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segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

AS LEIS DE EXPROPRIAÇÃO DO POVO E O CAPITAL DE MARX

As “Leis de expropriação do povo”, as perspectivas do Golpe de Estado no Brasil e O Capital de Marx
Humberto Rodrigues

Robert Kett liderando a revolta dos trabalhadores sem terra
ingleses expropriados por medidas que Marx chamou de
"Golpe de Estado Parlamentar"
Golpes de Estado existem desde o advento do Estado. Golpes de Estado parlamentares existem desde os primeiros parlamentos. Na Roma antiga, os primeiros golpes de Estado parlamentares que se tem registro são de 500 anos antes de Cristo.

No capitalismo, sobretudo na era do domínio dos monopólios e corporações imperialistas, sob a hegemonia dos EUA no pós-guerra, os Golpes de Estado se tornaram um artifício recorrente para a substituição de governos semicolonizados por títeres confiáveis.

O impeachment de agosto de 2016, o ato da derrubada de Dilma do poder, foi um Golpe de Estado Parlamentar. Tendo sido armada uma ampla frente golpista inclusive com a ala direita do governo de Dilma, PMDB, bancada evangélica,... e sem a resistência a altura por parte do PT nem do movimento de massas não houve necessidade de levar os tanques as ruas. Esse ato faz parte de um processo, cuja dinâmica precisa ser comparada com outros da história da luta de classes. Por trás da legalização do Golpe na Câmara e Senado brasileiros estiveram os EUA, as corporações e o capital financeiro imperialistas que orquestraram uma ampla Frente golpista com a Polícia Federal, as Força Armadas, o judiciário (STF, Operação Lava Jato), Ministério Público, a grande mídia (Globo, SBT, Bandeirantes, Record, Veja, IstoÉ, Estadão, Folha de São Paulo), grandes empresas, federações sindicais patronais (Febraban, Fiesp, CNA, CNT,...), quase todos os partidos do regime político e ONGs de direita patrocinadas por milionários dos EUA como os irmãos Koch.

A profunda integração do PT ao regime burguês fez com que esse partido não oferecesse resistência contundente ao Golpe, como vimo outros governos burgueses realizarem, como Assad e Maduro. Com suas direções tradicionais desmoralizadas e sem novas capazes de realizar uma luta decidida, o movimento de massas também não ofereceu resistência à altura. Por isso não houve necessidade dos golpistas de levar os tanques as ruas. Esse ato faz parte de um processo, cuja dinâmica precisa ser comparada com outros da história da luta de classes.


Depois de expropriarem politicamente o resultado das eleições de 2014, os parlamentares que aprovaram o impeachment são os mesmos que seguiram aprovando uma série de leis que saqueiam ao povo em favor do grande capital: a Proposta de Emenda Constitucional 241/55, também conhecida como "PEC do fim do mundo", de arrocho de salários e gastos sociais do Estado com saúde e educação por duas décadas, a contra-reforma constitucional de extinção de direitos previdenciários e trabalhistas (CLT), a doação da Petrobrás aos monopólios petrolíferos internacionais, a expropriação intensiva de praticamente tudo que foi conquistado em mais de um século de lutas proletárias.

O GOLPE DE ESTADO PARLAMENTAR N'O CAPITAL
COMO INSTRUMENTO DA ACUMULAÇÃO CAPITALISTA

Marx, em sua obra principal, “O Capital”, refere-se ao Golpe de Estado Parlamentar na Inglaterra para imposição das “Leis para expropriação do povo”, leis que estabelecem o direito dos grandes proprietários tomarem para si e cercarem as terras que até então eram de uso comunal. Essas leis privatizantes foram essenciais para a acumulação primitiva capitalista na pátria da primeira potência industrial do planeta:
“A forma parlamentar do roubo é a das 'Bills for Enclosures of Commons' (Leis para o cercamento de terrenos comunais), por outras palavras, decretos pelos quais os senhores da terra oferecem a si próprios terra do povo como propriedade privada, decretos da expropriação do povo. Sir F. M. Eden refuta com seu pleitear manhoso de advogado em que procura apresentar a propriedade comunal como propriedade privada dos grandes proprietários fundiários que tomaram o lugar dos feudais, uma vez que ele próprio reclama uma 'lei geral do Parlamento para a proibição de terrenos comunais' e, portanto, admite que é preciso um Golpe de Estado Parlamentar para a sua transformação em propriedade privada, mas, por outro lado, reclama da legislatura uma 'indenização' para os pobres expropriados.” (Marx, Karl. O Capital, A Chamada Acumulação Original, 2.Expropriação do Povo do Campo da Terra, 1867)

Em 1600 a propriedade privada da terra foi votada no parlamento inglês e depois imposta violentamente como norma no país. Até então, cerca de 27% do território inglês era de propriedade comum dos camponeses pobres (Common Rights to land in England, 1475–1839)Marx explica que
“a propriedade comunal — sempre distinta da propriedade do Estado que acaba de ser considerada — era uma instituição vetero-germânica, que sobrevivia sob o manto da feudalidade. Vimos como a sua usurpação pela força, na maior parte das vezes acompanhada pela transformação da terra de cultivo em pastagem, começa no fim do século XV e continua no século XVI. Mas, nessa altura, o processo completou-se como ato violento individual, contra o qual a legislação lutou, em vão, durante 150 anos. O progresso do século XVIII revela-se em que, agora, a própria lei se torna veículo do roubo da terra do povo, apesar de os grandes rendeiros também aplicarem juntamente os seus pequenos métodos independentes privados” (Marx, Karl. O Capital, A Chamada Acumulação Original, 2. Expropriação do Povo do Campo da Terra, 1867).

