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quarta-feira, 11 de novembro de 2020

POR QUE TRUMP PERDEU?

Por que Trump perdeu?
Uma análise materialista

Humberto Rodrigues


"As eleições de 2020 enterrem de uma vez por todas a noção equivocada de que as eleições de 2016 foram um acidente histórico, uma aberração americana. Donald Trump conquistou mais de 70 milhões de votos, a segunda maior votação da história americana (atrás apenas de Joe Biden, que foi eleito). Nacionalmente, ele tem mais de 47% de participação em seus votos e parece ter vencido 24 Estados, incluindo seus preferidos Flórida e Texas."  (BBC, 9 de novembro de 2020)

Primeiramente, é preciso observar que Trump foi mais votado agora do que há quatro anos. Mas, a BBC justifica a derrota de Trump alegando que "as pessoas estão cansadas de seu estilo agressivo", ou seja, a partir da superestrutura política e superficialmente esse resultado sem conseguir explicar suas causas concretas.

A eleição foi a mais polarizada e participativa da história dos EUA. 75 milhões de votos para o candidato democrata, 70 milhões para o republicano. Ainda que a vitória democrata tenha sido inflada pela mídia, e que a diferença de delegados no colégio eleitoral tenha sido mais de 76 votos, na quantidade de eleitores a eleição foi muito disputada. 3% foi a quantidade de votos percentuais de diferença. As pesquisas pró-Biden, eram instrumento da campanha eleitoral democrata, apoiada pela maior parte do capital financeiro e por mais de 90% dos monopólios mundiais de mídia.
Trump obteve mais votos que há quatro anos, mas perdeu as eleições porque perdeu em estados de maior concentração proletária, onde havia ganhado em 2016. Trump não conseguiu repatriar a produção industrial para o país, como havia prometido. Durante a atual crise econômica, acentuada pela pandemia, Trump não conseguiu mais manter o pleno emprego (apoiado na precarização do trabalho) como conseguira até 2019. Isso reflete o giro político no Meio-Oeste e no Cinturão da Ferrugem em favor de Biden. Os democratas recapituraram a maior parte do Rust Belt.

Do Manufacturing Belt ao Rust Belt, a opção da burguesia imperialista pela desindustrização dos EUA


Historicamente democrata, ou pelo menos desde a década de 30, o eleitorado proletário desses estados votou em Trump em 2016 em reação a política de desindustrialização promovida nas últimas décadas pelos democratas. Há quatro anos, o proletariado acreditou nas promessas do então magnata outsider de trazer fábricas e empregos de volta para essa região. O outsider encontrou espaço para se projetar no cenário político depois que, aos olhos do proletariado estadunidense, o establishment Democrata e Republicano, associados ao capital financeiro de Wall Street e a “nova economia” do Vale do Silício, promoveram a globalização e a financeirização.

Até meados da década de 1970, 62% da classe trabalhadora dos EUA era composta pelo proletariado industrial. Essa enorme massa de operários fabris se concentrava principalmente nas regiões dos dos Grandes Lagos e dos Montes Apalaches. Os Estados de Michigan, Winsconsing, Illinois, Indiana, Ohio, Pensilvânia e New York, era considerados como o coração industrial dos EUA e por isso foi chamada de Manufacturing Belt, o cinturão fabril do país. A burguesia imperialista que se apoiara em uma imensa força produtiva, que impulsionaram a criação do fordismo, também havia produzido e acima de tudo seus próprios coveiros do Manufacturing Belt. Por motivos políticos e econômicos essa região foi desmontada. Os monopólios temiam os perigosos batalhões pesados da classe trabalhadora estadunidense, que exerciam uma forte pressão por aumentos salariais. Os monopólios, principalmente automobilísticos como a GM e a Ford, desejavam reduzir os custos de produção e aumentar os lucros. O grande capital imperialista optou por estrangular econômica e socialmente ao proletariado, substituindo a mão de obra interna, por mão de obra estrangeira mais barata, promovendo dois movimentos: a emigração da produção industrial para o Oriente e a imigração de trabalhadores latinos e de outras regiões, juridicamente vulnerabilizados por sua condição precária de estrangeiros pobres e aptos a receberem menos dos que os que já estavam, para trabalhar em serviços não manufatureiros. A burguesia imperialista rentista e parasitária fez uma opção por desativar seu próprio parque produtivo e quando entrou em decadência o cinturão industrial do país passou a se chamar Rust Belt, cinturão da ferrugem.

