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domingo, 19 de julho de 2015

TEORIA LENINISTA

A revisão de Lenin do "Que fazer?"
Acerca da organização de revolucionários profissionais, da superação do sectarismo pela construção de um partido de trabalhadores comunistas, da relação entre o espontâneo e o consciente e entre a luta econômica, o partido e os sindicatos

No texto abaixo, após a experiência de Revolução de 1905 e seus primeiros desdobramentos para a luta de classes na Rússia, Lenin justifica os "exageros" da luta pela criação de uma organização de revolucionários profissionais contra a tendência ao economicismo nos primeiros anos do século XX. Simultaneamente o fundador do bolchevismo assinala a importância histórica da luta pela afluência de elementos proletários ao partido ligada a uma atividade legal do mesmo junto às massas como condição para que a organização supere o estágio germinal inevitável de círculos intelectuais desarticulados e isolados das massas, rompendo com as tradições sectárias, de 'luta de extermínio' entre os pequenos núcleos e deixando de lado as querelas inerentes à vida desses círculos para consagrar suas melhores forças às obrigações dos bolcheviques as tarefas correspondentes ao momento histórico. Lenin defende o justo combate por estabelecer os métodos organizativos do marxismo revolucionário contra os inimigos do bolchevismo e também retifica suas posições acerca da relação entre o espontâneo e o consciente e a relação entre o partido e os sindicatos. Lenin revisa o bolchevismo, aprimorando-o até que 15 anos depois de fundado este partido dirige a primeira revolução comunista da história da humanidade.
Extrato do prefácio do compêndio "doze anos" (1907)
referente ao livro "Que Fazer?" de V. I. Lênin
A brochura "Que Fazer?" surgiu no exterior em princípios de 1902. É dedicada à crítica da ala direita, não somente nas correntes literárias, mas também na organização social-democrata. Em 1898, realizou-se o I Congresso da Social-Democracia, onde ficaram assentadas as bases do Partido Operário Social Democrata da Rússia. A organização do Partido no exterior era composta pela União dos Social-Democratas Russos que compreendia também o grupo Emancipação do Trabalho. No entanto, os organismos centrais do Partido foram destruídos pela polícia e não puderam ser reconstituídos. O que não existia, de fato, era a unidade do Partido, que não era mais que uma idéia, uma diretriz. A paixão pelo movimento grevista e pela luta econômica deu origem a uma forma peculiar de oportunismo social-democrata, o chamado "economicismo". Quando o grupo Iskra, no final de 1900, iniciou seu trabalho no exterior, a cisão neste terreno já era um fato. Na primavera de 1900. Plekhanov deixou a União de Social-Democratas Russos no Exterior para formar uma organização distinta, a Social-Democracia.
Formalmente, o Iskra iniciou sua atuação independente das duas frações, mas trabalhava, na realidade, com o grupo de Plekhanov e contra a União. Fracassou a tentativa de fusão em junho de 1901 (Congresso da União e da Social-Democracia, em Zurique). "Que Fazer?" expõe de forma sistemática as razões dos desacordos, assim como o caráter da tática do Iskra e sua atividade no terreno da organização.
Os adversários atuais dos bolcheviques, os mencheviques, assim como os escritores do campo da burguesia liberal (cadetes, "bessaglavtsi" do jornal Tovarisch e outros) mencionam, muitas vezes, a brochura "Que Fazer?" Por isso, reimprimo com o menor número de reduções, nada suprimindo além do detalhes de relações de organização ou pequenas notas polêmicas. No que concerne ao conteúdo fundamental dessa brochura, é necessário chamar a atenção do leitor contemporâneo sobre os pontos que seguem.
O principal erro daqueles que hoje polemizam com "Que Fazer?' consiste em separarem, por completo, este trabalho do determinadas condições históricas, de um período determinado do desenvolvimento do nosso Partido, período que já há tempos pertence ao passado. Um exemplo flagrante desse erro encontramos em Parvus (para não falarmos de numerosos mencheviques), que, após muitos anos da publicação da obra, dizia ainda que ela continha idéias falsas ou exageradas sobre a organização dos revolucionários profissionais.
No momento atual, declarações desse tipo são ridículas: é como se quisessem ignorar toda uma fase do desenvolvimento do nosso partido, das conquistas que, em seu tempo, suscitaram uma luta o que agora estão há tempos estabilizadas e cumpriram sua missão.
