguia seus rastros,
os numerosos ataques Brancos custaram oceanos de sangue; as hordas dos chefes
militares Brancos - Denikin, Kolchak, Yudenich -, seus pogroms, vingança
bestial, e a destruição geral impuseram à revolução uma guerra que seus mais
sagazes intérpretes jamais haviam sonhado'" (citado por Paul Avrich,
"Os Anarquistas na Revolução Russa", 1973).
A tentativa de entrar em concordância com a revolução
deixando de lado a atitude hostil para com a ditadura do proletariado teve uma
certa expressão entre o grupo conhecido como "anarco-universalistas".
Entre eles encontrava-se um anarquista chamado Gordin (inspirador do Movimento
Anarquista Pan-Russo e organizador da Federação Anarquista de Moscou), que
sustentou na ocasião que "o período transitório é inconcebível sem uma
ditadura. Se a violência desorganizada pode ser utilizada contra burgueses
individuais, por que então a violência organizada não pode ser utilizada contra
eles como uma classe? Sem uma ditadura durante o período de transição não
poderá haver nenhuma transição à anarquia e à liberdade".[57] Os
anarco-universalistas chegaram a organizar legalmente um Clube onde reuniam-se
diversos militantes políticos, hostis e não-hostis aos bolcheviques, com plena
liberdade de discussão e reunião. Desgraçadamente, quando a rebelião de
Kronstadt estourou, a fração mais hostil aos bolcheviques apoiaram-na
freneticamente conclamando em seus folhetos uma insurreição contra o governo
soviético. Como conseqüência muitos deles foram encarcerados e o Clube deixou
de existir já no ano de 1921.
O Clube dos Universalistas era composto por diversas
facções, entre eles, social-revolucionários de esquerda, anarquistas de
diversos matizes políticos, maximalistas e individualistas. Alguns defendiam o
regime comunista como um estágio inevitável para o "período
transitório" enquanto que outros (ou seja, os elementos mais extremados e
sectários) condenavam veementemente os bolcheviques. Segundo Alexandre Berkman,
os defensores argumentavam que "a ditadura era necessária para assegurar o
completo triunfo da revolução; os bolcheviques haviam sido compelidos a
recorrer aos confiscos e requisições dos excedentes da produção agrícola porque
os camponeses se recusavam a apoiar o Exército Vermelho e os operários. Para
eles, a Cheka era, portanto, necessária para suprimir a especulação e a
contra-revolução" (Alexandre Berkman, "O Mito Bolchevique"). Em
suas memórias, Berkman fala ainda da Conferência Anarquista no Clube dos
Universalistas, citando a oratória do renomado anarco-bolchevique Yuda
Grossman-Roshchin: "Os Universalistas, uma nova e diferente corrente
russa, tomou uma posição de Centro, não concordando inteiramente com os
bolcheviques como os anarquistas do moderado grupo 'Golos Truda', mas menos
antagonista do que a ala extrema. O mais interessante discurso foi improvisado
por Yuda Roshchin, um popular conferencista acadêmico e velho anarquista. Com
sarcástica ironia, ele castigou a esquerda e o centro por suas atitudes indiferentes
e hostis para com os bolcheviques. Ele elogiou o papel revolucionário do
Partido Comunista e chamou Lênin de 'o maior homem do século'. Ele discorreu
longamente sobre a missão histórica dos bolcheviques, e defendeu que eles
estavam conduzindo a revolução em direção à sociedade anarquista, que
garantiria a plena liberdade individual e o bem-estar social. 'É o dever de
todo anarquista trabalhar sincera e cordialmente com os comunistas, que são a
guarda avançada da revolução', ele declarou. 'Deixem suas teorias de lado e
façamos o trabalho prático para a reconstrução da Rússia. A necessidade é
grande, e os bolcheviques os acolherão de braços abertos'" (idem). Yuda
Roshchin outrora havia pertencido ao grupo anarco-terrorista "Chernoye
Znamya" ("Bandeira Negra") e era completamente hostil aos
bolcheviques, porém, este notável anarquista progrediu consideravelmente
durante a guerra civil. De acordo com Victor Serge, seguindo uma linha política
baseada na realidade, Roshchin tentou encontrar um "sinal de convergência
entre a teoria anarquista e a ditadura do proletariado" elaborando assim
uma doutrina da "ditadura libertária do proletariado".
Internacionalmente a coisa não era diferente, o anarquista
alemão Erich Mühsam da fortaleza de Augsbach expressou um ponto de vista
próximo aos bolcheviques: "As teses teóricas e práticas de Lênin sobre a
realização da revolução e as tarefas comunistas do proletariado têm dado uma
nova base à nossa ação (...) Já não existem obstáculos insuperáveis para uma
unificação da totalidade do proletariado revolucionário" (Erich Mühsam,
Bull. Com., 22 de julho de 1920). Mas pode-se dizer que o anarquista britânico
Guy Aldred foi um dos maiores responsáveis por apoiar os bolcheviques com
extremo vigor fora da Rússia. Em 1920, Aldred escreveu sobre a necessidade de
um período de transição durante a qual os trabalhadores deveriam proteger a
revolução e organizar o esmagamento da contra-revolução: "Toda a ação da
classe trabalhadora durante esse período precisa ser organizado através da ditadura",
dizia ele. Enquanto a maioria dos anarquistas rejeitava a ditadura do
proletariado e defendia sua total abolição, Aldred respondia: "A classe
trabalhadora não poderá alcançar sua emancipação sem o estabelecimento da
ditadura do proletariado (...) Esses anarquistas que se opõem à ditadura do
proletariado como um meio de transição, prestam perigosamente um grande serviço
à causa dos reacionários, embora seus motivos sejam ainda maiores. Como creio
na classe trabalhadora, não compartilho dessa obsessão pela liberdade abstrata
em detrimento da liberdade social real" (órgão "The Spur",
junho-setembro de 1920; citado em "Anti-Parliamentary Communism - The
movement for workers councils in Britain, 1917-45").
