NEM KRONSTADT, NEM MAKHNO: DEFENDER OUTUBRO, COMBATER OS MITOS!
Ignácio Reiss
INTRODUÇÃO
Com a Revolução Russa completando um século, correntes de
diversos matizes políticos continuam a empreender uma verdadeira cruzada contra
o bolchevismo e os principais dirigentes da Insurreição de Outubro – Lênin e
Trotsky. Os anarquistas, em particular, não se cansam de repetir os velhos
mitos já derrubados pela história. Como se sabe, durante o longo processo
revolucionário na Rússia, o Partido Bolchevique foi a única fração que
ofereceu de fato uma direção revolucionária aos trabalhadores e pôs um fim definitivo
na questão da dualidade de poder; os anarquistas ou se esconderam em seu reduto
periférico ou atuaram em união com os bolcheviques. Após
a revolução, uma parcela dos que se proclamavam "anarquistas",
alheios ao processo revolucionário de 1917, passou para o lado da reação
contrarrevolucionária com a intenção de derrubar o nascente Estado operário e o
poder soviético. De todos eles, o movimento de Makhno na Ucrânia (1918-21) e a
fracassada rebelião de Kronstadt (1921) são apresentados ainda hoje como
alternativas "revolucionárias" ao bolchevismo. Ambos os episódios
continuam gerando uma enorme polêmica e despertando até mesmo a
curiosidade e simpatia dos setores mais reacionários da burguesia.[1] Não sem razão, Trotsky declarou em
1938 que a rebelião de Kronstadt parecia não ter ocorrido há dezessete anos,
mas apenas ontem... O que diria hoje o velho dirigente bolchevique quando as
inúmeras falsificações reproduzidas ao longo do tempo transformaram-se
praticamente em um mito?
Fazendo uma
pequena analogia, lembremos que Stálin, em seu tempo, revisou descaradamente a
história da Revolução Russa e da Guerra Civil, apagando o papel de dirigentes
que participaram ativamente de todo o processo revolucionário e criando ficções
históricas em torno de si mesmo. As falsificações foram tão numerosas que
Trotsky teve o dever de refutar cada uma delas. Os anarquistas não fogem à
regra, empenhados na luta contra o bolchevismo e a ditadura do proletariado
revisam completamente a história, romantizando cegamente os elementos que
tomaram parte tanto na rebelião de Kronstadt como no movimento de Makhno. Entre
os defensores encontram-se inclusive aqueles que mantêm uma crítica contundente
à política traidora da CNT-FAI na Espanha. Muitos desses neófitos repudiam o
papel representado por uma parcela considerável dos anarquistas (apelidados por
Lênin como "anarco-soviéticos" e chamados por muitos como "anarco-bolcheviques")
aos quais se opuseram de maneira intransigente a qualquer movimento hostil aos
bolcheviques, quer fosse dirigido por supostos "anarquistas" ou não. Estes heroicos camaradas devem ser
lembrados por sua coragem e firmeza, pois enquanto a maioria deles ocupou
funções de grande importância em um Estado operário, servindo à causa do proletariado,
os dirigentes espanhóis da CNT-FAI exerceram cargos de ministros em um Estado
burguês, sepultando o avanço revolucionário das massas e vivendo como
verdadeiros "barões da anarquia".
Sem dúvida, é
muito estranho que esses dois episódios tenham se mistificado de forma tão
absurda exatamente quando ocorria a traição da CNT na Espanha em plena década
de 30. Enquanto Trotsky trazia à tona o papel traidor jogado pelos cenetistas
no movimento operário espanhol, os anarquistas faziam manobras distracionistas
utilizando Kronstadt e Makhno como couraça protetora. Emma Goldman, que apoiou
a política nefanda da CNT, foi especialista neste tipo de manobra.
Como
defensores do legado de Lênin e Trotsky (ou seja, do bolchevismo) nosso dever é
mostrar a verdade, por mais dura que possa parecer. A
intenção deste texto é desmistificar os mitos criados pela escola de
falsificação anarquista mostrando provas e relatos que atestam a veracidade das
análises de Trotsky. O bem da verdade é que esses mitos já não surtem mais
efeito, a história real dos fatos vem emergindo pouco a pouco e os anarquistas
não encontram argumentos plausíveis para responder à enorme quantidade de
documentos descobertos pelos historiadores através de arquivos secretos. Por
fim, vale ressaltar que a maioria dos críticos anarquistas rechaça
categoricamente a construção de um Estado operário, a ditadura do proletariado
e a organização partidária, ou seja, os únicos meios capazes de enfrentar o
capitalismo e sua reação contrarrevolucionária. Isto só prova que seus métodos
de "organização" já estão superados pela história e que jamais
servirão aos objetivos finais da classe trabalhadora, e sim aos seus pérfidos
inimigos.
A DITADURA ANARCO-KULAK DE NESTOR MAKHNO
Nestor Ivanovich Mikhailenko (Makhno) nasceu em 1889 na
próspera e rica região rural de Gulai-Pole, Ucrânia. Filho de camponeses,
iniciou sua militância política através do "terrorismo individual",
unindo-se a um grupo de jovens que se ocupavam em saquear ricos proprietários
de terras e promover atentados contra oficiais do governo czarista. Em 1908 foi
condenado à forca pelas autoridades por ter assassinado um comissário de
polícia. Devido à sua jovem idade, 19 anos, a pena foi comutada para prisão
perpétua, sendo transferido para a prisão de Butyrka, em Moscou. No cárcere,
Makhno entra em contato com o anarquista Piotr Arshinov, que o influencia
politicamente e que mais tarde fará parte de seu movimento. Como consequência
da Revolução de Fevereiro, é solto em 1917 pelo Governo Provisório, retornando
assim à sua terra natal.
Em 1918, a nascente República Soviética deu início ao
tratado de paz com a Alemanha, firmado em Brest-Litovsk, na qual foi obrigada a
ceder partes do território russo em troca da paz. Entre esses territórios
estava a Ucrânia, a terra onde Makhno e Trotsky nasceram. A Ucrânia era uma
região atrasada industrialmente, mas muito rica em agricultura, predominando
nela uma abastada e robusta classe camponesa – os chamados "kulaks". A maioria dos anarquistas
e socialistas-revolucionários classificou este tratado como uma "traição
política". Por sua vez, o oportunista Nikolai Bukharin incitava no
interior do Partido Bolchevique a continuação da Rússia na guerra imperialista
através de uma "guerra revolucionária de guerrilhas". Ao fim e ao
cabo, a proposta de Lênin a favor da paz saiu-se completamente vitoriosa com o
apoio de Trotsky. Apesar das bravatas e loucuras suicidas propostas pelos
oposicionistas, não havia outra alternativa para o jovem Estado operário senão selar
a paz, pois como Trotsky abordou posteriormente: "A URSS, no final de 1917 e início de 1918, não contava com um só
batalhão em condições de lutar. A Alemanha dos Hohenzollern atacou a Rússia e
tomou províncias e depósitos militares soviéticos. Ao governo não restou outra
possibilidade concreta do que firmar o tratado de paz. Definimos abertamente
esta paz como uma capitulação de uma revolução desarmada diante de um inimigo
bastante poderoso".[2]
A situação do jovem Estado operário era preocupante, os
trabalhadores e soldados russos estavam submetidos ao cansaço da guerra e a
economia soviética encontrava-se completamente arrasada. A revolução estava
vulnerável e sofria o extremo perigo de ser derrubada pelas potências
imperialistas. O armistício rendeu o tempo necessário para que a
República Soviética se preparasse belicamente e organizasse suas forças
militares. Trotsky criou o Exército Vermelho em apenas um ano e, após duras
batalhas, conseguiu repelir as forças contrarrevolucionárias de todo o país.
Makhno ganha notoriedade a partir do momento em que a
Ucrânia é ocupada pelas tropas austro-alemãs. Aproveitando a situação política
em Gulai-Pole, cujas organizações predominantes no nativo distrito eram
de tendências anarquistas e socialistas-revolucionárias,
Makhno organiza uma guerrilha basicamente rural, adotando como bandeira
a cor negra do anarquismo e um crânio com os ossos entrelaçados.[3]
Sua força militar foi batizada de "Exército
Revolucionário Insurrecional da Ucrânia", passando a ser vulgarmente
conhecido como "Exército Makhnovista", ou, ainda, "Exército
Negro" – devido à cor de sua bandeira. Ao mesmo tempo, Makhno
conseguiu reunir alguns poucos anarquistas proeminentes ao seu redor, sobretudo
os que pertenciam ao notório grupo "Nabat"
("Rebate").
Este agrupamento viu no movimento de Makhno o expoente para suas aspirações, já
que rejeitava qualquer soviete ou sindicato onde estivesse presente o Partido
Bolchevique. Entre os anarquistas que pertenciam ao "Nabat" estavam Piotr Arshinov, Volin, Tepper, Glagzon e Aaron
Baron.
No início, os
bolcheviques pretendiam trabalhar de forma sincera com Makhno através de uma
frente única na luta contra os Guardas Brancos e a intervenção estrangeira. Quando Makhno visitou a cidade de Moscou em 1918, o governo soviético tomou todas as providências necessárias
para que ele retornasse à Ucrânia com o menor de risco possível.[4] Os bolcheviques ainda apontaram
Makhno comandante de uma divisão do Exército Vermelho – a "Terceira Brigada"
– incorporando seus guerrilheiros e respeitando sua bandeira e independência
política. No acordo firmado, os makhnovistas
foram contemplados inclusive a receber armas e suprimentos na mesma proporção
que as unidades comunistas. No entanto, apesar de todas as tentativas de
cooperação que os bolcheviques tentaram estabelecer com Makhno, a conduta deste
último foi extremamente sectária e oportunista. Com o intuito de suprir a carência de equipamentos militares e
provisões, Makhno aliou-se ao governo soviético, mas ignorou as cláusulas do
acordo firmado e sabotou todas as medidas e ordens necessárias para a vitória
nos fronts ucranianos: recusou-se a requisitar alimentos destinados aos
trabalhadores das cidades e às tropas do Exército Vermelho; rejeitou as
designações dos comissários políticos para cada regimento; não coordenou suas
ações com as do Exército Vermelho – abrindo diversos flancos de acordo com sua
"tática de guerrilha"; implementou uma política antioperária nas
regiões conquistadas; fez campanha aberta contra os bolcheviques convocando
congressos completamente hostis no meio de uma sangrenta guerra civil, etc.
Não há como
negar que a atuação de Makhno no verão de 1918 contra as tropas do Hetman
Skoropadsky e a ocupação austro-alemã contribuiu positivamente para a causa
revolucionária, tendo sido bastante elogiado pela imprensa soviética. Entretanto, ao querer seguir sua luta contra os poderosos
exércitos regulares através da organização e táticas guerrilheiras, Makhno
passou a sofrer uma série de derrotas, batendo quase sempre em retirada e
abrindo constantemente os flancos aos exércitos inimigos. Mesmo diante de um
exército numericamente inferior, os makhnovistas debandavam-se a quilômetros de
distância, em diversas direções, abandonando posições, cidades e equipamentos
militares. Esta desorganização, resultante da ausência de centralismo, também
provocava danos irrefletidos contra a população pacífica – como pilhagens e
assassinatos indiscriminados.
Naqueles
tempos, o vício da "partizanshchina" era uma
doença quase incurável. Muitos dirigentes do Partido Bolchevique (incluindo
Stálin) queriam combater os Brancos através de uma guerra de guerrilhas
descentralizada, o que levaria a uma imediata derrota da República Soviética na
guerra civil. Esses idealistas inconsequentes ignoravam o alto grau de
especialização e mobilidade dos Exércitos Brancos, apoiados desde o estrangeiro
através do financiamento de armas, suprimentos e munição. Lênin e Trotsky
compreendiam perfeitamente que, na correlação de forças internacional da época,
o exército regular revolucionário (moderno, disciplinado, instruído e dirigido
por um Estado-Maior de especialistas militares na arte da guerra) era a única
força capaz de derrotar os exércitos contrarrevolucionários financiados pelo
imperialismo. Neste contexto, Trotsky se viu com diversos problemas ao tentar
convencer as inúmeras forças dispersas pelo país a unir-se às unidades do
Exército Vermelho e submeter-se à sua ordem e disciplina. Muitos desses
destacamentos "partisans"
não viam com bons olhos uma força militar centralizada
e organizada com uniformidade. A maioria deles ainda estavam preso às
idealizações do campo e ao "espírito de guerrilha", recusando-se
a obedecer ordens "de cima" e tentando fazer guerra de acordo com sua
imaginação. Não há como negar o importante papel
que muitas dessas forças desempenharam no processo da guerra civil, ajudando o
Exército Vermelho na medida do possível e superando seu próprio campo de ação;
porém, não conseguiram oferecer resistência diante de um conflito estendido com
um exército regular. Percebendo suas limitações, algumas dessas forças
integraram-se às unidades do Exército Vermelho, enquanto que outras, opondo-se
aos comunistas, uniram-se ora ao Exército Verde (dos socialistas-revolucionários),
ora aos Brancos, e ora às unidades de Makhno, comprometendo-se com armas e
munição. Como aborda o historiador marxista Colin Darch: "Os
camponeses, acostumados com o tipo de organização anárquica, foram os últimos a
confiar nos membros do Exército Vermelho. Eles desertaram em massa, e sua moral
variava".[5]
Quando os
primeiros comissários políticos foram enviados a esses regimentos viciados pelo
espírito de guerrilha observaram pessoalmente a falta de organização e
disciplina resultantes da espontaneidade pequeno-burguesa:
"Dificuldades
particulares surgiram ao redor do sistema de nomeação de comissários para cada
unidade em todos os níveis. (...) tudo estava em um estado de incerteza e caos.
(...) No 'Nono Regimento', o comissário tinha sido obrigado a introduzir o que
ele eufemisticamente chamou de 'disciplina de camaradagem', e não havia células
de partido organizado. A 'Seção Pravda', outrora o 'Primeiro Regimento
Liubtskii', não tinha nem comissários nem operários políticos, e, segundo
informes, estava infectado com antissemitismo. O 'Primeiro Regimento dos
Cossacos do Don' havia sido formado recentemente, e a artilharia possuía
pouquíssima organização política. Os comissários estavam desmoralizados, e
queixaram-se de ladrões espalhados entre as tropas. Bêbados tinham sido
enviados ao front. Membros da Cheka foram encontrados decapitados ou fuzilados
nos campos. Em uma cidade, os partisans arrastaram um comunista ferido da cama
de um hospital e o espancaram barbaramente. Um dos ajudantes de campo de
Makhno, Boris Veretelnikov, ganhou uma reputação por perseguir bolcheviques e
recusar a fornecê-los alimentos. A aversão era recíproca. Um comissário
descreveu os partisans como 'a escória da Rússia Soviética'. Outro solicitou ao
Conselho Militar Revolucionário que enviasse os melhores operários possíveis às
seções de Makhno. (...) Além disso, o comissário apontava que alguns de seus
colaboradores eram alcoólatras excessivos, aos quais necessitavam de supervisão
íntima".[6]
Para se ter
uma ideia, só na Ucrânia em abril de 1919 existia cerca de 93 grupos separados
operando contra os bolcheviques. Enquanto essas guerrilhas restringiram-se em
seus "bunkers" rurais, não encontraram nenhum sinal de
resistência, contando inclusive com a ajuda da população local; porém, ao lutar
longe de suas aldeias, viveram através do banditismo e, como consequência,
perderam o apoio massivo do povo. O movimento de Makhno é o maior exemplo
disso, pois ao tentar estender sua autoridade fora de Gulai-Pole acabou não
obtendo nenhum resultado satisfatório, conquistando apenas a antipatia dos
trabalhadores das cidades.[7]
Lênin, por sua vez, não perdia a ocasião de colocar o dedo na ferida desses
movimentos supostamente "livres" e "independentes" mergulhados no completo banditismo social: "No presente
momento, todo tipo de gang escolhe um título político na Ucrânia, cada um mais
livre e democrático do que o outro, e há uma gang para cada região".[8]
Abordando o papel dessas guerrilhas e o obstáculo que
representavam para a vitória dos sovietes na guerra civil, Trotsky faz uma
importante análise estabelecendo as profundas diferenças entre os desejos
políticos do campesinato e do operariado:
"Durante a
guerra civil, o campesinato criou seus próprios destacamentos guerrilheiros em
diversas partes do país, que às vezes se converteram em verdadeiros exércitos.
Alguns destes destacamentos consideravam-se bolcheviques e muitas vezes estavam
dirigidos por operários. Outros eram apartidários e frequentemente eram
comandados por ex-oficiais camponeses sem graduação. Também havia um exército
'anarquista' comandado por Makhno. Enquanto as guerrilhas operaram na
retaguarda dos Guardas Brancos, serviram à causa da revolução. Alguns se
distinguiram por um heroísmo e uma fortaleza excepcionais. Mas dentro das
cidades estes destacamentos muitas vezes entravam em conflito com os operários
e com as organizações partidárias locais. E quando os guerrilheiros e o
Exército Vermelho regular encontravam-se frente a frente, também surgiam
problemas que em alguns casos assumiram um caráter extremamente penoso e agudo.
A dura experiência da guerra civil nos demonstrou a necessidade de desarmar os
destacamentos camponeses imediatamente depois que o Exército Vermelho ocupasse
as províncias que já haviam se libertadas dos Guardas Brancos. Nestes casos, os
melhores elementos, os de maior consciência de classe e mais disciplinados,
incorporaram-se às fileiras do Exército Vermelho. Entretanto, uma considerável
proporção dos guerrilheiros queria se manter como força independente, e muitas
vezes entraram em um conflito armado direto com o poder soviético. Foi o que
aconteceu com o exército anarquista de Makhno, de espírito totalmente kulak.
Mas esse não foi o único exemplo; muitos destacamentos camponeses que lutaram
esplendidamente contra a restauração dos latifundiários transformaram-se depois
do triunfo em instrumentos da contrarrevolução. (...) Os conflitos entre os
camponeses armados e os operários tinham uma só e única raiz social: a diferença
na situação e educação de classe de uns e outros. O operário encara os
problemas do ponto de vista socialista; a posição do campesinato é
pequeno-burguesa. O operário quer socializar a propriedade que lhe arrancaram
os exploradores, o camponês pretende reparti-la. O operário deseja converter os
palácios e os parques em lugares de uso comum; o camponês, já que não pode
reparti-los, tende a incendiá-los. O operário briga por resolver os problemas
em escala nacional e de acordo com um plano geral, o camponês encara todos os
problemas em escala local e adota uma atitude hostil para com a planificação
centralizada, etc. Evidentemente que um camponês também pode elevar-se à
perspectiva socialista. Sob um regime proletário, massas camponesas cada vez mais
amplas se reeducam no espírito socialista. Mas isto exige tempo, anos, talvez
décadas. Há que ter muito claro que nas etapas iniciais da revolução as
contradições entre o socialismo e o individualismo camponês adquirem muitas
vezes um caráter extremamente agudo".[9]
Como se sabe, Makhno nunca teve prestígio entre a classe
operária, muito pelo contrário, sua base era essencialmente camponesa. Porém, é
totalmente descabido afirmar, como fazem os anarquistas, que o movimento makhnovista
constituía-se integralmente de camponeses pobres. Em suas análises, o
historiador Colin Darch assinala que "não
há provas conclusivas de que o movimento makhnovista consistia essencialmente
de camponeses pobres. (...) há razões suficientes para supor que o principal
motivo de apoio ao seu movimento foi o enorme desenvolvimento do senso de
propriedade entre a população rural camponesa. Se for este o caso, então o
ataque soviético de que o movimento foi uma força kulak pode ser parcialmente
justificado".[10]
Apesar dos bolcheviques terem garantido o direito à terra aos camponeses, a
guerra civil conduziu uma boa parcela deles ao completo conservadorismo. Após a
revolução, os bolcheviques tiveram que encarar uma série de problemas que
colocava a República Socialista em uma situação delicada: a eclosão da guerra
civil, o isolamento do Estado operário, o bloqueio econômico, o colapso da infraestrutura,
a crise nas indústrias, a falta de alimentos nas cidades, etc. Toda essa
calamidade forçou o governo soviético a implementar o "Comunismo de Guerra",
onde uma de suas principais características era a requisição dos excedentes de
grãos produzidos nos campos a fim de alimentar os soldados do Exército Vermelho
que se batiam nos fronts e abastecer as cidades para salvar a população urbana
da fome. A maioria dos trabalhadores compreendeu a necessidade de sacrifícios e
através de assembleias decidiram por um maior esforço na produção e uma
disciplina mais rigorosa no trabalho. Em contrapartida, uma parcela
considerável do campesinato não viu com bons olhos a adoção de tais medidas;
após a conquista de suas propriedades não lhes restavam mais nada senão
protegê-las de quem quer que fosse, seja da Direita ou da Esquerda. Uma boa
parte dos camponeses considerava-se donos particulares de suas terras e cobiçava
comercializar ou consumir livremente sua produção e excedente. Este espírito
individualista e pequeno-burguês chocava-se com o coletivismo dos trabalhadores
urbanos e com as necessidades da guerra civil. Consequentemente, o campo passou
a nutrir um ódio característico em relação às cidades, compartilhando a
concepção de que os centros urbanos nada mais significavam que um
"entrave" e uma "decomposição" à vida natural das zonas
rurais. Em represália às medidas adotas pelo governo, os kulaks egoisticamente passaram a sabotar o cultivo e a ocultar
alimentos para vendê-los no mercado negro. O governo não encontrou outra saída
senão enviar destacamentos de operários armados para recolher o grão à força.
Os camponeses responderam semeando menos ou assassinando os comissários
operários responsáveis pelas requisições.
Como aborda Trotsky, os camponeses só trabalhavam para a
satisfação das suas próprias necessidades e voltavam às antigas formas de
artesanato. Nessa relação conflitante, o campo podia viver tranquilamente sem
as cidades, já que os camponeses produziam seu próprio meio de subsistência e
não necessitavam da circulação da economia, mas as cidades dependiam dos
produtos agrícolas para o sustento e sobrevivência. Lutando por seus próprios
interesses particulares, os kulaks
reduziam seu ódio a concepções atrasadas que remontavam à época do feudalismo e
da barbárie medieval. Mas apesar de sua atitude hostil tinham apenas duas
opções: admitir a situação emergencial em que o Estado operário se encontrava,
e ser compreensível diante das medidas do governo, ou então lutar pela
restauração do antigo regime dos "pomeshtchiki"
(latifundiários). O agricultor tinha sido beneficiado pela revolução mais do
que qualquer outra parte da população. O "Decreto da Terra" (confisco
sem indenização das grandes propriedades e a entrega das mesmas aos sovietes
rurais) foi uma das mais progressistas medidas agrárias já realizadas desde
então; após sua anunciação uma grande parcela dos soldados das linhas inimigas
desertou em massa para participar da partilha do solo. A restauração do antigo
regime dos latifundiários era, portanto, inaceitável para a massa do
campesinato, incluindo os kulaks
reacionários. Sendo assim, o Comunismo de Guerra foi aceito como um "mal
menor" perante a ameaça dos Brancos.
Makhno, porém, explorou ao máximo a insatisfação das
camadas rurais pequeno-burguesas, aos quais eram consideradas pelo guerrilho
ucraniano como a única força "potencialmente
revolucionária" capaz de libertar-se do capital. Makhno e os principais dirigentes
de seu movimento compartilhavam do mesmo ponto de vista de grupos como os socialistas-revolucionários
e os "narodniks"
(populistas), que colocavam o campesinato como a principal força motriz da
revolução, deixando de lado o movimento operário e dedicando-se unicamente ao
trabalho no campo. A
propaganda makhnovista era bastante explícita nesse aspecto: "Em
resumo, a Makhnovshchina parte inteiramente da base do campesinato e toma parte
por tudo aquilo que vem autenticamente do povo trabalhador".[11]
Piotr Arshinov argumenta que "o objetivo era organizar as grandes massas
camponesas como força social que devia ter uma missão histórica particular:
fazer brotar a energia revolucionária acumulada nelas durante séculos e
esgrimir essa força formidável sobre todo o regime opressor contemporâneo".[12]
Antes de tudo é necessário esclarecer que tais concepções em torno do
campesinato como mola propulsora da luta de classes surgiram inteiramente de
Bakunin, que criticou com veemência a concepção
marxista do operariado como classe dirigente. Para Bakunin, o papel da classe
operária como dirigente revolucionário significava "o domínio aristocrático dos trabalhadores das fábricas e das cidades
sobre os milhões que constituem o proletariado rural".[13] Determinando o potencial
revolucionário pelo nível de pobreza, Bakunin via a incultura das camadas mais
atrasadas da sociedade, isto é, as massas rurais e o lumpemproletariado, como
uma qualidade que os colocava à frente dos trabalhadores urbanos:
"Na
Itália não há, como em muitos outros países da Europa, um estrato operário separado,
em parte já privilegiado, graças a altos salários, gabando-se mesmo de certos
conhecimentos literários e a tal ponto impregnado de ideias, aspirações e
vaidade burguesas que os operários que pertencem a esse meio só se diferenciam
dos burgueses por sua condição, nunca por sua tendência. É principalmente na
Alemanha e na Suíça que existem operários desse gênero, o que não acorre na
Itália, onde são poucos, tão poucos que se perdem na
massa e não têm nenhuma influência sobre ela. O que predomina na Itália é o
proletariado em andrajos. Os senhores Marx e Engels, e, em seguida, toda a
escola da democracia socialista alemã, falam dele com o mais profundo desprezo
e isto bem injustamente, pois é nele e somente nele, e não na camada
aburguesada da massa operária que residem na totalidade o espírito e a força da
futura revolução social".[14]
No entanto, apesar dos delírios idealistas, o que se viu na
prática foi exatamente o contrário daquilo que teorizavam os anarquistas. A
incultura das camadas rurais – e, neste caso, do lumpemproletariado submerso na
marginalidade – representou um sério obstáculo para a realização material das ideias
abstratas do anarquismo. O próprio Volin, que participou ativamente do
movimento de Makhno, é obrigado a admitir que uma dentre tantas debilidades da Makhnovshchina foi "a ausência de um vigoroso movimento operário
organizado, que apoiasse ao dos camponeses insurretos".[15] Os anarquistas não compreendiam que
por sua própria condição material de vida (apego à propriedade, individualismo
no modo de produção, isolamento geográfico e econômico, extremo atraso
cultural, etc.) o campesinato russo não era capaz de tomar o poder sozinho em
suas mãos, carecia de uma direção e um programa revolucionário definido. Karl
Marx já dizia em 1852 que "os
camponeses são incapazes de fazer valer seu
interesse de classe em seu próprio nome. (...) Não podem representar-se, têm
que ser representados. Seu representante tem, ao mesmo tempo, que aparecer como
seu senhor, como autoridade sobre eles. (...) Os camponeses encontram seu
aliado e dirigente natural no proletariado urbano, cuja tarefa é derrubar o
regime burguês".[16] O longo processo revolucionário na
Rússia demonstrou que as análises de Marx estavam corretas. Os próprios "narodniks", que superestimava por
demais o campesinato e ignorava a massa dos trabalhadores urbanos, tiveram sua
experiência frustrada nas áreas rurais e pagaram muito caro por sua política
equivocada:
"Para os
'narodniks', não os trabalhadores industriais, mas o camponês seria o pilar da
nova sociedade de seus sonhos. (...) Não a fábrica industrial da propriedade
pública, mas a comuna rural de propriedade coletiva seria a célula básica dessa
sociedade. (...) A princípio tentaram levar os camponeses à ação, seja
esclarecendo os mujiques sobre os males da autocracia, como fizeram os
seguidores de Lavrov, seja incitando-os contra o czar, como Bakunin. Duas
vezes, durante essa década, homens e mulheres da intelectualidade abandonaram
seu lar e profissão e tentaram viver como camponeses entre camponeses, a fim de
conseguir compreender-lhes a mentalidade. 'Toda uma legião de socialistas',
escreveu um general da polícia cuja ocupação era vigiar esse êxodo,
'empenhou-se nessa tarefa com uma energia e um espírito de auto-sacrifício que
não tem paralelo na história de qualquer sociedade secreta da Europa'. O
sacrifício foi infrutífero, pois os camponeses e a intelectualidade tinham
finalidades diferentes. O mujique ainda acreditava no czar, o 'Emancipador', e
recebeu com desconfiança indiferença ou hostilidade clara as palavras de
'esclarecimento' ou 'incitamento' narodniks. A polícia prendeu os idealistas que
haviam 'procurado o povo' e os tribunais os condenaram a longas penas, a
trabalhos forçados e à deportação".[17]
Trotsky comenta que quando os narodniks acusavam os marxistas russos de "ignorar" o
campesinato, de não trabalhar nas aldeias, etc., os marxistas respondiam:
"Levantaremos e organizaremos os
operários avançados e por seu intermédio levantaremos os camponeses".
Os bolcheviques compreenderam perfeitamente que o camponês segue o operário ou
o burguês, e as experiências anteriores já haviam demonstrado na prática que o
campesinato não podia exercer um papel de dirigente. Somente a força do
proletariado urbano, arrastando atrás de si as massas camponesas, pavimentou
definitivamente o terreno para a revolução socialista:
"Bastava que o
urso camponês se levantasse sobre as patas traseiras para mostrar a sua
terrível fúria. Contudo, não tinha capacidade para dar à sua revolta uma séria
expressão consciente: tinha
necessidade de um guia. Pela primeira vez na história do mundo, o campesinato
sublevado encontrou um dirigente leal: o proletariado. Quatro milhões de
operários da indústria e dos transportes lideraram 100 milhões de camponeses; tal foi a relação natural e inevitável entre
o proletariado e o campesinato na revolução".[18]
Porém, durante todo o período de guerra civil os
bolcheviques tiveram que empreender uma luta implacável contra os kulaks que pretendiam aniquilar a
ditadura do proletariado utilizando reivindicações demagógicas apartidárias e
anti-estatais.
Isto só prova que a sociedade moderna não pode ser dirigida a partir do campo.
Caso tivessem os socialistas-revolucionários ou os anarquistas comandado a
resistência contra a reação Branca teriam sido ambos os arquitetos de uma
política de destruição das cidades e o retorno à antiga barbárie medieval. O
próprio Makhno declarava-se como um "camponês
semianalfabeto" e suas observações
particulares em relação às cidades representavam o profundo atraso em que
estavam mergulhados os camponeses da época: "Nas cidades sempre há um veneno político...
as cidades sempre emitem um odor de mentira e traição do qual muitos, inclusive
entre os companheiros que se chamam anarquistas, não estão isentos".[19]
As atitudes hostis de seu movimento contra os intelectuais chegaram a ser
semelhantes ao que se produziu no Camboja através do Khmer Vermelho. Sukhogorskaya,
testemunha ocular das ações makhnovistas na região de Gulai-Pole, narra em
poucas palavras as relações dos guerrilheiros makhnovistas com a intelligentsia urbana: "Os
makhnovistas odiavam a intelligentsia. Membros da intelligentsia, especialmente
homens, tinham medo de sair quando os makhnovistas tomavam o controle de uma
cidade. Uma vez queriam matar um conhecido meu só porque ele estava usando um
chapéu de aba larga. 'Chapéu extravagante esse seu, você deve ser um maldito
intelectual. Eu me sentiria melhor dando cabo de sua vida!', um makhnovista
disse isso na cara dele. Diante disso ele correu rapidamente para bem longe,
até onde suas pernas puderam levá-lo".[20] E
ainda segundo as palavras de Volin, Makhno tinha "aversão a tudo que não era camponês. (...)
Ele não tinha muita confiança no operariado porque os operários, de acordo com
ele, já haviam sido desmoralizados pela loucura, pela má vida das cidades e da
indústria. (...) Ele tinha menos confiança nos intelectuais. Sua cega confiança
no campesinato o levava a desconfiar de todas as outras classes da sociedade e
a ter um certo desprezo por intelectuais, mesmo que fossem anarquistas".[21]
Por se tratar
de um movimento camponês, a Makhnovshchina
encarou todos os problemas do ponto de vista local, restringindo grande parte
de suas ações na zona rural de Gulai-Pole. Na sua fase terminal, Makhno e seus
partidários passaram a defender a "causa
nacional ucraniana" contra todos os
estrangeiros (tanto Brancos como
bolcheviques). Mas não passou disso, seu interesse pelo movimento
revolucionário internacional foi praticamente nulo. Completamente isolado, o
guerrilheiro ucraniano abraçou muito antes de Stálin e Bukharin a ideia de "socialismo em um só país" defendida pelo social-democrata alemão Georg
Von Vollmar em 1879. No mesmo panfleto makhnovista de 1920, Makhno deixou bem
claro as aspirações de seu movimento: "O movimento insurrecional makhnovista aspira
criar, a partir dos camponeses revolucionários, uma força real e organizada,
para combater a contrarrevolução e defender a independência de uma região livre".
Em fins de 1918, Makhno finalmente conseguiria romper os
limites de sua área rural em Gulai-Pole e tentaria estender sua influência em
um dos mais importantes centros urbanos da Ucrânia, Ekaterinoslav. No calor da
guerra civil, quando Makhno tomou Ekaterinoslav pela primeira vez, declarou
nulas todas as leis e estruturas do Estado. Sua consigna foi "organizem-se por si só". Mas não houve
nenhum tipo de ordem e organização. A cidade ficou completamente desgovernada.
Os makhnovistas engajaram-se em muitos atos de distúrbio e destruição,
cometendo saques, queimando bibliotecas e arquivos, e bombardeando
deliberadamente as mais belas construções da cidade com um canhão.[22] Os Guardas Vermelhos ficaram atônitos
com a "anarquia administrativa" e solicitaram que Makhno tomasse
alguma providência, mas nada foi feito. Para piorar a situação, por ordens
diretas de Makhno, seus soldados esvaziaram todas as prisões que encontraram
pela frente, não distinguindo entre presos políticos e criminosos comuns –
que, por sinal, sentiram-se livres para organizarem "por
si só" assaltos, estupros e homicídios.
Ekaterinoslasv era uma cidade industrial de forte base
operária, os trabalhadores deste grande centro urbano simpatizavam com os
bolcheviques ou até mesmo com os mencheviques, mas nunca com os anarquistas ou socialistas-revolucionários.
Mesmo não tendo nenhuma confiança nas forças makhnovistas, os operários os ajudaram
assim mesmo: "Em fins de
1918, Makhno se deteve em Nijne-Dnieprovsk, subúrbio de Ekaterinoslav, e
preparou-se para atacar a cidade. Havia ali um comitê bolchevique, o qual
dispunha de algumas forças armadas, mas era insuficiente para uma ação própria.
(...) O comitê lhe ofereceu o comando dos destacamentos operários do partido,
que imediatamente aceitou".[23] Após a tomada
da cidade, era questão de urgência organizar a vida econômica deste grande
centro industrial e colocar os trilhos para funcionar. Jamais seria possível
vencer exércitos tão bem equipados pelas forças imperialistas sem que houvesse
um planejamento econômico e militar bem organizado. Contudo, o problema não se
restringiu apenas no plano administrativo, seguindo sua própria estratégia de
guerra – ou seja, a "tática de guerrilha" –, Makhno não se ocupou de
perseguir o restante das tropas nacionalistas de Symon Petliura após a tomada
da cidade, deixando-as livres para se restabelecer e voltar com toda a carga.
No momento em que as tropas petliuristas começaram a atacar a cidade, sob a
liderança do general Samokish, não encontraram nenhum sinal de resistência e
organização. As tropas makhnovistas debandaram-se a quilômetros de distância,
deixando os trabalhadores à sua própria sorte. Cerca de 2.000 operários e
camponeses foram assassinados pelas tropas de Petliura quando tentavam cruzar o
rio Dnieper. A cidade só foi recapturada em janeiro de 1919 pelo jovem
bolchevique e marinheiro de Kronstadt Pavel Dybenko, que do ponto de vista da
população local representou uma profunda melhora na organização da
cidade: "Em comparação não somente aos makhnovistas como também aos
petliuristas, os homens do Exército Vermelho criaram uma extraordinária
impressão de ordem e disciplina".[24]
Mas enquanto
Dybenko retomava a cidade, os makhnovistas passavam as férias em seu feudo
particular: Gulai-Pole. Apesar das dificuldades, o Exército Vermelho tomou
praticamente sozinho a cidade de Ekaterinoslav, sem nenhuma ajuda do
"super-exército" anarquista de Nestor Makhno. Porém, do outro lado da
barricada, Denikin conseguiu reunir um exército poderosíssimo com a ajuda do
imperialismo britânico e começou a avançar sobre Kharkov, Bakhmut e
Ekaterinoslav. Enquanto isso, os makhnovistas seguiam sua própria estratégia de
guerra e convocavam um "congresso
anarquista" no meio de uma grave situação
militar. O congresso não teve escrúpulos em adotar uma plataforma política
hostil ao governo soviético: anunciava uma ferrenha oposição à ditadura do
proletariado (em benefício da ditadura dos kulaks);
proclamava o direito de revolta contra os comissários bolcheviques e agentes da
Cheka (o serviço de segurança da República Soviética); incitava os soldados do
Exército Vermelho a desertar de seus postos; negava a legitimidade do Congresso
dos Sovietes de Toda a Ucrânia; e, por fim, mas não menos importante, advogava
a liquidação total de todos os sovietes representados pelo Partido Bolchevique.
