Uma aula de oportunismo, sectarismo e personalismo
Publicamos abaixo o relato do camarada Yuri, simpatizante da LC,
acerca da palestra do dirigente do Partido Obrero argentino na capital do Rio Grande do Sul
acerca da palestra do dirigente do Partido Obrero argentino na capital do Rio Grande do Sul
Na quinta-feira à noite, dia 29 de abril, na Assembléia Legislativa do estado do RS, em Porto Alegre, o dirigente do Partido Obrero argentino, Jorge Altamira, realizou uma palestra organizada pelos que animam o jornal "Tribuna Classista" no Brasil, com a presença do professor da USP Osvaldo Coggiola, também dirigente do PO, que compõe o chamado CRQI - Coordenação pela Refundação da Quarta Internacional. O tema do debate foi a conjuntura internacional e as tarefas dos revolucionários. Deste evento, o signatário deste artigo participou.
Os primeiros quarenta minutos da fala ininterrupta do soberbo "caudilho" argentino – o pseudônimo do dirigente do PO "Alta Mira", aquele "que vê adiante" não foi adotado ao acaso – foram sobre a crise do imperialismo. Altamira trouxe dados da imprensa burguesa, que ela mesma identifica a crise como uma crise de desintegração do capitalismo. Uma afirmação tipicamente catastrofista, para impressionar platéias, como se o capitalismo estivesse a se auto-implodir, o quê, se fosse verdade, dispensaria a necessidade da ação consciente da classe operária através de um partido revolucionário para fazê-lo.
Depois Jorge Altamira iniciou o que ele chamou de "questões polêmicas" (com propriedade, embora discordamos de muitas de suas afirmativas). Altamira afirma - com razão - que na China e na Rússia o capitalismo foi restaurado, mas de "forma sui generis". Afirmou que a abertura dos mercados do Leste e da China não trouxe as prometidas "milhares de fábricas da GM, Volks, etc." para os antigos Estados Operários, mas abriu ainda mais a crise do capital. Altamira afirma de forma "triunfalista" que "a China viverá, logo, sua quarta revolução".
Os primeiros quarenta minutos da fala ininterrupta do soberbo "caudilho" argentino – o pseudônimo do dirigente do PO "Alta Mira", aquele "que vê adiante" não foi adotado ao acaso – foram sobre a crise do imperialismo. Altamira trouxe dados da imprensa burguesa, que ela mesma identifica a crise como uma crise de desintegração do capitalismo. Uma afirmação tipicamente catastrofista, para impressionar platéias, como se o capitalismo estivesse a se auto-implodir, o quê, se fosse verdade, dispensaria a necessidade da ação consciente da classe operária através de um partido revolucionário para fazê-lo.
Depois Jorge Altamira iniciou o que ele chamou de "questões polêmicas" (com propriedade, embora discordamos de muitas de suas afirmativas). Altamira afirma - com razão - que na China e na Rússia o capitalismo foi restaurado, mas de "forma sui generis". Afirmou que a abertura dos mercados do Leste e da China não trouxe as prometidas "milhares de fábricas da GM, Volks, etc." para os antigos Estados Operários, mas abriu ainda mais a crise do capital. Altamira afirma de forma "triunfalista" que "a China viverá, logo, sua quarta revolução".
De nossa parte, acreditamos que a China vive uma enorme contradição: os salários miseráveis dos operários chineses - que em alguns locais chegam a ter que trabalhar nus para poupar o custo dos uniformes - só pode ser mantido por conta da existência do chamado "salário social" (saúde, educação, etc.) que é custeado pelo Estado e herdado das conquistas da revolução social de 1949. Este salário social é uma conquista ainda viva da Revolução Chinesa; mas quanto mais avança a restauração capitalista na China, mesmo sob a direção do Partido Comunista, mais se exige a extração crescente de mais valia da classe operária, o que implica na diminuição do salário social. Essa contradição é realmente explosiva, mas acreditamos que mais do que nunca é necessária uma direção revolucionária para a realização de uma revolução, não basta que cresçam os ataques às massas e por isto discordamos do triunfalismo da afirmação de que a "China viverá sua quarta revolução".
Neste ponto Altamira admite escandalosamente seu caráter de revisionista. Altamira diz que "o Programa de Transição é um programa superado, pois nele, por exemplo, consta a consigna da 'defesa incondicional da URSS' e hoje não existe mais a URSS". Ora, quando Trotsky e os fundadores da Quarta Internacional escreveram o Programa de Transição, o único Estado Operário existente na face da terra era a União Soviética, ameaçada pela escalada bélica nazista. Após o fim da IIª Guerra Mundial, um terço da humanidade passou a viver em Estados Operários, onde a burguesia foi expropriada, ainda que contra a vontade da burocracia stalinista. O "espírito" da consigna "defesa incondicional da URSS" permanece plenamente válido, pois onde houver um Estado Operário - mesmo degenerado ou deformado - é tarefa de todo revolucionário defendê-lo de forma INCONDICIONAL diante de qualquer ameaça imperialista. Isso hoje é particularmente válido em relação à Cuba e a Coréia do Norte. Onde, companheiro Altamira, o Programa de Transição está equivocado?