Criticar, hoje, os exageros do Iskra (em 1901 e em 1902) a respeito da idéia de organização dos revolucionários profissionais é como se, depois da guerra russo-japonesa, censurássemos os japoneses por terem superestimado as forças militares russas e se preocupado exageradamente, antes da guerra, com a luta contra essas forças. Para conseguir a vitória, os japoneses tinham de reunir todas as suas forças contra o máximo possível de forças russas. Infelizmente, muitos julgam nosso Partido sem refletir, sem estar a par do problema, sem perceber que agora a idéia de organização dos revolucionários profissionais já obteve uma vitória completa. Mas essa vitória teria sido impossível se naquele tempo não tivéssemos colocado essa idéia em primeiro plano, se não a houvéssemos inculcado "com exagero" nas pessoas que colocavam entraves à sua realização.
"Que Fazer?" é um resumo da tática do Iskra e de sua política de organização em 1901 e 1902. Precisamente um "resumo", nem mais, nem menos. Quem se preocupar em ler o Iskra, de 1901 e 1902, se convencerá disso indubitavelmente. E quem julgar esse resumo, sem conhecer a luta do Iskra contra o economicismo então predominante, e sem compreendê-la, não fará mais que lançar palavras ao vento. O Iskra lutava pela criação de uma organização de revolucionários profissionais; lutou com especial energia em 1901 e 1902; triunfou sobre o economicismo então predominante; criou definitivamente, em 1903, aquela organização e a manteve, apesar da cisão que se produziu mais tarde entre os "iskristas", apesar de todas as atribulações de uma época de tempestades e violência, mantendo-a durante toda a revolução russa e conservando-a desde 1901-1902 até 1907.
E, agora, quando a luta por esta organização já está há tempos terminada, quando o terreno está semeado, quando a semente está madura e fez-se a colheita, aparecem pessoas para dizer: "exagero da idéia da organização dos revolucionários profissionais"' Não é ridículo?
Tomemos todo o período pré-revolucionário e os primeiros dois anos e meio de revolução (1905-1907) em conjunto. Comparemos o nosso Partido Social Democrata com outros partidos durante esse período, do ponto de vista da coesão, da organização em contínua coerência. Devemos reconhecer que, neste sentido, é indiscutível a superioridade do nosso Partido sobre os demais, tanto sobre os cadetes, como sobre os social-revolucionários etc... Antes da revolução, o Partido Social Democrata havia elaborado um programa reconhecido formalmente por todos os social-democratas, e as modificações introduzidas nele não provocaram cisões nas suas fileiras. Apesar da cisão de 1903 a 1907 (formalmente de 1905 a 1906), o nosso Partido forneceu, à opinião pública, o máximo de informações sobre sua situação interna (atas do II Congresso Comum, do III Congresso Bolchevique e do IV, o Congresso de Unificação de Estocolmo).
Apesar da cisão, o Partido Social Democrata aproveitou, antes que qualquer outro, o período passageiro de liberdade para introduzir nas suas fileiras a estrutura democrática ideal de uma organização aberta, com sistema eletivo, com uma representação nos Congressos proporcional ao número de membros organizados do Partido. Esse procedimento não foi utilizado nem pelos social-revolucionários nem pelos cadetes, o mais organizado dos partidos burgueses: partido quase legal, que dispõe, em comparação com o nosso, de recursos financeiros Infinitamente maiores e tendo possibilidades enormes de utilizar a imprensa e viver legalmente. E nas eleições à II Duma, nas quais tomaram parte todos os partidos, não foi demonstrado, do maneira evidente, que a coesão orgânica, de nosso partido e do nossa minoria parlamentar na Duma, foi superior à de todos os demais partidos?
Quem realizou, quem deu vida a essa coesão máxima, a essa solidez e a essa estabilidade do nosso partido? Foi a organização dos revolucionários profissionais, criada sobretudo com a participação do Iskra. Quem conhece bem a história do nosso partido, quem viveu seu período de estruturação, perceberá, com um simples olhar sobre a composição de uma delegação de qualquer fração, por exemplo, o Congresso de Londres, para convencer-se disso, para ver em seguida o núcleo antigo fundamental, que com mais empenho que outros trabalharam na formação do Partido, e o formaram. É claro que a condição essencial deste êxito é o fato de que a classe operária, cujos melhores elementos iam criando a social-democracia, se distingue por razões econômicas objetivas de todas as classes da sociedade capitalista em virtude de sua maior capacidade de organização. Sem esta condição, a organização dos revolucionários profissionais não passaria de um jogo, de uma aventura, de uma etiqueta sem conteúdo, e a brochura "Que Fazer?" sublinha muitas vezes que a organização que propõe só tem sentido se se relaciona com "uma classe efetivamente revolucionária, com uma classe que se levanta espontaneamente para a luta".