Não foi à toa que o governo soviético viu este congresso como uma "clara provocação",
e sua atitude não podia ter sido outra senão a de bani-lo completamente. Na
refrega, o Congresso dos Comitês Executivos Regionais de Toda a Ucrânia
denunciou Makhno de querer procurar proteção sob a bandeira soviética e depois
atacar as organizações políticas do governo enquanto tentava consolidar seu
próprio poder na região. Note-se que enquanto o governo soviético preocupava-se
com inúmeros fronts (dentro e fora da Ucrânia), Makhno sentia-se à vontade para
adotar uma política hostil contra seus aliados em uma situação extremamente
delicada. O estopim veio em 29 de maio de 1919, quando o quartel-general
makhnovista anunciava abertamente a Antonov-Ovseenko (comandante das tropas do
Exército Vermelho no front ucraniano) que havia aprovado a decisão de "criar um
exército insurgente independente, encarregando Makhno da liderança absoluta do
exército".[25] Através desta nota, Makhno desertava
publicamente de seu posto e renunciava à aliança firmada entre ambas as forças.
Como assinala Colin Darch, este episódio é omitido pelos anarquistas, que
chegam a alterar dados cronológicos tentando passar a ideia de que foram os
bolcheviques os principais responsáveis por terem quebrado a natimorta frente
única. Foi em vista destas circunstâncias que Trotsky emitiu a notória Ordem de
nº 1824, que não só proibia o congresso anarquista como também denunciava a
traição dos makhnovistas em bater sempre em retirada, abrindo constantemente os
flancos aos exércitos inimigos. A Ordem também exigia a prisão de todos os
desertores, por conduta traidora. Arshinov denunciou esta Ordem como uma "perfídia bolchevique",
entretanto, não menciona uma única palavra sobre a perfídia makhnovista. É
óbvio que a Ordem 1824 é só mais um item encontrado pelos partidários de Makhno
para demonizar os bolcheviques e colocar o movimento makhnovista no rol das "vítimas inocentes"
– o que naturalmente está bem longe disso.
Diante de
tantos obstáculos, inevitavelmente a cidade de Ekaterinoslav seria tomada de
assalto pelas tropas de Denikin. Por outro lado, o Exército Vermelho impôs uma
forte resistência pelo Norte, forçando o Exército Branco a bater em retirada ao
Sul. Depois de duras batalhas na retaguarda inimiga, Makhno e seus homens
conseguiram penetrar mais uma vez na cidade de Ekaterinoslav e, devido à
malfadada experiência anterior, desta vez implantou uma ditadura anarco-kulak
com autoridade absoluta. Nesse "Estado anarquista", Makhno reprimiu
qualquer forma de organização simpática aos bolcheviques e designou comandantes
com poderes militares e civis ilimitados. Lashkevich ficou encarregado de
fuzilar os bolcheviques locais caso tentassem tomar o poder civil na cidade.[26] A ocupação
de Denikin tinha deixado a população de Ekaterinoslav na mais absoluta miséria,
e os que mais sofreram penúria foram os operários. Apesar da escassez de provisões,
os camponeses ainda possuíam suas propriedades particulares para o cultivo de
grãos, mas aos operários não lhes restavam mais nada senão sua força de
trabalho. Quando os ferroviários e operadores de telégrafo da linha
Ekaterinoslav-Sinelnikovo pediram a Makhno que lhes pagasse por seu trabalho
com suprimentos alimentícios, para que assim pudessem aplacar a fome, Makhno
então respondeu: "Nós não somos como
os bolcheviques para alimentar vocês à custa do Estado, não precisamos de
estradas de ferro; se vocês precisam de dinheiro, leve o pão daqueles que
precisam de suas estradas de ferro e telégrafos".[27] Ou seja, enquanto Denikin
entrincheirava-se nas proximidades de Ekaterinoslav e tentava retomá-la
utilizando o fogo das baterias de seus numerosos trens blindados; Makhno, em
uma louca insanidade medieval, tentava substituir os trens pelos cavalos,
ignorando inclusive a situação famélica dos trabalhadores urbanos.
Acostumado ao modo de vida das tribos locais, que
viviam sob a economia de subsistência, Makhno nunca
entendeu a complexidade de uma economia urbana. Enquanto suas atividades se
restringiram ao campo, não encontrou nenhum sinal de resistência, pois tinha o
apoio massivo dos kulaks. A coisa
realmente começou a se complicar quando estendeu sua influência às cidades,
onde predominavam os operários. É bem verdade que a pretensão de Makhno era a
de abolir o dinheiro de uma só vez e trabalhar sob a economia do escambo
primitivo. De fato, o movimento makhnovista aboliu o dinheiro em algumas
regiões atrasadas industrialmente, mas ao tomar o controle dos centros urbanos
não viu outra saída senão instituir uma política monetária própria, a qual
resultou em um completo colapso. Makhno não só reconheceu a legalidade de todas
as moedas já existentes (desde a moeda bolchevique, até a moeda dos Brancos e
nacionalistas), mas também emitiu uma moeda corrente que continha as palavras
estampadas: "Primeiro Exército
Insurgente da Ucrânia". Com a circulação desta moeda, Makhno executou
uma ordem que permitia o livre direito de falsificá-la, no dorso dela havia as
seguintes palavras: "Sinta-se livre
para falsificá-la". Muitas cédulas fabricadas pelos makhnovistas eram
acompanhadas com frases de gozação e galhofa, adicionadas pelos próprios
oficiais, tais como: "Com esse
dinheiro você não poderá comprar nem pão nem mel" e "O dinheiro de Makhno é melhor que mel".[28] Para assegurar a total obediência aos
requisitos dessa estranha "política econômica", Makhno ordenou
que todos aqueles que não admitissem a livre troca das diversas moedas deveriam
ser tratados como "contrarrevolucionários" e sujeitos à "sanção
revolucionária" (isto é, execução
sumária). O dirigente makhnovista em Nikopol,
Skaladitsky, levou esta ordem ao pé da letra.[29]
Não é preciso ser um gênio em economia para saber que esta
brincadeira infantil levaria de maneira inevitável a uma superinflação; e quem
sofreu diretamente com isto não foram os kulaks
bem alimentados, mas a classe operária e os camponeses pobres. A superinflação
gerou um ódio ainda maior dos operários contra os makhnovistas. As tensões
entre proprietários e não-proprietários tornavam-se cada vez mais agudas. Os
sindicatos operários de Ekaterinoslav argumentaram que a inflação era
"intencional" e correspondia aos desejos do Exército Negro em
favorecer os kulaks que exploravam
recursos naturais em detrimento dos trabalhadores urbanos. Makhno, porém,
superava todos os limites de classe diante de tamanha situação. O guerrilheiro
ucraniano não pensou duas vezes antes de agir de forma truculenta e ditatorial
com os operários de Briansk que exigiam o pagamento pelos reparos das
"tachankas" (carros de combate): "Já que os operários não querem apoiar o nosso movimento e exigem o
pagamento pelos reparos da tachanka, levarei esta tachanka de graça e não
pagarei absolutamente nada!".[30] Em retribuição, os sindicatos
ignoravam os tão alardeados "congressos
anarquistas" conclamados por Makhno. No
congresso de Alexandrovsk, por exemplo, os sindicatos operários enviaram apenas
18 delegados em um total de 288 – não é necessário mencionar que o restante era
todo de origem camponesa. Além disso, 1/3 desses 18 delegados decidiram
abandonar o congresso após Makhno tê-los chamado de "cachorrinhos
da burguesia" durante o debate em torno
da organização socioeconômica. Após esse episódio, todos os 18 delegados e seus
respectivos sindicatos decidiram não reconhecer o congresso e negar qualquer
conexão com o evento. Profundamente irritado, Makhno respondeu-lhes com mais
grosseria: qualificou os operários de "ratos
e covardes". Os operários sindicalistas
só se salvaram de uma retaliação física devido ao avanço do Exército Vermelho
sobre ambas as cidades, forçando os makhnovistas a bater em retirada ao seu reduto
natural em Gulai-Pole.
Pierre Broué
aborda em poucas linhas a bancarrota da administração makhnovista nas cidades
conquistadas:
"A
política financeira de Makhno provoca uma inflação intensíssima na qual os
camponeses, carentes de problemas de aprovisionamento, conseguem suportar,
porém, o operariado se afunda completamente na miséria. (...) No plano econômico, as realizações de seu
regime são bastante exíguas. Sua força militar baseada na cavalaria, na
capacidade de deslocamento rápido e na sua infantaria que vai montada em
tachankas, termina por ressentir-se da diminuição do número de cavalos e da
incapacidade dos dirigentes para organizar, inclusive quando dominam uma
cidade, a produção de armas e munição".[31]
A aliança
entre Makhno e os bolcheviques pretendia resolver essa questão de escassez de
armamento bélico, mas o próprio Makhno desestimulou os operários das indústrias
com sua política "anarco-kulak" e não ajudou a organizar as cidades de forma
que a produção andasse. Na sua concepção, os bolcheviques deveriam fornecer
praticamente tudo, mesmo que estivessem comprometidos com dezenas de fronts.
Mas o que resulta realmente interessante em toda essa situação é que enquanto
Makhno pedia de modo egoísta ao governo soviético as melhores armas para
combater os Brancos, negava-se intransigentemente a requisitar os excedentes
agrícolas produzidos nos férteis campos de Gulai-Pole, para que fossem enviados
aos soldados do Exército Vermelho e aos centros urbanos, com os quais o governo
soviético comprava armas e pagava aos operários das fábricas de munição.
Os conflitos
entre kulaks e operários levaram o
governo soviético a estimular a organização de "Comitês
de Camponeses Pobres" a fim de reagir às
hostilidades e ao egoísmo dos camponeses privilegiados
pelos férteis campos ucranianos. Trotsky discorreu brevemente sobre a
árdua realização desta tarefa:
"O
campesinato ucraniano, isto é, o setor mais pobre, está sendo atraído pela
revolução e adquirindo confiança nela. Da experiência de quase quatro anos
convenceu-se de que, embora muitos regimes tenham entrado e saído na Ucrânia, o
poder soviético retorna cada vez mais forte e organizado do que antes. Os
camponeses pobres compreenderam que o 'kurkul' (designação ucraniana para
'kulak') apoderou-se da revolução, e agora exigem a sua parte. A Revolução de
Outubro abriu caminho na zona rural ucraniana com um atraso de mais de dois
anos. O rápido crescimento e fortalecimento dos 'Comitês de Camponeses Pobres'
significa a organização revolucionária dessa seção do campesinato ucraniano que
é companheira dos trabalhadores urbanos e completamente hostil aos kulaks".[32]
Devemos dizer que, infelizmente, esses progressivos comitês
foram totalmente dispersados e reprimidos por Makhno que, diante das
circunstâncias, já era considerado o braço armado e testa-de-ferro dos kulaks ucranianos. Além disso, as
críticas dos anarquistas concernentes às requisições de grãos e ao "Comunismo de Guerra"
sempre são acompanhadas de pura demagogia. O próprio Makhno tinha sua rede
particular de abastecimento providenciada diretamente pelos kulaks, que se dedicaram
desde o início ao aprovisionamento regular de suas tropas – afinal de contas,
todo exército precisa comer. Não precisa dizer que o centro principal era
exatamente Gulai-Pole, de onde saiam víveres e forragens que eram enviados de
imediato aos fronts. De acordo com Michael Palij: "Os recursos primários de alimentos seriam livres doações dos
camponeses, os espólios da vitória e as requisições de grupos privilegiados".[33] Apesar disso, a guerrilha makhnovista
não tinha nenhum planejamento de organização dos suprimentos; quando
dispersos e distantes de seus territórios não encontraram outra saída, diante
da escassez, senão engajar-se na prática dos saques e pilhagens generalizados: "A provisão de
alimentos era primitiva, no padrão insurgente tradicional, os makhnovistas dispersavam-se
entrando nas aldeias e comia o que Deus enviava; assim não havia nenhuma
escassez, embora houvesse saques e danos irrefletidos ao estoque dos
camponeses. Eu os vi mais de uma vez atirarem nos gados dos camponeses por pura
diversão, entre os berros de mulheres e crianças. (...) Por onde passavam
tomavam os equipamentos daqueles que possuíam, e requeriam alojamentos".[34] Não há como negar, diante dos fatos,
que Makhno praticava seu próprio "Anarquismo de Guerra" criticando
demagogicamente as requisições bolcheviques.
A questão da voluntariedade, explorada até hoje pelos
anarquistas, também não passava de outro engodo. A contradição entre
idealismo (exército voluntário) e necessidade (conscrição) foi o maior problema
encontrado por Makhno no decorrer da guerra civil. A
guerrilha makhnovista era uma força baseada na cavalaria, recrutando
principalmente os camponeses da região de Gulai-Pole. Com o número cada vez
mais reduzido de homens, Makhno enterrou o tão alardeado "recrutamento
voluntário" e mobilizou os camponeses à força. Anunciou-se que a
mobilização seria voluntária, mas aquele que desobedecesse ao chamado era
cruelmente tratado pela polícia secreta de Makhno. De acordo com o historiador
Paul Avrich (simpático ao movimento makhnovista): "O Segundo Congresso Regional Makhnovista,
ocorrido em 12 de fevereiro de 1919, votou a favor da 'mobilização voluntária',
que na realidade significou a completa conscrição, todos os homens fisicamente
capazes e aptos eram requeridos a servir ao exército quando fossem chamados".[35]
E todos aqueles que entravam nas fileiras do Exército
Negro não eram livres para deixá-lo, muito pelo contrário: "Qualquer um que deixa
voluntariamente a tropa makhnovista é considerado como um traidor e é ameaçado
com um sangrento ajuste de contas, especialmente se entrar em uma unidade do
Exército Vermelho. Consequentemente, os 'voluntários' sentem que estão sendo
mantidos sob um domínio de ferro, e não pode deixar a tropa".[36]
Longe de ter
sido um movimento "antiautoritário" e "não-hierárquico", os camponeses makhnovistas seguiam lealmente
seus chefes locais (Atamans, Hetmans, Batkos, Marussias, etc.), que eram
eleitos diretamente pelos clãs cossacos. Nesse aspecto, o movimento de Makhno
foi profundamente personalista. Além de ter denominado seu próprio movimento
como "makhnovista",
o guerrilheiro camponês fora batizado por seus próprios homens de "Batko" ("paizinho"
em ucraniano) e sua esposa Galina de "Mat" ("mãe") ou "Matushka" ("mãezinha"), e isso sem nenhuma objeção de sua parte. O
termo, de certo modo, simbolizava um tipo de hierarquia tradicional muito comum
aos regimentos cossacos que elegia uma figura dominante, um caudilho, para
representá-los e depositar nele total obediência. A maioria dessas guerrilhas
geralmente colocava o culto à personalidade acima do programa político. Trotsky
abordou corretamente que no movimento de Makhno os homens não estavam unidos em
torno de um programa nem de uma bandeira ideológica, mas em torno de um homem.[37]
Alexandre Berkman relata com uma certa admiração este atributo distintivo do
movimento makhnovista:
"Certa
vez, enquanto eu falava com um velho mujique, um verdadeiro patriarca com uma
longa barba, fui surpreendido ao vê-lo tirar sua 'chapka' (tipo de chapéu de
pele usado pelos camponeses ucranianos) com um gesto respeitoso quando o nome
de Makhno foi pronunciado: 'é um bom e grande homem' – disse –, 'que Deus o
proteja!'. (...) concluiu o velho com ardor, dirigindo-se ao ícone suspenso em
um canto da cabana, inclinou-se e benzeu-se; em seguida, virou-se para mim, com
toda majestade de uma devota convicção e disse: 'a profecia de Pugatchev se realizou,
Deus seja louvado!'. (...) 'Certa vez eu disse a Makhno: Paizinho tu és nosso
libertador. De agora em diante serás nosso Batko e juramos te seguir até a
morte!'. (...) Batko? Surpreendi-me. 'Sim', ele respondeu, 'Batko Makhno'.
(...) 'É nosso paizinho, nosso Batko bem-amado, o título mais honorífico que
podemos lhe dar'".[38]
Enquanto alguns
anarquistas afirmam que essa expressão denotava um tom de respeito sem
comportar autoritarismo ou liturgia, outros são forçados a admitir o contrário:
Dmitry Berger diz que "a palavra 'Batko', traduzido ao pé da letra
como 'pai' e 'líder', teve uma conotação espiritual, da mesma maneira que as
denominações cristãs quando se referem aos padres como pais".[39]
Já o anarquista Ben Annis admite que o termo "indicava uma tradicional hierarquia social,
dado a uma figura dominante, e Makhno algumas vezes sucumbiu a comportamentos
ditatoriais de um chefe guerreiro, esquecendo suas convicções igualitárias nas
difíceis circunstâncias da guerra civil e tomando decisões arbitrárias sem
consultar a decisão suprema dos movimentos que tomou corpo através do Congresso
Operário, Camponês e Insurgentes".[40]
De fato, a
relação de Makhno com o povo foi semelhante ao que se produziu durante o regime
de Stálin, onde o "guia genial dos povos" também denominou a si mesmo como um "paizinho". A negação da ditadura do
proletariado forçou os anarquistas a aplicar uma ditadura pessoal, burocrática
e totalitária, apoiando-se na ignorância e nos anseios pequeno-burgueses do
campesinato ucraniano. Sukhogorskaya afirma que a região de Gulai-Pole
havia sido apelidada naqueles tempos de "Makhnogrado" ("A
Cidade de Makhno") e narra como era
natural a relação de vassalagem entre o campesinato e o seu suserano:
"Makhno
amava o poder e o medo que incutiu no povo. Ele desfrutou a estima da população
e todas as pompas do poder. Certa vez eu o vi chegar na cidade com sua esposa
montados em uma carruagem luxuosa rodeada por um tecido azul e puxada por três
cavalos cinzentos. O povo ficava de pé e se curvava, tirando suas 'chapkas'.
Makhno e sua esposa respondiam a seus vassalos com um aceno condescendente. De
fato, ele foi um verdadeiro monarca de Gulai-Pole".[41]
Como figura central e líder absoluto, Makhno impôs a
total obediência de todos os opositores através do medo. Segundo Skirda: "Todos
os destacamentos que se recusassem a reconhecer sua autoridade eram desarmados
e seus comandantes eram levados a um tribunal geral dos insurgentes".[42] Apesar de todo o misticismo
dos contos populares reproduzidos pela fértil imaginação anarquista, as cidades
que caíram sob a jurisdição de Makhno não eram governadas por sovietes, como
tentam passar seus defensores, mas por prefeitos tirados de suas forças
militares, cuja liderança ficava a cargo do RevCom (Comitê Militar Revolucionário), que decidia
praticamente tudo e ignorava os interesses da
população local. Michael Malet diz que "apesar
de garantir que os comandantes das cidades não interferissem na vida civil de
seus cidadãos, eles possuíam enormes poderes. Klein em Alexandrovsk queixou-se
que tudo que fazia era sentar-se em uma escrivaninha e assinar pilhas de papéis".[43]
Já Paul Avrich é mais contundente em sua análise: "Na teoria, o RevCom e o Exército Insurgente estavam sujeitos à supervisão
dos Congressos Regionais. Na prática, entretanto, a direção da autoridade
repousava em Makhno e seu Estado-Maior. Apesar de seus esforços para evitar
qualquer tipo de sujeição ao controle governamental, Makhno designou seus
oficiais mais importantes (o resto eram eleitos por seus próprios homens) e
sujeitou suas tropas à severa e rigorosa disciplina tradicional entre as
legiões cossacas da vizinha região de Zaporozhian".[44]
Em setembro
de 1920, o Conselho Militar Revolucionário do front Sul despachou alguns
representantes ao quartel-general de Makhno na cidade de Ekaterinoslav. Entre
esses representantes estava Vassili Ivanov, que estudou detalhadamente a
organização das tropas de Makhno. Após se familiarizar com a situação do local,
Vassili Ivanov enviou ao Front de Comando um informe detalhado do acampamento
makhnovista, eis um trecho deste informe:
"O regime
é brutal, a disciplina é dura como aço, os rebeldes são surrados no rosto por
qualquer pequena infração, não há eleições para o comando do Estado-Maior,
todos os comandantes até o comandante de companhia são designados por Makhno e
o Conselho de Guerra Revolucionário Anarquista. O Conselho Militar
Revolucionário (RevVoenSoviet) tornou-se uma instituição não-eleita,
insubstituível e incontrolável. Sob o Conselho Militar Revolucionário há uma
'seção especial' que trata de desobediências secretamente e sem perdão".[45]
De acordo com os fantásticos contos anarquistas, a
disciplina no movimento de Makhno era mantida através da responsabilidade de
cada insurgente, sem qualquer coerção vinda de cima (disciplina
"livremente consentida"). Entretanto, como podemos observar, isto não
passa de mais um engodo. Os comandantes makhnovistas, sobretudo os de alta
patente, desfrutavam privilégios e poderes ilimitados sobre seus soldados. Esse
tipo de disciplina, "dura como aço", não era a disciplina
revolucionária de ferro adotada pelo Exército Vermelho, mas a disciplina
tradicional e tribal dos regimentos cossacos. Trotsky, mais uma vez, avaliou
corretamente o informe de Vassili Ivanov afirmando que um exército não poderia,
naturalmente, ser construído sobre os princípios de "liberdade" e "independência", mas era bastante óbvio que no Exército
Vermelho havia muito mais liberdade e respeito para com o ser humano se
comparado com o exército "anarquista" de Nestor Makhno. Assim,
Trotsky dá o seguinte exemplo:
"Quando, não faz
muito tempo, em um de nossos exércitos um responsável e merecido camarada,
durante um estado de extremo excitamento nervoso, golpeou um soldado do
Exército Vermelho, este honrado camarada, que ocupava um posto de responsabilidade,
foi substituído imediatamente, foi afastado e punido. Enquanto isso, na tropa
de Makhno, socos na face são considerados um meio de 'autodisciplina'".[46]
Já a "seção especial" a qual se refere Ivanov nada
mais era do que uma das duas polícias secretas de Makhno. Enquanto os
anarquistas ainda hoje gracejam contra a formação do serviço de segurança
bolchevique, a revolucionária "Cheka" ("Comissão Extraordinária
de Toda a Rússia para Combater a Contrarrevolução, a Especulação, a Sabotagem e
o Abuso de Estado"), silenciam-se diante do fato de Makhno ter criado duas
polícias secretas: a "Konttrazvedka"
("Contraespionagem") e a "Kommissiya
Protivmakhnovskikh Del" ("Comissão de Atividades
Anti-Makhnovistas").[47] Segundo Sukhogorskaya: " Makhno
sabia de tudo o que acontecia em Gulai-Pole, e seu serviço de inteligência
sabia ainda mais. Quando Makhno ordenava seus espiões a descobrir algo, apenas por
'encorajamento', ele assegurava: 'Se você não descobrir, você está morto!',
curto e grosso. E ele realmente matava, sem hesitação. Esse 'encorajamento'
funcionava muito bem, e o serviço de inteligência de Makhno tinha um êxito
incrível".[48]
A principal
força policial, a "Kontrrazvedka", era dirigida com total mão-de-ferro por Zinkovsky
(Lev Zadov) um indivíduo extremamente brutal e sádico, muito semelhante ao
carrasco de Stálin, Lavrenti Beria. Coincidência ou não, após a derrota do
movimento makhnovista, Zadov exilou-se na Romênia e de lá entrou em contato com
a desprezível GPU (a então polícia política stalinista) a fim de negociar seu
retorno à República Soviética e voltar a fazer o que sabia de melhor: torturar
e assassinar bolcheviques. Zinkovsky retornou à URSS em meados dos anos 20 e
serviu lealmente ao seu segundo "paizinho", Josef Stálin. Apesar de
fazer seu trabalho por puro gozo, Zinkovsky seria recompensado posteriormente
por seus generosos serviços: foi fuzilado em 1938 durante os expurgos
stalinistas.[49]
Ainda hoje os anarquistas escondem o fato de que os
serviços de segurança de Makhno não só assassinaram muitos comunistas, mas
também os torturaram. A alegação dada por seus defensores para a criação dessas
duas forças policiais é de que foram o fruto das "condições específicas da
guerra" e que Makhno precisava "proteger-se de seus inimigos, tanto Brancos
como Vermelhos". É realmente cômico (ou tragicômico), pois os anarquistas
ignoram as dificuldades objetivas que o governo soviético teve que enfrentar em
um momento delicado da revolução, mas ao mesmo tempo são compreensíveis com a
maioria das medidas autoritárias adotadas por Makhno, não perdendo inclusive a
oportunidade de utilizar os mesmos argumentos dos bolcheviques para justificar
sua linha política. E viva a dialética!
Através dos informes de Vassili Ivanov, Trotsky expôs
publicamente como os serviços de segurança makhnovista protegiam cuidadosamente
a vida de seu amado chefe: "Para sua
própria proteção, Makhno tem um 'Esquadrão Negro', no qual, como dizem os
próprios makhnovistas, a disciplina é 'diabólica'. Os alojamentos de Makhno são
guardados por um forte pelotão de cinco a sete sentinelas. Não são permitidos
que estranhos se aproximem de Makhno sem que sejam desarmados".[50] Enquanto ninguém podia aproximar-se de Makhno sem que
fosse desarmado por seus "guarda-costas", Lênin tinha sido atingido
por um tiro de pistola em 1918 pela socialista-revolucionária Fanny Kaplan. Já
Uritsky (importante membro do Comitê Central do Partido Bolchevique e chefe da
Cheka de Petrogrado) foi assassinado por um outro socialista-revolucionário na
cidade de Petrogrado. O mesmo ocorreu com Volodarsky (Comissário de Petrogrado para Assuntos da Imprensa, Propaganda e
Agitação). Afinal de contas, que medidas os
bolcheviques deveriam ter tomado senão proteger-se dos virulentos atentados da
reação que desejava destruir o poder soviético e edificar uma "República
de pogroms"? Eis o que disse
Fanny Kaplan após seu infrutífero atentado contra Lênin: "Além de ser a favor da Assembleia
Constituinte (parlamento burguês), eu estou incondicionalmente ao lado do governo
de Samara e na luta contra a Alemanha, lado a lado com os Aliados".[51] O governo de Samara foi uma coalizão
entre socialistas-revolucionários e o Exército Branco, onde em conjunto
massacraram toda a oposição comunista afogando a região em um banho de sangue.[52]
Victor Serge, no seu choramingo usual, diz que "o
maior erro dos bolcheviques foi ter criado a Cheka", mas em seguida afirma
que a Comissão Extraordinária "havia
sido benigna no início, até o verão de 1918", ou seja, exatamente
quando os Brancos e outras facções contrarrevolucionárias tomaram a iniciativa
do terror.[53] O Terror Vermelho foi uma reação ao
terror já promovido pelos numerosos elementos contrarrevolucionários que
desejavam aniquilar a República Soviética. Mas o
terror não se restringiu apenas aos Brancos e socialistas-revolucionários,
algumas facções "anarquistas"
que atuavam em Moscou também utilizaram os velhos e conhecidos métodos
terroristas contra o governo soviético. Em Moscou, a "Guarda Negra"
(chefiada por anarco-individualistas como Lev Chernyi) constituía-se como uma
milícia armada que ameaçava resistir ao Tratado de Brest-Litovsk e assassinar
dirigentes do Partido Bolchevique. Bandidos e criminosos comuns aproveitavam-se
da suposta "liberdade" concedida por este grupo para se infiltrar e
cometer os mais variados crimes, como admite Victor Serge:
"Os
anarquistas estavam divididos em diversos grupos, subgrupos e tendências e
subtendências, do individualismo ao sindicalismo e comunismo, de fato havia
muitos grupos anarquistas armados. (...) Um Estado-Maior Negro dirigia tais
forças, que constituía uma espécie de Estado armado –
irresponsável, incontrolável e descontrolado –
dentro do Estado. Os próprios anarquistas admitiam que elementos
suspeitos, aventureiros, criminosos comuns e contrarrevolucionários estavam
atuando entre eles, mas seus princípios não lhes permitiam recusar a entrada em
suas organizações a nenhum homem, ou sujeitar ninguém ao controle".[54]
Inevitavelmente,
a Guarda Negra seria dissolvida pela Cheka através das armas, já que estavam
armados até os dentes. Mas em julho de 1919, um outro grupo chamado "Anarquistas Clandestinos" (com Lev Chernyi novamente à cabeça), em
união com os socialistas-revolucionários, puseram uma bomba no Comitê do
Partido Bolchevique em Moscou onde ocorria uma reunião de trabalhadores e
dirigentes do governo, assassinando 12 pessoas e ferindo 55, incluindo
Bukharin. A maioria das vítimas deste perverso atentado eram trabalhadores
comuns, simples operários. Entre os mortos encontravam-se: Ignatova (condutor
de trens); Volkova (trabalhadora de uma loja de departamentos); Zargoski
(militante do movimento revolucionário durante vinte anos); Racerenov Nikitin
(entalhador); Nicolaef (secretário da União dos Trabalhadores Ferroviários de
Moscou); Kroptov (um velho professor); Haldina (operária comunista de 18 anos
de idade); Safonov e Titov (moldadores); Kvasha (um dos primeiros organizadores
do "Subbotniki",
trabalho voluntário aos sábados); Kolbin e Tankus (estudantes-operários da
Universidade Sverdlov).[55]
Após o atentado, os "Anarquistas
Clandestinos" cantaram vitória
proclamando uma "nova era de dinamites" que varreria os bolcheviques de toda a
Rússia. Mas para a sua própria surpresa, o resultado veio no dia seguinte: além
da implacável Cheka ter acabado com esses bandidos contrarrevolucionários,
treze mil trabalhadores filiaram-se ao Partido Bolchevique em solidariedade às
vítimas que os anarco-terroristas assassinaram. Quer dizer, enquanto os
anarquistas ultra-esquerdistas isolavam-se cada vez mais dos trabalhadores em
decorrência de suas próprias ações, os trabalhadores voltavam-se cada vez mais
crescente em direção aos bolcheviques; uma relação natural da luta de classes.
Sem dúvida, o terror não foi exclusividade do governo
soviético, e o Terror Negro do movimento makhnovista foi extremamente cruel
nesse aspecto. Segundo relatórios soviéticos, um dos chefes do Estado-Maior de
Makhno, que havia sido pego prisioneiro pelas autoridades bolcheviques, afirmou
que os makhnovistas utilizavam a tortura para "inspirar terror aos seus inimigos". Isto explica perfeitamente
porque Alexandre Berkman utilizava a mesma expressão ao denominar a guerrilha
makhnovista.[56] O próprio
Makhno admitiu que sua "GPU" cometeu abusos e excessos que o deixaram
completamente envergonhado: "No
curso das atividades, os órgãos de contraespionagem do exército makhnovista
cometeram erros ocasionais, a qual me causaram dor e vergonha, peço desculpas
aos prejudicados...".[57]
No congresso anarquista de Alexandrovsk há relatos que afirmam as queixas dos
trabalhadores sobre os atos "arbitrários" e
"incontroláveis" da polícia makhnovista, cuja prática era seguida de
"requisições, prisões, torturas e execuções". Os trabalhadores ainda
exigiram que fossem tomadas sérias medidas para investigar os inúmeros casos de
desmandos. Entretanto, de acordo com Volin, "as condições específicas da
guerra" impediram de levar adiante uma comissão que investigasse o caso:
"Os fatos imediatos não
permitiram a esta comissão levar a cabo sua ação: os combates incessantes, os
deslocamentos dos exércitos e as urgentes tarefas que absorviam todos os seus
serviços, os impediram...".[58] É muito normal
que em um período de guerra civil haja excessos e descontroles; estamos inclusive de acordo que os serviços de segurança da
revolução não podem ser baseados em princípios "pacifistas" e
"humanitários", no entanto, a Cheka foi muito mais responsável
e democrática do que as duas polícias de Makhno juntas. A Comissão
Extraordinária consistia em 18 peritos revolucionários que representavam o
Comitê Central do Partido Bolchevique e o Comitê Executivo Central dos
Sovietes; uma execução só era possível após a decisão unânime de todos os
membros da comissão em reunião plenária. Bastava que um único membro se
expressasse contrário à execução para que a vida do acusado fosse perdoada. O
maior exemplo disso é o caso de Volin, que após ter sido pego prisioneiro só
escapou da execução porque Lênin e Kamenev opuseram-se ao resultado final do
julgamento. Além disso, como dirigente responsável pela Cheka, Félix
Dzerzhinsky preocupava-se bastante com a atuação das Chekas locais, e os abusos
de autoridade geralmente eram punidos quando descobertos.[59]
Como líder absoluto, Makhno utilizou a autoridade militar
da qual dispunha para suprimir adversários políticos. Nos territórios
conquistados, Makhno impôs autoritariamente "sovietes sem
bolcheviques" (chamado eufemisticamente de "sovietes livres"),
reprimindo até mesmo trabalhadores comuns simpáticos ao governo soviético. Makhno dissolveu os comitês revolucionários
dos bolcheviques em Ekaterinoslav e
Alexandrovsk, aconselhando seus membros a se dedicarem a "algum trabalho honesto".[60] Mas o autoritarismo do
guerrilheiro camponês não se restringiu apenas às regiões mais desenvolvidas da
Ucrânia, onde a influência dos bolcheviques era notável. Os anarquistas
costumam descrever o território de Gulai-Pole como um verdadeiro "paraíso na terra",
o único lugar cuja liberdade e direitos humanos prevaleciam em todo o
território soviético durante o período de guerra civil. Porém, este "éden paradisíaco"
nos parece mais uma fábula extravagante do que uma realidade nua e crua.
Segundo Sukhogorskaya, "os corpos dos inimigos eram deixados
expostos nas ruas de Gulai-Pole por algum período de tempo", provavelmente como lição aos inimigos e para impor
medo. Sukhogorskaya explica ainda como os makhnovistas se divertiam em "profanar" os corpos dos defuntos expostos nas ruas "esmagando
suas cabeças com os cascos dos cavalos".[61] Mas tudo isso ainda era pouco diante
da punição que sofriam todos aqueles que passavam a estreitar laços com os
bolcheviques, sujeitos a um implacável ajuste de contas que ia desde o
fuzilamento a torturas que remontavam à Idade Média:
"A
população tinha medo de todas as forças militares, e de Makhno acima de tudo.
Todas elas apareciam durante um certo tempo e partiam de novo, às vezes muito
rápido, e quando Makhno retornava sempre ficava furioso e vingativo. A vingança
dos makhnovistas era terrível. Uma jovem camponesa foi fuzilada em nosso pátio
por ter ousado falar com os Vermelhos quando tomaram o controle da cidade.
(...) Até mesmo suspeitas de coisas pequenas, inofensivas e infundadas, poderia
levar à tortura e até mesmo à morte. Makhno declarou: 'Se apenas uma única
pessoa dar informações ao inimigo eu acabarei com toda a região'. (...) Um dia
eu tive o infortúnio de testemunhar a tortura de uma pessoa suspeita de
traição. Um homem de compleição colossal irrompeu em nosso pátio, empurrando um
jovem camponês e agindo como se isso fosse algum tipo de jogo. O camponês era
de estatura normal, mas ao lado de seu torturador gigante ele parecia uma
criança. O mastodonte imediatamente levou o camponês até o muro e, pressionando
sua cabeça, o ordenou que a batesse contra a parede, e ainda por cima o alertou
que deveria fazê-lo de forma correta e com bastante força. Diversos outros
makhnovistas estavam assistindo, eles começaram a cantar e forçaram o camponês
a dançar. Até aquele momento a cabeça do jovem rapaz estava bastante ferida, o
sangue escorria de sua face e lágrimas desciam de seus olhos, mas os assassinos
o esbofetearam no rosto e lhe ordenaram que continuasse dançando. O pobre diabo
caiu ao chão, era bastante perceptível que ele havia desmaiado. Então os
makhnovistas desembainharam seus sabres e começaram a apunhalá-lo nas costas.
