Lançamento de livro que é a síntese teórica da vida do historiador trotskista Mário Maestri
O jornal Folha do Trabalhador está apoiando a realização do
Ciclo de Palestras: História, Linguagem e Luta de Classes, que se realizará no
final do mês de maio de 2019, na Universidade Federal do Ceará (UFC).
Na ocasião, será realizada a palestra Linguagem e Luta de
classes, pela Professora Florence Carboni (UFRGS), no dia 27, no Auditório
Rachel de Queiroz, às 18h e, no dia 28, no mesmo horário, o historiador e
militante trotskista de longa data Mário Maestri irá lançar sua obra magna, o
livro “Revolução e Contra-Revolução no Brasil (1530 - 2018)”, no Auditório
Valnir Chagas, localizado na Faculdade de Educação. Ambos os auditórios se
localizam dentro da UFC.
O Ciclo de palestras também recebe o apoio da AFBNB, do Sindjustiça/CE,
Viés – Núcleo de Economia Política da UFC, do Instituto do Movimento Operário
da UECE e do Centro de Estudos Marxistas do Rio Grande do Sul.
Abaixo, reproduzimos uma resenha de “Revolução e Contra-Revolução no Brasil”, publicada no site do Pravda russo.
Revolução e contrarrevolução no Brasil (Porto Alegre: FCM
Editora, 2019. 420 p.), de Mário Maestri, é leitura para os que pretendem
compreender a história do país e de como chegamos a situação atual. O auto reapresenta a saga do Estado-Nação, através
da história da luta de classes de cinco séculos, seus avanços e retrocessos
fundamentais. A leitura dessa obra é mais necessária ainda para aqueles que têm
compromisso com a transformação social do país.
A obra é reconhecida pelo autor como a síntese teórica de sua vida. A experiência de um historiador e militante comunista, com quase cinquenta anos dedicados à história, se reflete também na forma e no método de análise. Eme uma linguagem direta e ágil, que acompanha a dinâmica e as contradições dos principais acontecimentos, personagens e fatos, o autor realiza uma reflexão de alto rigor teórico.
Mário Maestri não chegou a esse resultado sozinho: ele se
reconhece tributário da produção de cientistas sociais que o precederam como
Benjamin Péret, Clóvis Moura, Emília Viotti da Costa, Jacob Gorender, Moniz
Bandeira, Octávio Ianni, Robert Conrad, entre outros. Seu trabalho intelectual tem o mérito de ir mais alto em muitas de suas formulações tanto por subir nos
ombros dos grandes historiadores que lhe antecederam, quanto pela radicalidade
com que trata os temas.
O autor conduz o leitor a gênese da exploração da força de
trabalho no país. O livro começa explicando como se estabeleceu o
"Escravismo Colonial", modo de produção historicamente novo, descrito
em forma categorias-sistemática por Jacob Gorender em obra homônima, de 1976,
segundo Mário Maestri, uma verdadeira "revolução copernicana" na
interpretação da formação social brasileira, superando a falsa polêmica entre
"passado feudal" ou "passado capitalista" que dividira por
décadas as ciências sociais e a esquerda brasileira.
Feudalismo ou Capitalismo
Como tratado nos subcapítulos "Miséria da teoria",
"Capitalismo desde a origem" e "Orientação mercantil", os
teóricos do PCB pintavam um passado latino-americano feudal com reminiscências
no latifúndio, para justificar a política de colaboração de classes com a
burguesia industrial, contra o agrarismo e o imperialismo. Ou seja, a teoria da "revolução por etapas",
que concebe que primeiro é preciso derrotar o atraso "feudal" e sua
herança na etapa democrático-burguesa para apenas depois lutar pelo socialismo.
Os principais defensores dessa tese foram Astrogildo Pereira, Octavio Brandão, Nelson
Werneck Sodré e Luís Carlos Prestes, até março de 1980, quando da "Carta
aos Comunistas".
