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segunda-feira, 2 de maio de 2011

INFORME DA FÁBRICA

Conhecer o proletariado para fundamentar com solidez nossas teorias e construir o partido revolucionário dos trabalhadores

O relato que se segue é produto do trabalho operário fabril realizado por um camarada da Liga Comunista. Nomes próprios e várias referências como datas e endereços foram propositadamente ocultadas ou trocadas para a proteção da tarefa do camarada que de agora em diante chamaremos de Carlos. Este pequeno artigo é um brevíssimo e embrionário relato apenas para “abrir o apetite”, pelo aprendizado de como desenvolver um trabalho fabril nas condições atuais, àqueles militantes honestos que se interessam pelo “chão de fábrica”. Temos a certeza de que:

“A situação da classe operária é a base real e o ponto de partida de todos os movimentos sociais de nosso tempo porque ela é, simultaneamente, a expressão máxima e a mais visível manifestação de nossa miséria social... O conhecimento das condições de vida do proletariado é imprescindível para, de um lado, fundamentar com solidez as teorias socialistas e, de outro, embasar os juízos sobre sua legitimidade e, enfim, para liquidar com todos os sonhos e fantasias pró e contra.”
(A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, Frederich Engels, 1845).

A fábrica em questão localiza-se na Zona Leste da capital paulista. O aspecto físico do prédio da fábrica é tenebroso por fora e não é melhor por dentro. Os banheiros, o bebedouro e o refeitório, locais acessórios necessários para que os trabalhadores possam fazer a manutenção de suas próprias máquinas corporais a fim de que sejam úteis como “apêndices da máquina” (como Marx descrevera no século XIX) são largados de uma maneira tal que percebe-se que existem quase a contra-gosto do dono da fábrica. São pequenos, mal iluminados, mal ventilados, insalubres, são quase não funcionais. Entende-se que o objetivo de tamanho desleixo com estes locais é para que o peão não se sinta tão confortável no alivio momentâneo na jornada de trabalho e volte logo para seu posto.

A empresa tem 22 anos de existência, e pertence a um importante ramo de produção industrial nacional. Pertence ao Departamento II, bens de consumo. Seu sistema operacional de produção é taylorista, de um operário por máquina, baseado na especialização extrema de funções e atividades e da utilização do conhecimento e habilidade dos mais experientes para estabelecer ritmos e metas de produtividade que serão rigorosamente fiscalizados pelos inspetores da linha de montagem. Embora antigo, desenvolvido há um século, este sistema permite utilizar uma mão-de-obra relativamente barata para produzir intensamente sob a pressão dos cronômetros dos tempos de operação, em favor da mais alta quantidade das peças produzidas.

Trabalham na empresa cerca de 200 companheiros, portanto trata-se de uma empresa de porte médio. Está em fase de crescimento, suplantando através da reciclagem de quase 100% das sobras, vários produtos e insumos antes importados da China. Graças ao avanço da tecnologia da reciclagem, praticamente todas sobras de rebarbas das peças retiradas dos moldes é reciclado na própria empresa. Portanto, temos um desperdício quase insignificante de matéria prima e um lucro superior do patrão. Daí também deriva a preocupação hegemônica da quantidade sobre a qualidade. Ainda que haja perda de ganho com a produção de peças defeituosas, as peças perdidas podem ser convertidas de forma integral em matéria prima novamente.

Carlos entrou na fábrica como terceirizado, subcontratado por uma empresa prestadora de serviços, para exercer tarefas de alimentador de linha de produção, um nome pomposo criado para designar Serviços gerais. Qualquer outra função mais especializada requeria cursos de dois anos no SENAI ou experiência comprovada para a função correspondente. Era isto que os funcionários do Estado, atendentes do “Poupa Tempo” responsáveis pelo recrutamento de mão-de-obra e encaminhamento para o mercado de trabalho diziam a Carlos. A realidade foi bastante diferente. Logo no primeiro dia Carlos foi posto na linha de produção diretamente “com uma máquina só para ele” ser superexplorado. A empresa precisava de mão-de-obra para atender à demanda de seus produtos no início do ano. Era preciso contratar qualquer um para a produção imediata. Carlos também descobriu o porquê de no exame médico prévio à contratação pela terceirizadora o principal critério para a aprovação do candidato à vaga era a busca de varizes nas pernas do paciente, pois se as possuísse não aguentaria passar 8h ou mais em pé em frente à máquina.

