TRADUTOR

quinta-feira, 2 de junho de 2016

RACISMO E TERRORISMO DE ESTADO

Esquerda pequeno-burguesa e direita,
unidos pelo Estado Penal

Edimilson Rosário

Após a grande repercussão dos fatos ocorridos no morro da Barão, em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, o tema estupro tem sido o foco da grande maioria das discussões na grande mídia, na direita e na esquerda pequeno burguesa. Esse tema obteve o êxito de unificar os discursos desses segmentos sociais aparentemente antagônicos, já que até poucos dias antes se digladiavam sobre a questão do golpe de Estado no Brasil. É como se essa diferença houvesse sido colocada em segundo plano para que corpos aparentemente diferentes se unissem em um só brado: mais Estado penal! Entre as propostas da direita e da esquerda pequeno burguesa  a única divergência é sobre qual deverá ser o tamanho da mão punitiva do Estado pós golpe. Mas, o consenso é que ela precisa aumentar e muito.

Enquanto ícones da direita, como Jair Bolssonaro e Francisco Dornelles, exigiam aprovação da castração química ou a pena de morte, setores do PSOL e do PSTU clamavam por "punição exemplar". A grande imprensa deu ao caso uma projeção absurdamente maior que a de crimes ainda mais brutais como o fuzilamento de cinco jovens negros pelas costas. Dando essa grande cobertura  cumpriu o papel de manter vivo o debate sobre qual deveria se o agigantamento do poder punitivo do Estado. E o resultado não demorou a vir:

O que se viu em menos de uma semana de clamor por mais punições, em nome de se combate os estupros foi: Aumento das incursões policiais no morro da Barão; Aumento das verbas para polícia; projeto para colocar policiais em nas ruas nos seus dias de folga agindo como "caça estupradores"; Aumento da pena por estupro; Campanha do STJ afirmando que a jurisprudência já permite condenar acusado por estupro sem provas; Grande visibilidade ao projeto da direita pela castração química dos acusados de estupro.....  O que esses resultados têm em comum é que  fazem aumentar o genocídio negro no Brasil. O Brasil é um país que protica um verdadeiro genocídio negro. O número de homens negros assassinados supera os  totais de mortes em todas as mais recentes guerras do mundo. Um dos principais agentes desse genocídio são as forças policiais que trabalham para manter a imagem do negro como potencialmente perigoso. É a essa polícia que se deseja dar mais poder para supostamente combater os estupros. 

No Brasil o estupro é um dos crimes menos praticados. Dados apresentados por minutos sem se comparar com a ocorrência de outros crimes têm o efeito de impressionar o público, mas quando comparados perceber-se que crimes de natureza racial, inclusive o absurdo número de homens negros linchados e assassinados, superam em muito as estatísticas de estupros, mesmo tendo a legislação flexibilizado enormemente o conceito de estupro através de recente mudança na lei. Se é um dos crimes menos praticados, qual é o motivo de uma comoção tão grande e respostas penais tão rápidas diante do clamor midiático? A resposta é simples. Trata-se de uma instrumentalização feita pela mídia para  legitimar uma maior ação repressora por parte do Estado racista, ainda mais após o golpe.

Todas as vezes  em que é criado um grande clamor pos mais estado penal, segue-se uma onda de perseguições a negros. Foi o que ocorreu nos Estados Unidos que em diversas ondas teve cerca de 4.000 homens negros linchados ou enforcados no intervalo entre os anos  de 1877 e 1950. Durante os anos 1960 e 1970, esse número tendeu a diminuir devido à organização dos comitês armados de autodefesa negra e às campanhas públicas de mulheres negras visando conscientizar que os negros não eram estupradores em potencial. No Brasil, organizações de mulheres têm feito o contrário. A quase totalidade das organizações feministas reivindica mais e mais Estado racista armado e entram em pânico diante da possibilidade de armamento dos homens negros.