Essa concepção compreendia a economia mundial como a soma de
frações nacionais uniformes destinadas a percorrer a mesma trajetória
evolutiva. Os traços específicos de cada país eram de complementos dos traços
gerais do capitalismo mundial. Se a trajetória europeia dos modos de produção
fora "comunismo primitivo", "escravismo clássico",
"feudalismo" e "capitalismo" e, finalmente, "socialismo",
a história do Brasil obedeceria o percurso do mesmo modelo abstrato. São
determinantes para a estratégia revolucionária as particularidades nacionais
desiguais dos modos de produção que se combinam para formar a originalidade dos
traços fundamentais da singular evolução mundial.
Por sua vez, intelectuais de distintas origens teóricas como
Robert C. Simonsen, André Gunder Frank, Ruy Mauro Marini, Caio Prado Junior e o
trotskista argentino Nahuel Moreno, afirmavam que desde a origem da
colonização, o caráter econômico do passado colonial brasileiro era
capitalista. por sua orientação mercantil (ou "para o lucro", no caso
de Simonsen), voltada para o abastecimento do mercado mundial.
O equívoco da concepção do passado colonial capitalista era
a análise a partir da esfera da circulação mercantil e não das relações sociais
de produção, ou seja, do modo material de como se produziam as mercadorias, no
caso, um "modo de produção escravista", subordinado à condição
colonial. Sendo capitalista desde a origem, toda a evolução econômica era
apenas quantitativa, jamais qualitativa. Durante cinco séculos, jamais a
quantidade resultava em um salto de quantidade em qualidade! A metodologia empregada não poderia ser
considerada nem materialista, nem dialética. Negavam-se as determinações
originárias particulares do capitalismo no Brasil.
Trabalhador Escravizado
Graças ao avanço da luta de classes no pós-guerra e seus
reflexos no pensamento da esquerda, autores como Benjamin Péret, Clóvis Moura,
Emília Viotti da Costa, Ciro Flamarión, Jacob Gorender, Mário Maestri, entre
outros, resgataram no Brasil o
trabalhador escravizado como "agente subjetivo do processo de
trabalho", como um elemento explicativo, e não mais como "outro bem
de capital", ou seja, mero
"figurante" do passado brasileiro.
No Brasil, o trabalhador escravizado é categoria
determinante no passado e na ideologia dos escravistas e de seus herdeiros
modernos. Os altíssimos índices de analfabetismo funcional, desemprego,
encarceramento, assassinato de jovens e
adultos negros a asseguram os menores salários da força de trabalho negra,
categoria indispensável ao entendimento da sociedade e do Estado brasileiro. O
autor lembra: "O desconhecimento do caráter conformador da sociedade
colonial e imperial pela produção escravista impede a compreensão da própria
gênese do Estado brasileiro" (p.24).
As últimas três décadas foram marcadas pela ofensiva
ideológica antimarxista mundial nascida com a restauração capitalista na URSS e
no Leste Europeu. Ela proporcionou a onda pós-moderna e neoliberal nas ciências
e o retrocesso nas visões historiográficas. Embelezou-se a escravidão. A
relação entre o escravizador e o escravizado foi apresentada como um contrato
social consensual e pacífico, fortalecendo as ideias racistas.
O tráfico negreiro passou a ser uma empreitada consensual
entre portugueses e africanos. Bolsonaro e Mourão, candidatos a presidente e
vice, em palestras e comícios, afirmaram que o cativo negro e os quilombolas
contemporâneos eram vagabundos e malandros. Não é um fenômeno novo políticos e
militares pensando assim. A extrema direita sempre existiu de forma marginal. O
novo é que essa fração, antes marginal,
fez campanha de massas, com tais idéias, para os cargos eletivos e
ganhou, pela primeira vez, a presidência, governos estaduais e postos
parlamentares, em um país onde a maioria da população descende da exploração
escravista. O que registra como as eleições foram fraudadas e os ritos
democráticos, adulterados.
Questão de classe, não de raça
Mário Maestri não trata o escravizado pelo recorte étnico;
destaca-o pela sua fulcral condição de classe social produtiva, sobre a qual se
assentou toda a ordem colonial, cuja revolta, ainda que carente de
"consciência de classe para si", sempre foi a fonte maior do temor da
elite e que ou as suas decisões políticas fundamentais, como a opção pela unidade
nacional, a independência e a manutenção da monarquia.