Esse processo violento é desencadeado a partir de medidas aprovadas pelo conjunto do Legislativo (no Brasil, Câmara Federal e Senado, na Inglaterra, a Casa dos Comuns e a Casa dos Lordes). Aos decretos de expropriação do povo se seguem a repressão que obriga ao povo a aceitá-los.

A última parte do processo é acompanhada da força, resistência e derramamento de sangue. Os ricos proprietários de terras usam do poder que possuem sobre o Estado, e inicialmente sobre os seus representantes parlamentares, para se apropriar da terra pública em benefício de sua acumulação de capital. O processo de expropriação do povo criou uma classe trabalhadora sem terra e proporcionou a força de trabalho necessária nas novas indústrias que se desenvolvem no norte da Inglaterra. O historiador EP Thompson argumenta que os "Enclosures” são um caso bastante simples de “roubo de classe" (A Formação da Classe Operária Inglesa, 1963). Os trabalhadores sem terra reagiram heroicamente, armando exércitos de autodefesa, derrubando as cercas instituídas pelos grandes proprietários sobre as terras comunais, através de lutas como a Rebelião de Kett, a Revolta de Midland, a Rebelião de Newton, Western Rising, antes de serem submetidos pela repressão brutal com o uso do Exército real, mercenários estrangeiros, jagunços e paramilitares, em uma época em que não havia ainda uma classe revolucionária poderosa com as características políticas do operariado, capaz de tomar o poder político em suas mãos.

O cerco as terras comunais permitiu a apropriação das terras pelos grandes e ricos proprietários fundiários, gerando uma acumulação primitiva necessária ao nascente capitalismo britânico, por um lado, e criando, com os despejos uma massa enorme de miseráveis, condenados, pela fome e por leis igualmente draconianas a venderem sua força de trabalho nas cidades em processo de industrialização.

O GOLPE DE ESTADO PARLAMENTAR
E OS DESDOBRAMENTOS DO PROCESSO GOLPISTA

No Golpe de agosto de 2016 no Brasil, o capitalismo é bem mais complexo e integrado mas igualmente o imperialismo e o grande capital aqui instalado almejam a expropriação do povo. O resultado desejado é a ampliação da parcela de recursos drenados do Estado e do PIB brasileiros para o bolso dos investidores do Golpe, através da radicalização do regime fiscal neoliberal, assegurando a ampliação do orçamento destinado ao pagamento da dívida pública e a contenção dos gastos sociais do Estado.

O desemprego é potenciado como instrumento de chantagem contra o trabalhador, acuando-o a suportar o arrocho salarial e a perda de direitos, barateamento ao máximo a força de trabalho. A diferença é que aquele povo britânico apenas tinha sua terra para ser roubado e quase nenhum direito, o povo trabalhador do Brasil de hoje possui centenas de direitos que foram arrancados através de muitas lutas, de sangue e de vidas.

O golpe pretende, através da superexploração das massas, ampliar ar margens de mais valia e lucros dos capitalistas no Brasil. Todavia, uma coisa é aprovar a expropriação do povo em um teatro de fantoches como o legislativo brasileiro e outra é impor o que foi aprovado sobre o povo trabalhador. Diante da resistência popular crescente, para completar a obra, a fase parlamentar de Golpe de Estado terá que dar lugar a uma guerra civil, como ocorreu na Inglaterra, resolvida pela infame
"revolução gloriosa, com Guilherme III de Orange que trouxe ao poder o apropriador de mais-valia senhor da terra e capitalista. Inauguraram a nova era exercitando numa escala colossal o roubo de domínios do Estado, até então só modestamente cometido. Estas terras foram doadas, vendidas a preços ridículos ou também anexadas a propriedades privadas por usurpação direta. Tudo isto aconteceu sem a mínima observação da etiqueta legal." (Marx, Karl. O Capital, A Chamada Acumulação Original, 2. Expropriação do Povo do Campo da Terra, 1867).
O Golpe de Estado Militar brasileiro retardou como pode a repressão aberta. Após um período de ajuste inicial recessivo, de março de 1964 até fins de 1967, marcado por um arrocho financeiro e fiscal do Estado, iniciou-se em 1968 um período de forte expansão econômica no Brasil. A queda do desemprego e o fato da população ter se dado conta do custo do Golpe para suas condições de vida fez com que tivessem início a primeira onda de greves operárias e manifestações de massas contra o regime, que reagiu impondo o Ato Institucional número 5, o AI-5, e dando início aos chamados "anos de chumbo".

O desgaste profundo e acelerado do Congresso e do governo Temer que assumiram a primeira fase do Golpe, permite as classes dominantes aproveitarem-se para apresentar como saída a intervenção militar. É necessário compreender a estratégia dos nossos inimigos para derrotá-los antes que a fase "parlamentar" dê lugar a outra mais repressiva, de consolidação de uma ditadura cívico militar ou algo similar.

A presidenta golpeada alerta, “Dilma adverte: ‘O golpe não terminou. Segunda etapa pode ser muito mais radicalizada e repressora’”. Mas a própria Dilma não está nem de longe disposta a liderar um movimento de resistência de massas ao Golpe, enquanto o PT se adapta a nova situação fazendo uma “oposição propositiva” ao governo golpista. Os trabalhadores só podem esperar do PT a reação habitual desse partido em seu processo degenerativo, colaboração de classes e capitulação diante da direita. Precisamos organizar a resistência em um processo de Frente Única com todas as organizações e partidos dispostos a lutar contra o golpe e por nossos direitos históricos, enquanto, simultaneamente construímos uma nova direção política dos trabalhadores, capaz de superar o oportunismo lulista e derrotar o regime golpista.