Guy Aldred repudiou as críticas de Emma Goldman ao regime
soviético em seu órgão "The Commune", escrevendo que "seus
julgamentos sobre os bolcheviques eram semelhantes às da propaganda
Branca". Entre outras coisas, Aldred a chamava de "fura-greve
revolucionária" e "ex-anarquista", de acordo com ele: "Goldman
deveria ser boicotada e condenada por todos os trabalhadores por sua infame
associação. Ela é uma traidora da luta dos trabalhadores e deveria ser
'chutada' com entusiasmo de todas as assembléias proletárias!".[58] As
páginas do "Spur" também traziam freqüentes críticas a Makhno,
sobretudo no momento em que este se recusou a atender ao pedido dos
bolcheviques em deslocar suas forças ao front polonês, onde a República
Soviética estava sendo golpeada com severidade pelo ditador Pilsudsky. O artigo
é de autoria de Robert Minor e foi publicado originalmente no periódico
norte-americano "The Liberator" em novembro de 1920: "Se a
história for verdade, isso significa que o Exército Vermelho soviético foi
derrotado na Polônia enquanto 75.000 homens vagabundeavam no Sul. Makhno
poderia tê-los ajudado!". Com sua afiada ironia, Aldred satirizou a
posição de Makhno afirmando: "Makhno prova seu heroísmo revolucionário
servindo como um general dos Guardas Brancos poloneses, um testa-de-ferro da
reação francesa!" (Aldred, "The Commune", junho de 1920).
Como militante de longa data, Guy Aldred foi membro da
Federação Social-Democrata, abandonando-a logo depois e ingressando na
Federação Comunista Anti-Parlamentar (APCF). Fundador da "Bakunin
Press" em Londres, e autor de diversos panfletos anarco-comunistas, Aldred
organizou o conhecido "Grupo Anarquista de Glasgow". Enquanto o
anarco-chauvinista Kropotkin apoiava os Aliados e o Governo Provisório de
Kerensky na sangrenta guerra imperialista, Aldred conduziu uma campanha
antiguerra na Grã-Bretanha, chegando inclusive a ir à corte marcial e preso por
ter se recusado a servir nas forças armadas. Aldred rompeu com a CNT quando o
sindicato espanhol abraçou a frente popular, empreendeu uma dura luta não só
contra o sindicato espanhol, mas também contra aqueles que, sob o manto do
anarquismo, defendeu sua política nefanda no estrangeiro. Assim, Emma Goldman
não haveria de ser deixada em paz:
"Sua liderança estrangeira regozija-se na idéia de
poder. Emma Goldman falou ao 'Manchester Guardian' como representante dos
governos de Barcelona e Valência e defende a posição de Montseny. A direção da
CNT não pode ser defendida de jeito algum, pois eles traíram o anarquismo (...)
Quando Emma Goldman veio para a Inglaterra, ela teve a incumbência de destruir
o movimento anti-parlamentar daqui e estabelecer um controle ditado pelo bureau
anarquista, defendido pelos capitalistas e todos os bureaus stalinistas
defensores de assassinos. Mas isto não é anarquismo, assim como stalinismo não é
comunismo ou socialismo" (Guy Aldred, New International, vol.4, nº 3,
março de 1938, pp.80-82).
Segundo Aldred, Emma Goldman queria simplesmente explorar a
Guerra Civil Espanhola a fim de "recuperar a posição que havia perdido
através de seu carreirismo pequeno-burguês" (carta de Guy Aldred para
Andre Prudhommeaux, 15 de outubro de 1936, Aldred Collection). Para ele,
"o slogan do governo oficial na Espanha é 'a república democrática'. Isto
significa exploração, mesmo que seja uma forma de opressão menor que a de
Franco. Assim, este slogan não expressa as aspirações das massas espanholas na
guerra civil. Eles querem, não o capitalismo democrático, mas nenhuma forma de
capitalismo; eles querem fazer a revolução dos trabalhadores e estabelecer o
coletivismo dos trabalhadores" (Aldred, "News From Spain", 1º de
maio de 1937). Mesmo com suas posições anti-parlamentaristas, Aldred advogou
(na época de Lênin e Trotsky) pela criação de uma organização anarco-comunista
na Inglaterra que deveria filiar-se à Terceira Internacional. Aldred criticou a
postura de certos stalinistas ingleses, como Gallacher, que antes citavam Lênin
e Trotsky e, após a morte de Lênin, passaram a ter uma atitude hostil para com
Trotsky, esquecendo cinicamente seu heróico passado revolucionário. Também não
poupou críticas aos anarquistas ingleses em plena década de 20:
"Na Inglaterra, o anarquismo se degenerou em reformismo
industrial e trade-unionismo (...) Os anarco-comunistas ingleses gastam mais
tempo odiando Marx e admirando Bakunin do que pregando o atual socialismo ou
tentando organizar a classe trabalhadora" (Guy Aldred, Workers' Liberty,
Sixty Years of Defiant Struggle).
Em 1933, Guy Aldred deixou o APCF e criou o Movimento
Socialista Unido (USM), apelando para a unidade revolucionária ele se expressou
da seguinte forma: "Eu apelo aos meus camaradas do APCF, à Liga Comunista
de Oposição e ao Partido Trabalhista Independente para juntos formarmos hoje a
Quarta Internacional. Trotsky está certo: nós precisamos ter um proletariado
unido!" (idem). Quando Trotsky foi expulso da Rússia pelo stalinismo
bonapartista, tendo sido forçado a mover-se de país a país até chegar ao
México, Guy Aldred prestou todo o seu apoio e solidariedade ao velho dirigente
bolchevique, dizendo que "ele tinha todo o direito de engajar-se em
qualquer agitação política onde quer que fosse, e tinha todo o direito de
retornar à Rússia pela virtude de seu heróico papel na revolução" (Guy
Aldred, "Spur", Agosto de 1920).