Ele nem mesmo gemeu ou gritou... Este pobre atormentado foi um simples camponês
que os makhnovistas suspeitaram, sem fundamento, de ter dado informações aos
bolcheviques sobre os planos de Makhno".[62]
Nem mesmo
Polonsky, um velho simpatizante bolchevique e comandante do Terceiro Regimento
do Exército Negro, conseguiu escapar da implacabilidade de Makhno. Enquanto
Volin conseguiu salvar sua cabeça por intermédio de Lênin e Kamenev, Polonsky e
outros oposicionistas foram presos pela "Kontrrazvedka"
e fuzilados sem julgamento no quartel-general de Makhno, sob a acusação de
estarem envolvidos em uma suposta "conspiração" com o intento de
criar uma "organização autoritária ilegal". Na teoria, os anarquistas buscam ser os
campeões do "antiautoritarismo", na prática ganham o troféu de
campeões da demagogia... O próprio Makhno era um totalitário incorrigível que
centralizou todo o poder em suas mãos e proibiu todo tipo de atividade política
ao Partido Bolchevique, reprimindo suas seções sob o pretexto de "atentar
contra a liberdade plena das massas" (quer
dizer, dos "kulaks"). Foi
nesse ambiente que Polonsky e outros partidários tentaram organizar células bolcheviques
clandestinas, reivindicando como consigna "sovietes de deputados
operários". Isto foi suficiente para que o "paizinho" os expurgasse do Exército Negro através do
fuzilamento imediato, sem julgamento ou direito de defesa. Os bolcheviques
ainda fizeram um apelo para que Polonsky e os outros acusados fossem julgados
através de um tribunal popular aberto, para que assim pudessem se defender das
acusações, mas Makhno recusou categoricamente este apelo.[63] Segundo as memórias de Ida Mett (amiga pessoal de Makhno e membro do Grupo
"Dielo Trouda" de 1925-28), muitos membros
do Estado-Maior ficaram abatidos com a execução sumária de Polonsky. Volin
chegou a ouvir queixas de diversos soldados no quartel-general, mas sequer deu
atenção ao episódio: "Qual a opinião
de Makhno?" – perguntou Volin – "Se ele disse que essa era a coisa certa a se
fazer então não há o que discutir!".[64] Esta atitude de Volin demonstra que o
temor a Makhno era muito forte. De acordo com Ida Mett, Makhno costumava
afirmar que Volin nunca tinha coragem de expor suas próprias opiniões quando o
"paizinho" estava por perto.
Embora tenha sido cúmplice deste e de muitos outros
assassinatos cometidos pelo Exército Negro, Volin explicitou no exílio uma
série de debilidades que assolavam o movimento makhnovista e o próprio Makhno
em pessoa. O nacional-anarquista Alexandre Skirda criticou essas exposições
feitas por Volin acusando-o de puro "arrivismo". Nos causa estranheza
esta observação, já que Volin dedica pouquíssimas páginas de seu livro à
crítica ao movimento makhnovista (menos de seis de quase duzentas páginas); a
maior parte do conteúdo são fábulas a favor de Makhno e Kronstadt, além de
calúnias incessantes contra os bolcheviques. Ademais, mesmo com as polêmicas
entre ambos no exterior em torno da Plataforma, Volin sempre considerou Makhno
como um "grande gênio militar" e sempre o defendeu daqueles que o
acusavam de antissemitismo. Portanto, não existiria nenhum motivo para Volin
utilizar-se da mentira a fim de sair-se vitorioso em uma suposta "disputa
anarquista". A análise de Skirda nada mais é do que a de um cego
partidário, que muitas vezes cai à beira da loucura e contradição ao defender
causas estranhas ao proletariado.[65]
Sendo assim, vejamos o que diz Volin sobre as debilidades do movimento
makhnovista:
"O maior
defeito de Makhno foi, certamente, o abuso do álcool, ao qual se habituou pouco
a pouco, e que chegava a ser lamentável em certos períodos. O estado de
embriaguez se manifestava nele principalmente no aspecto moral. Fisicamente, se
mantinha firme, mas se voltava maligno, superexcitado, intratável, violento.
Quantas vezes, durante minha estadia no exército, o observei desesperado, sem
poder tirar nada de razoável deste homem por seu estado anormal – e isto em
assuntos de grave importância! Sem falar que em algumas épocas isso chegou a
ser quase um estado normal. O segundo defeito de Makhno, e de alguns de seus
íntimos – comandantes ou não –, foi sua atitude em relação às mulheres.
Sobretudo em estado de embriaguez, estes homens cometiam atos inadmissíveis – odiosos,
seria a palavra correta –, chegando a realizar orgias em que certas mulheres
eram obrigadas a participar. Nem precisa dizer que tais atos libertinos
causavam um efeito desmoralizador a quem se inteirava deles. E o bom renome do
comando se ressentia. Esta má-conduta moral entranhava-se fatalmente a outros
excessos e abusos. Sob a influência do álcool, Makhno tornava-se irresponsável
de seus atos, cujo controle perdia totalmente. E então era o capricho pessoal,
apoiado às vezes na violência, que substituía bruscamente o dever
revolucionário: o arbitrário, os despropósitos absurdos, as estranhas
ocorrências, os arremedos ditatoriais de um chefe armado, substituindo
estranhamente à calma, a reflexão, a clarividência, a dignidade pessoal, o
domínio de si, o respeito ao próximo e à causa, qualidades que não deveria ter
abandonado jamais um homem como Makhno. O resultado inevitável destes desvios e
aberrações foi um excesso de sentimento guerreiro, que conduziu à formação de
uma espécie de camarilha militar ao seu redor, que muitas vezes tomava decisões
e realizava atos sem levar em consideração a opinião do Conselho ou de outras
instituições. (...) Perdida a noção das coisas, permitia-se desprezar tudo que
lhe fosse alheio, e assim afastava-se cada vez mais da massa dos combatentes e
da população trabalhadora. (...) Uma noite, em que o Conselho tratava a
má-conduta de certos comandantes, Makhno se apresentou, completamente
alcoolizado e superexcitado ao extremo. Puxou seu revólver, apontou para os
presentes, movendo-lhe de um lado para outro, enquanto lhes insultava
grosseiramente. E saiu em seguida, sem querer ouvir nada".[66]
Eis a moral
espontaneísta levada aos seus últimos extremos. De um lado, ações que refletem
a falta de disciplina e moral revolucionárias, obrigando mulheres a manter
relações sexuais à força – ou seja, eram
estupradas; do outro, a arbitrariedade de um ditador absoluto, pronto a decidir
tudo pela maioria através do veto e do cano de um revólver. Considerar esse
movimento como "alternativa ao
bolchevismo" é realmente uma piada de
muito mau gosto!
Em relação ao
álcool, há informes apontando que os soldados makhnovistas dirigiam-se aos
fronts de guerra completamente bêbados. Os comissários bolcheviques da Terceira
Brigada informaram que era necessário estimular neles o espírito da disciplina
revolucionária, supervisioná-los e, se possível, dar-lhes assistência
psicológica. Makhno, porém, resolveu a questão do seu modo mais característico:
sujeitou os soldados a rigorosas punições com chicotadas e espancamento
público. Além disso, o chefe tribal e seus oficiais de alta patente não perdiam
a oportunidade de colocar-se acima de suas próprias leis e do próprio povo.
Klein, por exemplo, utilizou-se da autoridade civil e militar que dispunha em
Alexandrovsk para emitir uma proclamação que proibia a população de abusar das
bebidas alcoólicas e a mostrar-se nas ruas em estado de embriaguez; entretanto,
o mesmo promovia distúrbios sobre os efeitos do álcool, abusando de sua
autoridade de "prefeito militar". De modo semelhante, Sukhogorskaya afirma que
em estado de estupor alcoólico Makhno tornava-se agressivo e mandava torturar
ou matar quem ele quisesse:
"Não
somente os aldeões comuns temiam Makhno, mas também seus próprios camaradas de
armas. Uma vez eu testemunhei como Makhno espancou um makhnovista bêbado com um
chicote arrastando-o pelas ruas por algum tipo de má-conduta fútil; o homem
curvou-se e beijou os seus pés e os cascos de seu cavalo, chorando e
implorando: 'Perdoe-me, Batko, eu não o farei novamente!'. Porém, isso não
significa que Makhno fosse contrário ao álcool em princípio. Ele apenas punia
aqueles que bebiam 'precocemente' em situações de perigo quando o inimigo
estava próximo. Ele próprio só bebia em seu tempo livre quando não estava
ocupado com assuntos militares. Mas também quando bebia tornava-se um completo
demônio. Nesse estado ele ficava fora de si e matava qualquer inimigo pessoal
ou torturava e executava prisioneiros. Uma vez quando ele estava bêbado mandou
matar 13 prisioneiros de guerra, fuzileiros siberianos comunistas, por puro
prazer".[67]
O ano de 1920
foi decisivo para ambas as forças, os conflitos entre Makhno e o governo
soviético chegaram a ponto de ebulição. No início de janeiro, os bolcheviques
entraram em contato com Makhno solicitando que seu exército tomasse posições na
fronteira polaca. Makhno negou-se a ajudar os bolcheviques e deu início a uma
feroz guerra civil contra a República Soviética que durou cerca de oito meses.
O Exército Negro atacou destacamentos bolcheviques, destruindo sua linha de
suprimento; invadiu instituições soviéticas; fuzilou comunistas; destruiu
estradas de ferro; saqueou trens destinados a fábricas, etc. Alguns destes atos
foram detalhadamente retratados pela amante de Makhno em um diário encontrado
pelas autoridades bolcheviques enquanto as tropas makhnovistas batiam em
retirada. Tais ações haviam sido praticadas em um período em que o Estado
operário enfrentava os Guardas Brancos poloneses e as tropas do Barão Wrangel,
armados até os dentes pelos imperialistas. Vejamos os trechos deste diário na
íntegra:
23 de fevereiro de
1920 – Nossos rapazes capturaram alguns agentes bolcheviques, os quais foram
fuzilados.
5 de fevereiro de
1920 – Mudamos para Mayorovo. Capturamos três representantes do 'prodotriadi'
(coletores de grãos) e os fuzilamos.
1º de março de
1920 – Assim que os rapazes chegaram, informaram a Makhno que Fedyukin, um
comandante do Exército Vermelho, havia sido pego prisioneiro. Makhno o chamou,
mas o mensageiro retornou com a notícia de que os rapazes não conseguiram ficar
com ele – pois estava ferido – e o fuzilaram a seu pedido.
7 de março de 1920
– Em Varvarovka. Makhno ficou muito bêbado, começou a gritar palavrões nas ruas
em uma linguagem impublicável. Chegamos em Gulai-Pole, e algo incrível ocorreu
sob as ordens embriagadas de Makhno. Os cavalarianos utilizaram os seus
chicotes e as coronhas de seus rifles contra todos os ex-guerrilheiros
Vermelhos que encontraram nas ruas. Eles atacaram como uma horda furiosa na
direção de pessoas inocentes... Dois deles tiveram suas cabeças quebradas e um
deles foi arrastado até o rio...
11 de março de
1920 – Ontem à noite os rapazes pegaram dois milhões de rublos e hoje todos
eles ganharam mil cada.
14 de março de
1920 – Hoje nos mudamos para Mikhailovka. Um comunista foi morto aqui.
5 de junho de 1920
– Na estação de Zaitsevo, Makhno cortou as comunicações de telefonia e
telégrafo, o trilho na frente e atrás do trem de nº 423 foram arrancados, a
propriedade do trem foi saqueada e todos os comunistas cortados em pedaços.
16 de julho de
1920 – Makhno invadiu a estação Grishino, onde ele permaneceu por três horas.
14 oficiais de sovietes e organizações operárias foram fuzilados, comunicações
de telégrafo destruídas e os depósitos de comida dos ferroviários foram
saqueados.
26 de julho de
1920 – Makhno invadiu a junção de Konstantinogrado e oitenta e quatro homens do
Exército Vermelho foram assassinados em dois dias.
12 de agosto de
1920 – Em Zenkovo, Makhno assassinou dois comunistas ucranianos e sete oficiais
de organizações operárias e rurais.
12 de dezembro de
1920 – Uma invasão em Berdiansk. Durante três horas os anarquistas de Makhno,
conduzidos por ele próprio, assassinaram 83 comunistas, incluindo Mikhalevich,
um dos melhores operários ucranianos, torcendo seus braços, arrancando pernas, rasgando
estômagos, abaionetando e retalhando-os até a morte.
16 de dezembro de
1920 – Um trem foi descarrilado entre Sinelnikovo e Alexandrovsk. Cerca de cinquenta
comunistas, operários e homens do Exército Vermelho foram mortos.[68]
Do mesmo modo que a maioria dos regimentos partisans de
base essencialmente rural, Makhno também resistiu ao trabalho dos comissários
operários na Terceira Brigada, e isto só contribuiu para a degeneração de suas
próprias unidades. Segundo informes, alguns bolcheviques que ainda faziam parte
da Terceira Brigada chegaram a solicitar ao Conselho Militar Revolucionário que
enviasse os melhores comissários operários às seções de Makhno, entretanto, com
a permanente perseguição e hostilidade, muitos operários rejeitaram tal pedido.
Segundo um informe de um comissário que se encontrava no regimento makhnovista,
a falta de operários políticos só contribuiu para que o Exército Negro se
afundasse ainda mais no "banditismo,
alcoolismo e antissemitismo".[69]
Não há dúvida que a base social da "Makhnovshchina" (o atrasado kulak ucraniano) contribuiu
incontrolavelmente para a disseminação de tais vícios em suas fileiras. O preconceito antissemita era muito forte entre o
campesinato russo e ucraniano. Após a Revolução de 1905, o governo
czarista esforçou-se ao máximo para tentar convencer a população de que todos
os males ocorridos na Rússia eram culpa dos judeus. Em
1911, a administração czarista deu início à encenação teatral do "Caso
Beilis", onde acusava um trabalhador judeu da região de Kiev de ter
assassinado uma criança "cristã" a fim de obter seu sangue para um
ritual secreto. A polícia secreta czarista (Okhrana) ficou encarregada
de propagar entre a população o libelo de sangue e os
"Protocolos dos Sábios de Sião"
– manuscritos fraudulentos que foram criados
com a finalidade de intensificar a perseguição aos judeus e desviar a atenção
das massas para os problemas reais do país. Qualquer tentativa de subversão por
parte dos movimentos revolucionários era classificada como uma
"conspiração mundial judaico-comunista". Grupos paramilitares como as
"Centúrias Negras" foram organizados para levar a cabo pogroms (massacres) contra judeus e
comunistas em todo o território do Império Russo. A religião, por sua
vez, desempenhou um papel não menos importante na
propaganda antissemita; além de ter sido uma das principais forças utilizadas
pelo czarismo para a "russificação" das populações conquistadas, a Igreja
Ortodoxa disseminava o antissemitismo entre o povo classificando os judeus como
"sanguinários assassinos de cristãos". Para piorar a situação, o
analfabetismo atingia a maior parte da população ucraniana (cerca de 83%), cuja
maioria constituía-se de camponeses. Sentimentos
nacionalistas e raciais solidificaram-se de modo intenso na tradição popular
ucraniana e o antissemitismo tornou-se praticamente uma "norma
social".[70]
O papel desempenhado por vários judeus no Partido
Bolchevique e na Revolução Russa também foi largamente explorado pelos Brancos
para a propaganda antissemita durante a guerra civil. O
Exército Branco esforçou-se até o fim da guerra em vincular a Revolução Russa
com um suposto "complô judeu". Os generais Brancos distribuíam cópias
dos Protocolos aos seus soldados nos fronts e produziam
uma vasta quantidade de charges retratando os bolcheviques – e, em particular,
Trotsky – como "demônios judeus". Na Ucrânia, em particular,
espalhavam que os judeus pretendiam bolchevizar todo o país e acabar com o
cristianismo. Vale lembrar a preocupação de Trotsky em torno dessa questão
quando Lênin o indicava para certas posições no comando do Estado operário: "Não é
arriscado dar aos nossos inimigos arma suplementar que seria a minha origem
judaica?", e Lênin respondia
indignado: "Fazemos uma grande revolução internacional. Que importância podem ter
bobagens como esta?". A preocupação de Trotsky mostrou-se parcialmente
justificada, durante a guerra civil os numerosos exércitos contrarrevolucionários
não só realizaram uma intensa propaganda antissemita como também promoveram os
maiores crimes contra a população judaica muito antes do surgimento do nazismo.
Só na Ucrânia deixaram um saldo de mais de 1.000 pogroms, 125.000 judeus mortos
e 40.000 feridos, sem contar a devastação generalizada deixada pelos saques e
pilhagens.[71] A
propaganda antissemita dos russos Brancos mostrou-se tão alarmante que em março
de 1919 Lênin pronunciou um discurso por gramofone sobre a situação:
"O antissemitismo
quer espalhar a inimizade contra os judeus. Quando a maldita monarquia czarista
se encontrava em fase terminal tentou incitar os operários e camponeses
ignorantes contra a população judaica. A polícia czarista, em aliança com os
latifundiários e capitalistas, organizou pogroms generalizados. Os
latifundiários e capitalistas tentaram desviar o ódio dos operários e
camponeses que haviam sido torturados para colocá-los contra os judeus. Em
outros países também observamos frequentemente os capitalistas fomentarem o
ódio contra os judeus a fim de cegar os trabalhadores e desviar sua atenção do
verdadeiro inimigo, o capital. O ódio contra os judeus só persiste nesses
países onde a escravidão dos latifundiários e capitalistas criou uma ignorância
abismal entre o operariado e o campesinato. Somente os elementos mais
ignorantes e tiranizados podem acreditar nessas mentiras e calúnias que estão
espalhando sobre os judeus. Isto é um costume dos antigos tempos feudais que
ainda tenta sobreviver, quando os padres queimavam hereges na fogueira, quando
os camponeses viviam na escravidão e quando o povo era subjugado e
inarticulado. Esta antiga ignorância feudal está desaparecendo; os olhos do
povo estão se abrindo. Não são os judeus os inimigos do povo trabalhador. Os
inimigos dos trabalhadores são os capitalistas de todos os países. Entre os
judeus encontram-se a classe trabalhadora, e eles formam a maioria. Eles são
nossos irmãos que, como nós, são oprimidos pelo capital; eles são nossos
camaradas na luta pelo socialismo. Entre os judeus há kulaks, exploradores e
capitalistas, da mesma maneira que há entre os russos e povos de todas as
nações. Os capitalistas se esforçam para semear e fomentar o ódio entre os
trabalhadores de diferentes crenças, nações e raças. Aqueles que não trabalham
são mantidos no governo pelo poder e pela força do capital. Judeus ricos, como
russos ricos e ricos de todos os países, estão em aliança para oprimir,
esmagar, roubar e desunir os trabalhadores. Nos causa vergonha o maldito
czarismo que torturou e perseguiu os judeus. Nos causam vergonha todos aqueles
que fomentam o ódio contra os judeus e outras nações. Longa vida à aliança
fraterna e combativa dos trabalhadores de todas as nações na luta pela
destruição do capital!".[72]
No interior do Partido Bolchevique Lênin criou um ambiente
tal que qualquer forma de manifestação antissemita, por mais ínfima que fosse,
era tratada com a expulsão imediata: "O problema da luta contra o antissemitismo
deve figurar no programa educacional do partido... O partido deve criar uma
atmosfera na qual o antissemitismo virulento deve acarretar na expulsão do
partido".[73]
Esta luta implacável de Lênin contra o preconceito medieval antissemita
nos faz relembrar a posição dos primeiros ideólogos anarquistas em relação à
questão judaica. Sabemos perfeitamente que tanto Bakunin como Proudhon estavam
mergulhados no mais profundo e obscuro preconceito antissemita resultante de
sua época. Seguindo a forma de pensar do nacionalismo
russo, Bakunin utilizou argumentos nada agradáveis em polêmica contra
Marx no seio da Primeira Internacional, afirmando que o comunismo marxista e o
capital financeiro "trabalhavam juntos para promover os interesses dos judeus":
"Sendo
ele próprio judeu, Marx tem ao seu redor uma multidão de judeus. Eles têm um pé
nos bancos e o outro no movimento socialista. Agora, este mundo judeu – que
constitui uma seita exploradora, um povo sanguessuga e parasitas vorazes – está
intimamente unido não só nas fronteiras nacionais, mas também através das
diferenças de opinião política. Mantém-se na maior parte à disposição de Marx,
e ao mesmo tempo à disposição de Rothschild. (...) Tudo isso pode parecer
estranho, o que pode haver em comum entre o socialismo e um banco dirigente? O
assunto é que o socialismo autoritário, o comunismo marxista, pede uma forte
centralização do Estado. E onde tenha centralização do Estado, tem que haver
necessariamente um banco central, e onde exista tal banco, ali encontraríeis a
nação judia parasita, especulando com o trabalho do povo".[74]
Bakunin (que
apesar da retórica antiautoritária ele mesmo era um autoritário da cabeça aos
pés) não via nenhuma diferença entre um judeu operário e um judeu burguês; para
ele, a origem "racial" do povo judeu estava acima de qualquer coisa.
Seguindo essa linha de raciocínio, Bakunin atacou todos os judeus em geral,
independentemente de sua classe social ou ideologia política. Eis sua
apreciação sobre o assunto:
"Podemos
observar na ligação com os judeus atuais que a sua natureza possui poucas
ligações com o socialismo franco. A sua história, muito antes da era Cristã,
implantou-lhes uma tendência essencialmente burguesa e mercantilista. Como uma
nação, são por excelência os exploradores do trabalho dos outros homens. Estou
consciente de que ao exprimir a minha oposição aos judeus me exponho a enormes
perigos, pois a seita judaica constitui hoje um poder verificável na Europa.
(...) É, sobretudo, na Europa Oriental onde a exploração judia exerce suas
depredações mais desapiedadas e mais excessivas. Em todos esses países o povo
detesta os judeus; detesta-os até o ponto de toda revolução popular vir
acompanhada de uma matança de judeus; consequência natural, mas que em modo
algum propicia que os judeus sejam partidários da revolução popular e social.
(...) Essa mescla com a burguesia do país de seu nascimento é mais aparente do
que real. No fundo, os judeus de cada país são somente amigos dos judeus de
todos os países, independentemente de todas as diferenças que possam existir
entre suas posições sociais, o grau de sua instrução, suas opiniões políticas e
seus cultos religiosos. Não é já o culto supersticioso de Jeová o que hoje
constitui como tal o judeu; um judeu batizado segue sendo judeu. Há judeus
católicos, protestantes, panteístas e ateus, judeus reacionários, liberais, até
mesmo judeus democratas e judeus socialistas. Mas antes de tudo são judeus, e
isso estabelece entre todos os indivíduos dessa raça singular, por cima de
todas as posições religiosas, políticas e sociais que lhes separam, uma união e
uma solidariedade mútuas indissolúveis. (...) Amplo cosmopolitismo e estreiteza
nacional ao mesmo tempo, tal é o primeiro rasgo. O segundo, burguês e
explorador da cabeça aos pés, adversário instintivo da revolução popular. Consequência
natural: é, em todo caso, partidário da civilização burguesa, da ordem
burguesa, da dominação dos bancos e da poderosa centralização dos Estados. Não
é apenas só por interesse, mas também por convicção sincera. Todo judeu, por
ilustrado que seja, conserva o culto tradicional da autoridade: é o legado de
sua raça, o sinal manifesto de sua origem oriental".[75]
Já Proudhon
conseguia ser pior que Bakunin exercendo o papel de antissemita asqueroso. Além deste personagem se opor à organização partidária, à luta
pelos direitos femininos,[76]
aos sindicatos e greves, e advogar pela colaboração de classes, ele declarava
aberta e universalmente um ódio imensurável contra os judeus, intercedendo
inclusive pelo holocausto:
"Esta raça envenena
tudo ao intrometer-se em qualquer assunto. É necessário exigir sua expulsão da
França, à exceção dos homens casados com mulheres francesas, proibir as
sinagogas, não admiti-los em nenhum emprego e procurar a abolição final desta
seita. O judeu é inimigo da humanidade e é necessário enviar esta raça de volta
à Ásia, ou simplesmente exterminá-la. Pelo fogo ou pela expulsão o judeu deve
desaparecer. O que os povos da Idade Média detestavam por instinto, eu detesto
por reflexão, e de modo irrevogável. (...) H. Heine, A. Weil e tantos outros
são simplesmente espiões secretos. Rothschild, Crémiuex, Marx, Fould são homens
maus, coléricos, invejosos, amargos, etc. etc., que odeiam a todos nós".[77]
Não há dúvida que os makhnovistas realizaram os desejos
ardentes de Proudhon de eliminar os judeus "pelo fogo", literalmente.
Apesar de Makhno ter se declarado como um inimigo mortal do antissemitismo e
contar com alguns judeus entre seus colaboradores, muitos de seus partidários
campesinos estavam imbuídos de preconceitos antissemitas e cometeram os mais
terríveis crimes contra a população judaica. Alguns desses crimes foram punidos
com rigidez, dois deles são citados com um certo orgulho pelos próprios
anarquistas. O primeiro ocorreu em princípios de maio de 1919, quando o
Estado-Maior makhnovista dirigia-se a Gulai-Pole para uma conferência com Lev
Kamenev e outros representantes da República Soviética no seu quartel-general.
Na estação "Verkhnii Tokmak" ambos observaram um cartaz com os dizeres: "Morte aos
judeus! Salve a Rússia! Longa vida a Batko Makhno!". De acordo
com a literatura anarquista, Makhno mandou chamar o responsável pelo cartaz e o
fuzilou pessoalmente.[78]
O segundo episódio ocorreu em 12 de maio do mesmo ano na pequena colônia
judaica de Gorkaya (próxima a
Alexandrovsk), onde 20 judeus foram assassinados por sete camponeses adeptos de
Makhno. Uma comissão foi instaurada para investigar o caso e os sete camponeses
foram sumariamente executados.[79]
Mas se por um lado certos crimes contra a população judaica
foram severamente punidos, outros foram completamente ignorados. Antissemita ou
não, Makhno era um grande oportunista, e seu dilema de punir ou não punir cada
ato de pogrom chocava-se com a falta
de homens para manter sua guerrilha camponesa de pé. O oportunismo de Makhno
atingiu o ápice em julho de 1919, quando não pensou duas vezes antes de
apoderar-se das tropas antissemitas do Ataman Grigoriev depois de tê-lo
fuzilado.
Nikifor Grigoriev foi um ex-oficial czarista que em 1919
rebelou-se contra os bolcheviques e organizou-se através do Exército Verde dos socialistas-revolucionários.[80] Aventureiro, cossaco e camaleão
político da pior espécie, Grigoriev chegou a prestar ajuda aos Sovietes
Ucranianos capturando a região de Odessa. Por intermédio de Antonov-Ovseenko,
aliou-se aos Guardas Vermelhos, mas desde o início não inspirou nenhuma
confiança ao poder central bolchevique, no qual alertou reiteradas vezes sobre
sua má-conduta e cobiça. As exigências de Grigoriev eram inaceitáveis, porém,
muito semelhantes às exigidas por Makhno: "1) Livre organização; 2) Todas as armas, garantias e equipamentos devem
ser deixados à nossa disposição; 3) Não tocar em nossos postos e títulos; 4)
Garantia de nenhuma interferência nos assuntos domésticos em nosso território,
tropas e espólios que tomarmos em combate".[81]
Quando Anatol Skachko (comandante do grupo de Kharkov,
Segunda Divisão do exército ucraniano) dirigiu-se aos territórios controlados
por Grigoriev observou com seus próprios olhos o caos gerado pela liberdade
absoluta e irrestrita: não havia nenhum sinal de organização e trabalho
político, por conseguinte, os camponeses grigorievistas encontravam-se bêbados,
ociosos e disseminando o ódio antissemita entre as tropas.[82] É evidente que as propostas de
"livre organização" e "liberdade incondicional" foram
rejeitadas pelo poder central. Logo, os comissários operários foram designados
para exercerem suas funções de supervisão, organização e trabalho político. Em
reação, os socialistas-revolucionários (que exerciam uma forte influência entre
os grigorievistas) criaram o "Bureau Informacional", um tipo de
administração política que tentava impedir o trabalho dos comissários no
interior da brigada. Não por acaso, após rebelar-se contra o governo soviético,
Grigoriev passou a adotar a bem-conhecida demagogia de "sovietes
livres" para eliminar fisicamente os comunistas. Em uma de suas cartas
endereçadas ao regimento de Makhno afirmou que os motivos de sua revolta tinham
sido a "repugnância de seus soldados
contra as requisições bolcheviques e as ordens dos chekistas e comissários".[83] De fato, os chekistas e comissários
eram impiedosos contra todos aqueles que pretendiam transformar as regiões
conquistadas em uma República de pogroms.
Apelidado pelos kulaks de "Anjo
Verde", Grigoriev conservava os mesmos preconceitos antissemitas
compartilhados pelas massas rurais ucranianas, tendo se destacado, ao lado de Petliura,
como um dos mais asquerosos antissemitas durante toda a guerra civil. Após
proclamar sua rebelião contra os bolcheviques, redigiu um chamamento universal
dirigido "Ao Povo da Ucrânia e aos
Soldados do Exército Vermelho Ucraniano", anunciado que o país estava
sendo dominado por judeus recrutados diretamente de Moscou e conclamava o fim
da "ditadura partidária",
"da violência tanto de Direita como
de Esquerda" e "por um
governo do povo ucraniano", ou seja, uma plataforma política não muito
diferente da dos makhnovistas. Grigoriev também exortou o sentimento religioso
para despertar "a consciência das massas", escondendo-se por detrás
da demagogia católico-cristã. Entre maio e junho de 1919, Grigoriev conseguiu
ocupar regiões importantes como Elisabethgrado, Kremenchug, Cherkassy e Kherson, onde os
grigorievistas assassinaram cerca de 10.000 pessoas (três mil só em
Elisabethgrado, palco de um dos maiores pogroms
já cometidos em toda a história da Ucrânia), a maioria de suas vítimas eram
bolcheviques e judeus, mas os anarquistas também estavam em sua lista. Era mais
do que necessário julgá-lo pelas atrocidades cometidas; não só ele como todo o
seu bando.
Porém, entre os bastidores, Makhno e Grigoriev tentavam
costurar uma aliança quando ambos ainda faziam parte das fileiras do Exército
Vermelho, com a única e exclusiva intenção de "combater os bolcheviques e os Brancos em conjunto". Na
primavera de 1919, o Comitê Militar Revolucionário recebeu informações secretas
de um simpatizante bolchevique que estava nas fileiras do exército de Makhno, afirmando
que o Estado-Maior tinha enviado um emissário ao acampamento de Grigoriev a fim
de discutir "termos para uma aliança".
Felizmente, a Cheka conseguiu prender os conspiradores a tempo.[84] Em represália, os serviços de segurança
de Makhno encarcerou o informante e todos os comissários bolcheviques,
acusando-os de "espionagem". Quando Antonov-Ovseenko dirigiu-se ao
quartel-general de Makhno para negociar a soltura deles não se esquivou em
perguntar sobre as suspeitas de um complô que pairavam em torno do Estado-Maior
do Exército Negro, e Makhno admitiu que tinha enviado um emissário ao
acampamento de Grigoriev, mas, como subterfúgio, afirmou que a intenção era
"descobrir seus planos e propostas".
Ingenuamente, Antonov-Ovseenko respondeu ao poder central soviético que o
complô urdido não passava de um "infeliz engano" e que tanto
Grigoriev como Makhno "inspiravam total confiança". O resultado veio
dias depois em uma breve mensagem de Khristian Rakovsky (Presidente do Conselho
dos Comissariado do Povo da Ucrânia): "Grigoriev
rebelou-se. Tomem muito cuidado! (fim da mensagem)".[85] A rebelião de Grigoriev havia
estourado no nariz de Antonov, com ou sem o consentimento de Makhno.
No início da "Grigorievshchina",
Makhno tomou uma posição de cínica neutralidade, mantendo uma postura defensiva
e independente no conflito, mesmo Grigoriev proclamando universalmente o
extermínio de judeus e comunistas, e conclamando uma união das diversas forças contrarrevolucionárias
(incluindo os Brancos) contra os bolcheviques. O governo soviético tentou
forçar o Exército Negro a tomar uma posição, enviando-lhe um telegrama em 12 de
maio de 1919. O caráter reacionário do movimento makhnovista manifestou-se
explicitamente quando Makhno convocou seu Estado-Maior para uma decisão sobre o
caso, alguns de seus homens declararam-se desfavoráveis a lançar um ataque
contra Grigoriev: "Uma discordante
nota veio de Yakiv Ozerov, chefe do Estado-Maior de Makhno, que chamou os
homens de Grigoriev de 'nossos irmãos' e sugeriu uma aliança com a sua rebelião".[86] De fato, as forças de Makhno não se
distinguiam muito das de Grigoriev, ambas eram semelhantes em muitos aspectos,
tanto na sua composição e método organizativo como na sua base social (kulaks), a única diferença residia no
subjetivismo ideológico, onde Makhno apoderou-se do anarquismo como estandarte
de seu movimento. Mas apesar das discordâncias entre a camarilha militar,
Makhno encarregou seu serviço cultural de publicar uma proclamação que atacava
não só Grigoriev mas também os bolcheviques, chamando estes últimos de
"inimigos dos trabalhadores".
Ainda no ano de 1919, o Exército Vermelho comandado por
Dybenko assestou duros golpes contra Grigoriev e seu exército. Pressionado
entre as tropas Vermelhas de um lado e o Exército Branco do outro, Grigoriev
sofreu uma série de derrotas e se viu obrigado a fugir para os territórios
controlados por Makhno. Lá, ambos finalmente estabeleceram uma aliança onde os
dois contingentes fundiam-se em um único exército pela "sagrada causa de
libertar a Ucrânia dos estrangeiros". Grigoriev ficou encarregado do
comando militar do exército tornando-se comandante-em-chefe (máxima autoridade
militar) e Makhno incumbiu-se da direção política do exército comum, exercendo
a função de Presidente do Conselho de Insurgentes (máxima autoridade civil).
Segundo Makhno: "Em julho de 1919 eu
me encontrava em um fogo cruzado entre Denikin e Trotsky. (...) Foi quando
entrei em contato com o famoso Grigoriev, o Ataman da região de Kherson.
Enganado pelos rumores inanes que circulavam sobre mim e o movimento
insurgente, Grigoriev buscou concluir uma aliança comigo e meu Estado-Maior a
fim de empreender uma campanha combinada contra Denikin e os Bolcheviques".[87] Grigoriev persuadiu Makhno a expelir
todos os judeus do Exército Negro e a dar continuidade à política de pogroms; apesar de não ter aceito esta
proposta, ameaçando Grigoriev com punição, Makhno mesmo assim levou adiante a
aliança, independentemente das ideias e posturas reacionárias do "famoso Ataman de Kherson".[88] Por um lado, esse acordo coincidia
com a degeneração nacionalista a qual o Exército Negro vinha sofrendo ao longo
da guerra civil; por outro, resultou em uma manobra oportunista levada a cabo
por Makhno para usurpar todo o contingente de Grigoriev.
De todo modo, a aliança terminou mal para este último.
Depois de firmado o pacto, Makhno sugeriu ao Ataman que suas tropas
atravessassem a cidade de Elisabethgrado. Os grigorievistas não declinaram:
penetraram na cidade, pilharam-na completamente e conduziram mais uma série de
terríveis pogroms, assassinando
judeus, comunistas e, para o azar da aliança "Verde-Negra", também
anarquistas. Três notórios militantes que publicavam o "Elisabetski Nabat" foram
brutalmente assassinados: Vishnievsky (um repatriado político de
Chicago-EUA) e os irmãos mais jovens de Zinoviev e Steklov (editor-chefe do
jornal Izvestia de Moscou).[89] O governo soviético, por sua vez,
exercia o papel de Estado-Maior da revolução proletária: não só denunciou essa
aliança oportunista e os pogroms
realizados, como também levantou provas de que o Ataman estabelecia acordos
secretos com os inimigos dos sovietes. Em 16 de julho de 1919, Grigoriev
direcionou uma carta secreta ao dirigente nacionalista Symon Petliura propondo
uma aliança em prol de um governo de frente popular, as exigências foram
enumeradas da seguinte forma: "1) A independência da Ucrânia; 2) A
realização dos desejos do povo; 3) A autoridade máxima nos Congressos dos
Conselhos Ucranianos; 4) A transferência de toda a autoridade local para os
Conselhos Operários, Camponeses e Deputados Cossacos; 5) A liquidação do
Diretório (Rada) e a criação provisória de um Soviete Supremo da República com
elementos socialistas, cuja autonomia deve ser dada ao regime do sovietes na
República Ucraniana Independente".[90] É claro que Petliura rejeitou tal
proposta, já que significaria o próprio fim da administração burguesa da Rada
Central (Assembleia Constituinte dos Deputados da Ucrânia). Mas além dos
nacionalistas, os Brancos também foram contemplados com as generosas propostas
de Grigoriev, que entrou em contato com emissários de Denikin e propôs uma "coalizão contra os bolcheviques".