Esta capacidade, porém, objetivamente máxima do proletariado, para unir-se em classe, é atributo de pessoas vivas e expressa-se em determinadas formas de organização. E nenhuma organização, a não ser o Iskra, poderia, nas nossas condições históricas, na Rússia de 1900-1905, criar um partido operário social-democrata como o que agora está formado. O revolucionário profissional cumpriu sua missão na história do socialismo proletário russo. E não existem forças que possam agora destruir sua obra, que ultrapassou, há tempos, o estreito marco dos "círculos" de 1902-1905; nenhuma lamentação tardia pode ser feita sobre os exageros das tarefas urgentes, por parte de quem em seu tempo somente pôde assegurar, por meio da luta que se iniciara, acertadamente, o cumprimento daquelas tarefas; e nenhuma lamentação poderá colocar em dúvida a importância do já conquistado.
Acabo de fazer alusão ao marco estreito dos círculos do velho Iskra (desde o final de 1903, desde o número 51, o Iskra caminhou para o menchevismo, proclamando que "entre o velho e o novo Iskra havia um abismo" - nas palavras de Trotski na brochura aprovada pela redação menchevique do Iskra). É necessário dizer ao leitor contemporâneo algumas palavras para explicar-lhe o que era a desarticulação desses círculos isolados. Tanto na brochura "Que Fazer?" quanto no livro "Um Passo Adiante, Dois Passos Atrás", publicado depois, o leitor terá perante seus olhos a luta apaixonada, às vezes furiosa e exterminadora dos círculos no estrangeiro. É inegável que essa luta tem muitos aspectos negativos. É inegável que essa luta de círculos é um fenômeno possível somente quando o movimento operário contemporâneo na Rússia tem de romper com muitas tradições desses círculos, tem de esquecer e deixar de lado muitas querelas inerentes à vida desses círculos, tem de consagrar suas forças às obrigações da social-democracia no presente. Somente a afluência de elementos proletários ao partido pode, ligada a uma atividade legal junto às massas, eliminar completamente todos os traços da desarticulação dos círculos isolados, vestígios herdados do passado, que não estão em consonância com as tarefas do momento atual. A passagem para uma organização democrátíca do partido operário, proclamada pelos bolcheviques, em novembro de 1905, no Novaia Zhisn, quando surgiram as condições necessarias a esta atividade legal, equivaleu, na verdade, a uma ruptura definitiva com tudo que era caduco dentro dos círculos isolados.
Sim, "com tudo que era caduco", porque não basta condenar a desarticulação dos círculos isolados; devemos saber compreender o que eles significaram nas condições peculiares da época passada. Os círculos foram indispensáveis em seu tempo o desempenharam um papel positivo. Em geral, num país de regime democrático, e, em particular, nas condições criadas por toda a história do movimento revolucionário russo, o Partido Operário Socialista não podia desenvolver-se, a não ser partindo dos círculos. Os círculos, ou seja, grupos reduzidos, fechados, baseados quase sempre em relações de amizade de um número muito reduzido do pessoas, foram uma etapa imprescindível no desenvolvimento do socialismo e do movimento operário, na Rússia. O crescimento do movimento impôs a uniflcação desses círculos e o estabelecimento de certa coesão. Era impossível resolver esse problema sem criar uma base sóIida de operações fora do alcance da autocracia, ou seja, no estrangeiro. Portanto, os círculos surgiram no exterior por necessidade. Como não havia um relacionamento entro eles, o nem pesava a autoridade do Partido russo, eles tinham, indubitavelmente, de divergir no modo de conceber as tarefas fundamentais do movimento naquele momento, isto é, no modo do conceber como haveriam de construir uma ou outra base de operações, e em que sentido ajudariam na cstruturaçio geral do partido. Nestas condições, era inevitável a luta entre aqueles círculos. Agora, olhando para trás, vemos claramente qual daqueles círculos estava efetivamente em condições do exercer o papel de base de operações. No entanto, naquele tempo, quando a atividade do diversos círculos se iniciava, nada se podia dizer e somente a luta poderia decidir a questão. Mais tarde, Parvus acusou o velho Iskra de uma luta de extermínio entre os círculos, de pregar tardiamente uma política de conciliação. Mas isso é fácil dizer tardiamente, e dizê-lo significa revelar que não se entendeu as condições existentes então. Em primeiro lugar, não existia critério algum para julgar a força ou a seriedade de um ou outro círculo. Havia muitos fictícios, esquecidos agora, mas que em seu tempo queriam demonstrar, por meio da luta, sua razão de ser. Em segundo lugar, as divergências entre os círculos referiam-se ao modo de orientar o trabalho, ainda novo naquela época. Registrei naquele tempo (em "Que Fazer?"), que as divergências pareciam insignificantes, mas na prática tinham uma importância enorme, porque ao iniciar-se um trabalho novo, ao iniciar-se o movimento social-democrata, a definição do caráter geral deste trabalho e deste movimento repercutiria de modo mais essencial na propaganda, na agitação e na organização. Todas as discussões posteriores entre os social-democratas referiam-se ao modo de orientar a atividade política do partido operário em cada caso particular. Então, em troca, tratava-se de definir os princípios mais gerais e as tarefas capitais de toda política social-democrata em geral.