Apesar das diferenças que Guy Aldred tinha com Trotsky em
relação ao caráter do Estado operário soviético, ele e alguns de seus
companheiros ajudaram a distribuir o órgão trotskista norte-americano "The
Militant" na Inglaterra, sem ligar para o que diziam os anarquistas
sectários e ultra-esquerdistas. Infelizmente, devido à proporção que tomou os
mitos em torno de Makhno e Kronstadt na década de 30, Aldred voltou atrás em
relação às suas posições anteriores, abraçando de corpo e alma os mitos criados
pela escola de falsificação anarquista. Mas nem por isso deixou de
solidarizar-se com Trotsky e a criticar seus próprios companheiros anarquistas
por sua conduta sectária. Se Aldred estivesse vivo nos dias de hoje, teria
visto com seus próprios olhos a afluência de materiais encontrados que
confirmam as posições de Lênin e Trotsky, e não há dúvidas que teria dado razão
a ambos.
Por fim, nestes noventa anos da Revolução Russa é preciso
trazer à memória um dos mais importantes heróis da guerra civil, um legítimo
marinheiro de Kronstadt que lutou bravamente pela defesa do Estado operário e
morreu no front de Odessa como um verdadeiro mártir, o anarquista Anatoly
Grigorievitch Zhelezniakov.
Apelidado de "procelária" (um tipo de ave marinha
que, em bandos, prenunciam tempestade), Zhelezniakov havia trabalhado num navio
mineiro na base naval de Kronstadt durante o regime czarista. Foi sentenciado a
quatorze anos de prisão pelo governo "democrático" de Kerensky por
defender seus camaradas que haviam tomado a Vila de Dunorvo e a transformaram
num local para leituras, discussões e lazer. Este intrépido marinheiro teve a
incrível façanha de conseguir escapar da "prisão republicana" e, em
25 de outubro de 1917, ser eleito delegado pelo Segundo Congresso dos Sovietes
pela tripulação do navio mineiro. Como internacionalista, organizou uma
manifestação de marinheiros de Kronstadt na Embaixada norte-americana para
protestar contra a sentença imposta a Tom Mooney em São Francisco. Em outubro
de 1917, cooperou ativamente com os bolcheviques em todo o processo
revolucionário pela derrubada do Governo Provisório, participando no ataque ao
Palácio de Inverno e comandando um contingente de marinheiros que expulsou
definitivamente Kerensky do poder. Sob as ordens dos bolcheviques, Zhelezniakov
liderou um destacamento da Guarda Vermelha para dispersar a Assembléia
Constituinte que havia sido organizada pelos social-revolucionários de direita.
Durante a guerra civil, comandou um trem blindado no interior do Exército
Vermelho e lutou contra os generais Brancos (entre os quais estavam Denikin e
Krasnov) e contra os cossacos do Don do Ataman Kaledin. Diferentemente de
Makhno, Zhelezniakov comandou um regimento no Exército Vermelho e jamais
utilizou seus destacamentos para atacar militarmente as unidades bolcheviques,
nem mesmo quando esteve temporariamente ausente de suas fileiras por discordar
da inclusão dos especialistas militares (por sinal, uma opinião conservadora e
preconceituosa compartilhada até mesmo por Stálin e Voroshilov, aos quais
seriam eles próprios os traidores da chama revolucionária de Outubro). Neste
período, Zhelezniakov comandou uma milícia operária de Guardas Vermelhos contra
o Exército Branco, empreendendo táticas de guerrilha. Percebendo as limitações
dessas pequenas forças militares, e compreendendo que os ex-oficias czaristas
estavam sob o estrito controle operário, Zhelezniakov retornou ao exército
regular com todo o gás de um jovem revolucionário de 24 anos de idade. No ano
de 1919 retomou o comando no trem blindado, tendo sido designado para liderar a
campanha militar contra os Brancos em Odessa. Na região, lutou ainda contra a
rebelião do Ataman Grigoriev, a qual Makhno havia aderido por questões táticas
e oportunistas. Zhelezniakov foi morto em 26 de julho de 1919 perto da cidade
de Ekaterinoslav pelos Guardas Brancos de Denikin, cuja campanha havia
oferecido uma recompensa de 400.000 rublos por sua cabeça. Os bolcheviques
organizaram para ele um funeral digno e construíram uma estátua em sua
homenagem na fortaleza de Kronstadt. Na época, muitos artistas dedicaram-lhe
poemas e canções, abordando suas incríveis façanhas contra o Exército Branco.
Hoje em dia, Zhelezniakov praticamente caiu no esquecimento, não vemos os
anarquistas reivindicarem seu legado senão por mais meia dúzia de calúnias e
falsificações. É profundamente lamentável como os grandes mártires
(Zhelezniakov, Bill Shatov e Yuda Roshchin) são caluniados ou esquecidos pela
historia cedendo lugar aos bandidos da contra-revolução. Está claro que a UNIPA
e a maioria dos anarquistas de hoje não se identificam com os anarquistas que
lutaram para defender a Revolução Russa, mas com aqueles que lutaram contra
ela, exercendo um papel reacionário.[59]
A GUERRA CIVIL ESPANHOLA:
ÀS BARRICADAS, ÀS BARRICADAS, PELO
TRIUNFO DA CONTRA-REVOLUÇÃO!
