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quinta-feira, 26 de setembro de 2019

AGORA O GOLPE É CONTRA TRUMP

Agora o Golpe é contra Trump

Humberto Rodrigues - English version published on Socialist Fight


A presidenta da Câmara dos Deputados dos EUA, Nancy Pelosi, abriu um processo de impeachment contra o governo de Donald Trump no dia 24 de setembro. A acusação contra o presidente é a de que ele violou a lei dos EUA por pressionar, através de uma ligação no dia 25 de julho, do novo presidente ucraniano, Volodymyr Zelenszy, a reabertura das investigações acerca de um escândalo de corrupção contra o filho do principal pré-candidato democrata as eleições de 2020, Joe Biden.

O filho de Biden, Hunter, ganhou o posto de diretor conselheiro da maior companhia de gás e energia da Ucrânia, o grupo Burisma, em 2014, dois meses após o golpe de Estado orquestrado pelo governo de Barak Obama, de quem Biden era vice presidente.

Esse fato em si é escandaloso, escancara a dupla moral do establishment imperialista e comprometem até o “bom moço” Obama e a alta cúpula dos “democratas”. Segundo as leis dos EUA, a CIA não pode realizar Golpes estrangeiros sem que o Presidente os aprove primeiro através de uma chamada "descoberta presidencial" (presidential finding) pela Emenda Hughes-Ryan de 1974. Obama está diretamente implicado na conspiração que derrubou um governo e orquestrou a mudança de regime que entre outros benefícios deu o controle do gás ucraniano ao filho de seu vice-presidente.

Essa situação nos leva a crer que embora o impeachment pareça uma medida ofensiva contra o governo Trump, trata-se na verdade de uma grande cortina de fumaça criada pela máquina partidária democrata para se proteger e ao seu candidato preferencial, que é o pivô do escândalo.

Esse ataque é uma defesa e o tiro inclusive pode sair pela culatra. É bem provável que essa tentativa de impeachment, já chamada de Ucraniagate, tenha o mesmo destino que o Russiagate, ou seja, também não derrube o governo Trump. A imagem de Biden não deve ficar melhor depois desse escândalo, que também pode favorecer a candidatura do democrata Bernie Sanders (77 anos, um a mais que Biden), mais popular que o ex vice-presidente e que teve a candidatura sabotada nas eleições de 2016 pela máquina partidária, ou favoreceer a pré-candidata democrata moderada Elizabeth Warren.

Uma das acusações contra Trump é a de que ele ameaçou ao governo ucraniano de não liberar verbas no valor de 250 milhões de dólares à Ucrânia se o governo de Kiev não colaborasse na reapresentação do caso contra o filho de Biden. Essa acusação parece não fazer sentido porque Trump já liberou a verba mesmo sem Kiev ter atendido ainda seu pedido e porque ao contrário do presidente ucraniano golpista anterior, o atual, Zelensky, conta com a simpatia de Trump e Putin.



Todavia, parece ser bem mais verossímil a acusação similar que pesa contra Biden. A de que o então vice-presidente dos EUA chegou a chantagear a Ucrânia, ameaçando reter US $ 1 bilhão em ajuda, a menos que o governo demitisse o principal promotor do país, Viktor Shokin, acusado de “ineficiência”, quando coincidentemente estava investigando a Burisma Holdings, investigação que poderia incriminar o filho de Biden.

O golpe apresentado pela campanha midiática como “revolução EuroMaidam” em referência a Praça Maidan, onde começaram a se amotinar os fascistas defensores dos EUA e da União Europeia contra a Rússia, foi extremamente lucrativo para os EUA, desastroso para a Ucrânia, empobreceu e dividiu o país quase ao meio em uma sangrenta guerra civil. Os antigolpistas ficaram com a península da Criméia e fundaram as Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk, que votaram por se integrar a Rússia.

Parte dos golpistas reivindicaram explicitamente a ideologia neonazista, iniciaram uma caça às bruxas aos trabalhadores e suas organizações que teve como um dos momentos mais sangrentos o massacre a Casa dos Sindicatos em Odessa, incendiado por forças fascistas comandadas pelo governo de Kiev, provocando 38 mortes e mais de 40 feridos, quase todos executados por tiros ou queimados vivos.


A holding Burisma tornou-se a principal companhia de gás do país durante esse processo parasitário, repressivo e corrupto.