Em meio à bem sucedida ofensiva negra que logrou forçar um declínio no número de linchamentos, no ano de 1974 o feminismo redical, que defendia que toda relação sexual enter homem e mulher é um estupro, reagiu lançando o termo "cultura do Estupro", dizendo que a sociedade estava sendo extremamente tolerante com os casos de aubuso sexual. Além da conveniência de se fazer tal  campanha no momento em que se combatia os linchamentos devido à falsas acusações contra negros, esse termo é absurdamente desparopriado. Ao invés de uma "cultura do estupro",  o que existe, na verdade,  é a materialização do racismo no crimes sexuais. Isso é bem perceptível quando consideremos que  maioria das mulheres estupradas são negras e os homens negros constantemente sofrem algum tipo de violência sexual invisibilizada pelo mito de que o abusador é sempre o homem. Se forem levados em conta apenas os casos em que homens negros sofrem abusos no sistema carcerário e fora dele devido a uma acusação falsa, teremos um número maior que de estupro de brancas. Portanto,  estupro não se trata de uma questão de gênero, mais de uma questão racial que atinge mais mulheres e homens negros do que mulheres e homens brancos.  Além de tudo isso, homens negros são absurdamente acusados e punidos por crimes sexuais, tanto pelo Estado quanto pela sociedade mesmo não havendo evidência nenhuma de serem os que mais praticam tais crimes. 

As relações raciais existentes no Brasil e nos Estados Unidos possuem diferenças, mas também muitas semelhanças. Também aqui tem se verificado perseguições e massacres contra negros sempre após essas ondas de comoção pró Estado Penal. Foi o que ocorreu, por exemplo,  no ano de 2014, durante a campanha "eu não mereço ser estuprada". Essa campanha exigia leis mais severas e sua idealizadora e principal líder, uma feminista chamada "Nana", chegou a reunir-se com a direção da Polícia Federal para apresentar propostas de ações mais duras. O impacto desse clamor penal na sociedade teve influências nefastas. Somente naquela semana  foram linchados cinco homens negros apontados na rua sendo que, em todos esses casos, sequer existia alguma vítima.  Esses casos, que não causaram muita comoção, tiveram como lances mais dramáticos os dois linchamentos gravados e exibidos no youtube como verdadeiros shows de dar inveja aos linchadores em praça pública dos Estodos Unidos.  Um deles foi o  do garoto Alailton Ferreira,  de 17 anos.  Uma branca "se assustou" ao vê-lo e saiu correndo. A multidão logo deduziu tratar-se de um estuprador. Outro caso exibido como espetáculo foi o de um homem negro  acusado de abusar de uma criança. Após ser duramente espancado, foi para o hospital de onde foi arrancado pela multidão que o linchou com facões, chaves de fenda, paus, enxadas....

No Brasil a ideia de que as ruas são perigosas demais para as mulheres criou raízes na época da colônia, quando os africanos já eram vistos como "estupradores em potencial". Naquela época, as ruas estavam muito mais repletas de africanos do que nos dias de hoje. Por esse motivo, muito raramente uma mulher branca saía às ruas desacompanhada. Ver negros na rua já era motivo de pânico e bastava um grito de alguma branca para que a chibata ou a forca entrassem em ação contra o homem negro. Essa mesma cultura segue presente nos dias de hoje e por isso não raro se vêem discursos dizendo que as ruas são perigosas demais para as mulheres e que, para remediar isso, é preciso haver mais polícia e penas mais severas. Na verdade, as ruas são perigosas demais para os negros. Quando comparados às mulheres, negros têm mais de 90% de chances de sofrer alguma agressão na rua, ser assassinado pela polícia ou mesmo linchado. Portanto, discursos que pretendem aumentar  o poder penal do Estado em nome de dar segurança às mulheres não têm nada de combate ao estupro, muito pelo contrário. A polícia do Estado racista jamais combaterá a incidência de estupros. O único efeito dessas campanhas é legitimar e fortalecer as cordas do genocídio negro.

Sem dúvida alguma, em mais esse caso, a direita formulou a política, a imprensa pautou e a esquerda pequeno burguesa junto com o feminismo engoliu agindo, mais uma vez, como esquerda carcereira.