A experiência revolucionária das massas trabalhadoras
espanholas em 1936-37 foi tão magnífica quanto a experiência da Revolução
Russa, entretanto, foi completamente abortada pela burguesia republicana e os
desprezíveis stalinistas, com a ajuda inestimável dos anarco-sindicalistas da
Confederação Nacional do Trabalho (CNT). Só em 1936 a CNT possuía um milhão de
membros e era a tendência que tinha mais apoio entre a classe trabalhadora. A
revolução espanhola fracassou, não por culpa das massas que lutaram com uma
coragem inaudita e com auto-sacrifício imenso, mas por culpa dos dirigentes
pelegos, traidores do povo. Os anarco-stalinistas da CNT entraram
descaradamente para a equipe ministerial burguesa e cumpriram todas as
exigências da burguesia reformista e do stalinismo. De um lado estava o governo
da frente popular, comprometido com a defesa da propriedade privada e da ordem
social capitalista; do outro, as massas trabalhadoras que desejavam livrar-se
do jugo capitalista e construir seu próprio governo e exercer sua ditadura. O
que se produziu na Espanha foi semelhante ao poder dual na Rússia durante a
Revolução de Fevereiro, só que aqui o Partido Bolchevique dirigiu a revolução,
com Trotsky e Lênin à cabeça, enquanto que na Espanha os trabalhadores estavam
representados pelos traidores do proletariado: anarco-reformistas, stalinistas,
socialistas moderados, poumistas e a social-democracia republicana. A política
destes senhores foi claramente reformista, contra-revolucionária e
objetivamente criminosa para o proletariado e a revolução.
O Partido Comunista Espanhol (stalinista) obedecia
religiosamente a política imposta por Stálin, que, por sua vez, tentava não
alarmar os governos francês e britânico, seus aliados imperialistas. O dilema
sobre o proletariado exercer ou não sua ditadura apresentou-se de forma
dramática e oportunista aos dirigentes cenetistas, García Oliver dizia então:
"ou a colaboração ou a ditadura anarquista". Mas para os
trabalhadores só havia uma única opção: a ditadura do proletariado - a qual os
"anarquistas soviéticos" haviam defendido lado a lado com os
bolcheviques. Não é preciso dizer que os energúmenos dirigentes da CNT
escolheram a colaboração de classes e, no final das contas, Franco acabou
triunfando. Naquele período, Ricardo Sánz resumiu todo o problema do seguinte
modo: "A partir do instante em que o movimento tivesse se responsabilizado
por tudo, todo o mundo teria tido que obedecer nossas ordens. Que isso
significa senão ditadura? Certamente, a ditadura não formava parte do programa
anarquista, mas era a força das circunstâncias o que havia ditado nossa
proposta (a tomada do poder), que naquele momento nos parecia uma saída. Mas
não poderia ser... Por que não? Porque a CNT se opunha". Estes
anti-bolcheviques ajudaram generosamente a burguesia e os stalinistas a
dissolverem os comitês operários e as milícias armadas, bem como a reprimir os
assaltos dos operários contra a propriedade privada, reconstruindo o Estado
burguês da República espanhola e pavimentando o caminho para a vitória da
ditadura nazi-fascista de Francisco Franco. Entre os anarco-ministros da CNT
que entraram de bagagens para o governo da república burguesa, presidido por
Francisco Largo Caballero, estavam: Juan García Oliver (Ministro da Justiça),
Juan López (Comércio), Federica Montseny (Saúde) e Juan Peiró (Indústria). Até
hoje todos esses canalhas são exaltados pela maioria dos anarquistas por suas
"progressivas reformas"... BURGUESAS!
A frente popular espanhola sequer concedeu a independência
nacional ao Marrocos, cuja libertação não agradava às potências imperialistas:
"A principal base de operações de Franco era o Marrocos, uma colônia
subjugada pela Espanha após muitos anos de violentas batalhas no deserto. Até
mesmo do ponto de vista da democracia burguesa, a República poderia ter
proclamado a independência do povo oprimido da colônia. Estrategicamente, na
luta contra Franco, era o que deveria ter feito se queriam ganhar o apoio
marroquino contra o fascismo. Mas Stálin e Azaña temiam alarmar os governos
britânico e francês, que possuíam vastos impérios coloniais na África. Então, a
República defendeu a exigência imperialista espanhola de governar o
Marrocos" (Trotsky, "A Revolução Espanhola", 1931-39). A
coalizão burguesa-anarco-stalinista governou as colônias espanholas do mesmo
modo que a monarquia: através da Legião Estrangeira e dos mercenários nativos.
O povo marroquino não viu nenhuma diferença entre o governo "democrático
republicano" e a ditadura franquista, que conseguiu ocupar a colônia em 17
de julho de 1936, tendo servido desde então como base militar para as forças de
Franco durante os primeiros seis meses da guerra, de onde fornecia tropas e
provisões militares. O intrépido libertador nacional Abd-el-Krim, que estava
exilado na França, ainda pediu ao governo frente-populista da Espanha que
interviesse ao governo francês para permitir o seu retorno ao Marrocos com a
finalidade de dirigir uma insurreição contra Franco. Ao temer a revolução
proletária mais do que o próprio Franco, ambos os governos de frente popular rechaçaram
este pedido. Os trotskistas foram os únicos a defenderem uma política
revolucionária de libertação nacional ao povo marroquino, catalão e basco!
Na ocasião, ao responder o artigo de Trotsky de 1938
("Muito Barulho por Kronstadt"), Emma Goldman teve a cara-de-pau de
afirmar que "os princípios anarquistas estão sendo confirmados na Espanha
(...) O construtivo trabalho empreendido pela CNT e a FAI é algo que o regime
bolchevique jamais imaginou em todos os anos de seu poder!" (Emma Goldman,
"Trotsky Também Protesta Muito", 1938). Só podemos dar boas risadas
diante desse arremedo de piada! Para justificar a adesão da CNT à frente
popular, esta grande anarco-comediante diria ainda que "tais ações não
foram de sua escolha ou fantasia; foram impostas a eles pelo desenvolvimento da
luta" (Address to the International Working Men's Association Congress).
