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sexta-feira, 30 de março de 2018

O QUE É ESTADO PROFUNDO?

O que é "Estado profundo"?

Mike Lofgren, autor de The Deep State: The Fall of the Constitution and the Rise of a Shadow Government (O Estado Profundo: a queda da Constituição e o ascenso do Governo das Sombras), definiu Deep State como: “Uma associação híbrida entre os elementos do governo e partes da elite industrial e financeira que é efetivamente capaz de governar o país sem o consentimento do povo como expresso através do processo político formal.” 1.

Essa é uma definição liberal para o fenômeno cada vez menos invisível em todos as nações, nesse momento de acirramento das lutas interburguesas e ascensão da direita, quando o Estado profundo vem atuando mais freneticamente.

Em verdade, o Estado profundo expressa uma especialização do Estado como comitê gestor dos negócios da burguesia, correspondente a ala que realiza o trabalho ilegal em detrimento da fachada legal, pública aparentemente democrática e republicana da política que se passa como representante do conjunto da sociedade, mas que representa os interesses dos setores hegemônicos da classe dominante.

O Estado profundo é um Governo Oculto, é quem realiza todo o trabalho sujo, conspirativo, obscuro e invisível da máquina burocrático militar e seus tentáculos paraestatais, em um serviço que vai desde o tráfico de informações privilegiadas até a execução desta ou daquela figura tida como indesejável para os negócios, para a política e os planos do Governo Oculto.

Não se trata de uma instituição homogênea, mas de vários alinhamentos suprapartidários e necessariamente multi-institucionais, estatais e paraestatais, militares e paramilitares, que se estende da sociedade civil à sociedade política. O estado profundo é hibrido e participa da guerra híbrida, representando às vezes, no âmbito imediato, interesses da própria máquina, como os das castas militares e judiciárias, e da fração burguesa que governa, servindo também aos lobbies mais importantes das corporações financeiras e multinacionais.

Na atual etapa histórica da senilidade imperialista que se expressa tanto nas metrópoles quanto nas semicolônias, a burguesia já consolidou seu domínio sobre o Estado sobre as demais classes dominantes e não precisa defender os valores republicamos e democráticos que esgrimou contra a nobreza e o latifúndio. Todavia, mantém uma fachada legal para confundir o povo e, em certa medida, arbitrar suas contradições e conflitos intra corporis da classe dominante e de sua máquina Estatal.

O Estado dentro do Estado e a guerra fria durante o Governo Trump

Historicamente, a ideia de Estado profundo ou de Estado dentro do Estado foi propositadamente associada a desqualificação como "teorias da conspiração" e sempre desacreditadas.

Na última disputa pela Casa Branca, a suspeita de que verdadeiramente existe um governo oculto ganhou força mesmo entre o cidadão comum estadunidense porque acidentalmente distintas frações do Estado profundo tiveram que se revelar na disputa entre o outsider republicano de direita Trump e a candidata Clinton, apoiada pelo establishment midiático, a CIA, o Pentágono, a NSA e o FBI. Trump, vitorioso nas eleições, acusou os democratas e parte dos republicanos de tramarem contra ele através de um vale tudo e inclusive de sabotarem a outra candidatura democrata, a do socialista Bernie Sanders. Praticamente toda a mídia murdochiana 2 fez campanha contra Trump, os serviços de inteligência e todo o maquinário estatal, inclusive a maioria do aparato parlamentar e partidário dos Republicanos também.

Os democratas buscam derrubá-lo por via de um impeachment, acusando-o de agente russo. Tanto as acusações de Trump contra seus adversários estadunidenses, quanto as deles contra Trump tem muito de verdadeiras. Mas ele ganhou como parte da onda mundial reacionária do grande capital e da confusa insatisfação popular, crescente contra a velha ordem política.

Trump ganhou com apoio da Rússia e seu mandato ambíguo e isolacionista tem possibilitado um tempo precioso aos adversários internacionais dos EUA para que expandam sua influência sobre o planeta, como o megalomaníaco projeto chinês da Rota da Seda e desenvolvam armas capazes de diminuir a vantagem militar dos EUA.
O "estado profundo" aparentemente tem Trump em sua mira, pelo menos segundo o ex-analista de inteligência da NSA John Schindler, que twittou que um amigo da "comunidade de inteligência" disse a ele que Trump " vai morrer na cadeia ". (Greg Grandin, What Is the Deep State?, The Nation, 17/02/2017) 
Charge pró-Trump, alvo também do Estado profundo
Trump representa interesses próprios dentro da classe dominante imperialista que se identificam em alguns momentos com os da camarilha burguesa de Putin, o que é usado pela oposição democrata para poder derrubá-lo, afinal, o cargo de comandante em chefe das forças imperialistas exige a postura unipolar tradicional.