Trump foi eleito com o apoio de Putin. Os serviços de inteligência russos forneceram munição ao então empresário candidato para que o mesmo provocasse crise no interior da campanha democrata demonstrando o jogo baixo de Hillary Clinton na sabotagem da candidatura “socialista” de Bernie Sanders. Os democratas que tinham a presidência, a mídia e as candidaturas mais fortes e populares, se engalfinharam e permitiram que o outsider da política se tornasse presidente com um discurso reacionário e xenófobo dirigido ao proletariado branco.

O establisment demo-republicano tentou “impitima-lo” desde o primeiro momento por “interferência russa nas eleições de 2016”. Durante todo o mandato ele fingiu e falou coisas que camuflaram que de fato ele liberava o bloco eurasico para seguir o multipolarismo globalizante. O plano estratégico da China e da Rússia para expandir exponencialmente sua influência sobre o planeta, o Cinturão e Rota da Seda, avançou bastante durante o governo Trump, quizá graças a um roteiro inacreditável de zig-zags.

Nesse momento, a fração mais belicista dos neoconservadores que compunha a frente republicana que deu origem ao governo se afasta de Trump. Até então, essa  fração foi melhor representada por John Bolton, como assessor de segurança nacional da Casa Branca. Bolton foi um dos mais ativos falcões dentre dos think tanks neoconservadores republicanos, articulador da invasão do Afeganistão e do Iraque pelos EUA, signatário do Projeto por um Novo Século Americano (PNAC em inglês), criado em 1997, no governo Clinton.

Bolton foi um cão raivoso sempre disposto a fazer alguma guerra, a atacar a Coréia do Norte, invadir a Venezuela e bombardear o Irã. Fato é que em comparação aos mandatos anteriores, nada de verdadeiramente efetivo Bolton realizou além de arroubos belicistas. Trump usava as ameaças de Bolton para avançar no terreno econômico, mas não para realizar as ameaças.

Em primeiro lugar, no plano mais geral, afastando-se da ala neoconservadora defensora da doutrina do PNAC, de hipertrofia da economia de guerra e da corrida armamentista, o governo Trump parece querer afirmar outro curso para os EUA. A nova doutrina Trump aposta mais na expansão do domínio comercial que militar, até porque a manutenção da máquina militar financiada com o deficit público não é um recurso infinito. Menos ainda possível quando os EUA passam a perder conflitos como a intervenção militar na Síria e se acumulam aventuras militares fracassadas, como o golpe na Turquia. O lastro do poder bélico inconteste dos EUA que garantia o direito em transformar papel em dólar durante o pós-guerra e que se consolidou depois da ruptura unilateral dos acordos de Bretton Woods em 1971 já não existe na atual conjuntura globalizada mundial em que a China, Rússia e aliados saem em defesa dos antigolpistas ucranianos, dos governos Assad, Maduro e do Irã.

A nova orientação dos EUA com Trump aposta na recuperação do poder econômico através de um forte proteccionismo, de uma guerra comercial permanente de sanções e tarifas aduaneiras em detrimento da manutenção da imensa máquina militar e seu custo expansionista, como se a guerra econômica não conduzisse em algum momento na disputa militar direta ou indireta. Então, em primeiro lugar, a base estrutural desse isolamento representado pelo slogan "American First" reside na imensa porcentagem dos EUA no mercado mundial em relação ao mercado mundial. O PIB dos EUA é maior que 24% do PIB planetário.

Em segundo lugar, e de forma mais particular, o governo Trump tem investido maciçamente na geração endógena de energia, de hidrocarbonetos convencional e mais ainda através do xisto, um tipo de exploração energética mais suja, fugaz e lucrativa que converteu em poucos anos os EUA de importador do ouro negro no maior produtor mundial.


A Contrarrevolução do Xisto
Decadência imperialista e Crise Energética

A meta é que até 2024 os EUA sigam alimentando até 70% da capacidade de produção de petróleo com 15,3 milhões de barris diários. Esse salto decuplicou a exportação de gás dos EUA para a Europa, tornando-se em 2018 o terceiro maior fornecedor para a UE, com mais de 12% do mercado. Essa situação alimentou a fração da burguesia imperialista associada a Trump.