Nós marxistas temos como válido, no seu conjunto - não como uma "bíblia", frase por frase - o Manifesto do Partido Comunista, escrito em 1848. O que é verdadeiro é verdadeiro, e o tempo não é critério de verdade, mas a práxis. Não é porque um programa político é "antigo" que ele se torna inválido automaticamente, companheiro Altamira. Suas décadas de militância deveriam ter-lhe ensinado isso; mas também a maturidade não é critério de experiência. Há aqueles que na "madurez" morrem "verdes", muitas vezes mais revisionistas do que na sua juventude. Isso é particularmente válido no caso de Jorge Altamira.
Altamira reconhece o óbvio: a atual fase da crise imperialista encontra a esquerda revolucionária atomizada. Mas a solução que prega, que é o eixo principal de toda sua intervenção no evento realizado em Porto Alegre, é de que devemos "passar a régua" em nossas divergências do passado e nos "unificarmos"; devemos "flexibilizar" nossas divergências, nossas polêmicas, e construir uma grande "frente de revolucionários". Resta evidente que quando buscamos a unidade dos revolucionários, dos marxistas, é necessário ajustes no programa, concessões e acordos; mas não é isso que prega Jorge Altamira. O dirigente do PO prega uma frente sem princípios, muito parecida com a aliança PSTU, PSOL, PCB. Citou largamente a experiência argentina da chamada "Frente de Izquierda", composta pelo PO, PTS e Esquerda Socialista, que teve como candidato à presidência argentina, por óbvio, o próprio Altamira.
Uma das principais correntes dos renegados do trotskismo argentino, no passado, foi o chamado "morenismo", "chefiado" pelo senhor Hugo Miguel Bressano Capacete, codinome de Nahuel Moreno, criador do "Movimento Al Socialismo - MAS", da Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT), que tem como principal partido, hoje, no mundo, o PSTU no Brasil, depois da derrocada do MAS após a morte precoce de Moreno, em 1987. Enquanto Moreno era vivo, seu principal inimigo era o senhor Jorge Altamira; depois de sua morte, ao que tudo indica, Altamira transmutou-se em mais morenista que o próprio Moreno. Não é a toa que a Frente de Izquierda é composta pelo PTS - partido que rompeu com o MAS mas que carrega grandes vícios do "morenismo" - e a própria seção argentina do morenismo, a corrente Esquerda Socialista. Altamira, repetimos, acredita piamente numa "união dos revolucionários" ignorando todas as polêmicas e divergências; cita como exemplo algo bastante singular, exemplo o qual aconteceu ipsis literis no Brasil na "Frente de Esquerda - PSTU-PSOL-PCB". Trata-se da questão do aborto. Ao falar do tema, Altamira bateu as mãos, num gesto debochado, de que este é um tema de "terceira ou quarta" categoria, que nada impede a unidade das organizações. É ressabido a polêmica que gerou - dentro do próprio PSOL - as declarações de Heloísa Helena sobre o tema, dizendo-se "católica e francamente contra o aborto". A religião da senhora HH é um assunto privado; sua posição sobre o aborto não. O apoio à descriminalização do aborto é um critério para uma pessoa ser "de esquerda", quanto mais revolucionária.
É isso que, em essência, veio pregar Jorge Altamira em Porto Alegre: a partir da "atual" crise do capital, os revolucionários devem jogar na lata de lixo suas divergências e construir "frentes" - basicamente eleitoreiras - sem princípios, fato que já causou gravíssimos prejuízos na história do movimento operário internacional. E em seu arroubo demagógico em favor da unidade oportunista dos revolucionários, Altamira falsifica a própria trajetória de sua corrente ao dizer que "construiu muitos partidos e nunca destruiu nenhum". Ora, mas e a ruptura com a OSI (hoje corrente O Trabalho do PT) que deu origem à corrente Causa Operária (hoje PCO), comandado diretamente pela direção do PO argentino? E a recente ruptura à francesa do grupo que se auto-denomina a CRQI no Brasil ("Tribuna Classista") com o PCO, pouco explicada para a vanguarda e totalmente desprovida de conteúdo programático, também comandada por Coggiola e Altamira??? Talvez realmente o companheiro Altamira esteja sofrendo de graves problemas de memória...