Também no primeiro dia Carlos foi surpreendido positivamente pela solidária receptividade dos companheiros de trabalho que aumentou com a convivência posterior. Erivaldo, um paraibano da máquina de solda ao lado, apesar de saber que será cobrado pela produção ao final do dia, parou seu serviço por mais de cinco vezes tanto no primeiro dia de trabalho quanto no segundo, para ensinar Carlos. O mesmo se notou na quantidade de operários que vieram avisar a Carlos que sua marmita teria que ser deixada logo cedo em cima de tal mesa junto com centenas de outras para um funcionário terceirizado com mais de 60 anos de idade recolhesse todas e as levasse para uma mesa de aquecimento em banho-maria. Puxaram assunto, perguntando nome, se apresentando e se oferecendo para o que precisar.

Cerca de 20% da força de trabalho é terceirizada, subcontratada de empresas terceirizadas com sede em Guarulhos. Cada terceirizado dura 90 dias na empresa. A maioria não é efetivada. A simplicidade do serviço permite uma lucrativa e alta rotatividade. Uma minoria dos trabalhadores são contratados via agências para fins de efetivação. 90% da força de trabalho terceirizada é composta por mulheres que se encarregam de tarefas “mais delicadas” de acabamento (pintura, colagem de rótulos e distintivos) e da limpeza. Todas recebem nada mais que 545 reais + cesta básica (52 reais) + 120 de transporte, ao total, 717 reais/mês. Esta é uma das formas do capital burlar a própria legislação burguesa de que deva ser pago um salário igual para trabalho igual.

Os próprios vigias da fábrica são terceirizados. O vigia do turno de Carlos, cujo apelido é “Seu Madruga” está há uma semana reclamando de dores causadas por uma torção no tornozelo, produto, segundo ele, de ter que abrir o portão de entrada de carros cerca de 80 vezes por dia. É por este portão que entram matérias primas e saem as mercadorias prontas para o comércio, além dos funcionários do corpo técnico e não ligados à produção, assim como os próprios patrões com suas Hyundais blindadas. “Seu Madruga” trabalha no turno das 06 as 14h. O vigia que lhe rende o turno a este horário diz que o choramingo de “Madruga” é porque ele não aguenta mais trabalhar com o salário de 545 reais pago pela terceirizadora e “quer pular fora porque tá vendo outro trampo”.

Que o sujeito posto para proteger em nível imediato o seu precioso “meio de produção” seja um superexplorado é um risco que o capitalista paga por sua mesquinhez. Todavia, para qualquer emergência maior ele tem a polícia, e o vigia tem como principal função acionar a polícia nestas horas. Pelo nosso lado, trata-se de uma contradição que pode nos dar algum tempo em momentos de greves e enfrentamentos dentro da fábrica, podendo ocupá-la por completo antes que chegue a PM.

A jornada de trabalho estabelecida na convenção coletiva válida para 2010/2011 é de 220 horas mensais e 44h semanais. Na prática, a isto se computa naturalmente mais uma hora por dia destinada ao intervalo para a refeição e, devido ao baixo salário, o operário é obrigado a sempre fazer hora extra e, portanto, passar muito mais do que 49h (44 + 5) por semana trabalhando. Ao contrário do que pensam os reformistas que com a evolução do capitalismo a tendência é a redução da jornada de trabalho, a verdade é que quanto mais cai o poder aquisitivo do salário, maiores têm sido as jornadas. Além disto, a jornada não é apenas o tempo que o peão passa dentro da fábrica, mas também o tempo que gasta quando se transporta até ela. Carlos gasta 3h em média para ir e voltar para o trabalho todos os dias. De certa forma, é um privilégio de morar relativamente próximo do trabalho. Todavia, a zona leste é a região de São Paulo onde se localiza a maioria das fábricas da cidade, a mais proletária e, não por acaso, é onde os transportes públicos (ônibus, metrô e trem) são piores, onde há mais congestionamento devido ao tráfego da própria atividade produtiva de abastecimento de matéria prima e distribuição de mercadorias acabadas, onde mais pessoas se concentram e onde a tortura de esperar horas para entrar no metrô ou no trem na hora de ir para o trabalho ou voltar para casa é cada vez maior.