Quanto mais ameaçado de "morrer na cadeia", mais Trump ameaça os povos oprimidos, estimula a xenofobia, a islamofobia, o machismo, o racismo para se apoiar nos setores marginais mais radicais da direita de onde ele veio. Mais ainda sanciona a Rússia, a Venezuela, a Coreia do Norte, Síria, Irã, Cuba,... Essas contradições e ambiguidades se expressam na crise permanente de seu governo, convulsionado permanentemente por uma frenética dança das cadeiras, traições e escândalos.

Como nos informa a seção do Comitê de Ligação da Quarta Internacional nos EUA, a Socialist Workers League,
Trump ainda não sofreu um impeachment porque a economia vai bem para a classe dominante, porque ele está fazendo o que Israel quer no Oriente Médio, porque a popularidade dele subiu graças ao apoio dele a apropriação definitiva de Jerusalém por Israel, porque ele conseguiu passar a reforma do imposto de renda mais severa para a classe média dos últimos tempos. A reforma beneficiou as corporações, especialmente a área de imóveis, em outras palavras, ao seu grupo de apoio. Pode até ser que ele saia, mas não antes que o imperialismo consiga usufruir exaustivamente de todas as possibilidades que a era Trump abriu para o mercado e o enxugamento do governo com um maior foco na liquidação de benefícios sociais, imigratórios, previdência social e imposto de renda.
Desde a crise de 2008, é notável a decadência do domínio do imperialismo dos EUA sobre o planeta e ascensão de outros jogadores burgueses como a China, Rússia e cia. Isso foi o que deu origem a nova guerra fria durante o mandato do governo Obama, beligerância que sofreu um relativo armistício durante a atual gestão da Casa Branca, embora siga de vento em poupa a corrida armamentista e a guerra mercantil, financeira e midiática dos EUA contra o bloco Eurásico e aliados.

Os últimos episódios da guerra fria foram a elevação dos juros pelo FED dos EUA para provocar um efeito aspirador de pó sobre os dólares do planeta, atraídos por maiores remuneração e segurança nos EUA. Essa medida pode sair pela culatra e acelerar a desdolarização da economia mundial como planifica o bloco Eurásico. E segundo, o estranho assassinato do ex-agente russo Sergei Skipal na Inglaterra (cujas suspeitas recaem sobre o próprio Deep State imperialista), utilizados pelo decadente governo conservador de Theresa May para reaquecer a guerra fria e pressionar Trump contra Putin, potenciando o episódio para fabricar um realinhamento mundial, baseado na acusação de que a Rússia está realizando atos de terrorismo contra e dentro dos países ocidentais.

Se antes, apenas os povos oprimidos sentiam a presença de um Estado profundo planetário quando sofriam Golpes de Estado e sabotagens, ataques manipulados desde fora e por meio dos agentes do imperialismo em seus próprios governos e forças armadas, hoje o Estado profundo se revela como um fratura exposta dentro da classe dominante imperialista.

A hegemonia do Estado profundo, da qual fala Lofgren, corresponde a era da barbárie capitalista onde 28 bancos dominam a economia planetária por sobre os interesses dos governos e países. Os Estados são reféns desta hidra bancária e são disciplinados por ela. A crise prova esse poder”, afirma François Morin, autor do livro A Hidra Mundial, o Oligopólio Bancário.

Um governo oculto conduz o Golpe de Estado no Brasil

O Governo oculto internacional golpista
comanda os manifestoches da classe média
No Brasil, assim como a classe dominante é sócia minoritária dos interesses do grande capital financeiro imperialista, o governo oculto também serve aos interesses dos banqueiros planetários, multinacionais, grandes empresas como a Globo e, no plano imediato, da máquina burocrática militar e policial local.

Vários ações de manipulação midiática e crimes obscuros podem ser atribuídos ao Estado profundo, como as mortes de adversários da ditadura militar (Lacerda, Jango, JK, Zuzu Angel, grande parte dos desaparecimentos), seguidas pelos estranhos acidentes de avião que vitimaram Eduardo Campos, Teori Zavascki e, para citar o caso mais popular no atual governo golpista, a execução de Marielle Franco e os atentados a tiro contra a caravana da frente popular (com a comprovação de que a munição era da própria polícia federal, no primeiro caso, e no mínimo a cumplicidade da polícia e o afastamento do delegado do caso depois que o mesmo havia levantado a suspeita de tentativa de homicídio).

O Brasil sofre uma dupla cadeia de exploração e opressão que se combinam, a imperialista externa e a capitalista, interna. A ala do Estado profundo imperialista mais atuante sobre o golpe no Brasil é operada pelos magnatas do petróleo conhecidos como os irmãos Koch, donos da segunda maior empresa privada dos EUA. Eles tem como agentes as organizações Globo, FIESP, CNI, CNT, Febraban. As indústrias Koch patrocinaram o Golpe, grupos como o MBL e a fabricação de fake news em escala industrial para a grande mídia e as redes sociais. Espionam políticos desde a própria presidenta Dilma por mil formas distintas e a todo mundo através de aplicativos como facebook e do whatsapp. Seus agentes estimulam e realizam ações terroristas, agitação fascista e os assassinatos como o de Marielle, orientam a embaixada dos EUA e os juízes como Sérgio Moro, fabricam propaganda golpista como a série da Netflix, "O Mecanismo",... fazem o diabo.