Os círculos isolados cumpriram sua missão e, agora, bem entendido, já estão caducos. Mas somente estão porque a luta entre eles colocou de modo mais agudo os problemas essenciais da social-democracia, resolvidos com um espírito revolucionariamente intransigente e criando, deste modo, uma base sólida para um amplo trabalho de partido.
Entre as questões particulares surgidas nas publicações, em virtude do lançamento de "Que Fazer?", assinalarei somente os dois problemas seguintes. Em 1904, Plekhanov, pouco depois do livro "Um Passo Adiante, Dois Passos Atrás", proclamou, no Iskra, que em princípio estava em desacordo comigo sobre a questão do espontâneo e do consciente. Não contestei aquela declaração (prescindindo de uma nota no jornal Vperiod, de Genebra), nem as numerosas reiterações sobre esse mesmo tema nas publicações mencheviques; e não contestei porque a crítica de Plekhanov tinha manifestadamente o caráter de uma polêmica oca, fundamentada em frases retiradas do contexto, em expressões soltas que eu não havia formulado suficientemente bem ou com bastante exatidão e ignorando o conteúdo geral e todo o espírito da obra.
"Que Fazer?" surgiu em março de 1902. O projeto do Programa do Partido (o projeto de Plekhanov com emendas da redação do Iskra) foi publicado em junho e julho do mesmo ano. A relação entre o espontâneo e o consciente formulou-se naquele projeto por um acordo unânime da redação do lskra (houve, na redação, discussões sobre o programa entre Plekhanov e eu, mas não precisamente sobre este ponto, mas a propósito do deslocamento da pequena propriedade para a grande - eu exigia urna formulação mais precisa que a de Plekhanov - e sobre a diferença do ponto de vista do proletariado ou das classes trabalhadoras em geral, na qual eu insistia em se definir mais estritamente o caráter puramente proletário do Partido).
Portanto, nem se podia falar sobre esse problema de divergências de princípios entre os projeto de programa e "Que Fazer?". No II Congresso (agosto de 1903) Martinov, naquela época um economicista, discutiu sobre o nosso modo de conceber o espontâneo e o consciente, expresso em nosso programa. Todos os lskristas opuseram-se a Martinov como assinalo na obra "Um Passo Adiante, Dois Panos Atrás". A divergência estava, esscncialmente, entre iskristas e economicistas; estes atacando o que havia de comum em "Que Fazer?" e os projetos do programa. Jamais pensei, no II Congresso, em transformar minhas fórmulas de "Que Fazer?" em algo "programático", que constituísse um corpo de princípios. Pelo contrário, empreguei uma expressão, citada muitas vezes postenormente sobre a nota distorcida. Em "Que Fazer?" fiz a correção da nota distorcída pelos economicistas (veja as atas do Segundo Congresso do POSDR realizado em 1903, Genebra, 1904) e, precisamente, porque corrigi energicamente as deformações, a minha "nota" será sempre a mais justa.
O sentido dessas palavras é bem claro: "Que Fazer?" é uma obra polêmica destinada a corrigir os erros do economícismo, e seria incorreto considerar o conteúdo dessa brochura isolando-o deste objetivo. É necessário observar que o artigo de Plekhanov contra "Que Fazer?" não foi reimpresso na antologia do novo Iskra, e, por isso, não levanto agora os argumentos de Plekhanov, limitando-me a explicar o fundo do problema ao leitor de 1907 que poderá encontrar um grande número de publicações mencheviques que fazem alusões a este problema.
A segunda observação refere-se ao problema da luta econômica e dos sindicatos: não é raro ver o meu ponto de vista sobre esta questão colocado falsamente em publicações. É imprescindível sublinhar, portanto, que muitas páginas de "Que Fazer?" estão consagradas a explicar a imensa importância da luta econômica e dos sindicatos. Declarei-me em particular pela neutralidade dos sindicatos. Desde então, apesar das numerosas afirmações de meus adversários, não me expressei de outro modo, seja em brochuras ou em artigos de jornais. Somente o Congresso de Londres do POSDR e o Congresso Socialista Internacional de Stuttgart * me fizeram chegar à conclusão de que não se podia defender em princípio a neutralidade dos sindicatos. O único princípio justo é o contato mais estreito entre os sindicatos e o Partido. Nossa política deve caminhar para um contato mais estreito entre os sindicatos e o Partido. E teremos de aplicar essa política com perseverança e com firmeza em toda nossa propaganda, em nossa agitação, em nossa atividade de organização, sem buscar simples "conciliações" formais e sem expulsar dos sindicatos os que pensam de outro modo.
Obs.: Os destaques em negrito e sublinhados e os hachurados são da LC.