A historiografia atual que povoa as prateleiras das
livrarias, realiza, quando muito, uma exposição de fatos mortos, alinhados por
lógica descolada do modo de viver e reproduzir a vida dos homens. Mário Maestri
pratica outro ofício. Trata a história como historía, ou ἱστορία, que ou seja,
conhecimento advindo da investigação. Para ele, como para Marx e Engels, que
acreditaram que a única ciência era a ciência da história (A ideologia Alemã),
a investigação tem de mostrar, a cada passo, empiricamente e sem mistificação, a conexão da estrutura social e
política com a produção e reprodução da vida material.
Revolução e Contrarrevolução no Brasil desvenda um a um os
mistérios e especificidades constitutivos do Brasil. Mesmo não sendo o centro
da obra, Mário Maestri reúne as principais polêmicas e paradoxos de nosso
passado. Por exemplo, aborda o "mistério historiográfico do unitarismo
brasileiro". A América Hispânica possuía vários elementos de nacionalidade
comum, pertencia a uma mesma metrópole, suas classes hegemônicas regionais
tinham possuíam a mesma religião, o mesmo idioma, a mesma cultura e o mesmo
sentimento americanista. Todavia, explodiu em uma constelação de estados
republicanos independentes.
Misteriosamente, um Brasil imenso, conformado por uma
constelação de capitanias-províncias autônomas, para o autor, um verdadeiro
Estado colonial sem nação, estabeleceu uma unidade nacional: "Estado
brasileiro - monárquico, autocrático e centralizado - resultou da necessidade
das classes dominantes hegemônicas das diversas províncias de enfrentarem o
problema da independência e da gestão constitucional de seus interesses
maiores, sem colocarem em perigo a espinha dorsal da economia colonial: a produção
escravista". (p. 24).
Independência e Revolução Abolicionista
Nessa "sociedade civil" composta por proprietários
e não proprietários, "a propriedade da terra não era a condição
imprescindível para a reprodução do capital - a propriedade de cativos, sim."
(p. 33). Ao contrário do que se comumente se pensa, a elite econômica dependia
mais da propriedade de trabalhadores escravizados do que da terra. Apenas os
grandes proprietários de cativos tinham direitos políticos plenos, integrando a
"sociedade política". Outra jabuticaba desvendada pelo autor. Somos
caso sui generis em que a classe dominante local não teve escrúpulo em eleger
como chefe de sua revolução libertadora o herdeiro do trono da metrópole.
Revolução e Contrarrevolução no Brasil descreve a tragédia
do Estado-nação e da maioria de seu povo. Uma história pautada pelas relações
da classe dominante nativa, submissa ao capital internacional e brutal com as
classes subalternizadas. Até 1822, fomos um país colonial. A partir daí,
adquirimos independência política, mas não econômica, o que caracterizou nossa
condição semicolonial por quase 200 anos.
Desde o golpe de 2016, a
burguesia brasileira abortou até ao mais tímido dos projetos nacional
desenvolvimentistas. Ela renunciou à própria independência jurídica e política,
aceitando uma reconversão neocolonial na ordem globalizada imperialista.
Desgraçadamente essa caracterização não é mais uma força de expressão. Mário
Maestri trata de comprová-la de forma nua e crua no capítulo IX. "A Agonia
do Estado-nação e a gênese da ordem neocolonial globalizada".
De forma simultânea e combinada, essa relação do Brasil com
o capital internacional nasceu e se apoiou por três séculos sobre a escravidão.
"Na colônia e no império a unidade produtiva de base era o latifúndio
escravista monocultor voltado para a exportação" (p. 16). Mas, a partir do
primeiro semestre de 1887, insurreição popular, na forma do abandono em massa
das fazendas de São Paulo, pacífico ou não, marca o fim da escravidão como
instituição, ensejando a chamada
"Lei Áurea. A insurreição foi apoiada pelos abolicionistas
radicalizados, organização política e porta voz do movimento que conquistou a
liberdade de 700 mil trabalhadores e pôs fim à escravidão.
O mito da abolição da escravatura como outorga foi criado
pela historiografia tradicional. A quase totalidade da esquerda, incluindo o
movimento negro organizado, hegemonizado pela pequena burguesia, desqualifica o
conjunto do processo de forma anacrônica como sendo tudo uma mera farsa pelo
fato de o movimento não ter obtido a ascensão social, política e econômica
total dos libertados. Subestimam o valor da única revolução social vitoriosa da
nossa história.