A ALTÍSSIMA PRODUTIVIDADE DÁ A MEDIDA DA ESPETACULAR MAIS-VALIA

Para quem está no galpão da solda eletrônica (são quatro galpões ao total) a produção mínima cobrada é de 800 peças/dia. A solda eletrônica é uma máquina que opera a uma temperatura de 1500º C. Na primeira semana, até se acostumar com a solda, Carlos foi “batizado” com várias pequenas queimaduras nas mãos. Nem precisa tocar na máquina para ganhá-las. Carlos descobriu sem querer que um centímetro de distância do calor já é suficiente para queimar-se.

A variação salarial no chão de fábrica é quase inexistente, só existindo entre os inspetores e os operários efetivos e entre estes e os terceirizados. Entre um operário novato e Sebastião, que está na fábrica há 22 anos, a diferença salarial é de 200 reais. Sebastião tem três filhos e esposa, “já” possui casa própria, mas “ainda não deu para comprar um carro” para ele. Primeiro comprou uma moto para o filho mais velho para ele poder trabalhar de moto-boy. O salário, reajustado em novembro de 2010 em 8%, é de 890 reais. Somado isto ao vale transporte e a cesta básica chega a algo em torno de 1.100 reais.

O valor final para o consumidor de cada peça na loja da fábrica é de 12 reais, 10 reais, se pago à vista. Sendo assim, ao produzir 800 peças – meta mínima de produção por dia – o operário participa através de sua força de trabalho como valor principal (somado aos gastos com matéria prima, embalagens, máquinas e ferramentas, energia, impostos, água, telefone, aluguel) da criação de um valor de R$ 8 mil reais, se todas fossem vendidas à vista, e de R$9.600,00, se fossem vendidas a crédito. Suponhamos que metade das peças são vendidas à vista e a outra metade a prazo, seriam R$8.800,00/dia. Recebendo um salário bruto de R$1.100,00 o operário gera este valor oito vezes por dia! Os que não fazem hora extra produzem uma riqueza no valor de R$ 193.600,00 por mês (R$8.800,00 x 22 dias de trabalho), 176 vezes o que recebem de salário! Inversamente, se tivesse que trabalhar apenas para pagar seu salário, o trabalhador precisaria fazer no máximo uma hora e meia de trabalho por mês! Embora outros custos façam parte do valor final da mercadoria, sem a exploração da força de trabalho e o trabalho não pago (mais-valia), a indústria não tem sentido para o industrial e a riqueza real não se multiplica no capitalismo. Ainda que não tenhamos acesso à secreta contabilidade patronal, de cada 12 reais que ele recebe por mercadoria vendida, a maior parte deste valor foi expropriada da riqueza não paga ao proletário que a produziu.

No caso dos terceirizados esta conta é ainda mais insultante. Também têm que produzir, como no caso de Carlos, as 800 peças por dia, logo também criam em mercadorias R$ 193.600,00/mês. No entanto, como recebem R$ 717 por mês, produzem um valor de 270 vezes o que “ganham”! Logo a pergunta “quanto você ganha?” deveria ser considerada um insulto para o proletariado que perde, no roubo sistemático que se constitui o capitalismo, centenas de vezes o que produz em capital. Se isto é assim em uma fábrica média que produz mercadorias de baixo valor agregado, imaginamos o quão espetacular é a mais-valia arrancada em setores produtivos tecnologicamente mais avançados e produtores de mercadorias de alto valor agregado.

