Nossa posição sobre as drogas
No dia 18 de junho ocorreram as “Marchas da Liberdade”. Segundo os organizadores, participaram 40 cidades brasileiras e pelo menos em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília foram reunidas cinco mil pessoas. O movimento pela legalização da maconha que há muitos anos realizava pequenas manifestações anuais tomou um novo impulso após a selvagem repressão policial à “Marcha da Maconha” no dia 21 de maio em São Paulo. A partir de então, converteu-se em uma miscelânea de manifestações pela liberdade de expressão (pela legalização das drogas, em defesa da greve policial dos bombeiros, LGBTT’s, em defesa dos bicicleteiros, contra o machismo, punks, ecologistas, vegans) cuja “reivindicação geral” é a “regulamentação que proíba o uso de armamentos pela polícia em manifestações sociais” (Manifesto da Marcha da Liberdade – SP), ou seja, pela regulamentação da repressão.
Vale destacar que desde a imolação de um trabalhador tunisiano, reivindicando o direito de pelo menos ser camelô, até a “marcha das vadias” pelo direito das mulheres vestirem-se como desejam contra os preconceitos machistas, passando pela luta contra a criminalização do uso de drogas, todas estas reivindicações nasceram de reivindicações imediatas extremamente justas, mas sua espontaneidade, em que, em um primeiro momento reside sua força, logo se converte em seu maior perigo, quando acaba se transmutando em um movimento para legitimação de uma forma mais estável de opressão e exploração capitalistas.
Em meio à diversidade, as características predominantes são o fato de socialmente pertencerem à pequena burguesia, se organizarem em ONG´s e se articularem pelas redes sociais da internet. A mídia burguesa e alguns partidos como o PSTU e a LER apontam que este fenômeno representa a chegada da “primavera árabe” no Brasil. Se nasceram a partir de protestos espontâneos, hoje a tão propalada “primavera árabe” é um fenômeno de massas que por não ter qualquer protagonismo proletário, nem muito menos uma direção revolucionária, acabou sendo manipulado pelo imperialismo para reciclar seu domínio naquela parte oprimida do planeta. Não por acaso, o G-8 acaba de aprovar em sua última reunião uma doação de 40 bilhões de dólares para impulsionar o movimento.
Outra característica comum destes movimentos é o apartidarismo militante, a rejeição até do uso de carros de som e as ilusões pacifistas e de conciliação com o aparato repressivo. Ao mesmo tempo em que alimentam estas concepções em nome do combate ao autoritarismo da esquerda, à hierarquia e ao dirigismo, os “anti-autoritários” coordenadores da marcha, entre eles Desentorpecendo A Razão, Movimento do Passe Livre, Aymberé e Movimento Fora do Eixo, reuniram-se com o comando da PM entre a manifestação do dia 21 e a do dia 28 de maio para estabelecer não apenas o caráter desta última manifestação, mas para garantir ao aparato repressivo que não iriam fazer mais a “marcha da maconha”, que a partir de então seria chamada “marcha da liberdade”, que não só coibiriam a alusão à maconha em suas palavras de ordem como também tornariam-se os próprios coordenadores da marcha, uma polícia política contra a liberdade de expressão de seus companheiros, um acordo sobre bases tão reacionárias que pouco depois, no dia 15 de junho, o arqui-reacionário Supremo Tribunal Federal autorizou a “Marcha da Maconha”.
“UM ASSUNTO PRIVADO PARA O ESTADO, MAS NÃO PARA O PARTIDO”
Nós da LC defendemos o direito às liberdades individuais civis e democráticas dentro do Estado burguês. Defendemos intransigentemente o direito do controle das pessoas sobre seu próprio corpo, ou seja, ao suicídio, à prévia determinação da eutanásia, ao aborto, a usar os adereços que bem entendam (véus, tatuagens, piercings, silicone,...). Nestes marcos, somos favoráveis à descriminalização das drogas ilegais.
Mas, uma coisa é defender O DIREITO ao uso de drogas, como parte da luta pelo controle do corpo contra o capital, outra coisa é usar drogas e renunciar, pela via química, ao controle da consciência. Mesmo defendendo a liberdade do uso das drogas ilegais e legais, o marxismo revolucionário considera o uso regular e sistemático dos entorpecentes e do álcool como alienantes. Assim como a religião é o ópio do povo, o “ópio”, ou seja, o conjunto das drogas, obviamente, é o próprio “ópio do povo”, bem utilizado pelo imperialismo para desmoralizar e entorpecer suas vítimas e pelos Estado capitalista para o controle social de minorias. Como afirma o militante negro estadunidense, preso no corredor da morte, Mumia Abu Jamal “a maconha, a cocaína, o LSD e a heroína... foram usadas para destruir a população negra dos EUA”. Um dos dividendos principais da intervenção imperialista na Colômbia, ex-Iugoslávia (Kosovo) e Afeganistão é o aumento do controle do tráfico de drogas em escala planetária pelos cartéis de Washington. O consumo de drogas de efeito mais destrutivo como o crack é cinicamente administrado pelo Estado para exterminar uma parcela da juventude lumpemproletarizada. Em dezembro o Ministério da Saúde declarou que existem 1,2 milhões de pessoas viciadas em crack no Brasil, com perspectiva de causar 300 mil mortes nos próximos 6 anos. A manipulação do tráfico de cada droga para diferentes nichos sociais tem fundamentos diferenciados para o capitalismo cuja perversão vai além dos lucros que a mesma fornece como mercadoria.