Modernas classes trabalhadoras
Apesar de não ter emancipado plenamente as classes
subalternas - tarefa irrealizável sem o desenvolvimento, mesmo embrionário, da
produção e sociedade capitalistas - a revolução abolicionista transformou as
relações sociais de produção e dominação, iniciando a revolução burguesa no
Brasil. Ela unificou juridicamente as classes trabalhadoras, liquidou o Estado
monárquico, assentou as bases do Estado liberal antidemocrático. O que não é
pouco!
O proletariado e o campesinato pobre, agora trabalhadores
livres, vendedores da força de trabalho, engatinharam em suas lutas,
constituíram sindicatos, realizaram congressos, transitaram do anarquismo
combativo e classista para o comunismo sob inspiração de 1917, fundaram o
Partido Comunista e com a industrialização - a partir da I Guerra Mundial
(1914) e sobretudo após a crise econômica de 1929 - arrancaram condições
superiores de vida na sociedade capitalista: jornada de trabalho, salário
mínimo, direito à aposentadoria, etc. A burguesia brasileira, submissa ao
capital mundial, foi historicamente incapaz de realizar as tarefas que as
burguesias dos países imperialistas realizaram.
A força e a luta dos trabalhadores e as crises e
contradições do capital permitiram o desenvolvimento do país, inclusive quando
o capital nacional impulsionou desenvolvimentismo em suas variantes getulista,
janguista, etc. O próprio "milagre econômico", apoiado no
endividamento externo, que estabeleceu o pleno emprego, nas cidades, e a
aposentadoria rural, no campo, foi um
movimento apoiado na repressão brutal. Sobretudo as classes dominantes
industriais nacionais integrados ao capital financeiro assustaram-se com o crescimento do proletariado ensejado
pelo nacional desenvolvimentismo e trataram de golpear os governos dessa
orientação, acusando-os de pavimentar o caminho do comunismo, por mais que
todos soubéssemos que governos como Getúlio, JK, Jango, etc se opusessem ao
comunismo como o diabo à cruz.
O próprio "milagre econômico nacional",
contraditoriamente fortaleceu seu coveiro e abreviou a ditadura. Mário Maestri
destaca: "O 'Milagre' criara um jovem e combativo proletariado [...] que
retomou a luta sindical, contra a ditadura e os patrões, pela recuperação dos
salários confiscados pela inflação. Em meados dos anos 1980, em salto de
qualidade no nível de consciência e de organização, criaram-se o PT e a CUT,
único momento em que os trabalhadores brasileiros se ensaiaram como alternativa
social geral." (p. 359)
Nova Escravidão - pior que em 1964
A neocolonização avançada pelo golpe de 2016 assenta-se um
novo tipo de escravidão, para a qual se organizou preventivamente como se fora
enfrentar uma verdadeira guerra pela submissão dos trabalhadores e da população em geral. Ela pretende
rebaixar ao máximo o valor da força de trabalho, extinguir seus direitos,
quebrar financeiramente os sindicatos, desindustrializar e até dispersar o
parque industrial nacional, como se vê pelo fechamento de grandes fábricas como
a Ford e a GM.
Pretende-se achatar ao extremo o salário mínimo e as
aposentadorias. No dia 26 de março de 2019, o vice-presidente Hamilton Mourão
arrancou aplausos dos principais empresários na sede da Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo, quando criticou o reajuste do salário mínimo
acima da inflação e o benefício de prestação continuada destinada aos
miseráveis acima dos 65 anos.
A forma hegemônica assumida pela nova escravidão não é o
trabalho cativo, mas a trabalho livre com o salário (ou subsalário) sequestrado
e escravizado por dívidas com o capital financeiro, contraídas por aluguéis,
prestação imobiliárias, cartão de crédito, planos de saúde, universidade,
carro... Além da crescente flexibilização da jurisdição, cortes orçamentários
para a fiscalização e a precarização geral do trabalho, etc.