A LUTA DE CLASSES PELO TEMPO

Antes, o trabalho de arrancar as rebarbas de sobras da soldagem cabia às operárias, agora o operador da soldagem elétrica faz tudo. Não existem operárias na linha de montagem da solda elétrica em que opera Carlos.

Antes a produtividade era paga mediante a cobrança do operário que no marcador excedeu a meta. Segundo Sebastião, depois dos puxa-sacos novos pararem de cobrar pelo pagamento da produtividade, os patrões simplesmente suprimiram este benefício. Hoje, os operários cumprem suas metas diárias sem nenhum estímulo ou ganho por produção, apenas pela pressão dos chefetes, e por medo de perder um ou outro direito elementar como, por exemplo, o reconhecimento de um atestado para abonar uma falta, o que, embora seja juridicamente assegurado, tem que contar com a boa vontade dos superiores para não precisar entrar na justiça para garantí-lo. Quem não produz a meta não conta com a compreensão dos chefetes nem do departamento de Recursos Humanos da empresa.

Aqui temos que parar para explicar a questão dos “puxa sacos novos”. Não se trata de um “mal” desta fábrica ainda que seja generalizado, nem é um problema restrito ao “caráter” das novas gerações de trabalhadores. Em todos os ramos vemos jovens trabalhadores “dispostos” a se deixarem esfolar mais do que víamos no passado. Isto de modo algum é culpa da juventude, mas de um momento histórico de derrotas do conjunto do proletariado mundial, após a perda que significou a restauração do capitalismo em países onde o proletariado havia expropriado as fábricas, terras, bancos, todos os meios de produção que antes pertenciam à burguesia mundial. A burguesia conseguiu impor um padrão de escravidão muito maior às novas gerações do que a gerações de operários das décadas de 60 a 80. Quando reconquistou este terreno perdido em meios de produção e também em força de trabalho, a burguesia mundial desatou uma ofensiva brutal contra o proletariado do mundo todo, dispondo de uma imensa massa da mercadoria “força de trabalho” com a incorporação de todos os trabalhadores deste antigos Estados operários ao mercado mundial capitalista e também, de certo modo, com um peso numérico imenso e um valor salarial baixo, aos da China.

Além destes elementos de ordem econômica, as derrotas politicas da classe em nível mundial nas últimas duas décadas submeteram as novas gerações a uma cultura muito mais submissa e integrada à ordem capitalista que as anteriores. Acrescente-se a isto no Brasil, como elemento preponderante desta reação ideológica, os governos de Lula e Dilma, antioperários e desarticuladores profissionais das lutas, formados por sindicalistas que aprenderam a enganar os proletários em décadas de burocratização da CUT e dos Sindicatos. Todos os partidos e correntes de esquerda, quando vão à classe é para pedir-lhe votos para burocracias sindicais ou cretinos parlamentares. De certo que este ambiente retraído é mais favorável ao desenvolvimento do que é mais abjeto dentro do lugar de trabalho, os dedos-duros, puxa-sacos e fura-greves que merecem, a seu momento, o tratamento apropriado por parte da classe. A defensiva da classe operária neste momento, depois de 20 anos de derrotas consecutivas e carente de direções e partidos politicos classistas e revolucionários em quem confiar é a “expressão máxima e a mais visível manifestação de nossa miséria social”.