Ainda que estes movimentos possuam uma nítida composição de jovens de classe média, os marxistas formulam suas posições a partir da ótica do que é mais progressivo para os trabalhadores. Se buscamos que os explorados rompam com a alienação da ideologia burguesa e que o proletariado se converta em classe para si, arrastando consigo a juventude, a pequena burguesia e setores semi-proletários, devemos nos posicionar contra o entorpecimento das consciências provocado pelo uso constante das drogas.
Para os bolcheviques, assim como a religião, as drogas devem ser um tema privado para o Estado, mas não para o partido revolucionário. Lenin afirma:
“Exigimos que a religião seja um assunto privado em relação ao Estado, mas não podemos de modo nenhum considerar a religião um assunto privado em relação ao nosso próprio partido (...) Em relação ao partido do proletariado a religião não é um assunto privado. O nosso partido é uma associação de combatentes conscientes e de vanguarda pela libertação da classe operária. Essa associação não pode e não deve ter uma atitude indiferente em relação a inconsciência, a ignorância ou ao obscurantismo sobre a forma de crenças religiosas.” (Lenin, “O socialismo e a religião”, Novaia Jizn #28, 03/12/1905).
O combate à inconsciência, à ignorância e ao obscurantismo também deve se dar quando estes se expressam através da droga que oblitera a luta pela superação da ideologia burguesa pela ideologia comunista.
Assim como a religião, os bolcheviques combateram também o alcoolismo, inclusive se valendo das medidas excepcionais herdadas do czarismo durante a primeira guerra mundial:
“Dois fenômenos importantes imprimiram a sua marca no mundo de vida operário: a jornada de oito horas e a proibição da vodka. A liquidação do monopólio da vodka, que a guerra exigia meios tão avultados que o czarismo podia renunciar, como a um pecadilho, aos rendimentos que lhe advinham da venda de bebidas alcoólicas. Um bilhão de mais ou de menos era a diferença mínima. A revolução foi herdeira da liquidação do monopólio da vodka; sancionou o facto, fundando-se, porém em considerações de princípio. É só depois da conquista do poder pela classe operária — poder construtor consciente de uma economia nova — que a luta do governo contra o alcoolismo, luta ao mesmo tempo cultural, educativa e coerciva, adquire toda a significação histórica. Nesse sentido a interdição da venda devido à guerra imperialista, de nenhum modo modifica o facto fundamental de que a liquidação do alcoolismo vem acrescentar-se ao inventário das conquistas da revolução. Desenvolver, reforçar, organizar, conduzir com êxito uma política anti-alcoólica no país do trabalho renascente — eis a nossa tarefa. E os nossos êxitos econômicos e culturais aumentaram paralelamente com a diminuição do números de “graus”. Nenhuma concessão é aqui possível.” (L. Trotsky, “A Vodka, a Igreja e o Cinema”, Do Questões do Modo de vida).
O partido não pode nutrir uma posição administrativa em relação ao ópio do povo. Mas, menos ainda tem o direito de ser complacente com o agravamento da alienação através das drogas. Falamos de toda e qualquer droga que agrave por meios químicos a perda da consciência já falsificada pela ideologia burguesa, pois algumas correntes acabam por manter uma posição ambígua ou omissa sobre o tema elegendo algumas drogas (a maconha, por exemplo) como mal menor diante de outras (o crack). Não bastasse a profunda embriaguez ideológica da juventude hoje, algumas correntes defendem o uso das drogas superestimando os efeitos pretensamente positivos das mesmas, afirmando que podem ser “um estimulante benéfico, social e medicinal”. Não existem drogas confiáveis no capitalismo e a tarefa de desenvolver drogas potenciadoras das habilidades humanas é uma tarefa pós-revolucionária, quando os cientistas socialistas de um Estado operário vão poder juntamente com o proletariado controlar todo o processo produtivo.
O partido que renuncia de modo liberal ao combate contra o entorpecimento do pensamento causado pela religião ou pelas outras drogas, acaba por renunciar também à luta pela consciência política revolucionária das massas, renuncia à revolução.