Ou seja, numa linguagem clara e objetiva: "porque as circunstâncias
exigiram"... as circunstâncias burguesas, é claro! Enquanto Emma Goldman
repudiou a postura dos anarquistas que apoiaram incondicionalmente o governo
revolucionário de Lênin e Trotsky, ela deu todo o apoio à atitude subserviente
da CNT em relação à frente popular e ao Estado burguês. A diferença, como já
dissemos anteriormente, é que os anarquistas soviéticos exerceram cargos
políticos num Estado operário, numa República Soviética, defendendo-a contra
todas as investidas sangrentas da contra-revolução, enquanto que os dirigentes
anarco-stalinistas da CNT exerceram cargos num Estado capitalista, numa
República burguesa, cujo objetivo principal era paralisar a ascensão das massas
e sua luta histórica contra o capital.
Os genuínos trotskistas, que estavam organizados através do
Partido Bolchevique-Leninista da Espanha (seção da Quarta Internacional),
formaram um bloco com os anarco-bolcheviques espanhóis representados pelos
"Amigos de Durruti" (AdD), entretanto, ambos eram ultra-minoritários
dentro do movimento de massas e foram esmagados pela vitória dos traidores
frente-populistas. Desta vez, o ônus da culpa concernente à repressão
desencadeada contra os anarquistas não caem sobre Lênin e Trotsky, mas nos
próprios dirigentes anarquistas, que foram fiéis companheiros da burguesia e
seu assessor internacional, Josef Stálin. O Comitê Regional da CNT, apesar de
alardear sua ultra-democracia e opor-se aos métodos bolcheviques de
organização, decidiu excluir de suas fileiras a única fração que ainda mantinha
acessa a chama de seus ideais: todos os militantes do AdD foram expulsos num só
dia e acusados de "agentes provocadores" pelos dirigentes cenetistas.
Enquanto isso, o governo republicano censurava os periódicos da CNT e do POUM,
sufocava a revolução proletária e fuzilava revolucionários! Diante de toda essa
situação trágica, qual era a principal preocupação dos anarquistas
estrangeiros? Mas é claro que era Kronstadt e Makhno, afinal de contas, era
necessário defender seus companheiros cenetistas desviando o foco das atenções!
Qual devia ser a posição dos revolucionários no processo
dual na Espanha ante a traição da frente popular? M. Casanova (militante
trotskista da Quarta Internacional que participou ativamente de todo o processo
da Guerra Civil Espanhola) nos dá a resposta:
"O emprego da violência é inevitável numa revolução,
não somente violência revolucionária contra os fascistas e os inimigos
declarados do proletariado, mas também, numa certa etapa do desenvolvimento
revolucionário, contra as correntes reformistas e conciliadores dentro da
classe operária. Todo o problema consiste nisto: em que sentido a violência
deve ser empregada e a que fins políticos deve servir? Os stalinistas também
empregaram a violência, mas à serviço de uma política contra-revolucionária que
se orientava com a burguesia. Mas se no lugar da direção da CNT tivesse existido
na Espanha não os charlatões anarco-ministros, mas jacobinos revolucionários,
essa direção deveria ter empregado em maio de 1937 a violência revolucionária
para desbaratar a provocação stalinista" (M. Casanova - pseudônimo de
Mieczyslaw Bortenstein -, "A Frente Popular Abriu as Portas a
Franco").
Todo marxista-revolucionário sério e conseqüente tinha plena
consciência de que um fenômeno tão reacionário como o fascismo não podia ser
detido por aqueles que o criaram, ou seja, a burguesia. A Quarta Internacional
deu continuidade àquilo que a Terceira Internacional na época de Lênin havia
proposto: uma Frente Única Operária (FUO), cuja tática não propunha uma aliança
com as organizações burguesas e pequeno-burguesas que pretendiam "derrotar
o fascismo freando a revolução", mas conformar uma frente dos
trabalhadores contra seus inimigos de classe, uma linha classista onde a tática
era "golpear juntos porém marchar separados", levando adiante as
tarefas práticas para o triunfo revolucionário das massas proletárias. Não é
preciso dizer que tanto os trotskistas espanhóis como os anarco-bolcheviques do
AdD adotaram esta linha, convocando os trabalhadores a sublevar-se contra o
fascismo, a burguesia republicana e os quinta-colunas stalinistas. Os Amigos de
Durruti chegaram a clamar pela formação de uma "Junta Revolucionária"
para "fuzilar todos os culpados que agrediram o povo", e ainda
sustentaram que "todas as revoluções eram totalitárias por natureza".
Os militantes trotskistas e os Amigos de Durruti foram, ambos, perseguidos pelo
governo frente-populista e a GPU de Stálin; ambos solidarizaram-se um com o
outro;[60] ambos romperam implacavelmente com a contra-revolução, quer
estivesse representada por Stálin ou por seu vassalo García Oliver; ambos
estiveram incondicionalmente ao lado do proletariado; já a CNT não podemos
dizer o mesmo! Tanto os anarco-reformistas da CNT como os dirigentes do POUM
ficaram do lado oposto da barricada, e pagaram muito caro por isso!
Não adianta hoje os anarquistas anti-bolcheviques,
indiferentes à Revolução Russa, esconder-se por detrás de demagogias ocas como
as de Makhno e Kronstadt, tentando assemelhar o governo revolucionário de Lênin
e Trotsky com o stalinismo bonapartista. Como já foi exposto, uma parte
considerável dos anarquistas não apoiaram nenhuma das duas rebeliões e
estiveram lado a lado com os bolcheviques até a trágica morte de Lênin. O
fracasso da revolução espanhola é a prova cabal de como o castelo de cartas da
falsificação anarquista cai por terra. Como bem disse Trotsky: "Os
advogados do anarquismo que pregam por Kronstadt e Makhno não enganam ninguém.