Qual foi a
atitude de Makhno frente às ações executadas pelo "famoso Ataman de Kherson"? Mesmo com
todas as provas e evidências, sobretudo contra pogroms, Makhno solicitou a Grigoriev que apresentasse provas de
sua inocência e demonstrasse que as acusações eram falsas: "Eu requeri que, dentro de duas semanas, o
Ataman Grigoriev fornecesse ao meu Estado-Maior e ao soviete do Exército
Insurgente documentos que provassem que todos os informes de pogroms levados a
cabo por ele em duas ou três ocasiões contra os judeus de Elisabethgrado eram
infundados".[91]
Makhno esperou não duas semanas, mas três; foram exatamente três semanas de
ações conjuntas contra os bolcheviques. O fim
da aliança Verde-Negra só veio a ocorrer em 27 de julho de 1919. Após bater em
retirada sobre a ofensiva do Exército Branco, Grigoriev recebeu um chamamento
de Makhno para participar de uma "assembleia pública" convocada pelos
anarquistas para que pudesse defender-se das acusações – um direito que não foi
concedido a Polonsky e outros partidários bolcheviques. Esta assembleia reuniu
diversos destacamentos cossacos da região de Tauride, Kherson e Ekaterinoslav,
onde Grigoriev foi sumariamente executado após um julgamento tenso e caótico.[92]
Grigoriev
pagou por seus crimes, mas seus homens não tiveram o mesmo destino, pelo
contrário, mais da metade deles passou para o lado de Makhno. O guerrilheiro
ucraniano e seu Estado-Maior sabiam perfeitamente que estavam recrutando pogromistas em massa; todos tinham a
compreensão de que o exército de Grigoriev era constituído de elementos
desmoralizados, lúmpens e antissemitas da pior espécie, assassinos de judeus,
comunistas e até mesmo de anarquistas, sua rebelião deixou isso muito bem
claro. Não existia motivos para isentá-los de culpa por estarem "obedecendo a ordens",
se assim o fosse teríamos que perdoar os asquerosos dirigentes e militares
nazistas por suas numerosas atrocidades. Lógico que era muito comum
soldados inimigos mudarem de barricada durante o longo processo da guerra
civil, sobretudo com a derrota de seus comandantes, porém, todos aqueles que
haviam levantado suas armas contra pessoas inocentes eram julgados e, se
comprovado sua culpa, sumariamente executados. Como já foi exposto anteriormente,
Makhno não vacilou em fuzilar certos partidários seus que cometeram atos de pogroms, mas a pergunta agora é: por que
Makhno sequer julgou os elementos grigorievistas que cometeram genocídios e
ainda por cima os aparelhou em seu exército? Os anarquistas tentam responder a
esta questão afirmando que o Estado-Maior tinha a pretensão de "educar
os soldados grigorievistas", que nada
mais eram do que "vítimas inocentes de seu líder".[93] Entretanto, há um outro lado muito
óbvio deste episódio a qual os anarquistas tentam esconder: a execução de
Grigoriev proporcionou a Makhno resolver o difícil problema da carência de
homens e armamentos, cujas debilidades encontravam-se na própria essência das
organizações partisans e na malfadada
mobilização voluntária (um embuste que ainda hoje é sustentado pelos
anarquistas). Com as tropas de Grigoriev à disposição, Makhno ganhava um novo
contingente como reforço, "voluntariamente", além de armas e munições que estavam em
posse deste regimento. Os próprios partidários de
Makhno afirmam em suas memórias que Grigoriev possuía um exército poderosíssimo
que consistia, sobretudo, de camponeses conscritos.[94]
Mas independentemente da liderança e da ideologia,
os grigorievistas incorporados às tropas de Makhno continuaram a promover pogroms por toda a Ucrânia, só que desta
vez não em nome de Grigoriev, mas da "Makhnovshchina".
Estes elementos só deixaram o Exército Negro após terem cometido as maiores
barbaridades contra o povo, "para não comprometer o bom renome do
exército insurrecional", diz Volin.
Mesmo assim, foram convidados a sair educadamente, sem que fossem julgados e
punidos por seus crimes. Uma boa parte desses elementos abandonou as fileiras
do Exército Negro para organizar-se em defesa da Rada nacionalista de Petliura,
por livre e espontânea vontade concedida pelo Estado-Maior makhnovista. Nem
Volin nem Arshinov explicam o motivo de terem expulsado esses bandidos pogromistas sem a devida punição,
deixando-os livres para seguir seus caminhos de crimes e assassinatos. Makhno,
por sua vez, agia como o Pôncio Pilatos da anarquia: lavava suas mãos, já
bastante sujas com o sangue dos judeus mortos, e absolvia-se dos crimes
cometidos por seus "ex-makhnovistas", fingindo nada ter acontecido. Tentando
colocar toda a culpa dos pogroms nos
soldados grigorievistas, Arshinov aborda apenas um único caso (por sinal,
irrisório) do papel reacionário desempenhado por eles no interior do Exército
Negro: "Quando o exército insurrecional bateu em retirada em direção a Uman no
verão de 1919, houve diversos casos de insurgentes saqueando as casas de
judeus. Quando o exército insurrecional examinou esses casos, foi tomado
conhecimento que um grupo de quatro ou cinco homens estavam envolvidos em todos
esses incidentes – homens que antes haviam pertencido aos destacamentos de
Grigoriev e que haviam sido incorporados no exército makhnovista após seu
fuzilamento".[95] Já Volin nem se dá ao trabalho de fazer
um único relato, tentando se esquivar da realidade prefere dizer que tudo não
passa de "calúnia"
ou "confusão".
Os pogroms
cometidos pela guerrilha makhnovista jamais poderiam ser revelados por
oportunistas como Volin ou Arshinov. Por outro lado, estes atos de barbárie
social são confirmados pelos arquivos soviéticos (que são muito mais confiáveis
que a escola de falsificação anarquista) e pelo Instituto YIVO de Pesquisas
Judaicas de Nova Iorque, onde há um farto material de informações sobre pogroms ocorridos durante a Guerra Civil
Russa. Os informes a seguir encontram-se originalmente em idioma iídiche no
Instituto YIVO e a tradução para o inglês encontra-se no "Prometheus Research Library",
situado também em Nova Iorque. Vale destacar que os pogroms ocorridos em
Novo-Poltava, Novy-Bug, Romanovka, Bratskeye e Melitopol ocorreram logo após a
incorporação dos grigorievistas ao Exército Negro, o restante foi realizado por
makhnovistas "puros" – o que contesta o argumento de Arshinov de que
os camponeses grigorievistas foram os únicos responsáveis pelos pogroms, o bem da verdade é que após a
incorporação destes elementos o antissemitismo intensificou-se ainda mais nas
fileiras do Exército Negro:
Ekaterinoslav – No
final de dezembro de 1918 e início de janeiro de 1919, os destacamentos
insurgentes de Makhno lutaram contra os petliuristas ao redor de Ekaterinoslav.
A luta na cidade e nos subúrbios vizinhos durou sete dias. A cidade rapidamente
foi alvo da artilharia. Os makhnovistas saquearam e queimaram o mercado
'Azyorne'. Toda a região comercial também foi saqueada. Após a batalha, 83
vítimas judias foram levadas ao cemitério para serem enterradas. Isso só foi um
pequeno número das fatalidades causadas pelas acidentais balas e bombas. O
resto foram selvagemente assassinados pelos makhnovistas. O excesso tomou um
caráter puramente antissemita (Materiais do 'Yekapo', relatório de M. Aspiz, 24
de agosto de 1922).
Roseve (província
de Kiev) – Em fevereiro de 1919, os destacamentos petliuristas de Mirgorod
pilharam continuamente a cidade de Roseve. Em 16 de fevereiro, um grupo de
soldados chamados 'makhnovistas' apareceu na cidade e começou a arrastar sacos
de açúcar, farinha e outros produtos das casas judaicas e diversas outras
casas. Durante esses ataques uma judia chamada Riabchinsky foi estuprada e
assassinada. Os soldados disseram: 'nós temos que impor medo aos judeus!'. As
vítimas afirmaram que os soldados faziam parte dos destacamentos de 'Batko
Makhno' (Materiais de 'Kope', relato testemunhado por Moshe Zarachansky).
Colônia de Novo-Poltava (província de
Kherson) – Em agosto de 1919, um destacamento de 30 makhnovistas atacou a
colônia de Novo-Poltava e começou a pilhá-la. Porém, a autodefesa judaica os
expulsou. No dia seguinte, os makhnovistas voltaram e deram continuidade às
pilhagens e aos assassinatos generalizados. A autodefesa foi destruída e os
campos devastados. Ao todo foram 84 judeus assassinados e 800 casas pilhadas
(Informe de D. Traibman, responsável pela investigação da evacuação da colônia
judaica de Kherson).
Colônia de Novy-Bug (província de Kherson) –
Simultaneamente, os makhnovistas fizeram um pogrom em Novy-Bug, onde
permaneceram por dois meses. 22 judeus foram assassinados (Informe de D. Breitman).
Romanovka (província de Kherson) – Os
makhnovistas apareceram desta vez em diversos locais na província de Kherson.
Um bando chegou em Romanovka e exigiu dos judeus o recolhimento de 20.000
rublos em contribuições em 20 minutos. Todas as mulheres judias foram pegas
como garantias ('Jewish Thought' #23, 11 de outubro de 1919, Odessa).
Bratskeye (província de Kherson) – No final
de agosto de 1919 um bando de makhnovistas apareceu em Bratskeye, próximo de
Elisabethgrado. Na manhã de uma sexta-feira. Em um período de 4 horas, todas as
famílias judias, aproximadamente 120, foram saqueadas pelo bando. Um senhor de
75 anos que tentava evitar a violação de sua nora também foi assassinado
(Informe de Wilf-Aaron Dubkin, apresentado à Kehillah – organização da
comunidade judaica – de Odessa, 27 de setembro de 1919).
Melitopol – Logo nos primeiros dias em que
os makhnovistas apareceram na cidade cometeram pogrom, e somente depois que os
judeus lhes pagaram 15 milhões em contribuição, eles cessaram. No terminal de
trem, as vítimas judias queixavam-se sobre a situação ('Our Word' #10, 21 de
outubro de 1919, Odessa, e 'Jewish Thought' #29, Odessa).
Chudnov – O pogrom de Chudnov ocorreu em
1919 por uma unidade militar regular makhnovista. Na cidade, cerca de 1.000 homens
apareceram com o slogan 'Destruam os Judeus, Salve a Rússia!'. Eles pilharam as
casas judaicas e em uma noite chacinaram cerca de 22 judeus. Eles também
estupraram um bom número de mulheres judias e, além disso, saquearam quase toda
a cidade. Por 12 dias Chudnov encontrou-se nas mãos do bando selvagem. A
população sobreviveu à horrível ocupação e aguentou o horrível tributo de ouro
e outros produtos (Materiais de 'Kope', relato de H. Frolkim).
Ekaterinoslav – Os pogroms makhnovistas em
outubro de 1919 foram principalmente cometidos por suas unidades militares. No
mês de outubro, Ekaterinoslav encontrava-se por diversas semanas em uma batalha
entre os makhnovistas e denikinistas. Durante este período, 180 judeus foram
assassinados pelas tropas de Makhno e Denikin (Material de 'Yekapo', informe de
M. Aspiz, 24 de agosto de 1920). Os makhnovistas permaneceram sozinhos em
Ekaterinoslav de 28 de outubro a 6 de novembro. Foi emitida uma ordem oficial
do comitê dos insurgentes revolucionários contra saques e pelo comércio livre.
(...) As lojas judaicas foram fechadas, e em 6 de novembro foram forçadas a
reabrir. Desta vez os makhnovistas pilharam muito pouco, mas soltaram os
criminosos das cadeias, que cometeram assaltos generalizados, não
especificamente contra judeus. Neste dia, o órgão 'Nabat' foi publicado. Os
insurgentes emitiram uma ordem, a qual tornava-se público as expropriações
organizadas, mas contra saques. Desta vez, Makhno indubitavelmente estava
presente. Ele liderou as negociações com o conselho da cidade e as organizações
profissionais sobre a organização do governo, mas eles fracassaram (Materiais
do coletivo editorial, testemunhada pelo estudante Yehuda Barishansky). Há
também testemunhas que viu o próprio Makhno estático na cidade enquanto um de
seus insurgentes pilhava um estabelecimento judaico ('Forward' – Forverts – #8133,
17 de janeiro de 1920, Nova Iorque; Testemunha de Frida Greenfeld, relatado por
H. Nagel).
Kazatin – Em
outubro de 1919, uma unidade petliurista tomou Kazatin, que pilhou e assassinou
os judeus locais. Hoje, com os petliuristas somaram-se os 'makhnovistas' que
vieram diretamente de Chudnov, cerca de 300 homens. Todos eles cometeram
atrocidades em Kazatin, assassinando os judeus Kodel e Belilovsky. 40 mulheres
foram estupradas. Os makhnovistas permaneceram ali por 12 dias. As requisições
contra os judeus atingiram a soma de 5 milhões de rublos. Os ataques aos
não-judeus tomaram um caráter episódico. Os makhnovistas fizeram um acordo com
os petliuristas sob a ordem de luta contra os denikinistas. Por outro lado, os
makhnovistas cometeram pogroms em Chudnov-Wolinsky, Skvire, Ruzshin, Gelopolye
e outros pontos. (...) Eles afirmaram que haviam se separado dos bolcheviques e
dado início a um levantamento contra o poder soviético sob o slogan 'Abaixo os
Judeus e os Brancos!' (Material da organização 'Poale-Zion'. Testemunhado pelo
secretário da organização Poale-Zion de Kazatin, Goldfein).
Por fim, vale
dar um destaque especial sobre os terríveis pogroms realizados nas colônias
judaicas de Trudoliubovka e Nechaevka, onde os sobreviventes que testemunharam
o massacre imputam a responsabilidade do crime aos destacamentos makhnovistas.
Estes dois massacres também ocorreram
muito tempo antes da incorporação dos grigorievistas nas fileiras do Exército
Negro, após a total bancarrota da administração makhnovista na cidade de
Ekaterinoslav. Ambas as colônias foram apelidadas carinhosamente pelos judeus
de "Engels"
e "Peness",
respectivamente:
"As colônias judaicas na província de
Ekaterinoslav estavam situadas no centro de atividade dos bandos anarquistas de
Makhno. Quase todas as colônias de Ekaterinoslav sofreram ataques. Todos os
habitantes das colônias de Trudoliubovka (Engels) e Nechaevka (Peness), que
numeravam cerca de 1.000 pessoas, foram assassinadas. A propriedade foi
completamente saqueada e desde então nenhum judeu botou os pés nessas colônias".[96]
A colônia de Trudoliubovka ficava
aproximadamente a 45 quilômetros de Gulai-Pole. Sua destruição se dá logo após
o primeiro combate por Ekaterinoslav, onde o exército de Makhno foi facilmente
destruído pelos petliuristas. Com as tensões entre ambas as forças, Makhno e os
seus homens bateram em retirada dispersando-se em diversas regiões; ao longo do
percurso, uma pequena força makhnovista destruiu por completo a colônia de
Trudoliubovka. A. D. Rosenthal
descreve como foi levado a cabo este massacre:
"Um
grande grupo de partisans camponeses eclodiu nos arredores de Trudoliubovka
(Engels), aproximadamente 800 homens armados. Eles se espalharam pelas ruas,
arrombaram casas, arrastaram os judeus para fora, bateram-nos com as coronhas
de seus rifles e os conduziram à força até a 'assembleia'. Em um celeiro (de Moshe Nol) eles reuniram cerca de 150
pessoas e exigiram a entrega de todas as armas que possuíam. Quando os judeus
lhes entregaram a pequena quantidade de armas que estavam em posse, os guerrilheiros
camponeses fecharam o celeiro e atearam fogo por todo lado. Eles colocaram
guardas ao redor do celeiro; aqueles que tentavam escapar pelo telhado eram
golpeados pelos sabres. Seis judeus que tentaram fugir foram apunhalados e o resto consumido pelas chamas. Enquanto uma gang
comprometia-se com o celeiro, outra gang invadia as casas e estuprava todas as
mulheres e meninas que encontravam na colônia. Os gritos e lamentos dos
torturados misturavam-se com os choros dos que estavam em chamas, e um forte
odor sufocante da carne das pessoas que queimavam no celeiro era levado pelo ar".[97]
Após a incursão em Trudoliubovka, os
makhnovistas realizaram uma outra investida na colônia de Nechaevka (Peness),
localizada a diversos quilômetros. Mas os habitantes já sabiam sobre o pogrom ocorrido na colônia anterior e a
maioria teve tempo de fugir. Mesmo assim, os bandidos conseguiram assassinar 19
judeus e destruir praticamente toda a colônia. A identidade dos
perpetradores foi revelada pelos próprios sobreviventes que refugiaram-se em
outras colônias espalhadas por Ekaterinoslav. William Komesaroff (Melbourne,
Austrália) recolheu boa parte dos relatos das vítimas que se abrigaram na
colônia de Grafskoy, incluindo os de sua própria família. Todos eles declararam
categoricamente que os destacamentos makhnovistas foram os principais
responsáveis por esses terríveis massacres.[98]
Makhno puniu estes crimes? Tudo indica que
não, pois não há sequer um único relato desses episódios por parte de seus
bajuladores. Não há a menor dúvida que com a escassez de homens no exército,
Makhno fechou os olhos para a maioria desses massacres. Segurando a bandeira
negra da caveira, Makhno encontrou-se no difícil dilema shakesperiano de "punir
ou não punir, eis a questão". Mas para aqueles que duvidam desta
afirmação, eis um relato de um colono de Novozlatopol que organizou uma
delegação para exigir de Makhno uma atitude mais firme contra os massacres:
"Durante a guerra civil, algumas colônias
judaicas sofreram invasões organizadas por bandidos que viviam na área. Nossa
colônia Novozlatopol foi afortunada neste aspecto já que tínhamos um grupo
organizado de autodefesa chamada 'Samochrana'. Nós possuíamos muitas armas de
fogo e munição deixados pelos exércitos em retirada. Em 1919, a filha de
Hersche Wiseman e sua família moveram-se para Novozlatopol da colônia 'Engels',
na época em que seu marido havia sido assassinado no pogrom de 1919. Um dia eu
vi o bandoleiro, Makhno, que veio de Gulai-Pole a Novozlatopol com diversos de
seus cavalarianos. Ele era um homem baixo, mais baixo do que os homens que o
acompanhavam. Ele também era manco. O rumor era de que ele estava na cidade
para negociar um acordo a fim de nos deixar em paz. Os judeus responsabilizavam
a gang de Makhno por toda a incursão na região, pela qual pôde ou não ter sido
responsável. Certa vez, a delegação de Novozlatopol dirigiu-se a Makhno para
discutir suas incursões contra os judeus. A resposta de Makhno foi: 'O que eu
posso fazer? Eles são apenas um bando de camponeses ignorantes', referindo-se
aos seus próprios homens".[99]
O governo
soviético ocupava-se com inúmeros fronts, dentro e fora da Ucrânia. Ao trair e
arruinar a defesa da República Soviética na guerra, as forças de Makhno
causaram a retirada do Exército Vermelho inúmeras vezes da região. Isto provocou
um rápido giro à direita dos makhnovistas, voltando-se cada vez mais
nacionalistas e advogando pela "união
nacional ucraniana". O movimento
makhnovista não só firmou um pacto de aliança com o Ataman Grigoriev, mas
manteve relações fraternais e colaborativas com as forças nacionalistas de Petliura.
Ambos realizaram um acordo temporário quando fizeram frente aos Guardas Brancos
de Denikin em setembro de 1919, próximo à região de Uman. Petliura enviou uma
delegação ao Estado-Maior de Makhno solicitando que ao entrar em guerra contra
Denikin era necessário evitar a formação de uma nova frente contra os
makhnovistas. Assim, realizou-se um pacto onde as duas partes comprometiam-se
reciprocamente em exercer uma "estrita
neutralidade militar". Os petliuristas
consentiram até mesmo em atender aos feridos makhnovistas em seus hospitais
espalhados por Uman e outras regiões que estavam sob seu controle.[100] Nos arquivos da YIVO Institute,
podemos observar que os makhnovistas realizaram inclusive uma frente única
temporária para lutar contra os denikinistas em torno da cidade de Kazatin, e
esta aliança é confirmada pelo próprio Denikin em seus informes particulares.
As relações
de Petliura e Makhno não se restringiram apenas no período de guerra civil. O
comando petliurista chegou a entrar em contato com Makhno e seus homens durante
seu exílio na Romênia. Em um documento datado de fins de 1921 há declarações que
afirmam explicitamente "suas simpatias pela criação de uma Ucrânia
independente". Segundo o documento: "Eles
nada tinham contra nossas aspirações (para cooperar contra os bolcheviques), às
quais foram exigidas: 1) O reconhecimento do Governo da República Ucraniana; 2)
A subordinação de todos os destacamentos ao nosso comando; 3) As organizações e
lemas do movimento insurrecional deveriam unificar-se com o propósito de
conseguir uma insurreição".[101] Se Makhno não levou adiante esta
proposta foi por falta de oportunidade, e não por questões ideológicas. Sua
esposa de armas, Galina Kuzmenko, era uma nacionalista extremada e mantinha
profundas simpatias para com o movimento de Petliura. Isso sem falar que no
interior do movimento makhnovista haviam elementos intimamente vinculados aos
nacionalistas, como aborda minuciosamente o anarquista Michael Malet:
"Durante
a primeira ocupação de Ekaterinoslav pelos makhnovistas, um dos destacamentos
locais insurgentes, ao comando de Dyakivski, recebeu armas e munições de
Makhno. Dyakivski era considerado um 'petliurista', mas chamava a si mesmo de
'membro do Exército Ucraniano do Povo'. (...) Um bolchevique conta que: 'houve
casos de makhnovistas dando armas aos petliuristas, quando aqueles ainda tinham
de sobra, como ocorreu nas províncias de Chernikov, Kiev, Poltava e Kherson,
quando os makhnovistas andavam por aquelas zonas'. (...) Na região de
Reshetylyka, próxima de Poltava, um comando do Exército Vermelho cruzou com
simpatizantes makhnovistas e petliuristas. (...) Alguns pequenos bandos de
nacionalistas uniram-se a Makhno, merecendo destacar a de Matveenko, com
trezentos homens, da região de Novomoskovsk. Próxima de Zinkiv, na província de
Poltava, em agosto de 1920, Butavetski, à cabeça de um destacamento de
quinhentos ou seiscentos homens, também se uniu a Makhno".[102]
Segundo Ida Mett, Makhno não acreditava no anarquismo a
qual advogava devido à incompetência, debilidade e covardia da maioria dos anarquistas
que ele conheceu em relação aos camponeses com os quais lutava. Apesar de ter
contado com alguns anarquistas em sua direção, a "Makhnovshchina" não foi de fato um movimento anarquista em sua
totalidade. A maioria dos anarquistas russos e ucranianos conhecia
perfeitamente as ações e o caráter de classe das forças makhnovistas, e não
lhes concederam qualquer tipo de apoio. É exatamente por isso que Volin e Arshinov,
os dois principais dirigentes anarquistas intelectuais que se uniram a Makhno,
condenam fortemente a maioria dos anarquistas russos e ucranianos em seus
escritos. O próprio periódico oficial dos makhnovistas, "Caminho para a Liberdade", editado
por Arshinov, escrevia na época sem o mínimo pudor: "O exército makhnovista não é um exército anarquista e não consiste de
anarquistas".[103]
Por outra parte, os atrasados e bem-alimentados kulaks ucranianos seguiram Makhno não porque estavam motivados pelo
"paraíso" da teoria anarquista, mas porque o movimento makhnovista
representava seus interesses materiais particulares e anseios pequeno-burgueses
– como a luta pela pequena propriedade rural, livre produção e consumo,
comércio livre, favorecimento das aldeias em detrimento das cidades, aspirações
nacionalistas, etc. Dificilmente um movimento baseado em ricos proprietários
rurais e em uma grande quantidade de aldeões analfabetos, submetidos a um extremo
atraso cultural e imbuídos de preconceitos pequeno-burgueses, sem nenhuma
experiência política revolucionária, poderia combater sobre os princípios
abstratos do anarquismo. A isto nós só podemos dar razão a Trotsky quando
respondeu aos seus adversários que "Somente
uma pessoa completamente superficial pode ver nos bandos de Makhno ou na
revolta de Kronstadt uma luta entre os princípios abstratos do anarquismo e o
'socialismo de Estado'. Na realidade, estes movimentos foram convulsões da
pequena-burguesia camponesa que desejava, evidentemente, libertar-se do
capital, mas que, ao mesmo tempo, não aceitava subordinar-se à ditadura do
proletariado".[104]
Mesmo com todos os crimes cometidos pelo movimento
makhnovista, e tendo o próprio Makhno rejeitado ir ao front polonês para
combater em nome da República Soviética, o governo bolchevique cedeu ao seu
desesperado apelo em unir as duas forças na luta contra Wrangel, que avançava
sob a Bacia do Donetz. Devido ao enfraquecimento cada vez maior da guerrilha
makhnovista, o conselho dos insurgentes decidiu dialogar com os bolcheviques
para combater Wrangel em conjunto. E aqui devemos fazer uma observação muito
importante: um dos maiores mitos criados pelos fantásticos contos anarquistas
em relação ao movimento makhnovista é dizer que o Exército Negro derrotou
sozinho todas as investidas das esmagadoras forças do Exército Branco (que era
mil vezes superior ao exército de Makhno). Como bem colocou Jason Yanowitz:
"Os soviéticos tinham cinco milhões
de tropas em dezesseis exércitos, lutava ao longo de cinco milhas do front e
produzia seu próprio armamento. O exército de Makhno tinha cerca de 30.000
tropas, nunca lutou fora da Ucrânia, e contava com outros para conseguir armas.
Além disso, a magnitude das táticas de Makhno – incomodando a retaguarda do
Exército Branco – teria sido impossível se o Exército Vermelho não tivesse se
empenhado em atacar o front dos Brancos".[105] Em nome do Exército Vermelho, Bela
Kun, Frunze e Gusev firmaram um novo pacto com Makhno no mês de outubro de
1920. Com a realização desta aliança, permitiu-se aos makhnovistas plena
liberdade de propaganda, desde que não chamassem a destruição do governo soviético.
Foi concedida a liberdade para todos os anarquistas presos por várias ações contrarrevolucionárias.
Volin foi posto em liberdade com o direito de retornar a Kharkov. Os
anarquistas desta região tiveram o livre-arbítrio de chamar uma Conferência Pan-Russa
e publicar seus respectivos órgãos: o "Nabat"
(órgão da Federação Anarquista da Ucrânia) e o "Golos Makhnovtsa" ("A
Voz Makhnovista", órgão oficial do grupo de Makhno). Mas em
retribuição a esta boa vontade do governo soviético, Makhno agiu da forma que
lhe é caracteristicamente natural: quebrou o acordo militar, que exigia do
exército insurgente a subordinação ao comando supremo do Exército Vermelho em
relação às operações. Makhno negou-se a coordenar suas ações com as do Exército
Vermelho, recuando às forças de Wrangel e posicionando-se sempre na retaguarda,
aproveitando para usurpar as armas capturadas do inimigo pelos soldados do
Exército Vermelho. Frunze (comandante do front Sul) relatou com irritação em 20
de dezembro de 1920: "Makhno e seu Estado-Maior
acalmaram suas consciências enviando um punhado de seus partidários contra
Wrangel. Enquanto isso, por alguma razão, preferem permanecer na retaguarda.
Makhno organiza rapidamente novos destacamentos armando-os com as armas que nós
capturamos do inimigo".[106]
Mas não foi só isso, Makhno não moveu sequer um único dedo para cessar os frequentes
ataques de seus homens contra os soldados do Exército Vermelho e os
bolcheviques. Em 7 de novembro, em plena "frente única", seus
guerrilheiros camponeses assassinaram seis soldados do Exército Vermelho na
aldeia de Ivanovka. Em 12 de novembro assassinaram e roubaram doze soldados do
Exército Vermelho na aldeia de Mikhailovka. Em 16 de novembro roubaram os
soldados da 124º Brigada do Exército Vermelho na aldeia de Pologi. No dia
seguinte, o comandante do 376º Regimento também foi atacado na mesma aldeia.
Não nos surpreende que após a vitória sobre Wrangel, cujas últimas forças foram
esmagadas na Crimeia, o rompimento ocorrera de imediato, e isto já era previsto
por ambas as forças.
Frunze deu um ultimato aos insurgentes makhnovistas
indisciplinados para que se integrassem às fileiras do exército regular e que
se submetessem à sua ordem e disciplina, mas foi terminantemente rechaçado. A
partir daí deu-se início a uma nova luta que se prolongou quase um ano todo.
Após um longo período de batalhas, a guerrilha de Makhno foi esmagada pelo
Primeiro Exército de Cavalaria comandada por Semion Budionny. O próprio Makhno
fugiu para a Romênia, enquanto a maioria de seus combatentes capitulou e
recebeu anistia. Os últimos resquícios do movimento makhnovista acabaram após o
decreto da NEP (Nova Política Econômica) em 1921, onde o governo soviético
substituía a requisição por um imposto fixo em espécie. Após ter-se exilado na
Romênia, Makhno passou pela Polônia e em seguida França, onde se estabeleceu
até o fim de sua vida, mas não sem antes gerar algumas polêmicas entre os
próprios anarquistas e seu círculo interno.
Os debates que seguiram nos anos 20 em torno do movimento
anarquista suscitaram em inúmeras polêmicas. Da França, Makhno e outros
anarquistas russos (Arshinov, Ida Mett, Valevsky e Linsky) lançaram um programa
para a organização política dos anarquistas com base no centralismo e nos
métodos bolcheviques de organização. Este programa foi denominado como
"Plataforma Organizacional" (apelidado pela oposição anarquista de
"Plataforma de Arshinov"), tendo sido repudiado internacionalmente
pela maioria dos anarquistas. Eles argumentavam que o programa pretendia
estabelecer um tipo de "anarquismo autoritário", ameaçando a
liberdade individual dos membros anarquistas. Agora Arshinov insistia na
necessidade de "organizar forças
revolucionárias de trabalhadores na vanguarda operária... criando um movimento
homogêneo baseado no princípio da responsabilidade coletiva e agindo dentro da
organização nacional e internacional". Já o anarquista polonês Ranko,
que deu aval à Plataforma, era incisivo em sua declaração: "Nossa meta é unir todos os militantes de nossa
tendência e lutar contra a Sagrada-União Anarquista".
Porém, uma das mais importantes figuras que se oporia ao
método organizativo proposto por Makhno e Arshinov seria seu próprio
companheiro de armas, Volin. Junto com Sebastián Fauré, Volin elaborou a
proposta chamada "Síntese", que tentava justificar o ecletismo
anarquista através do anarco-comunismo, anarco-sindicalismo e
anarco-individualismo. Volin dizia então: "Sustentar que o anarquismo é apenas uma teoria de classes é o mesmo que
limitá-lo a um único ponto de vista". Volin esboçava assim uma
concepção próxima a de Martov e dos mencheviques, onde as portas do partido
deveriam estar abertas a "todas as classes e tendências", sem
disciplina revolucionária e centralismo democrático. Volin também criticara a
Plataforma por sua concepção de revolução, acreditando que não caberia à
organização lutar pela tomada do poder nem liderar as massas, cuja
espontaneidade deveria ser "preservada". Foi o próprio Volin que em
plena Revolução de Outubro disse em seu periódico russo "Golos Truda" ("A Voz do
Trabalhador") que "a tomada do
poder e a revolução social estavam diametralmente opostas"; felizmente
os operários russos não compartilhavam dessa mesma concepção pequeno-burguesa
de "demonização do poder" – na qual, diga-se de passagem, foi desgraçadamente
reproduzida pela CNT na Espanha. Em resposta a Volin, Makhno o acusou de ser um
"agente bolchevique infiltrado no movimento anarquista". Entre outros
opositores à proposta da Plataforma também estavam Alexandre Berkman, Errico
Malatesta e Camilo Berneri.
Baseando-se na experiência da Revolução Russa – onde os
bolcheviques, e não os anarquistas, tiveram o apoio massivo da classe trabalhadora
e lideraram a revolução –, a Plataforma tomava emprestado os métodos
revolucionários do Partido Bolchevique tentando apresentar-se como "alternativa
revolucionária de esquerda". Mas esta "vanguarda anarquista" não
conseguiria resistir por muito tempo às duras pressões da repressão
internacional, o declínio das lutas proletárias e os incessantes ataques dos
oposicionistas. O resultado final desta curta experiência foi uma completa
bancarrota. Decepcionados, muitos plataformistas abandonaram a ideologia
anarquista e atolaram-se na lama da desmoralização. O mais importante entre
eles foi Arshinov, o principal idealizador da Plataforma e o mais fiel
companheiro de Makhno, que retornou à URSS em 1934 e abraçou o stalinismo,
rejeitando tudo o que havia escrito sobre Makhno e a Plataforma Organizacional.
Seu livro, "A História do Movimento
Makhnovista", vale menos que seu caráter político. Arshinov, no
entanto, teria o mesmo destino que Lev Zadov: foi executado em 1936 durante os
grandes expurgos. O mais interessante é que os anarquistas ainda hoje orientam
suas análises e críticas contra os bolcheviques a partir dessas pessoas cujas ideias
são tão descartáveis como papel higiênico.
Mas além de todas essas polêmicas entre o círculo
anarquista, Makhno teve no exílio um relacionamento complicado com sua mulher,
a "mãezinha" Galina – a mesma que fazia questão de dizer que "contra comunistas e comissários não existe
misericórdia".[107] Segundo consta, ela tentou assassinar Makhno com uma faca
enquanto ele dormia, produzindo uma enorme e profunda cicatriz em sua face
direita. O motivo que levou Galina a realizar tal ato era que, além de
simpatizar com o movimento nacionalista de Petliura, apaixonou-se perdidamente
por um oficial petliurista durante o breve exílio na Polônia. Ida Mett afirma
que a esposa de Makhno costumava enaltecer a patente do milico em sua presença,
dizendo com orgulho que "aquilo sim
era um general de verdade, e não como Nestor era". Sukhogorskaya
também afirma que Galina costumava declarar-se como uma "orgulhosa ucraniana" e defensora da
"independência nacional da Ucrânia",
e ainda narra os diversos encontros que teve com ela:
"Eu
encontrei Agafya Andreyevna diversas vezes. Uma vez ela chegou na aldeia e
sugeriu em uma noite que organizássemos uma coleta de fundos para os
professores pobres. Os makhnovistas haviam retornado de uma campanha e estavam
com bastante dinheiro. 'Eles gastaram tudo em bebida e jogos de cartas', ela
disse. (...) Galina não participava das rodadas de bebida de Makhno, mas amava
jogo de cartas. Ela brincava com altas apostas quando tinha muito dinheiro, que
não vinha do trabalho árduo, mas do banditismo. (...) Certa vez, ela me disse
que tinha fuzilado sozinha diversos makhnovistas que foram pegos saqueando e
estuprando. Os makhnovistas também a temiam. Eles a chamavam de Mat (Mãe)".[108]
No ano de 1926-27, Galina também pediu permissão ao governo
stalinista para retornar à Ucrânia, mas foi rejeitada. Somente após a Segunda
Guerra Mundial, com a libertação da França pelas tropas soviéticas, Galina
conseguiu retornar à sua terra natal, vivendo até os seus 86 anos, falecendo em
1976.