Essa tragédia é retratada no filme Roger e Eu, o documentários que lançou a carreira do cineasta democrata Michael Moore. Em Roger e Eu, o cineasta tenta encontrar Roger Smith, presidente da General Motors, a maior fabricante de automóveis do planeta, para esclarecer a demissão em massa e o fechamento de onze fábricas em Flint, no Michigan. A decisão da GM contribuiu pra a derrocada da cidade no fim da década de 80.

“A base de Trump no cinturão de ferrugem da ex-classe trabalhadora, foi conquistada por seu programa populista de direita de banir os muçulmanos dos EUA, atacar 'estrangeiros' e grupos oprimidos que “roubaram os empregos”, pelo protecionismo contra a China para onde foram transferidos enormes parques industriais, supostamente, manter os EUA fora de guerras agressivas no Oriente Médio particularmente, em parte por causa da desilusão impotente com os 40 anos de ataques neoliberais, retribuições aos patrões e o declínio prolongado dos padrões de vida desde os dias de Ronald Reagan.” (Frente Comunista dos Trabalhadores, a Eleição nos EUA: A ameaça da Ditadura, 2020)

De onde vieram os 10 milhões de votos diretos a mais de Biden sobre a votação de Hillary? Tão logo a classe trabalhadora viu que as promessas de reindustrialização de Trump não foram realizadas, já em 2018, voltaram a votar pelos democratas nas chamadas eleições parlamentares de meio de mandato e para governadores, quando todos os 435 assentos da Câmara dos Representantes e 35 dos 100 assentos do Senado são decididos. No Michigan, o Estado que concentra o maior número de operários industriais, na Pensilvânia e Wisconsin, os democratas ganharam a disputa pelo Senado e governos estaduais e ampliaram os assentos na Câmara, derrotando republicanos apoiados por Trump em todos os níveis em 2016 e em 2020 voltaram a votar pelos Democratas, assegurando aí a derrota de Trump.


Trump havia ganho popularidade entre uma classe operária cansada de ser bucha de canhão nas guerras de seus patrões quando diminuiu a intensidade das guerras abertas por seus antecessores (democratas e republicanos ) no Afeganistão, Síria, Iraque e Líbia. Mas, o pouco que ganhou por reduzir as baixas e o esgotamento nas guerras externas do imperialismo, Trump perdeu com as baixas internas, com seu negacionismo criminoso da pandemia, que fez do país mais rico o que mais teve a população contaminada e morta do mundo, e praticou um verdadeiro sincericídio ao se passar como apoiador das execução bárbaras de pobres trabalhadores negros pelas forças policiais. Isso, em meio a aridez de organizações proletárias, permitiu uma ressurreição de massas dos democratas, reconquistando seus espaços eleitorais tradicionais e abortando o segundo mandato de Trump.




E, respondendo a pergunta que fizemos a princípio, de onde vieram os 10 milhões de votos a mais de Biden sobre Hillary, do reverso da polarização social de Trump, na reação ao supremacismo branco, a xenofobia, a latinofobia, a islamofobia, ao machismo. O antitrampismo, associado ao desislusão de uma parte do proletariado autoctone mobilizou 10 milhões de votos a mais nessas eleições. Tudo isso foi capitalizado por um partido imperialista enganador de todas as ilusões e foram depositadas nele.

Do desespero para lutar pelo socialismo até por meio de patifes como Bernie Sanders e as maiores manifestações antirracistas da história

Durante o mandato supremacista branco e anticomunista de Trump a classe trabalhadora e as novas gerações de lutadores sociais dos EUA jogaram por terra o mito de que que a classe trabalhadora dos EUA seria cronicamente reacionária. Na verdade, por suas profundas contradições é a que deu um giro maior em direção ao socialismo nos últimos anos, apesar de ter sido a fração da classe operária mundial que mais é bombardeada ideologicamente por sua burguesia, que mais sofre lavagem cerebral anticomunista, que mais é perseguida em ofensivas como o macarthismo, a caçada aos Panteras Negras, e por governos como Reagan e Trump.