Tanto no episódio de Kronstadt como na luta contra Makhno, nós defendemos a
revolução proletária frente à contra-revolução camponesa. Os anarquistas espanhóis
defenderam, e continuam defendendo, a contra-revolução burguesa frente à
revolução proletária. Nenhum sofisma fará desaparecer da história o fato de que
o anarquismo e o stalinismo estão do mesmo lado da barricada, e as massas
revolucionárias e os marxistas do outro. Esta é a verdade que penetrará para
sempre na consciência do proletariado" (Leon Trotsky, "Lições da
Espanha: A Última Advertência").
NOTAS:
[1] A rebelião de Kronstadt, por exemplo, conquistou a
simpatia de Boris Yeltsin, que não hesitou em reabilitar os rebeldes em 1994 e
ainda erigiu um monumento na Praça Yakornaya em memória às "vítimas"
e por seu suposto "heroísmo" (sic!). Atualmente, a rebelião de
Kronstadt é aclamada na Rússia não apenas pela burguesia liberal e pelos
anarquistas, mas também por partidos neonazistas, que identificam a rebelião
como um "movimento nacionalista anti-judeu". Por sua vez, Makhno
também foi reabilitado pela burguesia ucraniana (junto com o anti-semita Symon
Petlyura) e hoje o "paizinho" é considerado pela maioria dos partidos
nacionalistas daquele país como um "herói nacional anticomunista".
[2] Até hoje os anarquistas não conseguiram explicar direito
o porquê de Makhno ter adotado a caveira como símbolo para representar seu
movimento. Tudo leva a crer que de fato tenha se inspirado no espírito
"rebelde" dos piratas. Se for este o caso, devemos admitir que os
makhnovistas desempenharam muito bem esse papel, levando em consideração a
quantidade de pilhagens e saques que empreenderam contra a população pacífica. De
uma coisa temos a absoluta certeza: a bandeira makhnovista era muito diferente
da bandeira bolchevique representada pelos instrumentos da classe trabalhadora
- a foice e o martelo.
[3] Makhno ainda afirma que durante sua breve estadia em
Moscou teve um sério debate com Lênin sobre a situação ucraniana, entretanto, a
única prova que tenha realmente ocorrido esta reunião é ele próprio, pois não
há nenhuma outra evidência, nem nas notas ou diários daqueles que são citados -
como Lênin e Sverdlov - nem na obra principal de Arshinov, "A História do
Movimento Makhnovista", que por sinal menciona a viagem de Makhno sem
mencionar a suposta reunião.
[4] Em seu texto "Os Anarquistas de Makhno, Kronstadt e
a Posição dos Camponeses Russos na Rússia Pós-Revolucionária", A. Kramer
compara a ação dessas guerrilhas com o que se produziu na maioria dos países
subdesenvolvidos através de grupos maoístas, dando como exemplo o Khmer
Vermelho no Camboja (a versão mais degenerada do stalinismo). A equiparação não
é exagerada, pelo contrário, há semelhanças profundas entre um e outro,
principalmente na concepção de "revolução a partir do campo". Mas
deixando de lado a ideologia política que a maioria desses grupos diziam
defender, poderíamos também compará-los com o fenômeno ocorrido no Nordeste
brasileiro no início do século XX conhecido como "cangaço".
[5] Colin Darch, idem; tais citações encontram-se presentes
em Arbatov, "Ekaterinoslav 1917-1922", Arkhiv Russkoi Revoliutsii,
vol.12 (1923), p.85-86.
[6] Michael Malet, "Nestor Makhno na Guerra Civil
Russa"; Londres: Macmillan Press, 1982.
[7] Citado por Yakovlev J., "Machnovshina I
Anarchizm"; A. Kramer, "Os Anarquistas de Makhno, Kronstadt e a
Posição dos Camponeses Russos na Rússia Pós-Revolucionária"; Yaroslavsky,
"A História do Anarquismo na Rússia"; Victor Serge, "Memórias de
um Revolucionário" e Pierre Broué, "O Partido Bolchevique". Em
relação à resposta de Makhno aos ferroviários de Ekaterinoslav, podemos
observar que essa tentativa de retorno à barbárie medieval era uma concepção
compartilhada por uma parcela dogmática dos anarquistas russos. Trotsky
descreve em "Minha Vida" um diálogo mais ou menos parecido com o qual
travou na sua juventude com um anarquista chamado Luzin, quando esteve preso
nos cárceres de Moscou por volta de 1900. Naquele momento, Trotsky havia
perguntado como funcionariam as estradas de ferro na sociedade anarquista,
Luzin replicou da mesma forma que Makhno: "Com os diabos! Que necessidade
a gente teria em circular em estrada de ferro numa sociedade anarquista?".
[8] Estudos sobre a unidade monetária ucraniana,
"Hryvnya, Ukraine' New and Old Moneypor", por Andriy Hlazovy e
Natalya Mykhaylova; website:
http://www.wumag.kiev.ua/wumag_old/archiv/4_99/den'gi.htm. Ler também
Jason Yanowitz, "Os Anarquistas na Revolução Russa - O Mito de
Makhno", International Socialist Review n° 53, Maio-Junho 2007.
[9] Citado por Michael Malet (idem) e Alexander Skirda,
"Nestor Makhno: O Cossaco da Anarquia - A luta dos sovietes livres da
Ucrânia, 1918-21".
[10] A "tachanka" consistia numa carroça puxada
por mais ou menos três cavalos e munida de uma metralhadora pesadíssima na
parte traseira. Normalmente, a tachanka transportava três pessoas: o condutor,
o artilheiro e um soldado de reserva.
[11] Leon Trotsky, "O Movimento de Makhno", 2 de
junho de 1919, Kupyans Kharkov, 'En Route', No.5 - Escritos Militares, vol. 2,
1919.
[12] Michael Palij, idem. David Footman, "A Guerra
Civil na Rússia", Londres: Faber and Faber, 1961. A
"Krontrrazvedka" também é conhecida por seu diminutivo:
"Razvedka".