Para colocar
um ponto final nesta primeira parte do texto, que fique bem claro que o
movimento makhnovista foi apenas uma dentre tantas rebeliões camponesas
reacionárias que estouraram na República Soviética durante o período de guerra
civil. Victor Serge destaca que só na Rússia Europeia havia cerca de 50 focos
de insurreição camponesa dirigidas contra o poder soviético. Basta lembrar que
no Sudeste de Moscou, em agosto de 1920, ocorreu a rebelião do socialistas-revolucionário
de direita Aleksandr Antonov, na província de Tambov, com mais ou menos 40.000
voluntários (praticamente o dobro das tropas de Makhno). A "Antonovshchina" foi um movimento exclusivamente camponês e de
cunho pequeno-burguês, que criticava as fazendas estatais (kolkhozes) e as
requisições. Por meio de um congresso fajuto proclamou a abolição dos sovietes
e restabeleceu a Assembleia Constituinte à força. Antonov estava ainda em
negociações com os Guardas Brancos. A rebelião foi
esmagada em maio de 1921 pelo Exército Vermelho, sob o comando de Tukhachevsky.[109] Apesar de ter sido uma rebelião com
uma dimensão maior que a de Makhno, o levantamento de Antonov confinou-se
igualmente em suas províncias rurais, não conseguindo espalhar sua influência
às regiões mais importantes. Já na Ásia Central, os bolcheviques tiveram que
conter outra rebelião camponesa de cunho medieval, a dos "Basmachi" – que lutavam na base de cavalos e operavam
com a ajuda dos aldeões de suas regiões. Este movimento sectário (muito
semelhante ao ISIS) iniciou-se no Vale de Fergana, uma rica área de plantações
de algodão e um bastião tradicional do islamismo conservador. Ao contrário das
guerrilhas de Makhno e Antonov, os Basmachis
conseguiram expandir sua influência para outras áreas importantes, chegando a
cruzar a fronteira de territórios neutros como o Irã, Afeganistão e China. Seu objetivo era a de criar um Estado Islâmico na Ásia
Central e levar adiante uma luta contra o comunismo e o que eles chamavam de "ocupantes russos não-muçulmanos". O movimento recebeu apoio dos serviços de
inteligência turco e britânico. Apesar disso, a presença cada vez mais
crescente de soldados regulares muçulmanos nas tropas soviéticas da região
(cerca de 15-25%) e a criação de uma milícia popular composta por camponeses
muçulmanos locais, chamados de "Os Paus Vermelhos" ("Krasnye
Palochniki"), contribuíram para a derrota definitiva dos retrógrados Basmachis.[110]
Perguntamos
então por que todo o frenesi, que perdura até os dias de hoje, em relação ao caudilho Makhno e sua revolta camponesa? Para nós
está bastante claro que tudo isso não passa de preconceitos anticomunistas em
tempos de reação burguesa contra o marxismo e a classe operária. Os mitos
servem exatamente para isso: encobrir a realidade e legitimar a ordem
estabelecida.
O
GOLPE MILITAR NA FORTALEZA DE KRONSTADT
A rebelião de
Kronstadt é, sem dúvida, um dos episódios mais explorados pelos oportunistas de
todos os matizes políticos para atacar Lênin e Trotsky e assemelhá-los à figura
grotesca de Stálin. Os críticos identificam os elementos desmoralizados que
tomaram parte na rebelião como "revolucionários", porém, não é o que confirma as centenas de
documentos encontrados por diversos historiadores – entre eles burgueses e
anarquistas. Esses indivíduos tomaram o poder de uma fortaleza fortemente
armada e fizeram numerosos reféns, encarcerando-os e ameaçando-os de morte;
mantiveram contato até mesmo com as forças Brancas situadas no estrangeiro. A
maioria dos anarquistas proclamou a rebelião como uma "Terceira
Revolução", não há dúvidas de que se os
bolcheviques tivessem esperado um pouco mais para sufocá-la haveria a "Quarta Revolução"
e, diante da situação incontrolável, o retorno inevitável ao antigo regime – só
que desta vez ainda mais cruel e brutal. Como na Espanha, os anarquistas
chorariam o sangue derramado e passariam os anos seguintes lamentando-se do
fracasso dessa suposta "Terceira
Revolução".
Antes de
qualquer coisa, cabe fazer a pergunta: teria sido a rebelião de Kronstadt um
movimento legitimamente "anarquista", no sentido subjetivo da palavra? Os bakuninistas
da UNIPA (União Popular Anarquista) são induzidos a crer o contrário:
"Com
relação a Kronstadt, é interessante observar que na realidade não se trata de
uma experiência anarquista; os marinheiros eram quase na totalidade membros do
Partido Bolchevique, e reivindicavam apenas as bandeiras de 1917. A metamorfose
de 'Kronstadt' em um 'levante anarquista' não tem o menor embasamento histórico".[111]
Devemos
concordar que nem Kronstadt nem o movimento makhnovista representaram uma "experiência anarquista"
na prática. Mas diferentemente do que diz a UNIPA e outras organizações – sejam
elas anarquistas ou não – o levantamento de Kronstadt não reivindicava as
bandeiras de 1917, seu lema foi "sovietes
sem bolcheviques" e os valentes
marinheiros de 1917 nunca se expressaram dessa maneira, muito pelo contrário,
apoiaram o Partido Bolchevique e sua participação nos conselhos em todo o
processo revolucionário. Na verdade, a rebelião expressava o desespero das
camadas pequeno-burguesas recém-chegadas à fortaleza que não queriam se
submeter à ditadura do proletariado e aos sacrifícios impostos pela guerra
civil. E apesar das avaliações baseadas na emoção, a rebelião de Kronstadt
tinha sim seus representantes "anarquistas" (assim como o movimento de Makhno); mas não
só eles, também havia a participação de socialistas-revolucionários,
ex-oficiais czaristas e liberais-burgueses (kadetes). Os membros do Partido
Bolchevique contrários ao golpe foram todos encarcerados e ameaçados com
julgamentos sumários.
Aproveitando o momento de penúria, a reacionária rebelião
de Kronstadt eclodia em um momento crítico para a República Soviética, arrasada
pela sangrenta guerra civil. A situação era extremamente grave, pois além do
bloqueio econômico, a renda nacional tinha sido reduzida de forma drástica,
a indústria e o transporte estavam em completo colapso, a epidemia de cólera e
tifo fazia estragos arrasadores na população, não havia combustível suficiente
para aquecer as cidades, etc. Ademais, apesar
dos fronts terem sido liquidados em dezembro de 1920 e a guerra ter finalizado
na primavera de 1921, ainda existia o perigo da contrarrevolução triunfar. O
Exército Branco havia sido parcialmente derrotado, mas não por completo; muitos
núcleos ainda estavam dispersos por toda a Rússia. O general Wrangel ainda
possuía unidades com cerca de 80.000 homens estacionados na Turquia e outros
contingentes na Sérvia e Bulgária. Wrangel estava sendo protegido e financiado
diretamente pela França, o único país que reconheceu seu regime como o "verdadeiro governo do Sul da Rússia". Sem mencionar que pequenas rebeliões
lideradas por Guardas Brancos eclodiam por todo o país:
"Em
janeiro-março de 1921 ocorreu o motim de Tumensk na região de Tobolsk na
Sibéria. Os insurgentes contavam com 20.000 homens. Em maio de 1921,
destacamentos do Exército Branco foram apoiados pelos descendentes de japoneses
em Vladivostok, que mantiveram o controle por um curto período de tempo. Após a
assinatura da Paz de Riga (18 de março de 1921), grupos de Guardas Brancos,
alguns somando milhares, outros pouco menos que isso, invadiram a Ucrânia e
outros pontos do território soviético. Outra série de incursões ocorreu na Karelia
que se iniciou em 23 de outubro de 1921, e só foi liquidado em fevereiro de
1922. Pouco tempo depois, em outubro de 1922, o território soviético foi
infestado com bandos guerrilheiros da contrarrevolução".[112]
É inegável que a base naval de Kronstadt desempenhou um
papel fundamental durante a Revolução Russa, tendo sido responsável por
rebeliões contra o governo czarista em 26-27 de outubro, mas nesta época os
marinheiros estavam sob o comando do Partido Bolchevique: "A direção dos sovietes de Kronstadt no verão
de 1917 pertencia ao Partido Bolchevique, que se apoiava nas melhores seções
dos marinheiros e incluía em suas fileiras muitos revolucionários do movimento
clandestino, que tinham sido libertados dos campos de trabalhos forçados".[113] Os anarquistas que estavam na
fortaleza eram intimamente ligados aos bolcheviques (como Yarchuk e
Zhelezniakov) e coordenavam suas ações em conjunto com o Partido Bolchevique,
não sem ele. Durante a guerra civil, esta base naval de primeira classe
forneceu aos fronts de combate os melhores marinheiros revolucionários, os mais
experientes e abnegados, que lutaram pela salvaguarda da revolução e pela
manutenção do poder soviético com um heroísmo inaudito, sem precedentes na
história da luta de classes – nem mesmo a Revolução Francesa conheceu tamanho
exemplo de auto-sacrifício. Cerca de 40.000 marinheiros da frota, durante toda
a guerra civil de 1918-1920, lançaram-se na luta contra os Brancos. Os dirigentes de 1905-1917 já não estavam mais em
Kronstadt no ano de 1921, quando rebentou a rebelião. A maioria dos marinheiros
ligados ao poder soviético tombaram na guerra civil, outros dispersaram-se por
todo o país exercendo funções no governo soviético. Foi exatamente desse modo
que uma grande quantidade de marinheiros recém-chegados da luta política, sem a
mínima instrução e disposição revolucionária, inundou a fortaleza substituindo
os antigos marinheiros revolucionários. Uma grande parte era proveniente da
Ucrânia e do Sudeste da Rússia, territórios fortemente influenciados por
Makhno. Este processo gradual mudaria radicalmente o caráter político da
fortaleza:
"Conscientemente ou não, os bolcheviques
enviaram para a fortaleza soldados desacreditados. Entre eles antigos
desertores, indisciplinados, e assim por diante. Ou seja, o Exército Vermelho
enviou aqueles que eram inúteis e indesejáveis entre as unidades reservas. E a
frota foi obrigada a aceitar estes 'habilidosos' reforços porque havia muita reclamação
em torno deles".[114]
Durante o ano de 1920, Kronstadt foi submersa com mais de
dez mil recrutas novos, elevando o total para mais de dezessete mil, de toda
essa esfera numérica apenas cinco mil tomaram parte na rebelião.[115] Ainda
segundo estimativas, a tripulação do encouraçado Petropavlovsky tinha sido reduzida de aproximadamente 1.400 para
apenas 200 no final de 1918; e a maioria dos substitutos não eram veteranos de
Kronstadt, mas conscritos, entre os quais muitos deles serviram na Frota do Mar
Negro, onde, em comparação à Frota do Báltico, a influência dos socialistas-revolucionários
e dos anarquistas era notavelmente grande.[116] Em relação
ao caráter de classe da fortaleza, o anarquista Paul Avrich é obrigado a
admitir que "em 1921, de acordo com
cifras oficiais, mais de três quartos dos marinheiros eram de origem camponesa,
proporção substancialmente maior que a de 1917, ano na qual uma parte considerável
da frota estava constituída por operários industriais provenientes do setor de
Petrogrado. O próprio Petrichenko reconheceu mais tarde que muitos de seus
camaradas de armas eram camponeses do Sul movidos pela situação dos aldeões de
sua região".[117]
A rebelião de
Kronstadt só teve tamanha importância por se tratar de uma fortaleza que
desempenhou um papel notável no processo revolucionário de 1917. No entanto,
apesar da mitologia criada durante quase um século inteiro, é fato
incontestável que a composição política de Kronstadt mudou radicalmente com o
desenvolvimento da guerra civil. A fortaleza havia perdido o brilho que reluzia
em 1917, tendo sido submergida por socialistas-revolucionários,
anarco-populistas e ex-oficiais czaristas. A grande parte desses elementos espalhava falsos rumores na guarnição sobre os
bolcheviques e a situação em Petrogrado, muitos foram arrastados pela rebelião
por meio de mentiras e calúnias:
"Mesclada com os
informes iniciais seguia-se uma variedade de falsos rumores que logo
incendiaram as paixões dos marinheiros. Dizia-se, por exemplo, que as tropas
governamentais haviam disparado fogo sobre os manifestantes da ilha Vasili e
que os líderes da greve haviam sido fuzilados nas masmorras da Cheka. (...) Mas
foi o informe falso de que os comunistas estavam se preparando para atacar a assembleia
que precipitou realmente a formação do Comitê Revolucionário Provisório (CRP),
passo pelo qual os marinheiros cruzaram a fronteira da insurreição. Quem foi o
responsável por este rumor? Segundo Petrichenko, foi obra dos próprios
comunistas, com o objetivo de dissolver a conferência. Embora seja provável,
não há nenhuma prova de que tenham sido eles. É igualmente provável que o
marinheiro responsável por ter berrado a notícia desejasse agitar as coisas
contra os comunistas. E vale a pena notar que o próprio Petrichenko deu crédito
ao rumor e anunciou que era verdade, ou seja, que estava a caminho um
destacamento de 2.000 comunistas que iriam dispersar a assembleia".[118]
Para se ter mais ou menos uma ideia da composição política
dos principais responsáveis pelo golpe, vejamos algumas figuras mais
importantes:
1) Stepan Petrichenko: nacionalista ucraniano de origem kulak, um simpatizante do anarquismo,
foi a principal figura do levantamento nomeando-se presidente absoluto do fictício
"Comitê Revolucionário Provisório" (CRP);
2) Anatoly Lamanov: maximalista socialista-revolucionário,
um dos editores responsáveis pelo diário Izvestia
de Kronstadt;
3) Vershinin: socialista-revolucionário, kulak e antigo especulador – membro do CRP;
4) Ivan Oreshin: democrata-constitucionalista do principal
partido burguês Kadete, também foi membro do CRP;
5) Vladislav Valk: menchevique germânico, um defensor
resoluto do parlamento burguês; como membro do CRP tornou-se responsável pelos
assuntos civis na fortaleza;
6)
Perepelkin: anarquista e marujo do encouraçado Sevastopol, membro do CRP responsável pela agitação e propaganda;
7) Sergei Putilin: sacerdote ortodoxo que serviu na Catedral
de Kronstadt, foi por muito tempo um simpatizante do Partido Kadete e logo
depois dos socialistas-revolucionários. Como editor-chefe do diário Izvestia de Kronstadt, passava
seu tempo publicando versos contra Lênin e Trotsky;
8) Tukin:
ex-policial czarista proprietário de seis casas e três oficinas em Petrogrado,
como membro do CRP ficou encarregado do abastecimento alimentício na fortaleza;
9) Stanislav
Shustov: anarquista e chefe da prisão de Kronstadt.
Entre os ex-oficiais czaristas (ou seja, os
"especialistas militares") estavam: Solovianov (ex-capitão),
Kozlovsky (ex-general), Arkannikov (ex-tenente-coronel) e Dmitriev
(ex-contra-almirante), todos eles fizeram parte do chamado "Comitê de
Defesa da Fortaleza de Kronstadt", tendo Solovianov como principal
mandachuva.
Mas apesar de toda essa "heterogeneidade", as
reivindicações nas assembleias eram as mesmas: novas eleições nos sovietes sem
a participação do Partido Bolchevique; liberdade de palavra e de imprensa aos
partidos socialistas-revolucionários e anarco-terroristas (mesmo que clamassem
pelo assassinato de dirigentes bolcheviques e pelo fim do poder soviético);
liberdade aos prisioneiros socialistas-revolucionários e anarquistas condenados
por diversas atividades contrarrevolucionárias como atentados, terrorismo e
sabotagem; supressão dos destacamentos comunistas de inspeção encarregados de
combater a especulação; abolição dos comissários políticos no Exército Vermelho
(este ponto da resolução provavelmente teve o dedo dos ex-oficiais czaristas);
e "dar aos camponeses total liberdade de ação em suas terras, bem como o
direito de manter o gado, em condições nas quais administrem com seus próprios
meios; ou seja, sem empregar trabalho assalariado", etc. De todos esses pontos, apenas o último
representava nada mais nada menos que os interesses econômicos das massas
rurais pequeno-burguesas de "comércio livre". Mas se caso a ditadura
do proletariado tivesse se sujeitado a este programa pequeno-burguês de
oposição à economia planificada e em benefício do "comércio ilimitado e
irrestrito" (escondido por detrás do eufemismo de "total liberdade de ação"),
rapidamente teria surgido uma nova classe capitalista entre os camponeses mais
bem-sucedidos e teria aberto as portas, sem muitas dificuldades, para a
restauração do capitalismo. De resto, a resolução tinha nitidamente o dedo e a
tinta dos Guardas Brancos e seus aliados mencheviques, socialistas-revolucionários
e nacional-anarquistas, dispostos a derrubar o poder soviético.
Se os
especialistas militares estavam antes sob a estrita supervisão dos comissários
políticos, após o golpe todos os comissários foram encarcerados pelos
amotinados. O ex-general czarista Kozlovsky sentiu-se livre para dizer ao
comissário comunista Gromov que o seu tempo "acabou"
e agora era ele "quem ditava as ordens". Kozlovsky exerceu um posto importante no Comitê de Defesa
da cidadela após a rebelião. Foi um dos que propuseram, entre outras
coisas, que se desse início à ofensiva sobre os povoados o mais depressa
possível, a fim de estabelecer contato com a Finlândia que estava sob a batuta
do ditador Mannerheim. Esse ex-general
czarista estava muito longe de sentir qualquer simpatia pelo anarquismo ou comunismo, declarava-se abertamente defensor
de uma "monarquia-constitucional".
Os anarquistas não podem negar que os rebeldes kronstadinos
tinham à disposição seus próprios especialistas militares, que os aconselhavam
e elaboravam planos minuciosos para um ataque bem-sucedido contra o governo
soviético. O ex-oficial czarista Solovianov foi nomeado "Chefe de
Defesa" pelos rebeldes. Segundo o testemunho de um velho oficial-marinheiro
que havia sido preso:
Entre os
planos propostos pelos especialistas militares de Kronstadt estavam:
1º) O
desembarque imediato em Oranienbaum com a intenção de apoderar-se da força
militar desta cidade e estabelecer contato com unidades favoráveis do exército;
2º) Avançar
imediatamente contra Petrogrado antes que o governo soviético pudesse reunir
uma posição efetiva;
3º) Realizar
um ataque surpresa aos moinhos de trigo de Oranienbaum para obter suprimentos;
4º) Utilizar
os canhões da fortaleza para destruir o gelo ao redor da ilha (a fim de
torná-la inacessível a qualquer invasão da infantaria soviética) e dos
encouraçados Petropavlovsk e Sevastopol, que estavam encalhados sobre
o gelo;
5º) Formar
barricadas nas ruas na parte leste da cidade próxima à porta de Petrogrado.
Os rebeldes chegaram de fato a enviar um destacamento de 250
homens armados a Oraniebaum através do gelo na noite do dia 2 e 3 de março para
tomar de assalto a Esquadra Aérea Naval. Entretanto, foram recebidos à bala
pelos trabalhadores leais à revolução. Os golpistas deixaram-se levar por mais
uma quantidade de falsos rumores de que a Esquadra Aérea Naval de Oranienbaum
havia votado em massa a favor do golpe e que nomearam seu próprio "Comitê
Revolucionário Provisório". Na verdade, apenas três insurretos haviam
simpatizado com as resoluções dos rebeldes, a massa de Oranienbaum era
completamente indiferente para com o motim, assim como o restante dos
trabalhadores da República Soviética.
Embora os anarquistas tratem esse episódio com puro
romantismo, afirmando que o movimento foi "espontâneo, despreparado e
pacífico", e jogando toda a culpa nos dirigentes bolcheviques (sobretudo em
Trotsky), a história real mostra-se bem diferente das fábulas e mitos criados
pela literatura anarquista. Em Kronstadt ocorreu uma rebelião, e como toda
rebelião houve excessos, repressão e violência. Os rebeldes não pensaram duas
vezes antes de descer o tacão na cabeça dos comunistas e da população pacífica.
Já no dia 2 de março, 200 trabalhadores leais ao Partido Bolchevique armaram-se
contra os rebeldes, mas como estavam em menor número decidiram fugir para
Krasnaya Gorka através do gelo. Temendo uma fuga em massa, os rebeldes
estabeleceram o toque de recolher às onze horas da noite, impedindo a saída da
fortaleza de quem quer que fosse, sem permissão especial.[120] Ao
contrário do que dizem os anarquistas, o comando dos rebeldes não se baseava
nos sovietes, mas no "Comitê de Defesa da Fortaleza de Kronstadt",
onde seus principais dirigentes nada mais eram do que os ex-oficiais czaristas.
Os rebeldes, por sua vez, aderiram de corpo e alma às prisões generalizadas:
"No terceiro dia
de março de 1921, 170 comunistas foram presos em Kronstadt. No dia 15 de março,
muitos dos velhos marinheiros revolucionários também estavam presos. Mas não
foram apenas os comunistas que sofreram repressão. Um rapaz de 17 anos de idade foi enviado
ao cárcere por perguntar por que os membros do Comitê Revolucionário Provisório
receberam melhores comidas e porções maiores que os trabalhadores comuns".[121]
Paul Avrich
afirma que cerca de 300 comunistas foram presos durante o curso da insurreição.
Sem mencionar que os rebeldes instigavam a população
a dedurar os inimigos comunistas para fazer justiça "sem tribunal algum, de acordo com as leis ditadas pelo momento".[122] Os delegados bolcheviques
Kuzmin (comissário da Frota do Báltico), Vassiliev (presidente do soviete de
Kronstadt) e Kroskunov (comissário da esquadra de guerra de Kronstadt), eleitos
por ampla maioria popular nos sovietes, foram todos encarcerados e impedidos de
exercerem suas funções. Paradoxalmente, os insurretos
nomearam delegados sem eleição alguma, tendo como caudilho principal Stepan
Petrichenko. No dia seguinte, o bolchevique Batis (chefe do diretório político)
também foi preso por uma patrulha rebelde enquanto tentava cruzar o gelo para
dirigir-se ao forte Totleben. Outro bolchevique encarcerado foi o médico naval
Lazar Bregman, um veterano de Kronstadt e secretário do comitê partidário do
distrito. Essas medidas causaram uma grande revolta entre os velhos marinheiros
revolucionários que ainda estavam na fortaleza:
"Dentro de
Kronstadt houve enfrentamentos entre os velhos marinheiros revolucionários e os
novos recrutas que procediam de famílias camponesas e pequeno-burguesas. No
informe de inteligência militar do Sétimo Exército podemos ver que muitos
marinheiros e soldados rebeldes queriam passar para o lado dos bolcheviques,
mas foram ameaçados por seus comandantes. Em 15 de março, o Comitê
Revolucionário Provisório de Kronstadt ordenou a prisão de todos os velhos
marinheiros que se recusavam a 'obedecer ordens'".[123]
Segundo um
informe de Agranov ao Presidium da Cheka: "A repressão levada a cabo pelo Comitê
Revolucionário Provisório contra os comunistas que permanecem fiéis à revolução
refuta as intenções supostamente pacíficas dos rebeldes. Praticamente em todo o
momento as sessões do CRP demonstram que a luta contra os comunistas que ainda
estão em liberdade, e contra os que ainda estão presos, continuam sendo o foco
de sua atenção. Em última instância, recorrem até mesmo a ameaças de cortes
marciais, apesar de sua declarada revogação da pena de morte".[124]
O anarquista Stanislav Shustov (chefe da prisão de Kronstadt) foi um dos que levantaram
a proposta do fuzilamento de todos os comunistas. Kuzmin,
por outro lado, demonstrou uma coragem notável diante de todas as ameaças. Na
conferência realizada pelos rebeldes no auditório da "Casa da
Educação", Kuzmin respondeu: "Vocês
me têm à vossa mercê, podem até me fuzilar, mas se atreverem a levantar a mão
contra o governo soviético, os bolcheviques lutarão até o extremo de suas
forças!". Os revoltosos só recuaram na sua decisão de fuzilar os
comunistas porque o Comitê de Defesa de Petrogrado, que estava sob a jurisdição
de Zinoviev, tomou a família dos rebeldes sob custódia e aplicou a lei sobre os
reféns, dando o seguinte aviso: "O
Comitê de Defesa declara que os presos estão mantidos como reféns para o Comissário
da Frota do Báltico, N. N. Kuzmin, o Presidente do Soviete de Kronstadt, T. Vassiliev, e outros
comunistas. Se o menor dano for sofrido por um de
nossos camaradas detidos, os reféns pagarão com suas próprias vidas".
Como se sabe, o Partido Bolchevique não tinha experiência
militar na arte da guerra, e um exército moderno necessitava de técnicos
especializados. Foi então necessário recrutar especialistas militares cuja
maioria haviam pertencido ao antigo regime, ex-oficiais czaristas. Mas é óbvio
que esses "especialistas militares" não ingressaram nas fileiras do
Exército Vermelho gratuitamente. Além de Trotsky ter estabelecido seu controle
e vigilância pelos comissários operários, o velho dirigente bolchevique
instituiu um decreto de guerra em 1919 que ficou conhecido como "A Lei
Sobre os Reféns", onde as famílias dos traidores seriam tomadas sob custódia
em caso de deserção. Isso serviu como advertência aos oficiais reacionários
caso aderissem ao bando inimigo da contrarrevolução. Foi uma medida necessária
durante a guerra civil, já que a traição e a deserção representavam um sério
obstáculo para a vitória da República Soviética na guerra.[125] Apesar dos
anarquistas estrebucharem contra a aplicação deste decreto no episódio de
Kronstadt, não existia outra saída para salvar a cabeça daqueles que
haviam sido detidos pelos rebeldes; lembremos que estes
últimos, em união com os seus próprios especialistas militares, também fizeram
reféns, encarcerando inclusive os comissários operários responsáveis pelo
controle e vigilância dos ex-oficiais czaristas, e estavam decididamente
dispostos a fuzilá-los. Kuzmin descreve como a ameaça das execuções em
massa por parte dos golpistas quase foi levada a cabo por Shustov: "Na manhã
do dia 18 de março, Shustov armou uma metralhadora fora da cela que continha 23
prisioneiros, e ele só foi impedido de matar os comunistas pelo avanço do
Exército Vermelho sobre o gelo".[126]
A suspeita de Lênin e Trotsky em relação a uma conspiração
internacional confirmara-se na prática. Os órgãos da imprensa burguesa situados
no estrangeiro já relatavam com antecipação, duas semanas antes da revolta, que
alguns marinheiros já estavam organizando uma rebelião em Kronstadt contra o
governo soviético. No dia 13 de fevereiro apareceu uma matéria no "Le
Matin" sob o título "Moscou
toma medidas contra os rebeldes de Kronstadt", o artigo afirmava que
havia estourado uma rebelião na fortaleza e que as autoridades bolcheviques a
reprimiu para que não se estendesse a Petrogrado. No dia 14 de fevereiro, o
mesmo periódico publicou um segundo artigo onde afirmava que uma delegação de
marinheiros tinha sido encarcerada enquanto dirigiam-se a Moscou para pedir melhores
rações, o órgão dizia que "a
situação em Kronstadt se deteriorou, e os rebeldes dirigiram seus canhões
contra Petrogrado". No mesmo dia, apareceu um outro relato em um órgão
parisiense chamado "L’Echo de Paris",
onde afirmava que os marinheiros tinham prendido o comissário principal da
frota (Kuzmin) e despachado vários encouraçados contra Petrogrado. O periódico ianque
"New York Times" chegou ao
extremo absurdo de afirmar que os marinheiros tinham tomado pleno controle de
Petrogrado e estavam derrotando todas as tropas enviadas por Trotsky, uma a
uma... Tudo isso duas semanas antes da rebelião. Como a imprensa burguesa
internacional prenunciava pormenorizadamente algo que aconteceria semanas mais
tarde? Trotsky, na época, deu a seguinte resposta:
"Os centros da
conspiração contrarrevolucionária estão situados no estrangeiro. Entre esses
centros, os emigrantes russos e certos grupos do imperialismo europeu e a
imprensa europeia há um laço muito íntimo que, evidentemente, não é de forma
alguma platônico em caráter. Os contrarrevolucionários russos prometeram
organizar um motim no momento propício, mas o impaciente bulevar e os
periódicos da bolsa de valores escreveram sobre isto como se já fosse um fato".[127]
O velho bolchevique estava correto. Os rumores, de acordo
com Paul Avrich, surgiram de uma única fonte: um correspondente da agência de
notícias "Russunion", que
tinha sua sede em Helsinque (Finlândia), centro notório de propaganda antissoviética.
A agência "Russunion" era
uma organização de periodistas russos que estavam em estreito vínculo com o
Centro Nacional – uma coalizão contrarrevolucionária entre kadetes,
mencheviques e socialistas-revolucionários na emigração. Nos Arquivos Russos do
Centro Nacional da Universidade de Columbia foram descobertos manuscritos
datados de 1921 que tratam dessa questão com maiores detalhes. Esses documentos
estão carimbados com o famoso "Top Secret" e levam o sugestivo título
de "Memorando Sobre a Questão da
Organização de um Levantamento em Kronstadt". O memorando apresenta um
plano detalhado sobre uma eventual rebelião na fortaleza que ocorreria na
"próxima primavera", além de informações sobre a situação da
guarnição, recursos materiais, quantidade de armas e planos minuciosos
para um golpe contrarrevolucionário bem-sucedido. O Memorando expõe qual
atitude deveria ser tomada pelas potências estrangeiras se caso "um
pequeno grupo de pessoas, mediante uma ação rápida e decisiva, tomasse o poder
na fortaleza". Paul Avrich, o
principal responsável pela descoberta deste material, fez uma revelação que
pegou os anarquistas de surpresa:
"A julgar pela
evidência que contém, é bastante claro que o plano descrito no memorando foi
traçado em janeiro ou início de fevereiro de 1921 por um agente do Centro
Nacional localizado em Viborg ou Helsinque. Ele prediz que ocorrerá uma
sublevação dos marinheiros durante a 'próxima primavera'. (...) O autor
obviamente está muito familiarizado com a situação de Kronstadt. Há uma extensa
e bem informada análise das fortificações da base, na qual é avaliado
cuidadosamente o perigo do bombardeio da artilharia desde Krasnaya Gorka, mas
não se considera como ameaça séria para a rebelião. Além disso, o documento acentua
a necessidade de preparar abastecimentos de provisões para os rebeldes com
bastante antecipação no início do levantamento. O autor acentua muito este
aspecto. Com a ajuda da França, diz, é possível aportar navios de transporte
carregados de alimentos no Báltico, que esperarão ordens para seguir até
Kronstadt. Como contingente militar operativo, continua, deve-se mobilizar o
Exército Russo do general Wrangel, apoiado por uma esquadra francesa e uma
unidade da frota do Mar Negro aportadas em Bizerta. (...) Assim, com a chegada
do Exército Russo, toda a autoridade de Kronstadt passaria imediatamente para
as mãos de seu comandante-em-chefe (Wrangel). A fortaleza serviria então como
'uma base invulnerável' para desembarcar no continente 'com o intuito de derrubar
a autoridade soviética na Rússia'. Entretanto, o êxito da operação dependeria
da disposição dos franceses em proporcionar dinheiro, alimentos e apoio naval.
De outra forma, ocorreria igualmente uma revolta e estaria destinada ao
fracasso. Se o governo francês estivesse de acordo, conclui o memorando, seria
então desejável que designasse 'uma pessoa com a qual pudesse entrar em acordos
mais detalhados sobre este assunto com os representantes dos organizadores da
rebelião e à qual pudessem comunicar os detalhes do plano da revolta e ações
posteriores, assim como facilitar informações mais precisas a respeito dos
fundos que necessitam para a organização e demais aspectos financeiros do
levantamento'".[128]
A preocupação principal dos imperialistas era de que a
revolta não acontecesse antes do degelo, momento em que Kronstadt ficaria imune
a um ataque bolchevique. Por que então,
perguntam os anarquistas, os rebeldes kronstadinos não esperaram exatamente o
degelo para aplicar o golpe? O general Elvengren (representante de Wrangel na
Finlândia) afirma que de fato existia uma operação organizada dos Guardas
Brancos em Kronstadt e explica porque os rebeldes decidiram estourar o motim
antes do degelo:
"Todo o segredo
está no fato de que os marinheiros de Kronstadt (a organização local conectada
com a organização mais ampla) ao inteirar-se do início de um movimento em
Petrogrado (ou seja, falsos rumores) e de sua escala tomaram este movimento por
um levantamento geral. Não querendo ficar passivamente à margem dos
acontecimentos, decidiram, apesar do calendário acordado, ir até Petrogrado,
mas rapidamente se orientaram e viram que as coisas não estavam como eles
esperavam. Tiveram que regressar a Kronstadt rapidamente. O movimento em Petrogrado
já havia acabado faz tempo, as coisas estavam tranquilas, mas eles – os
marinheiros – que já estavam comprometidos diante dos comissários, sabiam
perfeitamente que seriam reprimidos e decidiram dar o passo adiante, usando o
isolamento de Kronstadt para anunciar sua ruptura com o poder soviético e, de
forma independente, levar a cabo o levantamento que haviam sido forçados a
iniciar".[129]
Petrogrado encontrava-se em crise devido à devastação
deixada pela guerra civil, os sistemas de transportes estavam deteriorados e
desarticulados, faltava combustível e o inverno era cruel, os trabalhadores
iniciaram greves em algumas fábricas de Petrogrado (influenciados, sobretudo,
pela agitação de dirigentes mencheviques), mas os bolcheviques não se
desesperaram: os sovietes da região realizaram assembleias, explicaram a
situação em que se encontrava o país, alertou contra a provocação dos
agitadores contrarrevolucionários e o protesto extinguiu-se por si só, sem
derramar uma única gota de sangue. Não houve repressão nem ameaças, mas diálogo
– algo que os rebeldes de Kronstadt desconheciam completamente.
Após o ribombar da rebelião, a tarefa imediata da contrarrevolução
internacional consistiu em reunir ajuda suficiente para os rebeldes a fim de
manter seu moral elevado: "A
sublevação de Kronstadt – diz uma circular confidencial dos arquivos do Centro –
encontrou uma resposta no coração de todos os exilados russos. Devemos enviar
alimentos e produtos médicos imediatamente, sob a bandeira da Cruz Vermelha;
além disso, devemos proporcionar aos insurgentes aviões, lanchas a motor,
petróleo e roupas para ajudá-los a difundir a revolta no continente antes que
os bolcheviques possam reunir suas forças".[130] O órgão "Obshchee Delo" ("A Causa Comum"), situado em Paris e
dirigido pelo veterano populista Vladimir Burtsev, publicou um chamado no dia 6
de março a todos os grupos contrarrevolucionários de emigrantes para que se
unissem em apoio à rebelião, com o intenção de não perder a preciosa
oportunidade de retomar a guerra civil:
"Estamos vivendo
um momento que não se repetirá. Não cabe manter-se na atitude de testemunha
ociosa dos eventos. Fazemos um chamado urgente a todos os russos – e através
deles aos nossos aliados – para que proporcionem aos revolucionários de
Kronstadt um apoio material ativo. Para que seja entregue armas aos insurgentes
e que se assegure comida para Petrogrado. A luta contra os bolcheviques é nossa
causa comum! Se nos restringirmos apenas às palavras nestes terríveis dias, se
ainda não nos atermos à tempestade dos debates e das resoluções, pobres de nós,
pobre da Rússia! Se a Europa, que já perdeu tantas oportunidades, perder também
essa, então pobre dela, pobre do mundo inteiro!"
Os
imperialistas tinham plena consciência da importância que a fortaleza de
Kronstadt representava, e não mediram esforços para ajudar os rebeldes. O
diretor do Banco Internacional de Paris, Kokovtzov – que antes havia trabalhado
como ministro das finanças e primeiro-ministro durante o regime czarista –,
chegou a depositar 5.000 libras inglesas nas contas do Centro Nacional para que
fossem enviados de imediato aos rebeldes. Já o Banco Russo-Asiático transferiu
225.000 francos. Em Paris, Berlim e Praga, os mais
renomados líderes dos socialistas-revolucionários de direita, como Alexander
Kerensky e Viktor Chernov, entregaram-se de corpo e alma à tarefa de recolher
fundos para comprar alimentos e outros abastecimentos necessários para "manter viva a insurreição". Duas
cartas de Zenzinov, escritas em Praga e dirigidas a um membro do Centro
Nacional de Paris, mencionam quantias que ultrapassam os 100.000 francos
franceses. O mesmo Centro Nacional recebeu de Boris Bakhmetiev
(embaixador de Kerensky nos Estados Unidos) mais 25.000 dólares. As cartas indicam ainda que foram reunidos cerca de 50.000
sacos de farinha em Amsterdã para embarcá-los à fortaleza. Os eufóricos
respresentantes do Centro Nacional chegaram a telegrafar apelos urgentes ao
Presidente republicano dos EUA, Warren G. Harding, e ao Secretário de Comércio
ianque, Herbert Hoover, para que enviassem mantimentos aos rebeldes. Não à toa,
um dos primeiros atos da "República de Kronstadt" foi transmitir um
radiograma congratulando a posse de Harding como Presidente dos EUA – mensagem que foi interceptada e reportada à sessão do
Décimo Congresso do Partido Bolchevique.[131]
Dentre os países Aliados, a França foi a que mais apoiou a
rebelião, devido à sua rígida oposição ao regime bolchevique. Há provas
documentais de que o Centro Nacional entrou em contato com o primeiro-ministro
francês de relações exteriores, Briand, durante todo o levantamento. Em uma
reunião com Malachov, ex-embaixador do antigo Governo Provisório, Briand
prometeu "qualquer ajuda necessária a Kronstadt".