Em 2008, Barack Obama venceu em todos os Estados do Cordão da Ferrugem e do Meio-Oeste. Em 2010, os democratas sofreram duras derrotas ali, perdendo disputas para governador nos três Estados e também em Ohio. Em 2012, Obama se recuperou e venceu novamente em 2012 naqueles Estados. Como se vê, o proletariado faz experiências em todo momento, não hesitando em votar contra os que lhe traíram no último mandato.

Nas eleições de 2018, à base crescente de eleitores formada basicamente por pessoas mais jovens, não brancas e mulheres se pronunciou fortemente em todo país. Os democratas conseguiram eleger as duas primeiras mulheres muçulmanas para o Congresso, Ilhan Omar, em Minnesota, e Rashida Tlaib, em Michigan. Elegeram o mais jovem membro da Câmara, Alexandria Ocasio-Cortez de Nova York e Ayanna Pressley, a primeira afro-americana eleita para o Congresso, de Massachusetts.

Kamala Harris é parte de um processo originado de um número recorde de mulheres que aumentaram sua participação no Congresso. Todavia, a vice de Biden, que corre um sério risco de tornar-se presidente, a primeira mulher e negra a tornar-se vice presidente, constuiu

“sua trajetória dentro do staff da política imperialista para o Senado, e agora a chapa presidencial, através do cargo de Procuradora da Califórnia, quando foi responsável por uma política racista de encarceramento em massa da população pobre e negra, condenando-a as infernais prisões estadunidenses por pequenos delitos, os chamados crimes sem violência.” (idem



No mandato propaladamente anticomunista de Trump foi quando surgiu a maior onda de simpatia pelo socialismo nos EUA. Essa onda adotou como padrinho um senador que se apresentava com socialista e defensor do “Medicare para todos” nos EUA, mas que não passava de um imperialista defensor das invasões militares imperialistas contra os povos oprimidos. Logo que a onda cresceu o suficiente que ameaçou o controle das oligarquias sobre as candidaturas do partido, Sanders aliou-se ao aparato para sabotar a própria candidatura e apoiar Biden.

As eleições também foram reflexos das maiores lutas de rua da história do país contra o racismo. Trump representava o voto racista, que recuou com essas lutas. E isso reflete os votos diretos da população. Trump também não atendeu as expectativas das classes dominantes, Trump não conseguiu retomar o terreno perdido para a China no controle do comércio mundial, apesar da guerra comercial acirrada por ele. Não conseguiu porque não interessa a burguesia parasitária imperialista e temente ao proletariado a reindustrialização dos EUA. Essa frustração se reflete a sua maneira nos diferentes estados dos EUA. Juridicamente, os EUA são a união de 50 sub estados imperialistas, alguns maiores que países como a Itália e Espanha em concentração de capital. A frustração com Trump nos diferentes Estados se refletiu no reucuo em que ele sofreu em apoio em quantidade de votos no Colégio Eleitoral de 304 em 2016 para 214 em 2020.

Diante dessa trajetória cujo esgotamento precoce se amplificou após sua derrota nas primárias, a demanda por um Partido de trabalhadores independentes do imperialismo e dos patrões se torna a principal questão do dia para os socialistas revolucionários dos EUA. As ilusões em qualquer político do Partido Democrático são substancialmente diminuídas, então agora precisamos claramente de um partido de trabalhadores de massa, um Partido apoiado nos sindicatos e nas organizações populares, o partido das lutas contra o racismo, a xenofobia, o racismo e a homofobia. O potencial está claramente latente. Não podemos deixar que seja a direita quem capitalize novamente o descontentamento do proletariado no coração do monstro imperialista. É preciso dar uma solução de continuidade revolucionária a essa condição pendular das massas, que dissipa lutas poderosíssimas como foram as de 2020. O fenômeno Sanders destacou o potencial da classe trabalhadora dos EUA. Mas eles precisam desesperadamente de sua própria direção e partido político. E a esse objeto toda a esquerda socialista nos EUA deve orientar-se. Todos eles têm de exigir de todos os líderes sindicais que eles começam a formar um Partido proletário independente nos EUA agora. 
Sem alternativas classistas em quem confiar, eleitorado proletário faz zig zags votando em uma das alas do imperialismo. Por um partido dos trabalhadores independente dos seus patrões imperialistas, apoiado nos sindicatos, nas organizações populares e multiétnicas da classe trabalhadora!