"A quota de gás natural liquefeito norte-americano na importação total de gás da União Europeia no primeiro trimestre de 2017 foi de seis por cento, aumentando 10 vezes em comparação com os dados de 2016. No primeiro trimestre de 2017 os EUA se tornaram o sexto maior fornecedor de gás natural liquefeito à União Europeia." (Por que os EUA não poderão substituir o gás russo na Europa).
Nesse processo, os novos esquemas de acumulação de capitais e lucratividade multiplicados por Trump se chocaram com o esquema anterior implantado pelos rival Biden.Trump e Biden não são somente concorrentes na disputa política eleitoral mais importante do planeta de 2020, também competem pelo controle do lucrativo mercado energético europeu.

Impopular entre frações tradicionais do capital imperialista e da mídia, popular entre um setor ascendente do mercado energético e em seu eleitorado pobre e de direita, Trump reduziu o desemprego às custas de uma precarização dos contratos e do discurso anti-imigrante. Com essa política ele acentuou a divisão do enorme proletariado estadunidense e o barateamento da força de trabalho, o que possibilitou uma relativa recuperação da economia dos EUA.

Algumas frações do imperialismo, como os bilionários irmãos Koch, por exemplo, tem se dado bem na gestão Trump, sobretudo graças ao fato dele ter sequestrado para sua área de influência o governo do Brasil, através do aprofundamento do golpe de Estado de 2016 armado também pela administração Obama.

Desse modo contraditório, mas relativamente eficaz, Trump vem neutralizando suas ameaças de impeachment.

Agora, em plena campanha pela reeleição, Trump livra-se de Bolton, anuncia disposição para renegociar com o Irã (que acertadamente exige como pré-condições a suspensão das sanções e o acordo nuclear com Obama como pré-condição), acena com a suspensão das tarifas de importação de mercadorias feitas na China, sobretudo as fabricadas por empresas estadunidenses instaladas no gigante asiático. Desse modo, o presidente dos EUA volta a repactuar tacitamente com os eueasicos, não porque seja um mero agente desse bloco, mas porque como ala minoritária do grande capital, seus interesses econômicos e sua sobrevivência política precisam se apoiar nessa fração do capital mundial contra a fração mais poderosa do imperialismo que temporária e contraditoriamente não ocupa a cadeira presidencial, mas controla o Deep State que conspira contra Trump.

Apesar de todos seus arroubos contra os rivais, Trump faz parte de uma fração do capital imperialista cada vez mais consolada com a condição de sócio poderoso da multipolarização. A fração trumpista já não acredita tanto na possibilidade de reconquistar a hegemonia estadunidense no século XXI, determinação que marcou o período do pós segunda guerra, quando a Inglaterra, debilitada econômica e militarmente, reconheceu a superação de seu domínio pelos EUA.

Trump é hoje o principal mandatário do imperialismo mundial, indiscutivelmente um inimigo dos trabalhadores e dos povos oprimidos de todo o mundo. Mas os que querem derrubá-lo são piores. Por que? Porque são mais consequentes na defesa dos interesses imperialistas. São menos bravateiros e mais executores. Se Trump é um traidor dos interesses imperialistas (o que é um exagero da oposição golpista) não somos nós os povos oprimidos que vamos apoiar a instaurar um governo mais fiel aos interesses imperialistas, mais forte,... contra nós. A oposição democrata republicana fala menos e faz mais pela política expansionista dos EUA.

A disputa interimperialista dentro dos EUA abre um impasse que deve ser taticamente usado pelos povos oprimidos, pelo proletariado mundial e sobretudo pelo operariado estadunidense que através da greve da GM está em uma queda de braço contra a grande burguesia industrial. Todavia, essa tática não pode perder de vista o objetivo estratégico da luta pela vitória sobre o conjunto do imperialismo e seus agentes criminosos como Bolsonaro.

Se Trump for derrubado se retomará a escalada de aquecimento da guerra fria. Os que querem golpear Trump foram os que orquestraram todos os golpes de Estado bem-sucedidos no planeta na última década, como o impeachment de Dilma, e agora querem realiza-lo na própria Casa Branca.


Para saber +

Projeto para o Novo Século Americano (PNAC)

Ukrainegate Is Just The Democrats' Latest Gambit To Unseat Trump

O que realmente está em jogo no impeachment de Trump! !! Fabio Sobral