O diário de Kerensky em Berlim informava que uma
esquadra francesa tinha recebido ordem de partir para o porto de Reval no
Báltico com a missão de "ajudar Kronstadt
a qualquer custo". Um correspondente diplomático do jornal trabalhista
"Daily Herald" escrevia em
março de 1921: "Posso afirmar
decididamente que o governo francês está interessado no assunto de Kronstadt, e
que enviou uma grande soma de dinheiro para uso dos amotinados a um certo
professor (Tseidler) que reside em Viborg. Também enviaram abastecimentos com a
cumplicidade da Cruz Vermelha".[132] A União Russa do Comércio e
Indústria de Paris enviou um radiograma ao CRP de Kronstadt assegurando seu
pleno apoio e a intenção de enviar "suprimentos
e outros abastecimentos necessários". O radiograma declarava que os
imperialistas tinham se comprometido a ajudar os rebeldes com uma soma inicial
de dois milhões de marcos finlandeses para a "sagrada causa de libertar a Rússia". Fundos adicionais foram
doados por outros bancos russos, companhias de seguros e pela astuta Cruz
Vermelha. Kokovtzov informou ao Comitê dos
Bancos Russos em Paris que os depósitos para Kronstadt já excediam a faixa dos
775.000 francos, ou dois milhões de marcos finlandeses, prometidos aos rebeldes
pela União de Comércio e Indústria. Não por acaso, a Bolsa de Valores estava
excitada com o desenrolar dos acontecimentos, a ponto de quase ter um orgasmo
financeiro: "Em Petrogrado os mencheviques estão causando
um alvoroço; as ações da 'Putilov Works' subiram a um valor de 10 francos.
Chernov promete abrir a Assembleia Constituinte; outros 5 francos marcaram em
alta. Em Kronstadt a artilharia falou em nome dos sovietes contra os
comunistas; isso significa que os capitalistas belgas poderão voltar aos seus
trabalhos nas minas do Donbass – uma alta para essas ações de 20-30 francos".[133]
Mas além da
ajuda financeira também ocorreram propostas de ajuda militar. Viktor Chernov
(dirigente dos socialistas-revolucionários de direita e ex-ministro da
agricultura durante o Governo Provisório) propôs uma inestimável ajuda e
colocou-se como mediador nas negociações diante das potências imperialistas
para enviar suprimentos aos insurretos. Durante a
primeira semana do golpe, Chernov enviou o seguinte radiograma ao CRP de
Kronstadt: "O presidente da Assembleia
Constituinte, Viktor Chernov,
envia suas fraternas saudações aos heroicos camaradas marinheiros, aos homens
do Exército Vermelho e aos operários, que pela terceira vez desde 1905 estão
tentando livrar-se do jugo da tirania, e lhes oferece ajuda com homens e
provisões através das cooperativas russas do exterior. Nos informem do que necessitam
e a quantidade. Estou preparado para ajudar em pessoa e dar-lhes minhas
energias e autoridade à serviço da revolução do povo.
(...) Tenho fé na vitória final das massas trabalhadoras. Glória ao
primeiro a levantar a bandeira da libertação do povo! Abaixo o despotismo de
Direita e de Esquerda!".[134] Contudo, o CRP de Kronstadt rechaçou
momentaneamente a ajuda de Chernov por razões táticas e não de princípios: "O Comitê
Revolucionário Provisório agradece a oferta de Chernov,
mas recusa no momento, até que a situação esteja mais clara. Entretanto, tudo
será levado em consideração".[135] É evidente
que os rebeldes avaliaram a situação de um ponto de vista racional: se tivessem
aceitado a ajuda dos esseristas burgueses naquele momento teriam conquistado
ainda mais a hostilidade das massas trabalhadoras, que já não viam com bons
olhos o estouro de uma rebelião no nascente Estado operário – e, sobretudo,
contra aqueles que haviam repelido a contrarrevolução na guerra civil, ou seja,
os bolcheviques. Por sinal, uma das causas do inevitável fracasso do
levantamento de Kronstadt foi seu isolamento, pois a grande massa dos
trabalhadores não lhe prestou nenhum apoio. O próprio líder menchevique Fyodor
Dan admitiu em 1922 que "o motim de
Kronstadt não teve nenhum apoio dos trabalhadores de Petrogrado".[136] De acordo com Trotsky: "os trabalhadores sentiram imediatamente que
os amotinados de Kronstadt estavam colocados ao lado oposto das barricadas... e
apoiaram o poder soviético. O isolamento político da fortaleza foi a causa de
sua vacilação interna e sua derrota militar".
Outro notório personagem que propôs ajuda aos rebeldes foi
o Barão Vilken (ex-comandante da Armada Imperial que serviu no encouraçado Sevastopol), ele sugeriu uma ajuda a
Kronstadt de 800 oficiais armados e permaneceu na cidade durante a revolta como
representante da Cruz Vermelha Russa na Finlândia. Vilken também se comprometeu
em oferecer ao CRP alimentos e produtos médicos. Ao ser interrogado pela Cheka,
o anarquista Perepelkin deu o seguinte depoimento a Komarov (Presidente
Regional da Cheka de Petrogrado):
"E aqui
eu dei de cara com o antigo comandante do Sevastopol, Barão Vilken, com o qual
eu tinha navegado logo cedo. Ele ficou reconhecido pelo CRP como representante
da delegação que nos ofereceu aliança. Eu fiquei ultrajado com isto. Chamei
todos os membros do CRP e disse: 'então essa é a situação em que nos
encontramos, a quem somos forçados a manter conversações...' Petrichenko e os
outros pularam sobre mim, dizendo: 'Nós não temos comida e remédios – a escassez
iniciou-se em março de 1921 – devemos então ser obrigados a nos render aos
conquistadores? Não há outro caminho!'. Eu parei de argumentar e disse que
aceitaria a proposta. E, no segundo dia, nós recebemos 400 puds (1 pud=16,8 quilos)
de alimentos e cigarros. Aqueles que aceitaram a amizade mútua com o Barão dos
Guardas Brancos disseram que ele estava a favor do poder soviético".
O Barão Vilken ainda sugeriu ao CRP que emitisse
publicamente uma adesão formal em favor da Assembleia Constituinte. No mesmo
interrogatório, Komarov indagou a Perepelkin se no dia seguinte após as
negociações o Barão Vilken tivesse exigido não uma Assembleia Constituinte, mas
sim uma ditadura militar, qual seria a posições dos insurretos? Perepelkin deu
sua resposta: "Hoje eu admito com
toda a franqueza que teríamos adotado tal medida – não tínhamos outra saída!". Vale ressaltar que as propostas de
negociações com o Barão Vilken vieram diretamente de Petrichenko, que telegrafou a David Grimm (chefe do Centro Nacional e
representante oficial de Wrangel na Finlândia) no dia 13 de março.
Como já analisamos no início, a maioria dos amotinados que formaram uma nova composição
social em Kronstadt eram camponeses provenientes do Sul da Rússia e da Ucrânia,
territórios que possuíam uma rica classe camponesa (kulaks) e eram profundamente afetados pelo antissemitismo. Paul
Avrich afirma que "embora os rebeldes kronstadinos negassem alguns preconceitos antissemitas,
não há dúvida que havia sentimentos de ódio contra os judeus entre os
marinheiros, muitos deles vieram da Ucrânia e dos confins ocidentais, as
clássicas regiões de virulento antissemitismo na Rússia. (...) Os habitantes de
Kronstadt mostravam uma forte veia de nacionalismo eslavo, que não resulta
surpreendente em vista de suas origens predominantemente camponesas, embora se
proclamassem internacionalistas, os marinheiros mostraram pouco interesse pelo
movimento revolucionário mundial".
Entre os nomes mais importantes na rebelião encontrava-se
Vershinin (membro do CRP), um antigo especulador que havia sido transferido
como marinheiro para o encouraçado Sevastopol.
Este elemento degenerado fez o seguinte chamamento aos soldados do Exército
Vermelho para tentar jogá-los contra os bolcheviques e fazê-los aderir à causa
dos rebeldes: "Basta de 'hurrás',
juntem-se a nós para derrotar os judeus. Vamos acabar com essa maldita
dominação que nós, operários e camponeses, temos que suportar!".[137] Outras evidências de antissemitismo
apareceram nas memórias de um marinheiro envolvido na rebelião. Paul Avrich
aborda que este referido marinheiro demonstrava asco pelo governo soviético, que,
segundo suas próprias palavras, foi "o
principal responsável por ter transformado a Rússia na primeira república judia".
O mesmo marinheiro também denomina o ultimato que os bolcheviques enviaram à
fortaleza para que os rebeldes se rendessem imediatamente como "o ultimato do judeu Trotsky". Mas
pior ainda foi a descoberta de uma carta que o marinheiro Dmitry Urin enviou ao
seu pai, na província de Kherson, no dia 5 de março de 1921, o conteúdo deste
bilhete é um tiro de misericórdia na nuca dos falsificadores que tentam colocar
uma auréola sobre a cabeça dos rebeldes: "Nós rejeitamos completamente a comuna, nesse momento não temos mais
comuna alguma, agora só temos poder soviético. Fizemos uma resolução em
Kronstadt para enviar todos os judeus à Palestina, para que não haja mais na
Rússia tal escória, todos os marinheiros gritaram: 'FORA JUDEUS!'".[138]
Afinal, deveria o governo bolchevique dar de mão beijada
uma base naval fortemente armada, de primeira classe, a esses elementos
atrasados e desmoralizados? Os anarquistas ainda têm a cara-de-pau de afirmar
que os elementos supracitados não representavam o conjunto geral dos rebeldes
kronstadinos, mas grande parte dos que foram citados representou posições de
destaque no CRP, e alguns são mencionados inclusive por autores anarquistas que
vangloriam o motim – como Alexandre Berkman, por exemplo, que no seu livro
sobre a rebelião de Kronstadt destaca Vershinin como um dos mais importantes
membros do CRP e coloca-o no rol dos "trabalhadores
de conhecida história revolucionária".
Esses sentimentos antissemitas refletiam o caráter
reacionário da rebelião. Não foi à toa que o governo bolchevique emitiu um
comunicado no dia 2 de março de 1921 afirmando que os rebeldes estavam
aprovando "resoluções que refletiam
o espírito das Centúrias Negras". O socialista-revolucionário Lamanov,
que tomou parte no levantamento, afirmou que o veneno do antissemitismo era tão
forte que se sentiu no dever de "bloqueá-lo"
através de artigos no órgão oficial dos rebeldes, o diário Izvestia de Kronstadt. É exatamente por isso que as manifestações
de antissemitismo nunca estiveram presentes no periódico da fortaleza. Por
incrível que pareça, esses artigos de Lamanov foram tomados como "provas definitivas" por Volin para
demonstrar as supostas "intenções
revolucionárias" dos rebeldes e sua luta contra os "preconceitos antissemitas". Seria
cômico se não fosse trágico! O próprio Lamanov se arrependerá mais tarde de ter
participado da rebelião, pois, segundo suas próprias palavras, "a participação dos Guardas Brancos
confirmara-se de fato após a fuga para a Finlândia".
Sobre a declaração fanática dos rebeldes aos sovietes (como
a demonstrada por Dmitry Urin, por exemplo), o general czarista Elvengern
escreveu um extenso relatório em março de 1921 que diz o seguinte: "De um ponto de vista tático, eles (o Comitê
Revolucionário Provisório) declararam-se partidários fanáticos do poder
soviético, e diziam que só se opunham à ditadura do Partido Comunista com a
esperança de que, com tal plataforma, tornar-se-ia difícil aos comunistas
mobilizarem suas defesas e unidades soviéticas para esmagá-los".[139] No exílio, Ivan Oreshin também
afirmou que: "A questão do sufrágio
universal, estendendo o voto também à burguesia, foi cuidadosamente evitada
pelos oradores da manifestação (do 1º de março). Eles não queriam provocar uma
oposição entre os mesmos insurgentes que os bolcheviques pudessem aproveitar.
Não falaram da Assembleia Constituinte, mas se assumiram favoráveis e que se chegaria
a ela gradualmente, via livre eleição de sovietes".[140]
Devemos admitir que a solidariedade internacional para com
a rebelião era realmente extraordinária, mas não vinha da classe trabalhadora
nem dos movimentos revolucionários, e sim da burguesia reacionária. Para
Kerensky, "a rebelião de Kronstadt
anunciava o colapso iminente do bolchevismo".[141] O multimilionário Pavel Miliukov
(principal dirigente do Partido Kadete e ex-ministro das relações exteriores do
antigo Governo Provisório) também entoou loas no exílio aos insurretos e
abraçou a consigna de "sovietes sem comunistas". Miliukov abordou a
questão da seguinte forma: "Este
programa precisa ser manifestado no seguinte slogan: 'Abaixo os Bolcheviques!
Longa Vida aos Sovietes!'. (...) No presente momento, 'Viva os Sovietes!'
significa que o poder passará dos bolcheviques para os socialistas moderados,
que irão receber a maioria nos sovietes. (...) É necessário então utilizar a
consigna de apartidarismo nos sovietes para destruir o próprio poder soviético".[142] Em uma entrevista com o
correspondente em Paris do "New York
Times", Miliukov ainda afirmou que "os dias do regime de Lênin e Trotsky estavam contados" e pediu
ao governo ianque o envio de alimentos aos rebeldes. É preciso ser muito cego
para não enxergar que a consigna de "sovietes sem comunistas"
satisfazia a burguesia mundial e representava o próprio derrocamento da
República Soviética. Todos tinham a absoluta certeza que uma vez os bolcheviques
fora do poder seria muito fácil o triunfo da contrarrevolução internacional. A
consigna de "apartidarismo" foi demagogicamente explorada pelos
principais dirigentes do golpe. Agranov notificou ao Presidium da Cheka que
praticamente "todos os participantes
do motim encobriram cuidadosamente a fisionomia de seus respectivos partidos
sob a bandeira apartidária".
Kronstadt
estava ligada diretamente pelo gelo, durante o inverno podia-se irromper seus
portões e escalar suas muralhas, no entanto, após o degelo, a fortaleza
tornar-se-ia inexpugnável e serviria como uma ponte para os imperialistas
ocupar Petrogrado. No Memorando da Universidade de Columbia há notas informando
sobre a importância do degelo, pois só assim a fortaleza ficaria imune aos
ataques soviéticos a partir do continente; sendo assim, as forças do general
Wrangel já estariam abastecidas e prontas para o ataque. O governo bolchevique
tinha plena consciência do perigo que o Estado operário estava correndo, por
isso não tiveram outra alternativa senão atacar a fortaleza o mais depressa
possível. Para os críticos, Lênin e Trotsky deveriam
ter feito o mesmo que o socialista-revolucionário chinês Mao Tsé-Tung, que
permitiu a Chiang Kai-Chek apoderar-se da Ilha de Formosa (Taiwan) e formar
tranquilamente um governo contrarrevolucionário do Kuomintang naquela região. Como
expõe perfeitamente o velho bolchevique Leon Trotsky: "O governo revolucionário naturalmente não
poderia ‘dar de presente’ a fortaleza que protegia Petrogrado aos marinheiros
insurretos só porque uns tantos duvidosos anarquistas e socialistas-revolucionários
protegiam um punhado de camponeses reacionários e soldados amotinados,
empenhados em uma rebelião". Os bolcheviques pertenciam a uma outra
escola do marxismo-revolucionário, muito mais avançada, diga-se de passagem. Mas
isso não quer dizer que o governo soviético não tenha feito todo um sacrifício para
convencer os rebeldes de seus equívocos. Uma dessas tentativas veio através de
um ultimato (do "judeu Trotsky") para que os amotinados se rendessem
imediatamente, a fim de evitar uma batalha sangrenta e poupar a população
pacífica de mais sofrimentos. Alguns trechos do ultimato diziam o seguinte:
"(...) Ordenamos
a todos que ergueram suas mãos contra a pátria socialista a depor suas armas
imediatamente. Os recalcitrantes devem ser desarmados e entregues às
autoridades soviéticas. Os comissários detidos e outros representantes do
governo devem ser libertados imediatamente, (...) aqueles que se renderem
incondicionalmente poderão contar com a clemência da República Soviética".[143]
Os falsificadores ainda tentam imputar a Trotsky uma ordem
insinuando que caso os rebeldes não se rendessem seriam "caçados como
perdizes" (ou como "faisões", dependendo do paladar dos
anarquistas). Na verdade, foi Zinoviev através do Comitê de Defesa de
Petrogrado que emitiu essa mensagem, como aborda Paul Avrich:
"Embora a ameaça
de caçar os rebeldes 'como perdizes' tenha sido atribuída erroneamente a
Trotsky, seu verdadeiro perpetrador foi o Comitê de Defesa de Zinoviev. (...)
No dia 5 de março, o Comitê de Defesa de Petrogrado editou um novo panfleto e
lançou sobre Kronstadt através de aeroplanos. (...) O panfleto concluía suas
palavras com uma advertência profética: 'no último minuto, os 'Kozlovskys' e
'Petrichenkos' os deixarão plantados e fugirão para a Finlândia. O que vocês
farão então? Se os seguirem, acreditam realmente que encontrarão alimento na
Finlândia? Não ouviram o que aconteceu com os homens de Wrangel, que estão
morrendo como moscas de fome e doenças? O mesmo destino os aguarda, a menos que
se rendam no prazo de 24 horas. Se o fizerem, serão perdoados; mas se
resistirem, serão caçados como perdizes'".
Devemos admitir que o conteúdo do panfleto era de fato
profético, pois tanto Kozlovsky (um ex-general czarista) como Petrichenko (um kulak nacionalista pequeno-burguês)
abandonaram seus "camaradas" à própria sorte e fugiram no último
instante para a Finlândia, onde se uniram às tropas do Barão Wrangel para lutar
por uma "ditadura militar temporária" na Rússia.
Zinoviev podia ser conhecido por seus palavrórios
excessivos e notória demagogia, entretanto, cabe a pergunta: se os
amotinados estavam ameaçando judeus e comunistas, se os mantinham presos sob a
mira de armas, que direito tinham eles de reclamar das frivolidades de
Zinoviev? Além do mais, foi dado mais um prazo de 24
horas e, apesar do tom áspero de Zinoviev no último parágrafo, mais uma vez
declarava-se a clemência da República Soviética para com rebeldes, caso se
rendessem, evidentemente. Mas a intransigência reinava na fortaleza, e outra
prova desta inflexibilidade ocorreu no dia 6 de março. Alexandre Berkman e Emma
Goldman (por sinal, os dois maiores falsificadores deste episódio) enviaram um
telegrama ao Soviete de Petrogrado apresentando uma proposta que dizia:
"Deixem uma
Comissão ser selecionada consistindo de cinco pessoas, incluindo dois
anarquistas. A Comissão deve ir para Kronstadt assentar a disputa por meios
pacíficos. Na dada situação, este é o método mais radical. Será de um
significado revolucionário internacional".[144]
Pois no dia seguinte o Soviete de Petrogrado telegrafou ao
CRP de Kronstadt perguntando aos rebeldes se uma delegação de membros do
soviete, filiados e não-filiados ao Partido Bolchevique, poderiam dirigir-se à
fortaleza para um diálogo pacífico. Qual foi a resposta dos rebeldes? Na sua
intransigente fúria apartidária, afirmaram não confiar no "status apartidário de vossos representantes
partidários".[145]
Isto prova que não faltou boa vontade do governo soviético em dialogar com os
rebeldes e procurar um resultado pacífico da situação. Infelizmente, Alexandre
Berkman e seus companheiros omitem todos esses fatos, induzindo o leitor a
acreditar que os bolcheviques foram inflexíveis ao diálogo, quando, na verdade,
foram os rebeldes que rechaçaram todas as soluções pacíficas vindas do governo.
Decerto que os bolcheviques não podiam esperar o degelo e deixar que os
imperialistas tomassem a fortaleza.
Kronstadt era
uma fortaleza altamente fortificada localizada sobre a Ilha de Kotlin, no Golfo
da Finlândia, a 30 quilômetros de Petrogrado. Foi fundada por Pedro "O
Grande" no séc. XVIII com a intenção de proteger a nova capital (na época
com o nome de "São Petersburgo"). Kronstadt tinha cerca de 135
canhões e 68 metralhadoras, já os encouraçados Petropavlovsk e Sevastopol
possuíam, cada um deles, uma dúzia de canhões de 12 polegadas e dezesseis
canhões de 129 milímetros. A preocupação principal
dos bolcheviques era que os Brancos tomassem a fortaleza e a utilizasse como
uma nova base para colocar-se de pé em todo o continente, provocando uma
nova e sangrenta guerra civil. Em vista do esgotamento geral do país, o regime
soviético poderia ter se extinguido sem muitas dificuldades, dando lugar ao
regime monárquico-fascista dos Guardas Brancos. No
dia 7 de março venceu o prazo dado pelo regime soviético. O primeiro assalto
empreendido na noite do dia 7 a 8 de março não teve êxito, e o resultado foi
terrível para os soldados do Exército Vermelho. Dybenko
(um ex-membro da tripulação do Petropavlosk
e proeminente bolchevique na frota durante a revolução) enviou um panfleto a
seus "velhos camaradas marinheiros
de Kronstadt", denunciando Petrichenko como um "Poltava kulak" (cidade ucraniana
onde Petliura nasceu) e pediu aos rebeldes para depor as armas. Mais uma vez não
houve uma resposta positiva por parte dos rebeldes.
Segundo o periódico de Kronstadt, a neve nas ruas da cidade
estava começando a desaparecer já no dia 15 de março, portanto, não havia tempo
para cerimônias. No mesmo dia, Tukhachevsky (comandante das tropas do
Sétimo Exército) deu a ordem de começar novamente o ataque à fortaleza. Após
uma poderosa preparação da artilharia, as unidades do Exército Vermelho
avançaram sobre o gelo. Cerca de 50.000 homens do
Exército Vermelho e das forças especiais da Cheka, camuflados de branco e
cantando "A Internacional", atacaram a fortaleza em três
direções; após uma batalha espantosa, conseguiram escalar suas muralhas e
controlar a guarnição. Os comunistas que estavam nos encouraçados Petropavlovsk e Sevastopol, unidos com a parte consciente dos marinheiros,
prenderam alguns rebeldes do CRP e entregaram os encouraçados às tropas
Vermelhas que avançavam em direção à fortaleza. Infelizmente,
a maioria dos dirigentes rebeldes não teve um julgamento merecido, pois no último
momento fugiram para a Finlândia do ditador
Mannerheim. Entre eles estavam onze membros do CRP (incluindo Petrichenko) e os
diversos "especialistas militares" (como Kozlovsky e Solovianov).
Em relação ao número de mortos, a manipulação anarquista
não tem limites. Ante Ciliga afirma em seu livro, "No País da Grande Mentira", que Trotsky fuzilou "mais de dez mil marinheiros". O
velho bolchevique deu a resposta: "duvido
muito que a frota inteira do Báltico tivesse toda essa quantidade naquele
momento".[146] Antes de mais nada é necessário esclarecer que em qualquer
guerra sempre haverá vítimas e feridos; é sempre bom lembrar que os rebeldes
rejeitaram os apelos do governo soviético em se render, portanto, tinham que
arcar com todas as consequências que uma guerra produz. Cinicamente, Ante
Ciliga faz uma inversão de papéis, pois a batalha foi sangrenta principalmente
para os bolcheviques. Os amotinados (que detinham o poder de uma fortaleza
fortemente armada) dispararam tiros de canhões e de fuzis do alto da fortaleza,
muitos soldados do Exército Vermelho caíram no mar pelos buracos criados no
gelo. Segundo estimativas, cerca de 10.000 soldados do Exército Vermelho tombaram
na luta contra os golpistas. Por outro lado, os mortos entre os rebeldes,
incluindo os fuzilados depois da tomada da base, somaram-se 600 (sim,
seiscentos!).[147] Dez mil soldados do Exército Vermelho pereceram durante a
batalha, exatamente a cifra que a nossa "Alice" dá ao número de
rebeldes mortos. O título de seu livro, "No País da Grande Mentira", é realmente um grande jogo de
palavras, só resta saber quem é a Rainha de Copas nesse mundo imaginário criado
por Ciliga: Petrichenko, Kozlovsky ou o Barão Vilken?
Quanto à repressão aos que ficaram na fortaleza, Trotsky
diz: "Até onde recordo, Dzerzhinsky
estava pessoalmente encarregado dela e não podia tolerar a menor interferência
em suas funções (apropriadamente). Se
houve vítimas desnecessárias não o sei. A respeito disto confio mais em
Dzerzhinsky do que em seus irrequietos críticos". Em novembro de 1921,
na comemoração do quarto aniversário da Revolução de Outubro, o governo
bolchevique libertou de todo o castigo os trabalhadores inconscientes
arrastados pela rebelião. Em 1922, o Comitê Executivo Central da URSS promulgou
a segunda anistia, que se estendeu a todos que participaram do golpe. Para
aqueles que buscaram exílio nos países estrangeiros concedeu-se a possibilidade
de regressar à República Soviética. Apenas os principais dirigentes da rebelião
continuaram na emigração, e há provas suficientes de
que estes indivíduos estabeleceram um acordo com o Centro Nacional elaborando
planos para a derrubada do governo soviético.
Em maio de
1921, Petrichenko e vários de seus companheiros refugiados no acampamento do
forte "Ino"
decidiram oferecer seus serviços como voluntários ao general Branco Wrangel. No
final do mês, escreveram uma carta a David Grimm oferecendo suas forças em uma
nova campanha anti-bolchevique. Com a vitória na mão,
os rebeldes e os Brancos instalariam uma "ditadura militar
temporária" para impedir que o país se afundasse na anarquia. Petrichenko
só exigiu um pequeno pedido a Wrangel: que em um futuro remoto "o povo russo decidisse por si só que classe
de governo desejaria ter".[148] Não é
preciso dizer que David Grimm e Wrangel enviaram de imediato uma resposta
favorável aos rebeldes, já que sabiam perfeitamente que uma vez instalada a
"ditadura militar" ela, com certeza, não seria
"temporária". No verão de 1921, Petrichenko colaborou com Grimm e o
Barão Vilken no recrutamento de um grupo de marinheiros refugiados e os
introduziu de contrabando em Petrogrado. Uma vez dentro da cidade, os
marinheiros trabalhariam sob a direção da "Organização de Luta de
Petrogrado", grupo clandestino afiliado ao Centro Nacional e encabeçado
por Tagantsev (ex-professor de geografia da Universidade de Petrogrado), tendo
como ajuda militar as tropas "voluntárias" do Barão Wrangel. O complô
foi descoberto e a Organização de Luta foi imediatamente liquidada pela Cheka.
O ucraniano Stepan Petrichenko era, indubitavelmente, um
camaleão político profissional. Principal protagonista da rebelião de Kronstadt
e líder dos rebeldes na emigração, este marinheiro anti-bolchevique já havia
sido preso mais de uma vez antes do golpe por tentar estabelecer contato com as
forças Brancas, entretanto, foi rechaçado pelos oficiais sob o pretexto de ter
sido um "ex-comunista". Os sentimentos nacionalistas deste indivíduo
eram tão fortes que seus próprios camaradas o apelidaram de "Petliura".
Petrichenko viveu quase 25 anos na Finlândia após a supressão da revolta, onde
prestou enormes serviços aos Brancos antissemitas. Apesar disso, ele mudaria
novamente de cor em 1927: trabalhou para Stálin como agente secreto na
Finlândia até 1944, quando foi descoberto e preso pelas autoridades finlandesas
durante a Segunda Guerra Mundial. No ano seguinte, foi repatriado à Rússia e
morreu em um gulag em 1947.
Em contrpartida, não foram poucos os que compreenderam que
a rebelião abria nitidamente um caminho para a contrarrevolução. O esserista
Lamanov, por exemplo, arrependeu-se amargamente de sua participação e deu o
seguinte depoimento:
"Mudei de
opinião a respeito do movimento, e já não o considero mais como espontâneo. Até
a tomada de Kronstadt pelas tropas soviéticas eu pensava que o movimento havia
sido organizado por socialistas-revolucionários de esquerda. Após ter me
convencido que o movimento não era de forma alguma espontâneo deixei de
simpatizar com ele. Segui tomando parte na Izvestia somente por causa dos meus
temores de que o movimento precipitasse à direita. Agora estou firmemente
convencido, sem sombra de dúvida, de que os Guardas Brancos, tanto russos como
estrangeiros, tomaram parte no movimento. A fuga para a Finlândia me convenceu
disso. Agora considero que minha participação no movimento foi um erro estúpido
e imperdoável".[149]
O mais irônico é que para defender a suposta
"espontaneidade" do levantamento, o anarco-falsificador Israël Getzler faz uma breve
citação desta declaração de Lamanov tomando apenas alguns parágrafos: "O motim de Kronstadt me pegou de surpresa.
Considerei de imediato um movimento espontâneo". O pior é que Getzler
não se restringe apenas ao interrogatório de Lamanov, mas a muitos outros
documentos dos Arquivos Soviéticos que são citados apenas em partes. Devemos
admitir que esses senhores aprenderam muito bem com o stalinismo como
falsificar a história.
Victor Serge, um anarquista convicto na época, repudiou o
assalto à fortaleza, mas reconheceu que o levantamento não caminhava em direção
a um sentido revolucionário: "A contrarrevolução
popular transformou a reivindicação de sovietes livres pela de 'sovietes sem
comunistas'. Se a ditadura bolchevique caísse, seria apenas um passo muito
curto em direção ao caos e, através do caos, à insurreição camponesa geral, ao
massacre dos comunistas, ao retorno dos emigrantes com suas políticas estéreis
e antiquadas, e, no final, pela força incontrolável dos acontecimentos, à outra
ditadura, desta vez anti-proletária".[150] A decisão em atacar a
fortaleza foi adotada por unanimidade por meio de uma votação no Décimo
Congresso do Partido Bolchevique, onde até a Oposição
Operária (Shlyapnikov, Lutovinov, Alexandra Kollontai, Medvedev) e os Decemistas (centralistas democráticos), que
possuíam críticas semelhantes aos dos anarquistas e faziam exigências
anarco-sindicalistas, apoiaram a decisão de sufocar o motim e ainda por cima
apresentaram-se como voluntários, enviando uma seção ao Sétimo Exército para
lutar contra os rebeldes. A maioria da fração dos "anarco-soviéticos" (entre eles Roshchin e Shatov) apoiou
totalmente o assalto à fortaleza. O anarquista Efim Yarchuk (que outrora havia
pertencido a Kronstadt e, no momento da rebelião, encontrava-se em Moscou)
chegou a escrever um livro sobre a atuação dos anarquistas na fortaleza durante
o período revolucionário onde sequer dedica páginas ao golpe e aos rebeldes. No exterior, membros
do Partido Comunista Operário Alemão, o KAPD (conselhista), que criticava certas
medidas adotadas pelos bolcheviques, classificaram o levantamento de Kronstadt
como uma rebelião tipicamente "camponesa"
e "contrarrevolucionária",
concordando que a ação militar dos bolcheviques era "necessária". O mais irônico é que certos anarquistas que
reivindicam hoje o legado do KAPD (como é o caso da Federação Anarquista da
Grã-Bretanha) continuam a defender com unhas e dentes a rebelião de Kronstadt e
sua tentativa de golpe militar. Alguns recalcitrantes realmente nunca aprendem
com a história.[151]
A rebelião de
Kronstadt foi um movimento pequeno-burguês de natureza objetivamente contrarrevolucionária,
nada mais do que isso. Em relação às reivindicações, é necessário dizer que a
requisição dos excedentes agrícolas tinha sido necessária para manter o
exército de pé e abastecer as cidades durante a guerra civil. Os bolcheviques
(e, sobretudo, Trotsky) já haviam discutido a possibilidade de mudar a lei
sobre as requisições acompanhada por um imposto em espécie, o que resultou na
NEP. Uma rebelião como a de Kronstadt, em um momento crítico da revolução e em
uma área estrategicamente importante, só poderia levar às piores consequências,
conduzindo a República Soviética ao inevitável derrocamento. Por outra parte, a
ideologia dominante entre os rebeldes era explicitamente reacionária, com
nítidas manifestações de antissemitismo e nacionalismo eslavo, além de estreitas
ligações com o imperialismo ocidental. Não foi à toa que o golpista Boris
Yeltsin reabilitou esses degenerados em 1994, afinal de contas, seus anseios
contrarrevolucionários e pró-imperialistas haviam sido finalmente concretizados.
Mas engana-se
quem pensa que a simpatia da burguesia reacionária pela rebelião se extinguiu. No site "Mídia Sem Máscara", organizado pelo
astrólogo e dublê de filosofo Olavo de Carvalho, pode ser observado um
texto depreciativo contra Trotsky abordando o seu suposto papel "autoritário"
no episódio:
"Trotsky foi o
general-chefe que conduziu a repressão contra os marinheiros, os operários e os
camponeses da ilha de Kronstadt, revoltados contra a 'autocracia bolchevique',
em março de 1921. Depois de violentos combates, os rebeldes foram esmagados na
manhã de 18 de março, exatamente 50 anos depois da proclamação da Comuna de
Paris. Cerca de mil prisioneiros e feridos foram fuzilados no local, 2.103
outros foram condenados à morte, 6.459 foram levados às prisões e campos de
concentração (dos quais apenas 1.500 ainda estavam vivos um ano depois)".[152]
A falsificação numérica muito mal-intencionada carece de
comentários, mas sobre a participação direta de Trotsky no ataque à fortaleza,
é necessário dizer que ele sequer tomou parte nas operações militares. Trotsky
estava em Moscou exercendo seu trabalho político, a negociação com os
marinheiros ficou inteiramente a cargo do Comitê de Defesa de Petrogrado, já
que Zinoviev tinha levado adiante uma campanha demagógica contra Trotsky no
debate sobre a questão sindical:
"A esmagadora
maioria dos marinheiros que apoiaram a resolução de Zinoviev tomaram parte na
rebelião. Considerei, e o Bureau Político não teve objeções, que as negociações
com os marinheiros, e no caso de necessidade, sua pacificação, deveriam estar
nas mãos dos dirigentes que até ontem tinham a confiança política destes
marinheiros. De outro modo, a população de Kronstadt assumiria o assunto como
se eu tivesse tomado 'vingança' sobre eles por ter votado contra mim durante a
discussão do partido".[153]
Já as operações de ofensiva contra Kronstadt foram
lideradas pessoalmente pelo notável oficial Mikhail Tukhachevsky, comandante do
Sétimo Exército em Petrogrado. Apesar disso, Trotsky assumiu total
responsabilidade pelo resultado final dos eventos, diferentemente dos covardes
makhnovistas que executaram dezenas de legítimos comunistas, trabalhadores e judeus,
mas negaram cinicamente sua responsabilidade.
ANARCO-BOLCHEVISMO: O AVANÇO DO ANARQUISMO
Há quem insista no caráter sectário dos bolcheviques contra
os opositores de "esquerda" durante os primeiros anos da revolução.
Por mais teimosos que sejam os críticos demagogos, não se pode negar o fato de
que os bolcheviques foram demasiadamente tolerantes no tratamento aos partidos
políticos não-bolcheviques durante os primeiros anos do governo. Os periódicos
dos socialistas-revolucionários, mencheviques e anarquistas tiveram plena
liberdade de divulgação até agosto de 1918, mesmo tecendo críticas ao regime
soviético e advogando por seu declínio. Evidentemente que para tudo há um
limite, e nos dias trágicos em que sucedeu o assassinato de Volodarsky e Uritsky,
bem como a tentativa de homicídio contra Lênin, a "brandura" e a
paciência da revolução transformou-se em tolerância zero (acertadamente).