[13] Por sua associação com a contra-revolução nacional e
internacional, Fanny Kaplan foi fuzilada em 3 de setembro de 1918 por Pavel
Malkov, chekista e marinheiro da Frota do Báltico, filho legítimo de Kronstadt!
[14] Victor Serge, "Trinta Anos Depois da Revolução
Russa".
[15] Citado por William "Big Bill" Haywood,
"Uma Anarquista na Rússia: Uma Resposta a Emma Goldman"; The
Communist Review - órgão do Partido Comunista da Grã-Bretanha -, agosto de
1922, vol. 3, No. 4.
[16] Citado por Alexandre Berkman em "O Homem que
Salvou os Bolcheviques".
[17] Segundo as palavras de Victor Serge: "Dzerzhinsky
temia muito os excessos das Chekas locais; a estatística dos chekistas
fuzilados é, neste sentido, edificante" (Victor Serge, "O Ano Um da
Revolução"). Sobre a parcial democracia no interior da Cheka devemos
admitir, infelizmente, algumas injustiças históricas. Segundo documentos
abertos em Moscou em meados dos anos 80 - durante o período Gorbatchev -, Dzerzhinsky
chegou a prender e autorizar o fuzilamento de Lavrenti Beria por abuso de
autoridade e distúrbios no Azerbaijão em 1921. Beria só se salvou pela
intervenção desesperada de Ordzhonikdze e Stálin. Ironicamente, com a morte do
"Félix de Ferro" em 1926, bandidos foram selecionados pessoalmente
por Stálin para exercerem funções no novo serviço de segurança do Estado,
reorganizado com o nome de GPU ("Administração Política do Estado").
Entre eles marcaram história Yezhov, Yagoda e... Lavrenti Beria... exatamente
aquele que Dzerzhinsky havia dado ordens de execução em 1921! É necessário
deixar bem claro que através da direção de Dzerzhinsky o serviço de segurança
do Estado existiu para proteger a revolução do perigo contra-revolucionário, já
sob o comando dos bandidos supracitados - e, entre eles, poderíamos incluir
tranqüilamente o bandido makhnovista Zinkovsky -, serviu apenas para
aterrorizar a classe trabalhadora, assassinar legítimos bolcheviques, sepultar
a ditadura do proletariado e garantir o governo da casta burocrática
parasitária, tal como representou a "Krontrrazvedka" de Makhno. Vale
salientar que apesar das numerosas divergências que Trotsky travou com
Dzerzhinsky após a morte de Lênin, o velho dirigente bolchevique diria em sua
autobiografia que a vida deste homem foi "o mais austero dos poemas".
"Dzerzhinsky fora um homem de grande e explosiva paixão. Um homem de
vontade, apaixonado e de alta tensão moral. Cobria de toda a sua estatura a
Comissão Extraordinária para a defesa do Estado" (Trotsky, "Minha
Vida").
[18] David Footman, "A Guerra Civil na Rússia",
Londres: Faber and Faber, 1961.
[19] Ida Mett, "Makhno em Paris".
[20] Alexandre Skirda é realmente uma figura digna de uma
tragédia grega. Enquanto essa caricatura grotesca de "anarquista"
denota um culto fanático a Makhno e inflama toda a sua fúria contra os
bolcheviques - afirmando, inclusive, que foram "piores que os
Brancos" -, de modo infame idealiza inimigos declarados do proletariado.
Esse é o caso do general dos Guardas Brancos Kornilov, que é descrito por
Skirda quase como um "progressista": "Ao contrário do que dizem,
Kornilov foi um oficial patriota... Filho de um mero cossaco, com uma Sart
(mongol)... Foi ele quem ordenou a prisão do Czar e sua família; portanto, ele
não foi um reacionário, mas um firme anti-monarquista" (Alexander Skirda,
"Nestor Makhno: O Cossaco da Anarquia - A luta dos sovietes livres da
Ucrânia, 1918-21"). O ex-general czarista Kornilov (que havia sido nomeado
por Kerensky comandante-em-chefe das forças armadas durante o Governo
Provisório) pretendia dar um golpe militar na Rússia em plena Revolução de
Fevereiro, aspirava destruir os sovietes - a fim de "restaurar a
ordem" - e varrer do país todas as organizações de esquerda, não somente
os bolcheviques, mas também os anarquistas e socialistas moderados. Kornilov
teve o total apoio da burguesia liberal do partido KDT (Partido
Democrata-Constitucional), que havia rompido com a "democracia
burguesa" e agora apoiava uma ditadura militar na Rússia. Skirda ignora a
verdadeira base social do golpista Kornilov: uma alternativa burguesa de
caráter conservador e protofascista. Não nos causaria estranheza se Skirda
também denotasse simpatias a Augusto Pinochet denominando-o como um
"oficial patriota" (sic). Mas para aqueles que pensam que os delírios
deste anarco-chauvinista param por aí enganam-se completamente: ele também
celebra a reacionária rebelião da Legião Checoslovaca na Sibéria, financiada
pelo imperialismo francês e cujos mercenários serviram nas fileiras do Exército
Branco do almirante Kolchak, e lamenta profundamente a dispersão da Assembléia
Constituinte, dispersão essa que foi apoiada pelos
"anarco-bolcheviques" e realizada pessoalmente pelo grande marinheiro
de Kronstadt, Anatoly Zhelezniakov.
[21] O diário encontra-se nos arquivos soviéticos de Moscou,
mas é citado pelo historiador britânico John Rees na obra "Em Defesa de
Outubro" e pelo stalinista Yaroslavsky em "A História do Anarquismo
na Rússia". Em sua obra sobre o movimento makhnovista, Arshinov nega este
diário realçando o erro em relação ao nome da esposa de Makhno - a autora do
diário chama-se Fedora Gaenko, o nome da esposa de Makhno era Galina Kuzmenko.