Os irmãos Koch defendem a recolonização do Brasil e a reescravização da classe trabalhadora, a privatização completa da Eletrobrás e da Petrobrás, entregando-as para eles, o fim dos serviços estatais de saúde, previdência, correios, e do salário mínimo e a abolição dos impostos sobre os lucros dos capitalistas 3.

O governo oculto, hierarquicamente superior ao governo Temer, com extensões externas e internas, conduz cada fase do golpe, desde a campanha midiática e de massas iniciada em 2013, sequestrando as jornadas de junho, passando pela fase parlamentar de Eduardo Cunha, do impeachment e de aprovação das contrarreformas. Se combinando com a primeira, veio a fase judiciária, desde o mensalão até a Lava Jato, que subordinou a hierarquia jurídica nacional e teve como inimigo do momento a "corrupção sistêmica". A última fase, a militar teve início em 2017, com as declarações dos generais reivindicando a intervenção militar e se concretizando a partir de 2018 com a intervenção primeiramente no Rio de Janeiro em meio a instalação de uma crise de segurança nacional, com atos terroristas, e histeria potenciada pela mídia em torno da "violência urbana". Mas, os planos dos golpistas não obedecem a um ritmo constante e linear graças a resistência parcial dos trabalhadores e as contradições internas do próprio regime golpista (evitam votar a reforma da previdência no ano eleitoral, resistência de setores da burguesia ameaçados pelo golpe, disputa pela candidatura a presidência que sucederá a Temer).

As ações do Estado profundo manipulam a superestrutura para ampliar o controle social e político do capital sobre a classe trabalhadora. O governo oculto faz o trabalho sujo para a dominação burguesa, mas as massas não podem depositar nenhuma confiança em qualquer político da classe inimiga do governo eleito, ainda mais quando o governo não é eleito, mas ascende através de um golpe como o atual.

A guerra de classe da burguesia contra a maioria da população, seja através dos ataques abertos ou conspirativos, mais que impactar os trabalhadores por suas maquinações sujas também os ensina a arte da própria luta política híbrida, que a luta de classes não tem limites nem quartel, que precisam se organizar através de suas próprias organizações políticas, de massa e de vanguarda, que também deve recorrer ao trabalho legal (permitidas pelo ordenamento jurídico da classe inimiga) e a organização e mobilização ilegal (em breve, se não evitarmos a consolidação da ditadura em curso, toda atividade política de resistência dos explorados e oprimidos será criminalizada, desde as greves aos protestos de rua). Sem a compreensão do partido conspirativo ilegal e da necessidade do trabalho legal mesmo no campo do inimigo, como as eleições burguesas, a organização dos trabalhadores tende a ser vítima do liquidacionismo oportunista ou do vanguardismo foquista e vira presa fácil do aparato repressivo das classes dominantes 4.

Nossa estratégia é a Revolução permanente, nossa tática é a frente única anti-imperialista. Os trabalhadores não podem derrotar o ascenso da direita que pretende lhes reescravizar sem derrotar os interesses do imperialismo, do grande capital financeiro e suas corporações e não podem vencer o capital em seu conjunto sem a destruição de toda máquina estatal capitalista.

Notas:


1. "Essay: Anatomy of the Deep State". BillMoyers.com. 2014-02-21. Retrieved 2017-04-22.

2. Keith Rupert Murdoch é um empresário australo-americano, acionista majoritário da News Corporation, um dos maiores grupos midiáticos do mundo. Em julho de 2011, Murdoch enfrentou acusações de que suas empresas, incluindo o jornal News of the World, de propriedade da News Corporation, se utilizavam da prática ilegal de escutas telefónicas, em telefones fixos e celulares da realeza, de celebridades e até de cidadãos comuns, para obter notícias, caracterizando violação de privacidade. No dia 21 de julho de 2012, Murdoch renunciou ao cargo de diretor da News International. Atualmente Rupert Murdoch se encontra sob investigação da polícia britânica, por suborno e corrupção. Nos EUA, também está sendo investigado pelo FBI por crimes semelhantes. (Wikipedia)

3. O Senador democrata Bernie Sanders denuncia que o neoliberalismo radical é o programa dos magnadas do petróleo para os próprios EUA em "O que querem os Irmãos Koch?"

4. Lenin, V.I. Partido Ilegal e Trabalho Legal. Publicado no jornal Sotsial-Demokrat nº 28-29, de 5 (18) de Novembro de 1912. Obras Escolhidas em seis tomos, Edições "Avante!", 1984, t2, pp 76-85. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1912/11/18-01.htm