O autor lembra: "[...] a atual ditadura do grande
capital, respeitando aparências democráticas, constitui processo
patologicamente qualitativamente mais grave do que a ditadura de 1964. No
período pós-1967, o país conheceu crescimento econômico que desembocou na
fundação do PT e da CUT. A atual metamorfose institucional aponta para status
'neocolonial globalizado' no qual o país se transformará em mera plataforma de
exportação de manufaturados de pouco ou médio valor agregado [...], sob o
controle dos capitais mundiais e do imperialismo USA." (p. 364)
O livro foi concluído nesse momento de contrarrevolução, a
partir de golpe orquestrado pela CIA contra o governo, para atingir os
trabalhadores e a sociedade. E Mário Maestri, como poucos no Brasil, realizando
uma análise internacionalista do fenômeno, identificou que este, como o golpe
de 1964, "veio de Washington". "A grande vitória do imperialismo
na América Latina foi o golpe institucional de 2016 no Brasil. Como em outras
regiões do continente, a derrota histórica foi facilitada por governos
populistas sociais-liberais, a seguir defenestrados ". "No Brasil, em
geral, as organizações de esquerda definiram o golpe, sob a direção direta
imperialista, como conluio conservador interno, algo a ser superado após alguns
sobressaltos e penas. Negaram-se a vê-lo como ataque externo-interno direto e
permanente à própria independência nacional, visando a reestruturação geral da
nação segundo as necessidades do grande capital." (p. 336-337)
Dura radiografia do petismo
Apesar do horror do crescimento da extrema direita, Mário
Maestri não mistifica a política do Partido dos Trabalhadores. Em detalhada
avaliação da era petista, caracteriza que as gestões social-liberais aceleraram
a desnacionalização, a reprimarização e a condição agroexportadora do país, bem
como a rentabilidade do capital financeiro. "Respeitou-se bovinamente o
escorcho popular pelos grandes bancos. " (p.325).
O livro destaca como os governos petistas fizeram a sua
parte na escravidão por dívida da população. "José Dirceu registra, sem
qualquer pudor: ´Iniciou-se um lento, seguro e gradual processo de expansão do
crédito para a base da pirâmide social e de bancarização de dezenas de milhões
de brasileiros.´ [...] De 2006 a 2016, 87% da população adulta passou a manter
algum "tipo de relacionamento"
bancário, crescendo em um ritmo anual de 3,3%. [...] Política que alcançou,
hoje, [...], pleno e total sucesso, com uma imensa parcela da população
fortemente endividada pelo serviço financeiro e bancário, quando não
inadimplente. "(p.310) Essa bancarização social, após o golpe, ganha outra
dimensão com o arrocho salarial, a reforma trabalhista, o desemprego crescente,
a terceirização, a privatização dos bancos públicos e o roubo da aposentadoria.
Na Era Petista, as expectativas dos trabalhadores frustraram-se
com limitadas políticas compensatórias sugeridas pelo Banco Mundial,
contribuindo para a desmoralização-desorganização social, sindical e de
esquerda, o que desarmou previamente a classe e suas organizações para
enfrentar o golpe, que desta vez não precisou disparar um tiro nem levar os
tanques às ruas. Mesmo o MST manteve-se dependente do governo, que não concedia
terras mas financiava acampamentos.
O livro também critica as organizações da esquerda que
negaram o golpe em marcha e defenderam os recursos judiciários utilizados pelo
imperialismo, como a operação Lava Jato, desconhecendo o caráter político do
julgamento, condenação e prisão de Lula. Dentro da direção do PT, em plena luta
contra o golpe, o candidato que substituiu Lula nas eleições de 2018, o
ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, "o mais tucano dos
petistas" se consagrou, lembra o autor, com a frase 'Golpe é uma palavra
um pouco dura', para definir a queda de Rousseff e a ofensiva histórica contra
a população" (p.370).
A população trabalhadora, apesar das vacilações da direção,
mobilizou-se parcialmente contra o mais duro golpe às suas condições de vida, o
fim de sua aposentadoria: "A greve geral de 18 de abril de 2017 garantiu
salto de qualidade na luta contra a reforma da Previdência e trabalhista e o
governo golpista." Entretanto, "A mobilização crescente foi
desmontada em favor das eleições". (idem). Desmontada a continuidade do
ascenso antigolpista, o governo Temer aprovou a reforma trabalhista, mas não
conseguiu emplacar a reforma previdenciária. Valeria a pena uma menção à resistência da população,
principalmente de operários metalúrgicos e sem teto, no sindicato dos
metalúrgicos do ABC, no dia 7 de abril de 2018, contra a rendição e entrega de
Lula ao tribunal de exceção da Lava Jato.