Após a longa palestra de Altamira, foram abertas falas para os componentes da mesa, que simplesmente saudaram o palestrante; depois aos membros do plenário. O primeiro a fazer uso da palavra fui eu, na categoria de simpatizante da Liga Comunista, como me apresentei. Fiz uma breve saudação ao palestrante, e relatei brevemente minha ruptura de relações sindicais com o lambertismo. Fiz vários questionamentos ao senhor Altamira, explicando que não era todo dia que recebíamos uma figura com sua trajetória em Porto Alegre. A primeira foi quanto ao morenismo e as afirmações de Martin Hernandez, dirigente da LIT, questionando Altamira acerca de um "balance del morenismo", principalmente "despues" das declarações deste dirigente da LIT e do PSTU de que (publicado na internet na página deste partido) "a URSS haveria se transformado numa ditadura burguesa capitalista sob Gorbachov", o que encontrava eco na afirmação de Altamira sobre a "desatualização" (sic!) do Programa de Transição. A segunda foi sobre a questão das ilhas Malvinas, questão recentemente posta em pauta no movimento operário. A terceira, esta sim a mais polêmica de todas, causou certo alvoroço na mesa e fez Altamira fazer "cara feia". A intervenção denunciava o papel de Dilma e Lula no movimento popular e operário, "subornando" organizações com dinheiro do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) e verbas assistencialistas, que vão parar nas contas de organizações populares, com a finalidade de cooptá-las, tornando-as "dóceis" e não críticas ao governo. O mesmo movimento faz o governo argentino, através dos chamados "planos trabajar", que ressabidamente o Partido Obrero e o Pólo Obrero - braço "piqueteiro" do PO - recebem do governo, embolsando o dinheiro. Cinco presidentes foram depostos pelo movimento popular e proletário na Argentina em 2001; depois dos "planos trabajar" nenhum mais. Haveria alguma relação entre os dois fatos?? Na Argentina houve uma explosão do movimento piqueteiro com o fim de desarticula-lo, sendo que os governos de Brasil e Argentina lograram sucesso nessa desarticulação dos movimentos sociais. Isso não se deu pela generosidade do Estado Capitalista com suas concessões, que são produto da luta que querem domesticar. Este fato demonstra o quanto o governo brasileiro aprendeu com a experiência argentina.
A resposta de Jorge Altamira merece especial destaque. Toda ela é centrada em dois pontos: o primeiro, acusar-me, e a LC como um todo, de pertencer a uma corrente sectária, o que Altamira repetiu mais de 15 vezes, sem citar o nome da LC, mas com os olhos cravados em mim. Um militante de base, dos correios, honesto, da CST, corrente morenista do PSOL, fez uma intervenção que desprezava, de certa forma, a luta parlamentar. Altamira, como bom orador, fez um amalgama político e acusou, indiretamente, a LC de "seita que despreza a luta parlamentar". Mas em sua acusação acabou revelando sua própria completa adaptação ao parlamento burguês, descrevendo em detalhes um episódio que chega a ser risível.
Depois de 2001, Altamira foi eleito legislador da cidade autônoma de Buenos Aires, nome da capital federal da República Argentina (situação que se deu no século XIX para dividir em dois a província de Buenos Aires a fim de não torná-la excessivamente "poderosa"). O metrô da cidade é privado e arrocha salários e carga de trabalho dos metroviários. Altamira apresentou no parlamento um projeto de lei para limitar a jornada de trabalho dos metroviários. Segundo ele mesmo admite, as próprias assembléias dos trabalhadores do metrô "não levaram muita fé" no seu projeto de lei. Quando foi à discussão, um "deputado de derecha dicho que Jorge Altamira hacia un jugo subversivo del parlamento de Buenos Aires" (Altamira altera o tom de voz e se enche de orgulho). O projeto, em "primera ronda fue aprobado" pelos deputados da capital porteña, tendo logo sido vetado pelas autoridades superiores. O veto vai a votação (Altamira levanta e parece estar num comício) e a empresa que administra o metrô, em acordo e conluio com o governo, suborna os deputados e somente 28% deles votam a favor da agora (Altamira se inflama incrivelmente) "Lei Altamira". Altamira está discursando para "mijones de personas": "ahora el Partido Obrero realiza un trabajo sistematico en junto al pueblo de la capital argentina por la aprovación de la 'Lei Altamira'". Um trabalho sistemático, enfatiza com máxima veemência. Até que a tal "Lei Altamira" é aprovada e os metroviários tem sua jornada de trabalho regulada por lei. Aí, por favor, Altamira perde todo o senso do próprio ridículo e, em total "tonteria" afirma: A VITÓRIA DA LEI ALTAMIRA NO METRÔ DE BUENOS AIRES É O COMEÇO DO ASCENÇO DA CLASSE OPERÁRIA ARGENTINA.
As palavras falam por si só. Altamira, no mínimo, se crê a reencarnação de Lênin. A LC só tem uma coisa a dizer ao senhor Altamira e a todo movimento operário: quando o Partido Social Democrata Russo foi fundado, o foi numa sala com 12 (doze) pessoas. O Partido Comunista Brasileiro tinha 22 filiados no dia de sua fundação.
Existem seitas de 10 militantes e seitas de 10 mil militantes. O que faz de uma organização uma seita não é o número de seus membros, mas sua política. E quando estas última se divorcia da realidade para subordinar-se aos delírios de grandeza e as cretinas aspirações parlamentares de um caudilho estamos diante inequivocamente de uma seita oportunista.
Yuri