Embora tenham tomado o poder sozinho em outubro de 1917, os
bolcheviques demonstraram boa vontade em cooperar com outros partidos
soviéticos, e com eles entraram em negociações. Os primeiros anos da revolução
foi uma coalizão entre bolcheviques e socialistas-revolucionários
(representantes do campesinato no governo). Foram estes últimos, e não os
bolcheviques, que romperam a coalizão após o Tratado de Brest-Litovsk, partindo
de mala e cuia para o terrorismo e a reação Branca. Outros, porém, continuaram
fiéis à revolução, os militantes esseristas mais valorosos e abnegados lutaram
lado a lado com os bolcheviques contra toda a tentativa de golpe. O caso mais
conhecido – não sendo, portanto, uma exceção – foi
o de Yakov Blumkin, socialista-revolucionário de esquerda e um dos mais
destacados membros da Cheka. Blumkin foi responsável por ter assassinado o
embaixador alemão Conde Von Mirbach durante as negociações de Brest-Litovsk,
agindo de acordo com as diretrizes de seu partido, que desejava provocar uma
guerra entre Alemanha e Rússia. Mais tarde Blumkin se arrependeria deste ato
imprudente e seria perdoado pelo regime soviético, retornando às suas funções
na Comissão Extraordinária com a total aprovação de Dzerzhinsky. Blumkin
destacou-se maravilhosamente na guerra civil, tornando-se um bolchevique
responsável e capaz. Na década de 1920, denotou profundas simpatias pela única
fração que representava a chama viva da Revolução de Outubro: a oposição
trotskista. Quando Trotsky esteve exilado na Ilha de Prinkipo, Blumkin o
visitou secretamente e voltou a Moscou com uma mensagem sua para a oposição,
entretanto, antes de conseguir entregar a mensagem, foi preso e fuzilado pelo
regime stalinista. Morreu gritando em alto e bom som: "LONGA VIDA A
TROTSKY!". Blumkin foi um genuíno revolucionário, um chekista de primeira
linha que jamais será esquecido pela história.[154]
Outro socialista-revolucionário
intimamente ligado aos bolcheviques foi Mark Andreyevitch Natanson (Brobov),
antigo dirigente populista e organizador do "Círculo
Tchaikovsky". Exilado na província de
Arkhangel, organizou em 1876 a "Sociedade dos Populistas do Norte" (uma seção dos narodniks), de cunho totalmente conspirativo. No verão do mesmo ano
organizou e dirigiu um outro grupo que realizou a fuga de Kropotkin da prisão.
Natanson foi um dos fundadores do "Zemlia i Volia"
("Terra e Liberdade"), tornando-se depois líder da "Narodnaia
Volia" ("Vontade
do Povo"), após a cisão. Preso em 1881,
cuja implicação ligava-o diretamente ao assassinato do Czar Alexandre II, foi
condenado a 10 anos de exílio na Sibéria. Em 1891, organizou com Viktor Chernov
o partido "Narodnie Pravo" ("Os Direitos do Povo"),
sendo preso em 1894. Natanson foi um dos fundadores do Partido Socialista-Revolucionário,
membro de seu Comitê Central e chefe de sua ala esquerda desde 1905. Durante a
Primeira Guerra Mundial, comportou-se como um legítimo internacionalista
(diferentemente da maioria dos esseristas). Natanson comandou os socialistas-revolucionários
de esquerda após a cisão de 1917, concedendo total apoio à aliança com os
bolcheviques. Em oposição à política anti-bolchevique de seus companheiros após
o tratado de Brest-Litovsk, Natanson encabeçou um grupo conhecido como "comunistas-revolucionários", apresentando-o como alternativa aos socialistas-revolucionários
de esquerda. Natanson foi totalmente contrário à criação de uma Assembleia
Constituinte, apoiando a decisão de dispersá-la.
Mas não foram apenas militantes socialistas-revolucionários
de base que aderiram aos bolcheviques e lutaram do seu lado contra a reação. O
mesmo ocorreu com os anarquistas, aos quais Lênin e Trotsky chegaram a estudar
a possibilidade de brindá-los com uma área geográfica, com o consentimento da
população local, para que assim pudessem pôr em prática suas experiências de
uma ordem social sem Estado. Infelizmente, o estouro da guerra civil (incluindo
as ações daninhas de Makhno), o bloqueio e a fome impediram de levar adiante tais
planos.[155]
Não foram
poucos os anarquistas que apoiaram os bolcheviques e a ditadura do
proletariado. Lênin chegou a tecer elogios à postura revolucionária desses
notáveis militantes classificando-os como "os mais dedicados apoiadores do poder
soviético", segundo suas próprias
palavras:
"Numerosos
operários anarquistas passam agora a ser os mais sinceros partidários do poder
dos sovietes e, portanto, nos dão a prova de serem nossos melhores camaradas e
amigos, os melhores revolucionários, que não eram inimigos do marxismo senão
como consequência de um mal entendido... ou melhor dizendo, não como consequência
de um mal entendido, mas da traição do socialismo oficial da Segunda
Internacional ao marxismo, de sua queda no oportunismo e de sua falsificação da
doutrina de Marx em geral e das lições da Comuna de Paris de 1871 em particular".[156]
De fato,
havia uma enorme diferença de princípios e métodos entre os diversos grupos de
tendência anarquista, alguns bastante condescendentes e solidários, outros
extremamente conservadores e sectários. Muitos
militantes das fileiras anarquistas, os mais capazes e honestos, participaram
nos sovietes em conjunto com os bolcheviques e decidiram que poderiam servir à
causa da revolução entrando para as fileiras do partido:
"Numerosos
militantes anarquistas são atraídos fortemente pelo bolchevismo no início da
revolução: o russo‑americano Krasnotchekov e o franco‑russo Kibálchich, aliás,
Victor Serge, unem-se ao Partido Bolchevique; outros, sem chegar a filiar-se,
colaboram assiduamente. Este é o caso do ex-presidiário Sandomirsky e de seu
companheiro Novomirsky, do anarco‑sindicalista Schapiro e, sobretudo, do antigo
líder do sindicato revolucionário americano IWW (Industrial
Workers of the World), o russo‑americano Bill Shatov, que será um dos
fundadores da República Soviética do Extremo‑Oriente e do Exército Vermelho. O
próprio Alexander Gay participará na guerra civil no bando Vermelho, sendo
fuzilado pelos Brancos em 1919".[157]
Bill Shatov foi um dos mais notórios
anarco-sindicalistas apoiadores do regime soviético,
colaborou ativamente com os bolcheviques durante a Guerra Civil Russa e
criticou o "anti-bolchevismo" de seus companheiros mais próximos. A
história deste intrépido militante revolucionário é fascinante: quando jovem,
Vladimir ("Bill") Shatov havia emigrado para os EUA onde representou
o papel de agitador do IWW, entretanto, voltou para Petrogrado assim que
estourou a Revolução de Fevereiro, participando ativamente do movimento
operário. Em outubro de 1917, foi eleito membro do Comitê Militar
Revolucionário do Soviete de Petrogrado, presidido por Trotsky, e, juntamente
com outros militantes bolcheviques, organizou a insurreição contra o governo de
Kerensky, visando à tomada do Palácio de Inverno. Durante a guerra civil foi
nomeado oficial do Décimo Exército Vermelho no outono de 1919, defendendo
Petrogrado contra o avanço do general Yudenich. Em virtude de seus trabalhos
militares foi condecorado com a Ordem da Bandeira Vermelha. No ano seguinte, em
1920, tornou-se Ministro dos Transportes da República Soviética no
Extremo-Oriente da Rússia. Este grande herói
da Revolução de Outubro e da guerra civil foi fuzilado sem julgamento pelo
stalinismo, e não por Lênin e Trotsky. Shatov deixava bem claro a Emma Goldman
sua posição frente à Revolução de Outubro: "Eu apenas quero dizer a você que o Estado comunista em
ação é exatamente aquilo que nós anarquistas havíamos sempre proclamado que se
tornaria: um poder altamente centralizado, ainda mais rígido pelos perigos que
corre a revolução. Em tais condições, não se pode fazer o que se bem entende.
Não se pode simplesmente pular sobre um trem e viajar clandestinamente, ou
talvez montar em para-choques, como eu fazia nos Estados Unidos. Tem que ter
permissão. Mas não pense que eu perdi minhas ‘maldições’ americanas. Estou,
entretanto, pela Rússia, pela revolução e por seu glorioso futuro". E Emma Goldman continua: "A
experiência russa havia ensinado a ele (Shatov) que nós, anarquistas, 'éramos
os romancistas da revolução, totalmente esquecidos dos sacrifícios impostos, do
preço assustador que os inimigos impunham e todos os métodos diabólicos que
eles recorriam para destruir os ganhos obtidos pelo proletariado. O ser humano
não pode lutar sob lógicas e justiças idealistas. Os contrarrevolucionários
combinaram isolar e subjugar a Rússia pela fome, e o bloqueio estava levando
uma assustadora porcentagem de vidas humanas. A intervenção e a destruição
imperialista seguiam seus rastros, os numerosos ataques Brancos custaram
oceanos de sangue; as hordas dos chefes militares Brancos – Denikin, Kolchak,
Yudenich –, seus pogroms, vingança bestial, e a destruição geral impuseram à
revolução uma guerra que seus mais sagazes intérpretes jamais tinham sonhado'".[158]
A tentativa
de entrar em concordância com a revolução deixando de lado a atitude hostil
para com a ditadura do proletariado teve uma certa expressão entre o grupo
conhecido como "anarco-universalistas". Entre eles encontrava-se um
anarquista chamado Gordin (inspirador do Movimento Anarquista Pan-Russo e
organizador da Federação Anarquista de Moscou), que sustentou na ocasião que
"o período transitório é
inconcebível sem uma ditadura. Se a violência desorganizada pode ser utilizada
contra burgueses individuais, por que então a violência organizada não pode ser
utilizada contra eles como uma classe? Sem uma ditadura durante o período de
transição não poderá haver nenhuma transição à anarquia e à liberdade".[159] Os anarco-universalistas chegaram a
organizar legalmente um Clube onde se reuniam diversos militantes políticos,
hostis e não-hostis aos bolcheviques, com plena liberdade de discussão e
reunião. Desgraçadamente, quando a rebelião de Kronstadt estourou, a fração
mais hostil aos bolcheviques apoiaram-na freneticamente conclamando em seus
folhetos uma insurreição contra o governo soviético. Como consequência, muitos
deles foram encarcerados e o Clube deixou de existir já no ano de 1921.
O Clube dos
Universalistas era composto por diversas facções, entre eles, socialistas-revolucionários
de esquerda, anarquistas de diversos matizes políticos, maximalistas e
individualistas. Alguns defendiam o regime comunista como um estágio inevitável
para o "período transitório", enquanto que outros (ou seja, os
elementos mais extremados e sectários) condenavam veementemente os
bolcheviques. Segundo Alexandre Berkman, os defensores argumentavam que "a ditadura era necessária para assegurar o
completo triunfo da revolução; os bolcheviques haviam sido compelidos a
recorrer aos confiscos e requisições dos excedentes da produção agrícola porque
os camponeses se recusavam a apoiar o Exército Vermelho e os operários. Para eles,
a Cheka era, portanto, necessária para suprimir a especulação e a contrarrevolução".[160] Em suas memórias, Berkman fala ainda
da Conferência Anarquista no Clube dos Universalistas, citando a oratória do
renomado anarco-bolchevique Yuda Grossman-Roshchin: "Os Universalistas, uma nova e diferente corrente russa, tomou uma
posição de Centro, não concordando inteiramente com os bolcheviques como os
anarquistas do moderado grupo 'Golos Truda', mas menos antagonista do que a ala
extrema. O mais interessante discurso foi improvisado por Yuda Roshchin, um
popular conferencista acadêmico e velho anarquista. Com sarcástica ironia, ele
castigou a esquerda e o centro por suas atitudes indiferentes e hostis para com
os bolcheviques. Ele elogiou o papel revolucionário do Partido Comunista e
chamou Lênin de 'o maior homem do século'. Ele discorreu longamente sobre a
missão histórica dos bolcheviques e defendeu que eles estavam conduzindo a
revolução em direção à sociedade anarquista, que garantiria a plena liberdade
individual e o bem-estar social. 'É o dever de todo anarquista trabalhar
sincera e cordialmente com os comunistas, que são a guarda avançada da
revolução', declarou. 'Deixem suas teorias de lado e façamos o trabalho prático
para a reconstrução da Rússia. A necessidade é grande e os bolcheviques os
acolherão de braços abertos'". Yuda Roshchin tinha pertencido ao grupo
anarco-terrorista "Chernoye Znamya" ("Bandeira
Negra") e era hostil ao marxismo, entretanto, este notável anarquista
progrediu consideravelmente durante a guerra civil. De acordo com Victor Serge,
seguindo uma linha política baseada na realidade, Roshchin tentou encontrar um
"sinal de convergência entre a
teoria anarquista e a ditadura do proletariado" elaborando assim uma
doutrina da "ditadura libertária do
proletariado".
Internacionalmente
a coisa não era diferente, o anarquista alemão Erich Mühsam da fortaleza de
Augsbach expressou um ponto de vista próximo aos bolcheviques: "As teses teóricas e práticas de Lênin sobre
a realização da revolução e as tarefas comunistas do proletariado têm dado uma
nova base à nossa ação. (...) Já não existem obstáculos insuperáveis para uma
unificação da totalidade do proletariado revolucionário".[161] Mas podemos dizer que o anarquista
britânico Guy Aldred foi um dos maiores responsáveis por apoiar os bolcheviques
com extremo vigor fora da Rússia. Em 1920, Aldred escreveu sobre a necessidade
de um período de transição durante o qual os trabalhadores deveriam proteger a
revolução e organizar o esmagamento da contrarrevolução: "Toda a ação da classe trabalhadora durante
esse período precisa ser organizada através da ditadura", dizia ele.
Enquanto a maioria dos anarquistas rejeitava a ditadura do proletariado e
defendia sua total abolição, Aldred respondia: "A classe trabalhadora não poderá alcançar sua emancipação sem o
estabelecimento da ditadura do proletariado. (...) Esses anarquistas que se
opõem à ditadura do proletariado como um meio de transição, prestam
perigosamente um grande serviço à causa dos reacionários, embora seus motivos
sejam ainda maiores. Como creio na classe trabalhadora, não compartilho dessa
obsessão pela liberdade abstrata em detrimento da liberdade social real".[162]
Guy Aldred
repudiou as críticas de Emma Goldman ao regime soviético em seu órgão "The Commune", escrevendo que "seus julgamentos sobre os bolcheviques eram
semelhantes às da propaganda Branca". Entre outras coisas, Aldred a
chamava de "pelega revolucionária"
e "ex-anarquista", de
acordo com ele: "Goldman deveria ser
boicotada e condenada por todos os trabalhadores por sua infame associação. Ela
é uma traidora da luta dos trabalhadores e deveria ser 'demitida' com
entusiasmo de todas as assembleias proletárias!".[163] As páginas do "Spur" também traziam frequentes
críticas a Makhno, sobretudo no momento em que este se recusou a atender ao
pedido dos bolcheviques em deslocar suas forças ao front polonês, onde a
República Soviética estava sendo golpeada com severidade pelo ditador
Pilsudsky. O artigo é de autoria de Robert Minor e foi publicado originalmente
no periódico ianque "The Liberator"
em novembro de 1920: "Se a história
for verdade, isso significa que o Exército Vermelho soviético foi derrotado na
Polônia enquanto os 75.000 homens ociosos e inertes no Sul com Makhno poderiam
tê-lo ajudado". Com sua afiada ironia, Aldred satirizou a posição de
Makhno afirmando: "Makhno prova seu
heroísmo revolucionário servindo como um general dos Guardas Brancos poloneses,
um testa-de-ferro da reação francesa!".[164]
Como
militante de longa data, Guy Aldred foi membro da Federação Social-Democrata,
abandonando-a logo depois e ingressando na Federação Comunista Anti-Parlamentar
(APCF). Fundador da "Bakunin Press"
em Londres e autor de diversos panfletos anarco-comunistas, Aldred organizou o
conhecido "Grupo Anarquista de
Glasgow". Enquanto o anarco-chauvinista Kropotkin apoiava os Aliados e
o Governo Provisório de Kerensky na sangrenta guerra imperialista, Aldred
conduziu uma campanha antiguerra na Grã-Bretanha, chegando inclusive a ir à
corte marcial e preso por ter se recusado a servir nas forças armadas. Aldred
rompeu com a CNT quando o sindicato espanhol abraçou a frente popular,
empreendeu uma dura luta não só contra o sindicato espanhol, mas também contra
aqueles que, sob o manto do anarquismo, defendeu sua política nefanda no
estrangeiro. Assim, Emma Goldman não haveria de ser deixada em paz:
"Sua liderança estrangeira regozija-se na ideia
de poder. Emma Goldman falou ao 'Manchester Guardian' como representante dos
governos de Barcelona e Valência e defende a posição de Montseny. A direção da
CNT não pode ser defendida de jeito nenhum, pois eles traíram o anarquismo.
(...) Quando Emma Goldman veio para a Inglaterra, ela teve a incumbência de
destruir o movimento anti-parlamentar daqui e estabelecer um controle ditado
pelo bureau anarquista, defendido pelos capitalistas e todos os bureaux
stalinistas defensores de assassinos. Mas isto não é anarquismo, assim como
stalinismo não é comunismo ou socialismo".[165]
Segundo
Aldred, Emma Goldman queria simplesmente explorar a Guerra Civil Espanhola a
fim de "recuperar a posição que
havia perdido através de seu carreirismo pequeno-burguês".[166] Para ele, "a consigna do governo oficial na Espanha é 'a república democrática'.
Isto significa exploração, mesmo que seja uma forma de opressão menor que a de
Franco. Assim, esta consigna não expressa as aspirações das massas espanholas
na guerra civil. Eles querem não o capitalismo democrático, mas nenhuma forma
de capitalismo; eles querem fazer a revolução dos trabalhadores e estabelecer o
coletivismo dos trabalhadores".[167] Mesmo com suas posições
anti-parlamentaristas, Aldred advogou (na época de Lênin e Trotsky) pela
criação de uma organização anarco-comunista na Inglaterra que deveria filiar-se
à Terceira Internacional. Aldred criticou a postura de certos stalinistas
ingleses, como Gallacher, que antes citavam Lênin e Trotsky e, após a morte de
Lênin, passaram a ter uma atitude hostil para com Trotsky, esquecendo
cinicamente seu heroico passado revolucionário. Também não poupou críticas aos
anarquistas ingleses em plena década de 20: "Na Inglaterra, o anarquismo se degenerou em reformismo industrial e
trade-unionismo. (...) Os anarco-comunistas ingleses gastam mais tempo odiando
Marx e admirando Bakunin do que pregando o atual socialismo ou tentando
organizar a classe trabalhadora".[168]
Em 1933, Guy
Aldred deixou o APCF e criou o Movimento Socialista Unido (USM), apelando para
a unidade revolucionária ele se expressou da seguinte forma: "Eu apelo aos meus camaradas do APCF, à Liga
Comunista de Oposição e ao Partido Trabalhista Independente para juntos
formarmos hoje a Quarta Internacional. Trotsky está certo: nós precisamos ter
um proletariado unido!".[169]
Quando Trotsky foi expulso da Rússia pelo stalinismo, tendo sido forçado a
mover-se de país a país até chegar ao México, Guy Aldred prestou todo o seu
apoio e solidariedade ao velho dirigente bolchevique, dizendo que "ele tinha todo o direito de engajar-se em
qualquer agitação política onde quer que fosse, e tinha todo o direito de
retornar à Rússia pela virtude de seu heroico papel na revolução".[170]
Apesar das
diferenças que Guy Aldred tinha com Trotsky em relação ao caráter do Estado
operário soviético, ele e alguns de seus companheiros ajudaram a distribuir o
órgão trotskista "The Militant" na Inglaterra, sem ligar para o que
diziam os anarquistas sectários e ultra-esquerdistas. Infelizmente, devido à
proporção que tomou a mitologia em torno de Makhno e Kronstadt na década de 30,
Aldred voltou atrás em relação às suas posições anteriores, abraçando de corpo
e alma os mitos criados pela escola de falsificação anarquista. Mas nem por
isso deixou de solidarizar-se com Trotsky e a criticar seus próprios
companheiros anarquistas por sua conduta sectária. Se Aldred estivesse vivo nos
dias de hoje, teria visto com seus próprios olhos a afluência de materiais
encontrados que confirmam as posições de Lênin e Trotsky, e não há dúvidas que
teria dado razão a ambos.
Por fim, é necessário trazer à memória um dos mais
importantes heróis da Guerra Civil Russa, um legítimo marinheiro de Kronstadt
que lutou bravamente pela defesa do Estado operário e morreu no front de Odessa
como um verdadeiro mártir, o anarquista Anatoly Grigorievitch
Zhelezniakov.
Apelidado de
"procelária" (um tipo de ave marinha que, em bandos, prenunciam
tempestade), Zhelezniakov havia trabalhado em um navio mineiro na base naval de
Kronstadt durante o regime czarista. Foi sentenciado a quatorze anos de prisão
pelo governo "democrático" de Kerensky por defender seus camaradas
que tomaram a Vila de Dunorvo e a transformaram em um local para leituras,
discussões e lazer. Este intrépido marinheiro teve a incrível façanha de
conseguir escapar da "prisão republicana" e, em 25 de outubro de
1917, ser eleito delegado pelo Segundo Congresso dos Sovietes pela tripulação
do navio mineiro. Como internacionalista, organizou uma manifestação de
marinheiros de Kronstadt na Embaixada ianque para protestar contra a sentença de
morte imposta a Tom Mooney em São Francisco. Em outubro de 1917, cooperou
ativamente com os bolcheviques em todo o processo revolucionário pela derrubada
do Governo Provisório, participando no ataque ao Palácio de Inverno e
comandando um contingente de marinheiros que expulsou definitivamente Kerensky
do poder. Sob as ordens dos bolcheviques, Zhelezniakov liderou um destacamento
da Guarda Vermelha para dispersar a Assembleia Constituinte que tinha sido
organizada pelos socialistas-revolucionários de direita. Durante a guerra
civil, comandou um trem blindado no interior do Exército Vermelho e lutou
contra os generais Brancos (entre os quais estavam Denikin e Krasnov) e contra
os cossacos do Don de Ataman Kaledin. Diferentemente de Makhno, Zhelezniakov
comandou um regimento no Exército Vermelho e jamais utilizou seus destacamentos
para atacar militarmente as unidades bolcheviques, nem mesmo quando esteve
temporariamente ausente de suas fileiras por discordar da inclusão dos
especialistas militares – por sinal, uma
opinião conservadora e preconceituosa compartilhada até mesmo por Stálin e Voroshilov,
aos quais seriam eles próprios os traidores da chama revolucionária de Outubro.
Neste período, Zhelezniakov comandou uma milícia operária de Guardas Vermelhos
contra o Exército Branco, empreendendo táticas de guerrilha. Percebendo as
limitações dessas pequenas forças militares e compreendendo que os ex-oficias
czaristas estavam sob o estrito controle operário, Zhelezniakov retornou ao
exército regular com todo o gás de um jovem revolucionário de 24 anos de idade.
No ano de 1919 retomou o comando no trem blindado, tendo sido designado para
liderar a campanha militar contra os Brancos em Odessa. Na região, lutou ainda
contra a rebelião do Ataman Grigoriev, a qual Makhno havia aderido por questões
táticas e oportunistas. Zhelezniakov foi morto em 26 de julho de 1919 perto da
cidade de Ekaterinoslav pelos Guardas Brancos de Denikin, cuja campanha havia
oferecido uma recompensa de 400.000 rublos por sua cabeça. Os bolcheviques
organizaram para ele um funeral digno e construíram uma estátua em sua homenagem
na fortaleza de Kronstadt. Na época, muitos artistas dedicaram-lhe poemas e
canções, abordando suas incríveis façanhas contra o Exército Branco. Hoje em
dia, Zhelezniakov praticamente caiu no esquecimento, não vemos os anarquistas
reivindicarem seu legado senão por mais meia dúzia de calúnias e falsificações.
É profundamente lamentável como os grandes mártires (Zhelezniakov, Bill Shatov
e Yuda Roshchin) são caluniados ou esquecidos pela história cedendo lugar aos
bandidos da contrarrevolução. Está claro que a UNIPA e a maioria dos
anarquistas de hoje não se identificam com os anarquistas que lutaram para
defender a Revolução Russa, mas com aqueles que lutaram contra ela, exercendo
um papel reacionário.[171]
A GUERRA CIVIL ESPANHOLA:
"ÀS BARRICADAS, ÀS BARRICADAS, PELO TRIUNFO DA CONTRARREVOLUÇÃO!"
A experiência revolucionária das massas trabalhadoras
espanholas em 1936-37 foi tão magnífica quanto a experiência da Revolução
Russa, entretanto, foi completamente abortada pela burguesia republicana e os
desprezíveis stalinistas, com a ajuda inestimável dos anarco-sindicalistas da
Confederação Nacional do Trabalho (CNT). Só em 1936 a CNT possuía um milhão de
membros e era a tendência que tinha mais apoio entre a classe trabalhadora. A
revolução espanhola fracassou, não por culpa das massas que lutaram com uma
coragem inaudita e com auto-sacrifício imenso, mas por culpa dos dirigentes
pelegos, traidores do povo. Os anarco-stalinistas da CNT entraram
descaradamente para a equipe ministerial burguesa e cumpriram todas as
exigências da burguesia reformista e do stalinismo. De um lado estava o governo
da frente popular, comprometido com a defesa da propriedade privada e da ordem
social capitalista; do outro, as massas trabalhadoras que desejavam livrar-se
do jugo capitalista e construir seu próprio governo e exercer sua ditadura. O
que se produziu na Espanha foi semelhante ao poder dual na Rússia durante a
Revolução de Fevereiro, só que aqui o Partido Bolchevique dirigiu a revolução,
com Trotsky e Lênin à cabeça, enquanto que na Espanha os trabalhadores estavam
representados pelos traidores do proletariado: anarco-reformistas, stalinistas,
socialistas moderados, poumistas e a social-democracia republicana. A política
desses senhores foi claramente reformista, contrarrevolucionária e
objetivamente criminosa para o proletariado e a revolução.
O Partido Comunista Espanhol (stalinista) obedecia
religiosamente a política imposta por Stálin, que, por sua vez, tentava não
alarmar os governos francês e britânico, seus aliados imperialistas. O dilema
sobre o proletariado exercer ou não sua ditadura apresentou-se de forma
dramática e oportunista aos dirigentes cenetistas, García Oliver dizia então: "ou a colaboração
ou a ditadura anarquista". Mas para
os trabalhadores só existia uma única opção: a ditadura do proletariado – a
qual os "anarquistas soviéticos" defenderam lado a lado com os
bolcheviques. Não é preciso dizer que os energúmenos dirigentes da CNT
escolheram a colaboração de classes e, no fim das contas, Franco acabou
triunfando. Naquele período, Ricardo Sánz resumiu todo o problema do seguinte
modo: "A partir do instante em que o movimento tivesse se responsabilizado
por tudo, todo mundo teria tido que obedecer nossas ordens. Que isso significa
senão ditadura? A ditadura certamente não formava parte do programa anarquista,
mas era a força das circunstâncias o que havia ditado nossa proposta (a tomada
do poder), que naquele momento nos parecia uma saída. Mas não poderia ser... Por
que não? Porque a CNT se opunha". A
recusa em tomar o poder de assalto e estabelecer uma ditadura proletária é
apresentada de forma ainda mais dramática nas palavras da anarco-ministra
Federica Montseny: "Se
tivéssemos tomado o poder porque éramos majoritários seria à custa de trair o
pacto de luta comum que havíamos, de certo modo, selado com o sangue de muitos
de nossos homens, de um lado e de outro, de comunistas, socialistas,
sindicalistas, rabassaires e, sobretudo, anarquistas. Era trair esse pacto e realizar
na Catalunha o que havia realizado Lênin e Trotsky em seu país com a tomada do
poder pelo Partido Bolchevique. Não o fizemos, e têm-se nos reprovado muitas
vezes. Com o passar do tempo, quem sabe, talvez devêssemos ter feito...".[172]
Foi exatamente dessa forma que esses anti-bolcheviques
ajudaram generosamente a burguesia e os stalinistas a dissolverem os comitês
operários e as milícias armadas, bem como a reprimir os assaltos dos operários
contra a propriedade privada, reconstruindo o Estado burguês da República
espanhola e pavimentando o caminho para a vitória da ditadura fascista de
Franco. Entre os anarco-ministros da CNT que entraram de bagagens para o
governo da república burguesa, presidido por Francisco Largo Caballero,
estavam: Juan García Oliver (Ministro da Justiça), Juan López (Comércio),
Federica Montseny (Saúde) e Juan Peiró (Indústria). Até hoje todos esses oportunistas
são exaltados pela maioria dos anarquistas por suas "progressivas reformas"...
burguesas!
A frente popular espanhola, com sua covardia imensurável,
sequer concedeu a independência nacional ao Marrocos, cuja libertação não
agradava às potências imperialistas: "A principal base de operações de Franco era o
Marrocos, uma colônia subjugada pela Espanha após muitos anos de violentas
batalhas no deserto. Até mesmo do ponto de vista da democracia burguesa, a
República poderia ter proclamado a independência do povo oprimido da colônia.
Estrategicamente, na luta contra Franco, era o que deveria ter feito se queriam
ganhar o apoio marroquino contra o fascismo. Mas Stálin e Azaña temiam alarmar
os governos britânico e francês, que possuíam vastos impérios coloniais na
África. Então, a República defendeu a exigência imperialista espanhola de
governar o Marrocos".[173]
A coalizão burguesa-anarco-stalinista governou as colônias espanholas do mesmo
modo que a monarquia: através da Legião Estrangeira e dos mercenários nativos.
O povo marroquino não viu nenhuma diferença entre o governo "democrático republicano" e a ditadura franquista, que conseguiu ocupar a colônia em 17 de julho
de 1936, tendo servido desde então como base militar para as forças de Franco
durante os primeiros seis meses da guerra, de onde fornecia tropas e provisões
militares. O intrépido libertador nacional Abd-el-Krim, que estava exilado na
França, ainda pediu ao governo frente-populista da Espanha que interviesse ao
governo francês para permitir o seu retorno ao Marrocos com a finalidade de
dirigir uma insurreição contra Franco. Ao temer a revolução proletária mais do
que o próprio Franco, ambos os governos de frente popular rechaçaram este
pedido. Os trotskistas foram os únicos a defenderem uma política revolucionária
de libertação nacional ao povo marroquino, catalão e basco.
Na ocasião,
ao responder o artigo de Trotsky de 1938 ("Muito Barulho por
Kronstadt"), Emma Goldman teve a cara-de-pau de afirmar que "os princípios anarquistas estão sendo
confirmados na Espanha. (...) O construtivo trabalho empreendido pela CNT e a
FAI é algo que o regime bolchevique jamais imaginou em todos os anos de seu
poder!".[174] Só podemos dar boas risadas diante desse
arremedo de piada! Para justificar a adesão da CNT à frente popular, esta
grande anarco-comediante diria ainda que "tais ações não foram de sua escolha ou fantasia; foram impostas a eles
pelo desenvolvimento da luta".[175]
Ou seja, em uma linguagem clara e objetiva: "porque
as circunstâncias exigiram" – as circunstâncias
burguesas, é claro! Enquanto Emma Goldman repudiou a postura dos anarquistas
que apoiaram incondicionalmente o governo revolucionário de Lênin e Trotsky,
ela própria deu todo o apoio à atitude subserviente da CNT em relação à frente
popular e ao Estado burguês. A diferença, como já dissemos anteriormente, é que
os anarquistas soviéticos exerceram cargos políticos em um Estado operário, em
uma República socialista, defendendo-a contra todas as investidas sangrentas da
contrarrevolução, enquanto que os dirigentes anarco-stalinistas da CNT
exerceram cargos em um Estado capitalista, em uma República burguesa, cujo
objetivo principal era paralisar a ascensão das massas e sua luta histórica
contra o capital.
Os genuínos
trotskistas, que estavam organizados através do Partido Bolchevique-Leninista
da Espanha (seção da Quarta Internacional), formaram um bloco com anarquistas
espanhóis representados pelos "Amigos de Durruti", entretanto, ambos
eram ultra-minoritários dentro do movimento de massas e foram esmagados pela
vitória dos traidores frente-populistas. Desta vez, o
ônus da culpa no que diz respeito à repressão desencadeada contra os
anarquistas não caem sobre Lênin e Trotsky, mas nos próprios dirigentes
anarquistas da CNT, que foram fiéis companheiros da burguesia e seu assessor
internacional, Josef Stálin. O Comitê Regional da CNT, apesar de alardear sua ultrademocracia
e opor-se aos métodos bolcheviques de organização, decidiu excluir de suas
fileiras a única fração que ainda mantinha acessa a chama de seus ideais: todos
os militantes dos Amigos de Durruti foram expulsos em um só dia e acusados de "agentes provocadores"
pelos dirigentes cenetistas. Enquanto isso, o governo republicano censurava os
periódicos da CNT e do POUM, sufocava a revolução proletária e fuzilava
revolucionários. Diante de toda essa situação trágica, qual era a principal
preocupação dos anarquistas estrangeiros? Mas é claro que era Kronstadt e
Makhno, afinal de contas, era necessário defender seus companheiros cenetistas
desviando o foco das atenções.
Qual devia ser a posição dos revolucionários no processo
dual na Espanha ante a traição da frente popular? M. Casanova (militante
trotskista da Quarta Internacional que participou ativamente de todo o processo
da Guerra Civil Espanhola) nos dá a resposta: "O emprego da violência é inevitável em uma
revolução, não somente violência contra os fascistas e os inimigos declarados
do proletariado, mas também, em uma certa etapa do desenvolvimento
revolucionário, contra as correntes reformistas e conciliadoras dentro da
classe operária. Todo o problema consiste nisso: em que sentido ela deve ser
empregada e para que fins políticos ela deve servir? Os stalinistas empregavam
também a violência, mas à serviço de uma política contrarrevolucionária que se
orientava com a burguesia democrática, Chamberlain e o Papa. Mas se no lugar da
direção da CNT tivesse existido não os charlatões anarco-ministros, mas
jacobinos proletários, essa direção deveria ter empregado em maio de 1937 a
violência revolucionária para desbaratar a provocação stalinista, que
representava a influência da burguesia e as tendências reacionárias de
Comorera, que freavam a revolução".[176]
Todo
marxista-revolucionário sério e consequente tinha plena consciência de que um
fenômeno tão reacionário como o fascismo não podia ser detido por aqueles que o
criaram, ou seja, a burguesia. A Quarta Internacional deu continuidade àquilo
que a Terceira Internacional na época de Lênin havia proposto, uma frente única,
cuja tática não propunha uma aliança para frear a revolução, mas conformar uma
frente dos trabalhadores levando adiante as tarefas práticas para o triunfo
revolucionário das massas proletárias, unindo guerra e revolução. Não é preciso
dizer que tanto os trotskistas espanhóis como os anarquistas dos Amigos de
Durruti adotaram esta linha, convocando os trabalhadores a sublevar-se contra o
fascismo e a burguesia. Os Amigos de Durruti chegaram a clamar pela formação de
uma "Junta Revolucionária" para "fuzilar todos os culpados que agrediram o povo". Os militantes trotskistas e os Amigos de Durruti foram,
ambos, perseguidos pelo governo frente-populista e a GPU de Stálin; ambos se
solidarizaram um com o outro; ambos romperam
implacavelmente com a contrarrevolução, quer estivesse representada por Stálin
ou por seu vassalo García Oliver; ambos estiveram incondicionalmente ao lado do
proletariado; já a CNT não podemos dizer o mesmo. Tanto os
anarco-reformistas da CNT como os dirigentes do POUM ficaram do lado oposto da
barricada, e pagaram muito caro por isso.
Não adianta hoje os anarquistas anti-bolcheviques,
indiferentes à Revolução Russa, esconder-se por detrás de demagogias ocas como
as de Makhno e Kronstadt, tentando assemelhar o governo revolucionário de Lênin
e Trotsky com o stalinismo bonapartista. Como já foi exposto, uma parte
considerável dos anarquistas não apoiaram nenhuma das duas rebeliões e
estiveram junto com os bolcheviques até a trágica morte de Lênin. O fracasso da
revolução espanhola é a prova cabal de como o castelo de cartas da falsificação
anarquista cai por terra. Como bem disse Trotsky: "Os advogados do anarquismo que pregam por
Kronstadt e Makhno não enganam ninguém. Tanto no episódio de Kronstadt como na
luta contra Makhno, nós defendemos a revolução proletária frente à contrarrevolução
camponesa. Os anarquistas espanhóis defenderam, e continuam defendendo, a
contrarrevolução burguesa frente à revolução proletária. Nenhum sofisma fará
desaparecer da história o fato de que o anarquismo e o stalinismo estão do
mesmo lado da barricada, e as massas revolucionárias e os marxistas do outro.