O Golpe e a nova Guerra fria
Até a chegada da família real, o Brasil era dependente
economicamente de Portugal, que possuía exclusividade sobre o comércio do
Brasil. A partir de então, a Inglaterra passou a ser hegemônica nas relações
comerciais e na balança comercial até meados do século XX. Os USA ocuparam
a hegemonia após a II Guerra Mundial, como principal "parceiro
comercial", o maior destino da remessa de lucros das corporações
instaladas no Brasil.
A hegemonia estadunidense sobre o Brasil só vem a se
modificar após a crise de 2008, quando a China ocupa a condição de principal
exportador e importador do Brasil. Porém, os EUA seguem como o maior destino
dos lucros das multinacionais. O ingresso da China na jogada, aliada da Rússia,
aproveitando a crise no coração do imperialismo, faz parte de um cenário de
nova guerra fria. Mário Maestri destaca que apesar da enorme superioridade
militar dos EUA, ocorre uma mudança na correlação de forças mundial em que o
imperialismo USA começa a sofrer impedimentos em sua ofensiva, por parte
principalmente da Rússia na Ucrânia-Criméia e na Síria. Agregaríamos que as
derrotas do imperialismo no Oriente Médio e na Europa o fizeram voltar-se para
o seu quintal latino-americano, representando o golpe no Brasil um salto de
qualidade em relação a processos similares ocorridos em Honduras (2009) e
Paraguai (2012) para agora cercar primeiramente a Venezuela e em seguida
Nicarágua, Bolívia e Cuba.
Revolução e Contrarrevolução no Brasil é uma obra profunda
acerca da história geral do Brasil do ponto de vista dos interesses
estratégicos do desenvolvimento da nação e de sua classe produtiva, com a
vantagem de ser a mais recente que avalia "uma realidade totalmente
nova" (p. 364). A extrema direita foi "empoderada" como nunca
antes. Realiza um revisionismo profundo, com a ousada aspiração de embelezar os
crimes históricos da classe dominante e seus agentes políticos. A ditadura
militar foi repaginada como "movimento" pela suprema corte do país.
Ao mesmo tempo, pretendem criminalizar o ensino crítico, retirar a disciplina
de história da grade curricular obrigatória e banir os livros que não tragam
"a verdade" sobre 1964.
No calor da crise
Os méritos do livro são potenciados pelo momento político em
que o trato com a história chegou ao fundo do poço e o revisionismo histórico é
liderado por um Rasputin astrólogo, vinculado a extrema direita estadunidense.
Revolução e contrarrevolução no Brasil traz alívio e inspira-nos a lutar com
firmeza diante da reação e também da adaptação historiográfica à
contrarrevolução, permitindo-nos entender sob um novo olhar o que há de ruptura
e continuidade no momento atual.
No final do nono capítulo: "A agonia do Estado nação e
a gênese da ordem social globalizada", Mário Maestri avalia o movimento
golpista em uma ótica estratégica. Acontecimentos e análises refazem questões
como: o sentido histórico do golpe, a conspiração planejada em detalhes pela
CIA como parte da nova guerra fria; a
operação Lava Jato; a natureza entreguista dos militares hoje; o antipetismo;
as possíveis contradições do segundo
governo golpista. Impugna a proposta de que com Bolsonaro se estabeleceu uma
nova "ordem fascista", que compreende como um governo do grande
capital monopólico. Chama a atenção de que gesta-se "coisa ainda
pior" que uma nova ordem fascista.
Mário Maestri compara o governo atual do Brasil com as
experiências clássicas de Mussolini e Hitler. O "pior" está vindo
através da destruição da autonomia nacional e da subordinação da classe
trabalhadora a níveis elevadíssimos de exploração, para recuperar a taxa média
de lucros do imperialismo, há décadas em queda tendencial. Esse é um balanço
que contribui para aprendermos a nos defender, evitando os erros do passado e
seguindo adiante na elaboração de um programa para a revolução social no Brasil
e no mundo.