Um operário novo, Thiago, que e tem cerca de 1,5 anos de empresa, ombros largos, consegue produzir 1.200 peças por dia, ou seja, 1/3 a mais da meta estipulada pelo inspetor. Thiago não recebe hoje um centavo a mais por isto, realizando tal proeza pela simples vaidade juvenil. Os outros operários tiram piadas na hora do serviço com Thiago, como “vai ao banheiro Thiago!”, “tem algum piniquinho aí em sua máquina?” em alusão ao fato de que Thiago quase não vai ao banheiro durante o serviço. Em uma semana, Thiago teve a filha menor doente com alguma virose. Por dois dias a mulher ficou com a criança em casa. Mas depois de ter faltado por urgência extrema por dois dias ao trabalho, a companheira de Thiago teve que deixar a filha na escola mesmo doente. Antes do meio dia ligaram da escola para que a mulher fosse buscar a criança na escola e a mulher, para não correr o risco de ser demitida ligou para Thiago dizendo que agora era a vez dele faltar pelo menos meio dia de trabalho. Sem outra solução, Thiago foi pedir ao encarregado para ser liberado depois do meio dia. O encarregado, “Seu Diógenes”, disse que não era assim não, que não bastava alguém ficar doente e o funcionário já ganhava o direito de ir saindo no meio do serviço. Thiago disse que não podia ficar trabalhando enquanto a escola não queria ficar com a filha dele doente, falou que a mulher já tinha faltado dois dias no emprego dela e que ele nunca faltava, sempre chegava no horário e produzia mais do que a meta todos os dias. O pedido virou bate-boca entre os dois na frente de todo mundo e antes que Thiago jogasse tudo para o ar, Diógenes o liberou às 14h. Para todos os operários que tomaram conhecimento do caso ficou claro o quanto a fábrica é “mal agradecida” pela superprodutividade de Thiago.

Ainda assim, uma parcela considerável dos operários resiste como pode individualmente à superexploração. Ao aviso de “faltou material” (matéria prima) quase sempre se escuta um sussurro cabisbaixo entre peões: “ainda bem”. O proletário luta o quanto pode pelo seu tempo livre. Um amigo, padeiro em um dos supermercados da Rede “Pão de açúcar” em São Bernando do Campo, contou a Carlos como ele defendia à sua maneira seu tempo livre, tomando banho no horário de trabalho antes de pôr a mão na massa: “assim eu ganhava aquela meia hora de sono mais gostosa antes de levantar para ir trabalhar”, dizia. Contava a vantagem de que domorava pelo menos 20 minutos no banho e no vestimento da farda depois de bater o ponto.

Apesar desta altíssima produtividade, cerca de 1/3 dos trabalhadores faz hora extra e trabalha aos sábados. A hora extra durante a semana equivale a 70% e o trabalho no sábado a 110 % sobre o valor da hora normal. No sábado a jornada vai das 7:30 às 17h, com meia hora para almoço. O adicional noturno corresponde a 40% da hora diurna. Como toda máquina, o corpo humano tem sua “vida últil”, ao fazer horas extras, trabalhar à noite e aos sábados, domingos e feriados. Os que sobrevivem aos acidentes de trabalho derivados destas jornadas extenuantes, têm sua “vida útil” abreviada. Muitos trabalhadores se submetem a fazer estes malabarismos perigosos para poderem pagar suas contas regulares e até satisfazer alguns sonhos de consumo como estudos em faculdades privadas, aparelhos celulares, notebooks, tvs de última geração, automóveis, todos pagos ao custo de escorchantes endividamentos. Não seria por demais lembrar que nem todos estes bens de consumo juntos e entregues em um só mês para cada proletário pagariam os R$ 193.600,00 que ele gera em riquezas.

ESFORÇO REPETITIVO E POLUIÇÃO SONORA

A primeira coisa que Carlos recebeu ao entrar na fábrica foi um fone protetor de ouvidos. A poluição sonora é literalmente ensurdecedora, devido ao barulho produzido por todas as máquinas reunidas, mas sobretudo pela recicladora de matéria prima.

Para produzir cada peça na máquina são necessários oito movimentos, portanto, ao final do dia em frente à soldadeira serão realizados no mínimo 6.400 movimentos repetitivos. Depois do primeiro dia de trabalho, Carlos não acreditava que teria costas para voltar no dia seguinte. Quase não teve. As dores musculares são insuportáveis. Principalmente nas costas, pernas e pés.  Alguns não voltam para trabalhar em algum dia seguinte da primeira semana, outros “pedem para sair”. Mas com o passar do tempo à dor vai sendo absorvida e os músculos se adaptando a um novo condicionamento. Isto demonstra o quanto o corpo humano é moldável e, em particular, como pode ser condicionado pelo capitalismo.