Arshinov só não menciona um pequeno detalhe: o relacionamento conjugal entre
Makhno e Galina foi extremamente conturbado, tanto na Ucrânia como no exterior.
Além disso, como fiel partidário de Makhno, Arshinov nega expressamente as
"surubas makhnovistas" descritas por Volin em sua obra principal,
tentando passar a idéia de que Makhno nunca teve sequer uma única amante,
descrevendo-o como um homem "casto" (Alexandre Skirda repete o mesmo
argumento de Arshinov para defender Makhno). Porém, este velho companheiro de
Makhno mostrar-se-ia não tão fiel assim, pois, como todos já sabem (ou pelo
menos quase todos), Arshinov negou praticamente tudo que escrevera e abraçou de
corpo e alma a "causa stalinista". Mesmo que os anarquistas de hoje
baseiem suas críticas na obra de Arshinov para sustentar a defesa de Makhno e
atacar os bolcheviques, é evidente que o conteúdo deste diário é mais do que
legítimo, já que muitas das ações contidas nele batem com outras relatadas por
testemunhas oculares que presenciaram as agressões makhnovistas contra seus
opositores.
[22] Citado por Colin Darch, idem.
[23] A política stalinista não mudou muita coisa face ao
campesinato ucraniano, pelo contrário, sua política foi profundamente danosa.
Isto se manifestou de forma evidente durante a Segunda Guerra Mundial no verão
de 1941, onde muitos camponeses ucranianos, ao contrário dos operários,
mostraram-se favoráveis às forças de ocupação nazista, que empreendeu um dos
maiores pogroms da história na região de Kiev em Babi Yar. Alguns historiadores
chegam a afirmar que a ação cruel (sobretudo linchamentos públicos) dos
camponeses ucranianos contra os judeus deixou estupefato até mesmo os oficiais
nazistas.
[24] Arlene Clemesha, "Trotsky e a Questão
Judaica"; Cf. Meir Talmi, Análise histórica do problema, em: Nahum Goldman
et al. Nacionalidade Oprimida. "A minoria judaica na URSS". Montevidéu,
Mordijai Anilevich, 1968, pág. 26.
[25] Proudhon não passava de um machista nojento, ele mesmo
chegou a propor que o marido tivesse o direito de matar a própria esposa em
caso de "desobediência" ou "má-conduta" e expressava,
através de uma relação aritmética, a inferioridade do cérebro feminino sobre o
masculino. Para Proudhon, a mulher só podia exercer um entre dois papéis na
sociedade: "o de ser dona de casa ou prostituta" (Proudhon,
"Sistema das Contradições Econômicas: ou, a Filosofia da Propriedade",
1846: Edição em inglês 1888).
[26] Citado por Arshinov (idem) e Alexandre Berkman, ?O Mito
Bolchevique?.
[27] Piotr Arshinov, idem.
[28] O nome "Verde" foi adquirido porque
normalmente realizavam ataques pelas florestas.
[29] Victor Savchenko, "Aventureiros da Guerra Civil: A
Investigação Histórica". De certo modo, Antonov-Ovseenko (responsável
direto pelo front ucraniano) possui uma grande parcela de responsabilidade em
conceder tamanha "liberdade" e "independência" para
determinados regimentos no território nativo. Antonov denotava demasiadas
simpatias para com todo tipo de organização guerrilheira anárquica, dando livre
rédea aos Guardas Vermelhos e fazendo concessões absurdas a Makhno, Maria
Nikiforova, Grigoriev e tantos outros que exigiam liberdade absoluta para suas
ações. Sua cegueira militar causou enormes danos aos fronts ucranianos e quase
pôs em cheque a vitória dos sovietes na região. Antonov, fatalmente, haveria de
ser removido de seu posto em 16 de junho de 1919, para a felicidade do Exército
Vermelho e dos sovietes ucranianos.
[30] Citado por Colin Darch, idem.
[31] Volodymyr Horak, "I Cocked My Revolver...",
periódico ucraniano "????" - "Dia" -, #42, 26 de Dezembro
de 2006.
[32] Sovnarkom: abreviatura de expressão russa equivalente a
"Conselho dos Comissários do Povo" ("Soviet Narodnikh
Komissarov").
[33] Ler a obra supracitada de Victor Savchenko.
[34] Citado por Boris Yelensky, "Na Tempestade Social:
Memórias da Revolução Russa". Os destacamentos de Grigoriev não foram os
pioneiros em cometer pogroms na região de Elisabethgrado, a degenerada
guerrilha da anarquista Marussia Nikiforova (a chamada "Implacável",
devido ao seu ultra-radicalismo) realizaram violentos pogroms na cidade de
Elisabethgrado muito antes do Ataman Grigoriev.
[35] Até hoje os defensores de Makhno não chegaram à
conclusão de quem realmente atirou em Grigoriev, se foi Makhno, Galina ou
Chubenko, as versões são as mais variadas.
[36] Volin, idem.
[37] Alexandre Berkman, idem.
[38] A. D. Rosenthal descreve o pogrom baseado no calendário
gregoriano. Em suas memórias, Rokhel Luban também narra com detalhes este
pogrom que levou a vida de seu pai e de quase toda a população da colônia
judaica de "Engels" - Memórias de Rokhel Luban, compilado até o seu
falecimento em 1978, extrato de "O Pogrom de Trudoliubovka"; fontes e
re-análises de Chaim Freedman, agosto de 2005.
[39] Yakov Pasik, idem.
[40] Chaim Freedman, "Our Fathers' Harvest -
Supplement" 1990.
[41] Volin, idem.
[42] Citado por Alexandre Berkman, "O Mito
Bolchevique".
[43] O herói da Segunda Guerra Mundial, Marechal Zhukov, foi
condecorado pela primeira vez com a Ordem da Bandeira Vermelha por sua coragem
e heroísmo na luta contra os bandidos rebeldes de Antonov.