Esta é a verdade que penetrará para sempre na consciência do proletariado".[177]
NOTAS:
[1] A rebelião de Kronstadt, por exemplo,
conquistou a simpatia de Boris Yeltsin, que não hesitou em reabilitar os
rebeldes em 1994 e ainda erigiu um monumento na Praça Yakornaya em memória às
"vítimas" e por seu suposto "heroísmo". Atualmente, a
rebelião de Kronstadt é aclamada na Rússia e Ucrânia não apenas pela burguesia
liberal e pelos anarquistas, mas também por partidos neonazistas, que
identificam a rebelião como um "movimento
nacionalista anti-judeu". Por sua vez,
Makhno também foi reabilitado pela burguesia ucraniana (junto com o antissemita
Symon Petliura) e hoje o "paizinho" é considerado pela maioria dos
partidos nacionalistas daquele país como um "herói
nacional anticomunista".
[2] Trotsky,
"Stálin, Depositário Interino da
Ucrânia", Socialist Appeal, 24 de outubro de 1929.
[3] Até hoje os
anarquistas não conseguiram explicar direito o porquê de Makhno ter adotado a
caveira como símbolo para representar seu movimento. Tudo leva a crer que de
fato tenha se inspirado no espírito "rebelde" dos piratas. Se for
este o caso, devemos admitir que os makhnovistas desempenharam muito bem esse
papel, levando em consideração a quantidade de pilhagens e saques que empreenderam
contra a população pacífica. De uma coisa temos a absoluta certeza: a bandeira
makhnovista era muito diferente da bandeira bolchevique representada pelos
instrumentos da classe trabalhadora – a foice e o martelo.
[4] Makhno ainda
afirma que durante sua breve estadia em Moscou teve um sério debate com Lênin
sobre a situação ucraniana, entretanto, a única prova que tenha
realmente ocorrido esta reunião é ele próprio, pois não há nenhuma outra
evidência, nem nas notas ou diários daqueles que são citados – como Lênin e
Sverdlov – nem na obra principal de Arshinov, "A História do Movimento Makhnovista", que por sinal menciona a viagem de Makhno sem
mencionar a suposta reunião.
[5] Colin Darch,
"A Makhnovshchina, 1917-1921: Ideologia, Nacionalismo e Revolta
Camponesa no Início do Século XX na Ucrânia"; Ph.D. dissertação,
Universidade de Bradford, 1994.
[6]
Idem.
[7]
Em seu texto "Os Anarquistas de Makhno, Kronstadt e a Posição dos Camponeses Russos
na Rússia Pós-Revolucionária", A. Kramer
compara a ação dessas guerrilhas com o que se produziu na maioria dos países
subdesenvolvidos através de grupos maoístas, dando como exemplo o Khmer
Vermelho no Camboja (a versão mais degenerada do stalinismo). A equiparação não
é exagerada, pelo contrário, há semelhanças profundas entre um e outro,
principalmente na concepção de "revolução
a partir do campo". Mas deixando de lado a ideologia política que a maioria
desses grupos diziam defender, poderíamos também compará-los com o fenômeno
ocorrido no Nordeste brasileiro no início do século XX conhecido como
"cangaço".
[8] Lênin,
"Dois Discursos ao Primeiro
Congresso de Toda a Rússia sobre Educação para Adultos", 6-19 de maio
de 1919.
[9] Trotsky,
"Guerra Camponesa na China e o
Proletariado", The Militant, 15 de outubro de 1932.
[10] Colin
Darch, op. cit.
[11] Panfleto Makhnovista, Seção de Propaganda do
Estado-Maior do Exército Revolucionário Insurrecional Makhnovista, março de
1920.
[12]
Arshinov, "A História do Movimento Makhnovista".
[13] Bakunin,
"Carta ao La Liberté", 5 de
outubro de 1872.
[14] Bakunin,
"Estatismo e Anarquia".
[15] Volin,
"A Revolução Desconhecida".
[16] Karl Marx,
"O Dezoito Brumário de Louis
Bonaparte".
[17] Isaac
Deutscher, "O Profeta Armado".
[18] Trotsky,
"Conferência de Copenhague",
27 de novembro de 1932.
[19] Makhno,
"A Revolução Russa na Ucrânia",
Manifesto dos Makhnovistas, 1918.
[20] N.
Sukhogorskaya, "Agafya Andreyevna".
[21] Citado
por Alexandre Skirda, "Bibliographical Afterword", em "The Struggle Against The State And Other
Essays by Nestor Makhno".
[22] Colin
Darch, op. cit., tais citações encontram-se presentes em Arbatov, "Ekaterinoslav 1917-1922", Arkhiv
Russkoi Revoliutsii, vol.12 (1923), p.85-86.
[23] Volin,
"A Revolução Desconhecida".
[24]
G. Igrenev, "Ekaterinoslavskaia vospominaniia",
Arkhiv russkoi revoliutsii, vol. 3, 1921, p.240.
[25] Colin
Darch, op. cit.
[26] Michael Malet, "Nestor Makhno na Guerra Civil Russa"; Londres: Macmillan Press, 1982.
[27] Citado por Yakovlev J., "Machnovshina
I Anarchizm"; A. Kramer, "Os Anarquistas de
Makhno, Kronstadt e a Posição dos Camponeses Russos na Rússia
Pós-Revolucionária"; E. Iaroslavski, "A História do Anarquismo na Rússia"; Victor Serge, "Memórias
de um Revolucionário" e Pierre Broué, "O
Partido Bolchevique". Em relação à resposta de Makhno aos ferroviários
de Ekaterinoslav, podemos observar que essa
tentativa de retorno à barbárie medieval era uma concepção compartilhada por
uma parcela dogmática dos anarquistas russos. Trotsky descreve em "Minha Vida" um diálogo mais
ou menos parecido com o qual travou na sua juventude com um anarquista chamado
Luzin, quando esteve preso nos cárceres de Moscou por volta de 1900. Naquele momento, Trotsky perguntou como funcionariam as
estradas de ferro na sociedade anarquista, Luzin replicou da mesma forma que
Makhno: "Com os diabos! Que
necessidade a gente teria em circular em estrada de ferro em uma sociedade
anarquista?".
[28] Estudos
sobre a unidade monetária ucraniana, "Hryvnya,
Ukraine' New and Old Moneypor", por Andriy Hlazovy e Natalya
Mykhaylova. Website: http://www.wumag.kiev.ua/wumag_old/archiv/4_99/den'gi.htm. Ler também Jason Yanowitz, "Os Anarquistas na Revolução Russa – O Mito de Makhno", International
Socialist Review n° 53, maio-junho 2007.
[29] Michael
Malet, op. cit., e Alexander
Skirda, "Nestor Makhno: O Cossaco da
Anarquia – A luta dos sovietes livres da Ucrânia, 1918-21".
[30] Yakovlev
J., "Machnovshina
I Anarchizm. A "tachanka" consistia em
uma carroça puxada por mais ou menos três cavalos e munida de uma metralhadora
pesadíssima na parte traseira. Normalmente, a tachanka transportava três pessoas:
o condutor, o artilheiro e um soldado de reserva.
[31] Pierre
Broué, "O Partido Bolchevique".
[32] Trotsky, "Qual o significado de Makhno ter se aliado ao poder soviético?", Escritos Militares, 1920.
[33] Michael
Palij, "O Anarquismo de Nestor
Makhno, 1918–1921",
1976.
[34] Michael Malet, op. cit.
[35] Paul Avrich, "Anarchist Portraits", 1988.
[36] Trotsky,
"Como a Tropa de Makhno é Organizada",
15 de outubro de 1920.
[37] Trotsky,
"O Movimento de Makhno", 2
de junho de 1919, Kupyans Kharkov, 'En
Route', Nº 5 – Escritos Militares, vol. 2, 1919.
[38] Alexandre
Berkman, "O Homem Que Salvou os Bolcheviques".
[39] Dmitry
Berger, "A Religião de Nestor Makhno".
[40] Ben Annis, "Makhno and the Makhnovshchina – Myths
and Interpretations".
[41] N.
Sukhogorskaya, "Agafya Andreyevna".
[42] Alexander
Skirda, "Nestor Makhno: O Cossaco da
Anarquia – A luta dos sovietes livres da Ucrânia, 1918-21".
[43] Michael Malet, op. cit.
[44]
Paul Avrich, "Anarchist Portraits", 1988.
[45] Yakovlev J., "Machnovshina I Anarchizm".
[46] Trotsky,
"Como a Tropa de Makhno é Organizada",
15 de outubro de 1920.
[47] Michael Palij op. cit.; David
Footman, "A Guerra Civil na Rússia",
Londres: Faber and Faber, 1961; e V. Azarov, "Konttrazvedka: The Story of the Makhnovist Intelligence Service",
Edmonton: Black Cat Press, 2008. A "Konttrazvedka" também é conhecida
por seu diminutivo: "Razvedka".
[48] N. Sukhogorskaya, "Agafya
Andreyevna".
[49] Em sua obra
"O Caminho dos Tormentos", o
escritor soviético Alexei Tolstoi descreve Zadov como um assassino cruel,
violento e covarde, que participa de diversas atrocidades contra civis, mas se
esquiva dos compromissos de guerra. As frases "Esconda seus dentes ou irei arrancá-los" e "Eu sou Lev Zadov, não brinque comigo"
atribuídas a ele por Tolstoi, tornaram-se parte da gíria russa. De acordo com o
escritor: "O nome de Lev Zadov era bastante
conhecido no Sul, não menos que o próprio Makhno, Lev era um carrasco, um homem
de uma crueldade tão espantosa que embora Makhno tenha tentado expulsá-lo mais
de uma vez, sempre o perdoava por sua dedicação". Fragmento da obra no
endereço: http://rulibrary.ru/tolstoyan/xozhdenie_po_mukam_(kniga_3)/78.
[50] Trotsky,
"Como a Tropa de Makhno é Organizada",
15 de outubro de 1920.
[51] Victor
Serge, "O Ano Um da Revolução Russa".
[52] Por
sua associação com a contrarrevolução nacional e internacional, Fanny Kaplan
foi fuzilada em 3 de setembro de 1918 por Pavel
Malkov, chekista e marinheiro da Frota do Báltico, filho legítimo de Kronstadt.
[53] Victor Serge, "Trinta Anos Depois da Revolução Russa".
[54] Victor
Serge, "O Ano Um da Revolução".
[55] Citado por William
"Big Bill"
Haywood, "Uma Anarquista na Rússia: Uma Resposta a Emma Goldman"; The Communist Review – órgão do Partido
Comunista da Grã-Bretanha –, agosto de 1922, vol. 3, Nº 4.
[56] Citado por Alexandre
Berkman em "O Homem que Salvou os
Bolcheviques".
[57] Aleksandr
Shubin, "Nestor Ivanovich Makhno".
[58]
Volin, "A
Revolução Desconhecida".
[59] Segundo as
palavras de Victor Serge: "Dzerzhinsky
temia muito os excessos das Chekas locais; a estatística dos chekistas
fuzilados é, neste sentido, edificante"
(Victor Serge, "O Ano Um da Revolução"). Sobre a parcial democracia no
interior da Cheka devemos admitir, infelizmente, algumas injustiças históricas.
De acordo com Aleksandr Plekhanov, historiador e professor da academia do FSB (Serviço
Federal de Segurança), Dzerzhinsky chegou a emitir um
mandado de prisão contra Lavrenti Beria por abuso de poder, violação da lei e
diversos outros crimes no Azerbaijão em 1921. Beria só se salvou devido à
intervenção de Ordzhonikdze, Mikoyan e Stálin. Ironicamente, com a morte do
"Félix de Ferro" em 1926, bandidos foram especialmente selecionados
por Stálin para exercer funções no novo serviço de segurança do Estado, reorganizado
com o nome de GPU (Administração Política do Estado). Entre eles marcaram
história Yezhov, Yagoda e o próprio Beria – exatamente
a quem Dzerzhinsky havia dado ordens de prisão em 1921.
É necessário, portanto, deixar bem claro que através da direção de Dzerzhinsky
o serviço de segurança do Estado existiu para proteger a revolução do perigo
contrarrevolucionário, já sob o comando dos bandidos supracitados – e, entre
eles, poderíamos incluir também o bandido makhnovista Zadov –, serviu apenas
para aterrorizar a classe trabalhadora, assassinar legítimos bolcheviques,
sepultar a ditadura do proletariado e garantir o poder da casta burocrática
parasitária, tal como representou a "Kontrrazvedka"
de Makhno. Vale salientar que apesar das numerosas divergências que
Trotsky travou com Dzerzhinsky após a morte de Lênin, o velho dirigente
bolchevique diria em sua autobiografia que a vida deste homem foi "o mais
austero dos poemas". Para Trotsky: "Dzerzhinsky fora um homem de grande e
explosiva paixão. Um homem de vontade, apaixonado e de alta tensão moral.
Cobria de toda a sua estatura a Comissão Extraordinária para a defesa do Estado" (Trotsky, "Minha Vida").
Sobre o episódio envolvendo Dzerzhinsky e Beria, as fontes são de Aleksandr
Plekhanov, "Kto Vy, 'Zheleznyy
Feliks'?", publicado em 2013; e "Dzerzhinskiy khotel posadit' Beriya", 1 de fevereiro de 2002,
"Vek" Nº 31, entrevista de Aleksandr Plekhanov a Dmitry Nazarev, hospedado
no site oficial do FSB: http://www.fsb.ru/fsb/history/author/single.htm%21id%3D10318116%40fsbPublication.html.
[60] Paul
Avrich, "Os Anarquistas Russos",
1967.
[61] N.
Sukhogorskaya, "Agafya Andreyevna".
[62] Idem.
[63] David Footman, "A Guerra
Civil na Rússia", Londres: Faber and
Faber, 1961.
[64] Ida Mett, "Makhno em Paris".
[65] Alexandre
Skirda é realmente uma figura digna de uma tragédia grega. Enquanto essa
caricatura grotesca de "anarquista" denota um culto fanático a Makhno
e inflama toda a sua fúria contra os bolcheviques – afirmando, entre outras
coisas, que foram "piores que os Brancos" –, de modo infame idealiza inimigos declarados do
proletariado. Esse é o caso do general dos Guardas Brancos Kornilov, que é
descrito por Skirda quase como um "progressista" russo: "Ao contrário do que dizem, Kornilov foi um
oficial patriota... Filho de um mero cossaco, com uma Sart (mongol)... Foi ele
quem ordenou a prisão do Czar e sua família; portanto, ele não foi um
reacionário, mas um firme anti-monarquista" (Alexander Skirda, "Nestor Makhno: O Cossaco da Anarquia – A
luta dos sovietes livres da Ucrânia, 1918-21"). O ex-general czarista
Kornilov (que havia sido nomeado por Kerensky comandante-em-chefe das forças
armadas durante o Governo Provisório) pretendia dar um golpe militar na Rússia
em plena Revolução de Fevereiro, aspirava destruir os sovietes – a fim de "restaurar
a ordem" – e varrer do país todas as organizações de esquerda, não somente
os bolcheviques, mas também os anarquistas e socialistas moderados. Em suas
próprias palavras, disse que "não
hesitaria em enforcar todos os membros dos sovietes caso fosse necessário".
Kornilov teve o total apoio da burguesia liberal do Partido Kadete (Partido
Constitucional Democrata), que havia rompido com a "democracia
burguesa" e agora apoiava uma ditadura militar na Rússia. Skirda ignora a
verdadeira base social do golpista Kornilov: uma alternativa burguesa de
caráter conservador e protofascista. Mas para aqueles que pensam que os
delírios desse anarco-chauvinista param por aí enganam-se completamente: ele
também celebra a reacionária rebelião da Legião Checoslovaca na Sibéria,
financiada pelo imperialismo francês e cujos mercenários serviram nas fileiras
do Exército Branco do almirante Kolchak, e lamenta profundamente a dispersão
da Assembleia Constituinte, que teve apoio dos "anarco-bolcheviques" e foi realizada pessoalmente pelo grande
marinheiro de Kronstadt, Anatoly Zhelezniakov.
[66] Volin,
"A Revolução Desconhecida".
[67] N.
Sukhogorskaya, "Gulai-Pole em 1918".
[68] O diário
encontra-se nos arquivos soviéticos de Moscou, mas é citado pelo historiador
britânico John Rees no texto "Em
Defesa de Outubro" (International Socialism Nº 52), e pelo stalinista
Emelian Iaroslavski em "A História
do Anarquismo na Rússia" (1937). Em sua obra sobre o movimento
makhnovista, Arshinov nega este diário realçando o erro em relação ao
nome da esposa de Makhno – a autora do diário
chama-se Fedora Gaenko, o nome da esposa de Makhno era Galina Kuzmenko. Arshinov
só não menciona um pequeno detalhe: o relacionamento conjugal entre Makhno e
Galina foi extremamente conturbado, tanto na Ucrânia como no exterior. Além
disso, como fiel partidário de Makhno, Arshinov nega expressamente as
"surubas makhnovistas" descritas por Volin em sua obra principal,
tentando passar a ideia de que Makhno nunca teve sequer uma única amante,
descrevendo-o como um homem "fiel" e "casto" (Alexandre
Skirda repete o mesmo argumento religioso de Arshinov para defender Makhno). Acreditamos
que John Rees foi bastante generoso ao dizer em uma nota final de seu texto que
"Makhno tinha duas esposas".
Por outro lado, a fidelidade de Arshinov não se mostraria tão sólida assim por
muito tempo, já que negou praticamente tudo o que havia escrito e abraçou de
corpo e alma a "causa stalinista". Mesmo que os anarquistas de hoje
baseiem suas críticas nos escritos de Arshinov para sustentar a defesa de
Makhno e atacar os bolcheviques, é evidente que o conteúdo deste diário é mais
do que legítimo, uma vez que muitas das ações contidas nele batem com outras
relatadas por testemunhas oculares que presenciaram de perto as agressões
makhnovistas contra seus opositores.
[69] Colin
Darch, op. cit.
[70] A política
stalinista não mudou muita coisa face ao campesinato ucraniano. Isso se
manifestou de forma evidente durante a Segunda Guerra Mundial no verão
de 1941, onde muitos camponeses ucranianos, ao contrário dos operários,
mostraram-se favoráveis às forças de ocupação nazista, que empreenderam um dos
maiores pogroms da história na região
de Kiev em Babi Yar. Alguns historiadores chegam a afirmar que a ação cruel
(sobretudo linchamentos públicos) dos camponeses ucranianos contra os judeus
deixou estupefato até mesmo os oficiais nazistas.
[71] Citado por Arlene Clemesha, "Trotsky
e a Questão Judaica", parte II, 12 de maio
de 2010; Cf. Meir Talmi, Análise histórica do problema, em: Nahum
Goldman et al. Nacionalidade Oprimida. "A minoria judaica na URSS". Montevidéu, Mordijai Anilevich, 1968, pág.
26.
[72] Lênin, "Sobre os Pogroms Anti-Judeus", março de 1919; discurso gravado em
gramofone. Obras Escolhidas, 4ª edição em inglês, Moscou, 1972.
[73] Lênin, Obras
completas.
[74] Bakunin,
"Polêmica contra os Judeus",
1872; citado por R. Huch "Bakunin e
a Anarquia".
[75] Bakunin,
"Aos Companheiros da Federação das
Seções Internacionais da Jura", 1872. Tomado de "Eslavismo e Anarquia", seleção de
textos de Bakunin, Coleção Austral, 1998.
[76] Proudhon chegou
a propor que o marido tivesse o direito de matar a própria esposa em caso de "desobediência"
ou "má-conduta"
e expressava, através de uma relação aritmética, a inferioridade do cérebro
feminino sobre o masculino. Para Proudhon, a mulher só podia exercer um entre
dois papéis na sociedade: "o de ser dona de casa ou prostituta". Pierre-Joseph Proudhon, "Sistema
das Contradições Econômicas: ou Filosofia da Miséria" (1846), "Da
Justiça na Revolução e na Igreja" (1858), "A Pornocracia: ou as mulheres nos tempos modernos" (1875).
[77] Proudhon,
1847; Garnets, vol. 2, p. 337: nº VI, 178; Obras
Escolhidas de Proudhon, editado por Stewart Edwards e traduzido por
Elizabeth Frazer, Macmillan, Londres, 1970, p. 227.
[78] Citado por Arshinov, op. cit., e
Alexandre Berkman, “O Mito Bolchevique”.
[79] Arshinov, op. cit.
[80]
O nome "Verde" foi adquirido porque normalmente
se concentravam perto de florestas e bosques.
[81] Victor Savchenko, "Aventureiros
da Guerra Civil: A Investigação Histórica".
De certo modo, Antonov-Ovseenko (responsável direto
pelo front ucraniano) possui uma grande parcela de responsabilidade em conceder
tamanha "liberdade" e "independência" para determinados
regimentos no território nativo. Antonov denotava demasiadas simpatias para com
todo tipo de organização guerrilheira anárquica, dando livre rédea aos Guardas
Vermelhos e fazendo concessões absurdas a Makhno, Maria Nikiforova, Grigoriev e
tantos outros que exigiam liberdade absoluta para suas ações. A cegueira
militar de Antonov causou enormes danos aos fronts ucranianos e quase pôs em
cheque a vitória dos sovietes na região. Antonov, fatalmente, haveria de ser
removido de seu posto em 16 de junho de 1919, para a felicidade do Exército
Vermelho e dos sovietes ucranianos.
[82] Citado por Colin
Darch, op. cit.
[83] Idem.
[84] Volodymyr
Horak, "I Cocked My Revolver...",
periódico ucraniano Den' (Dia), Nº 42, 26 de dezembro de 2006. Webiste: http://day.kyiv.ua/en/article/history-and-i/i-cocked-my-revolver.
[85] Idem.
[86] Idem.
[87] Nestor
Makhno, "A Makhnovshchina e o Antissemitismo",
Dielo Trouda, Nº 30-31, novembro-dezembro de 1927, pp. 15-18.
[88] Victor
Savchenko, op. cit.
[89] Citado por Boris
Yelensky, "Na Tempestade Social: Memórias da Revolução Russa". Os destacamentos de Grigoriev não foram os
pioneiros em cometer pogroms na
região de Elisabethgrado, a degenerada guerrilha da
anarquista Marussia Nikiforova (a chamada "Implacável", devido ao seu
ultra-radicalismo) realizaram violentos pogroms
na cidade de Elisabethgrado muito antes do Ataman Grigoriev.
[90] Victor
Savchenko, op. cit.
[91] Makhno, op.
cit.
[92] Até hoje os
defensores de Makhno não chegaram à conclusão de quem realmente atirou em
Grigoriev, se foi Makhno, Galina ou Chubenko, as versões são as mais variadas.
[93] Volin, op. cit.
[94] Alexandre Berkman, op. cit.
[95] Arshinov, op. cit.
[96] Jewish
Agriculturalists in the Steppes of Russia, Israel 1965; citado por Chaim
Freedman, "Our Fathers' Harvest – Supplement",
1990. Website: http://kehilalinks.jewishgen.org/Colonies_of_Ukraine/pogroms/ukrainianpogroms.htm
[97] A. D. Rosenthal, "Megilat
Hatevakh" – livro em hebreu que narra os pogroms ocorridos durante a Guerra Civil
Russa –, The Scroll of Slaughter; Jerusalém-Tel Aviv, publicado pelo "Khavurah",
1927. Rosenthal descreve o pogrom
baseado no calendário gregoriano. Em suas memórias, Rokhel Luban também narra
com detalhes este pogrom que levou a
vida de seu pai e de quase toda a população da colônia judaica de "Engels" – Memórias de Rokhel Luban, compilado até o
seu falecimento em 1978, extrato de "O Pogrom de Trudoliubovka"; fontes e reanálises de Chaim Freedman,
agosto de 2005.
[98] Chaim Freedman e Memórias de
Rokhel Luban, op. cit.
[99] William Comisarow, Vancouver, Canadá, memórias de 1996. Website: http://kehilalinks.jewishgen.org/Colonies_of_Ukraine/pogroms/ukrainianpogroms.htm
[100] Volin, op.
cit.
[101] L'Ukraine
Sovietiste, pp. 124-125; citado por Michael Malet, "Makhno e seus Inimigos", História Libertária, números 4 e 5, 1979.
[102] Michael Malet, op. cit.
[103] Idem.
[104] Trotsky,
"Muito Barulho por Kronstadt".
[105] Jason
Yanowitz, "Os Anarquistas na
Revolução Russa – O Mito de Makhno", International Socialist Review n°
53, maio-junho 2007.
[106] Mikhail
Frunze, Informe ao Estado-Maior Soviético,
20 de dezembro de 1920.
[107] Citado por
Alexandre Berkman, "O Mito
Bolchevique".
[108]
Sukhogorskaya, "Agafya
Andreyevna".
[109] O
herói da Segunda Guerra Mundial, Marechal Zhukov, foi condecorado pela primeira
vez com a Ordem da Bandeira Vermelha por sua coragem e heroísmo na luta contra
os bandidos rebeldes de Antonov.
[110] Michael Rywkin, "Moscow's Muslim Challenge: Soviet Central
Asia"; Joshua Kunitz, "Dawn
Over Samarkand: The Rebirth of Central Asia"; e Spencer C. Tucker,
"Encyclopedia of Insurgency and
Counterinsurgency: A New Era of Modern Warfare".
[111] UNIPA, "Anarquismo e Ecletismo, em geral e Particularmente no Brasil",
Comunicado da União Popular Anarquista – UNIPA # nº 15; Rio de Janeiro, setembro
de 2006.
[112] J. G. Wright, "A
Verdade Sobre Kronstadt", New
International, publicado em fevereiro de 1938.
[113] Trotsky,
"Muito Barulho por Kronstadt";
New International, abril de 1938.
[114] A. S. Pukhov, "Kronstadt e a Frota do Báltico Antes do
Motim de 1921", Krasnaia Letopis', 1930, Nº 6.
[115] Yuri
Shchetinov, "Krondshtadsky miatez i melkoburzuaznie
partii (vesna 1921 goda)". Kandidatskaia disertazia MGU, Moskva, 1974, p. 91-98.
[116] Yuri Shchetinov, "Kronshtadt,
mart 1921 goda".
[117] Paul
Avrich, "Kronstadt 1921".
[118] Idem.
[119] Krondshtadskaia tragediia 1921 goda. Dokumenti v dvuch knigach. Moskva, ROSPEN, 1999, p. 320-321. Em 1994 muitos historiadores tiveram acesso aos arquivos
soviéticos abertos pelo governo burguês de Boris Yeltsin (que, no mesmo ano, reabilitou
os rebeldes kronstadinos). Muitos desses historiadores burgueses ficaram
decepcionados por não terem encontrado provas que pudessem incriminar o regime
revolucionário de Lênin e Trotsky. Por outro lado, além de terem descoberto um
calhamaço de crimes cometidos pelo stalinismo, os documentos secretos revelaram
mais uma vez (de forma surpreende para muitos) a natureza contrarrevolucionária
dos golpistas que tomaram parte na rebelião de Kronstadt. Esses novos materiais
foram publicados em 1999 em uma coleção de documentos do Arquivo Estatal Russo,
editados pela casa editorial ROSSPEN. São dois grossos volumes com o título de
"Krondshtadskaia tragediia 1921
goda. Dokumenti v dvuch knigach" ("A Tragédia de Kronstadt, 1921.
Documentos em dois Volumes").
[120] Paul
Avrich, op. cit.
[121] Krondshtadskaia tragediia 1921 goda. Dokumenti
v dvuch knigach. Moskva, ROSSPEN, 1999, vol. 02, p. 632; citado por
A. Kramer.
[122] Paul
Avrich, op. cit.
[123] A. Kramer,
"Kronstadt: Trotsky tinha razão! – O
Novo Material dos Arquivos Soviéticos Confirma a Postura dos Bolcheviques".
[124] Agranov,
Informe ao Presidium da Cheka, 5 de
abril de 1921.
[125] Vale
ressaltar, como aborda Trotsky em "A
Moral Deles e a Nossa", que o decreto não fez fuzilar sequer um único
parente dos oficiais, mesmo com as constantes traições destes últimos.
[126] Kuzmin,
"Informe
à sessão do soviete de Petrogrado", 25 de março de 1921.
[127] Leon
Trotsky, "Sobre os Acontecimentos em
Kronstadt – Entrevista à Imprensa Estrangeira"; Pravda, 16 de março de
1921, Nº 57.
[128] Paul
Avrich, op. cit.
[129] Elvengren,
Informe ao Comitê de Evacuação Russa na Polônia; citado por Israël Getzler, "O Destino da Democracia Soviética".
[130] Paul
Avrich, op. cit.
[131] Citado
por Yuri Shchetinov na introdução para " Krondshtadskaia tragediia 1921 goda. Dokumenti v dvuch knigach. Moskva". Sobre os apelos do Centro Nacional ao Presidente Harding: Paul
Avrich, "Kronstadt 1921",
pág. 117.
[132] Daily
Herald, 14 de março de 1921.
[133] Boletins
da Bolsa de Valores da Europa de fevereiro-março de 1921.
[134] Publicado
no "Revolutsionnaya
Rossiya", jornal esserista. Nº 8,
maio de 1921. Ver também o Izvestia
de Moscou, comunista, Nº 154, 13 de julho de 1922. Lembremos que Chernov era o
mesmo demagogo que os marinheiros de Kronstadt pretendiam linchar em 1917 perto
do Palácio de Táurida, se não fosse pela intervenção de Trotsky frente aos
marinheiros. Podemos observar com clareza que as consignas apartidárias dos
rebeldes kronstadinos eram exploradas ao máximo pelos socialistas-revolucionários
e outras correntes retrógradas. A demagógica palavra de ordem "Abaixo a Direita e a Esquerda" não foi exclusividade dos anarquistas. Como
já observamos, essa consigna também foi utilizada na Ucrânia por Grigoriev.
[135] Assinado
por Petrichenko, presidente do CRP de Kronstadt. Citado por Alexandre Berkman,
"A Rebelião de Kronstadt"; Revoliutsionnaia
Rossiia, 1921, Nº 8, págs. 3-4.
[136] Fyodor
Dan, "Os Mencheviques no
Motim de Kronstadt", Krasnaia Letopis', 1931, Nº 2.
[137] Paul
Avrich, op. cit.
[138] Krondshtadskaia tragediia 1921 goda. Dokumenti
v dvuch knigach. Moskva, ROSSPEN, 1999, vol. 01, doc. 58, pág. 119.
[139] Ibidem, vol.
02, doc. 535, pág. 61.
[140] Ivan
Oreshin, Volia Rossii, abril-maio de
1921; citado por Shchetinov, op. cit.
[141] Golos
Rossi, 13 de março de 1921.
[142] Pavel
Miliukov, "Poslednia Novosti",
11-18 de março de 1921.
[143] "A Última Advertência", ultimato do governo bolchevique
aos rebeldes de Kronstadt, enviado a 5 de março de 1921.
[144] Alexandre
Berkman, Emma Goldman, Perkus e Petrovksy, "Ao Soviete do Trabalho e Defesa de Petrogrado – Coordenador Zinoviev",
05 de março de 1921.
[145] Paul
Avrich, op. cit.
[146] Trotsky,
"Algo Mais Sobre a Repressão de
Kronstadt", New International, agosto de 1938.
[147] Paul Avrich, op. cit.
[148] Carta de
Petrichenko e seus camaradas a David Grimm, forte "Ino", 31 de maio
de 1921, e a Wrangel, 31 de maio de 1921, Grimm Archives e Giers Archives, File
88; citado por Paul Avrich, op. cit.
[149] Anatoly
Lamanov, 19 de março de 1921. Kronshtadtskaia
tragediia.
[150] Victor
Serge, "Memórias de um
Revolucionário", 1901-1941.
[151] Herman Gorter, 'The
World Revolution". Escrito em
1923 e publicado em 9 de fevereiro a 10 de maio de 1924 no Workers' Dreadnought. Mencionado por Philippe Bourrinet, "The
Dutch and German Communist Left (1900-68)", pág. 233; Gilles Dauvé e Denis
Authier, "The German Left and the
Third International", Capítulo 16; e International Communist
Current (ICC), "The lessons of
Kronstadt", 16 de janeiro de 2005. O conselhista Herman Gorter considerou como "necessária" a ação tomada pelos bolcheviques contra Kronstadt,
classificando a rebelião como um fenômeno tipicamente "camponês" e "contrarrevolucionário", mas afirma,
como notório ultra-esquerdista e doente terminal, que a rebelião foi a
principal causa dos bolcheviques terem capitulado aos camponeses e abandonado o
programa comunista para restaurar o capitalismo através da NEP, para ele o Partido
Bolchevique "não era mais o
representante do proletariado e do seu comunismo, mas do campesinato e seu
capitalismo", na época classificou a URSS não como um Estado operário,
mas como um "Estado camponês",
e concluiu: "O proletariado
tornou-se servo do campesinato".
[152] Carlos I.
S. Azambuja, "Trotsky, O Profeta
Armado", 15 de fevereiro de 2007, MidiaSemMascara.org. A matéria é um
resumo das páginas 84-94 do livro "Cortar o Mal pela Raiz! História e
Memória do Comunismo na Europa", de diversos autores sob a direção de
Stéphane Courtois, editora Bertrand do Brasil, 2006.
[153] Trotsky,
"Algo Mais Sobre a Repressão de
Kronstadt".
[154] Vale ressaltar que Blumkin não foi
reabilitado por nenhum dos governos que sucederam o regime stalinista, sendo
considerado até hoje como um "assassino
sanguinário da Cheka".
[155] Trotsky, "Bolchevismo e Stalinismo – Sobre as
Raízes Teóricas e Históricas da IV Internacional", 29 de agosto de
1937.
[156] Lênin, "Obras Completas", tomo XXIX, pág 567; Sochineniia, 2nd
ed., 31 vols., Moscou, 1931-1935, XXIV, 437.
[157] Pierre Broué, op. cit.
[158] Citado por Paul Avrich, "Os
Anarquistas na Revolução Russa", 1973,
e "Os Anarquistas Russos e a Guerra
Civil", 1968.
[159] E. Iaroslavski, op. cit.
[160] Alexandre Berkman, "O
Mito Bolchevique".
[161] Erich Mühsam, Bull. Com., 22 de
julho de 1920.
[162] "The Spur", junho-setembro
de 1920; citado em "Anti-Parliamentary
Communism – The movement for workers councils in Britain, 1917-45".
[163] Guy Aldred, "The Commune", dezembro de 1924 e abril de 1925. Citado por Ben
Annis, op. cit.
[164] Ibidem, junho de 1920. Citado por Ben Annis, op. cit.
[165] Guy Aldred, New International, vol.4, nº 3, março de 1938, pp.80-82.
[166] Carta de Guy Aldred para Andre
Prudhommeaux, 15 de outubro de 1936, Aldred Collection.
[167] Guy Aldred, "News From Spain", 1º de maio de
1937.
[168] Citado por Workers’ Liberty, "Sixty Years of Defiant Struggle", 3
de maio de 2007.
[169] Idem.
[170] Guy Aldred, "Spur", agosto de 1920.
[171] Ao lado de Zhelezniakov, Nicolay Markin pode ser considerado como um dos mais heroicos
mártires da Guerra Civil Russa. O primeiro foi um anarquista, o segundo um
bolchevique de primeira ordem, ambos foram filhos legítimos de Kronstadt.
Trotsky narra a história deste personagem com intensa e emocionante paixão em
sua autobiografia: "Este terno amigo que tinha aberto, como igual, sua alma aos
nossos filhos, era também um velho lobo do mar e um revolucionário, um
verdadeiro herói, como nos mais maravilhosos dos contos" (Trotsky, "Minha Vida").
Markin morreu em combate no Rio Kama, lutando bravamente contra as investidas
dos Brancos. Segundo Trotsky, foi graças a muitos "Markins" que a
Revolução de Outubro triunfou.
[172] Declaração de Federica Montseny ao documentário "La Guerra Civil Española – Capitulo 5. Cara y cruz de la revolución", Granada
Televisión, emitido pelo Channel 4 em 1983. Website:
https://youtu.be/Q4mkg-Q2oMM?t=316
[173] Trotsky, "A Revolução
Espanhola", 1931-39.
[174] Emma Goldman, "Trotsky Também Protesta Muito", 1938.
[175]
Address to the International Working Men's Association Congress.
[176] M. Casanova, "A Frente Popular Abriu as Portas para Franco".
[177] Trotsky, "Lições da Espanha: A Última Advertência".