Na hora do almoço dos turnos que abrangem o meio dia, dividido em três tempos de uma hora cada, não é raro ver “corpos” fatigados deitados de qualquer forma sobre os pallets.

APRENDER PARA SUPERAR A ERA LULISTA E CONSTRUIR O PARTIDO TROTSKISTA DO PROLETARIADO

Sentindo mais intimidade Carlos perguntou a Sebastião em quem ele tinha votado nas ultimas eleições para presidente. Ele respondeu que na candidata do Lula. Carlos perguntou por que ele não votou em outro candidato. Sebá respondeu que não votava no outro candidato. Carlos insiste e pergunta se a rejeição é ao candidato ou do partido dele. Até então a conversa foi simples assim mesmo, sem a precisão do nome de Dilma, Serra, PT ou PSDB. O operário veterano responde que nunca votaria nele nem no partido dele. Por que? perguntou Carlos. A resposta também foi simples: “porque desde antes eu voto no Lula, porque o PT é o partido dos trabalhadores e o outro é o partido dos ricos.” Carlos faz uma ressalva de que o PT não é mais aquele de antes. Sebá reconhece: “é verdade, andaram fazendo umas coisas mesmo, mas até eu que sou meio bestinha se virassem as costas faria umas coisas destas para mim também”. Outro dia, quando Sebastião resmungava com o serviço, Carlos perguntou se a fábrica já teria passado por alguma greve. Ele respondeu que nunca houve greve naquela empresa. De certo modo, isto explica o baixo nível de consciência política do trabalhador desta fábrica.

Não tratamos aqui do aspecto sindical desta experiência fabril. Justamente por saber que, depois do próprio Estado capitalista, os sindicatos pelegos são os principais cúmplices desta escravidão, é que nos resguardamos, entendendo que ainda não é hora de nos deixarmos mostrar para estes traidores da classe em um confronto político aberto.

Nos limitamos a dizer que se trata de uma categoria dirigida pela burocracia cutista, por uma mesquinha e lambe-botas camarilha que já pertenceu à ala esquerda desta central e se alojou comodamente no seio da Articulação na década de 1990, tornando-se um importante sindicato operário da CUT em São Paulo no governo Lula. Hoje desvia boa parte de sua “luta” para as questões ambientais e de opressões secundárias (sem obviamente deixar de fazer vista grossa para a burla patronal da legislação que determina salário igual para trabalho igual como denunciamos acima), deixando os patrões com as mãos livres para exercer a opressão de classe principal.

Dentro da fábrica é profunda a desconfiança dos operários com o sindicato, que se encontra inteiramente a serviço dos patrões, empenhado em fazer valer a colaboração de classes corporificada na propaganda triunfalista das miseráveis “conquistas” da convenção coletiva assinada em 2010. Apesar da importância deste ramo produtivo, não existe nenhuma oposição da CSP-Conlutas ou da Intersindical na categoria. E não existe perspectiva de que venha a se desenvolver porque, como se viu nos critérios do Conclat e na politica de rotina destas centrais, a orientação é não incomodar os feudos já constituídos das centrais governistas e pelegas para que não se metam em nossos feudos, não apostar nas oposições de base como método de construção, mas no fracionamento dos aparatos sindicais já burocratizados.

Nosso objetivo, neste momento, não é a luta sindical, mas, antes de tudo, aprender para “fundamentar com solidez nossas teorias” acerca da luta operária. Apenas estamos engatinhando neste terreno, superando os nossos “sonhos e fantasias prós e contra” o trabalho militante na única classe capaz de derrotar a escravidão da barbárie imperialista. Temos a certeza de que apesar deste pequeno instante desfavorável na luta de classes, construiremos o partido mundial da revolução socialista. Como nos ensinou Rosa, “venceremos desde que nós não tenhamos desaprendido a aprender”, para dar maior legitimidade e consistência à nossa luta por construir o partido comunista e revolucionário da classe operária.