terça-feira, 6 de novembro de 2012

ESTRUTURA BRASILEIRA E PERSPECTIVAS CONJUNTURAIS 2/2

A base material reacionária do
gradualismo sem rupturas em todo
processo político brasileiro

É bem sabido que o Brasil não possui tradição de partidos políticos. Como uma serpente que muda de pele, a cada 40 anos a burguesia renova 100% de suas principais agremiações. Este não é um padrão burguês mundial, mas uma característica nacional. Nesta questão, o Brasil é diferente dos EUA, Inglaterra, França, Argentina, Índia ou México.

A inconsistência dos partidos políticos burgueses é uma característica típica do modo de conservação do poder pela classe dominante do Brasil, fenômeno que se combina com outro, a falta de processos de ruptura mesmo nos marcos capitalistas, como revoluções vitoriosas (Inglaterra, França, EUA,) ou abortadas (países semi-coloniais).

Acontecimentos como a independência, a instauração da república, o fim da escravidão, a mudança de regimes ditatoriais para regimes democráticos não aconteceram sem rupturas nos outros países 1. No entanto, no Brasil todos estes processos se deram de forma “lenta, gradual, segura e sem revanchismos” 2.

Todos os movimentos regionais de descontentamento popular que entram em conflito com o domínio estabelecido (Quilombos, Canudos, Revolta da Chibata, etc.) foram sufocados pela repressão física. Posteriormente, sem que as contradições sejam resolvidas, a revolta é mantida em estado latente pela cooptação das direções remanescentes e por uma apresentação falsificada do atendimento das demandas pela via do gradualismo. Isto permite à classe dominante controlar todas as mudanças tirando delas tanto ou mais proveito do que no estágio anterior, aplicando com rigor a máxima de Lampedusa: “Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude.” Certamente as coisas não continuaram iguais, mas também não conquistamos independência econômica das metrópoles imperialistas (Inglaterra sucedida pelos EUA e UE), a reforma agrária, o fim da opressão e exploração racistas, uma república plenamente democrática para a maioria da população trabalhadora, o controle do comércio exterior, o fim do analfabetismo funcional, o pleno emprego, etc. Nenhuma destas tarefas da revolução burguesa pendentes poderá ser resolvida por qualquer partido servente da burguesia.

Os partidos nascem e se travestem de uma aparência de paladinos das demandas reprimidas que eles tratarão de sabotar. Neste quadro, os nomes “de fantasia” dos partidos e a função política que exercem como representação de um setor da classe dominante são uma anedota pertinente deste processo: de modo que chama-se “Partido Progressista” a legenda controlada por Maluf, herdeira do regime militar, assim como os “Democratas” uma das mais interessadas em regredir a luta de classes ao incremento da ditadura policialesca Estatal sobre a população. O “Partido dos Trabalhadores”, nascido de uma concessão preventiva do regime burguês a setores da burocracia sindical autêntica contra a criação de um partido operário independente no Brasil, representa hoje no poder os banqueiros e as oligarquias patronais agro-exportadoras. O “Partido Comunista do Brasil” é o grande articulador dos interesses da propriedade privada da terra no campo. O Partido Socialista Brasileiro é a expressão renovada dos interesses das oligarquias nordestinas.

A base material desta existência continuada e letárgica se encontra na evolução excepcional no país do modo de produção agro-exportador baseado na forma escravocrata de exploração capitalista e na plantation.

Verifique-se que o sul estadunidense também possuiu um modo produtivo similar que foi arrasado na guerra revolucionária americana, a primeira guerra colonial bem sucedida após o advento do capitalismo, para que aquela colônia pudesse – pós-guerra civil – realizar as tarefas da revolução burguesa necessárias (independência nacional, reforma agrária, república, controle do comércio exterior pelos capitalistas nacionais, ...) para operar o salto de qualidade que lhe conferiu a pujança de imperialismo dominante na atualidade.

Países como a Argentina não viveram sob o domínio hegemônico de formas escravagistas ou feudais de integração ao mercado mundial capitalista, simplesmente porque lá não havia populações indígenas sedentárias para submeter à servidão em uma economia agrícola e a ecologia tornava inviável uma economia de plantation que justificasse a importação de mão de obra escrava africana. Isto impulsiona a existência de processos de ruptura como a guerra de independência em relação à Espanha, seguida por uma guerra civil interna pela ocupação do território vencida por pecuaristas e latifundiários contra a burguesia mercantil, a nacionalização do porto e da aduana, etc.

Em outras regiões, em que se reproduziu a economia colonial agro-exportadora monoprodutora, baseada na utilização de força de trabalho escrava seqüestrada da África, como no Haiti e Cuba, de modo bastante distinto do gradualismo político brasileiro, o que se viu foram processos revolucionários de ruptura sucessivos. Em 1804, o Haiti conquistava sua independência da França por uma revolução social negra que também aboliu a escravidão. Tratava-se do impacto da revolução de 1789 sobre a periferia colonial da França. Quatro anos depois disto, o Brasil segue patinando: a Corte portuguesa transfere-se para cá, fugindo de Napoleão e abrindo os portos brasileiros para a exploração inglesa, como pagamento de uma “taxa de proteção” aos piratas britânicos 3.

A migração para Cuba e Porto Rico dos investimentos das oligarquias agrárias sulistas estadunidenses derrotadas na guerra civil norte-americana impulsionou a própria luta pela independência cubana da Espanha, convertendo a ilha em uma semi-colônia de novo amo no final do século XIX, gerando um novo acúmulo de tensão anti-colonial contra os próprios EUA (como ocorreu no Vietnã que mudou de amo francês para amo ianque) e preparando um salto imenso de Cuba em direção à revolução anti-colonialista e anti-capitalista em 1959-61. Ao final, foi a ruptura mais retardada, a cubana, a que foi mais longe, fundando o primeiro e único Estado operário do continente americano. Por sua vez, Porto Rico - que assim como Cuba e o Haiti foram bases do sistema plantation no Caribe - foi juntamente com Cuba um dos últimos países da região a deixar de ser colônia espanhola, ... para seguir até hoje sendo uma colônia formal dos EUA.

O gradualismo é a forma superestrutural típica da manutenção da condição do Brasil como nação agro-exportadora de commodities sob a base da pilhagem das riquezas naturais e da superexploração da classe trabalhadora. Nas perspectivas burguesas, o país apenas muda de amo enquanto as bases materiais do gradualismo tendem a esgotar-se assim como a paciência da população trabalhadora com os mecanismos de manutenção do domínio capitalista. Como a Liga Comunista apontou em janeiro de 2012, BRASIL “6o PIB MUNDIAL” 5/5
“O retrocesso agro-exportador turbinado na era Lula-Dilma caminha para o esgotamento” http://lcligacomunista.blogspot.com.br/2012/02/brasil-6o-pib-mundial-55.html.

Alertamos que o chamado “crescimento brasileiro” se apóia sobre bases que o governo não tem o menor controle, como o fluxo de capitais externos movidos por juros altos, por bolhas especulativas imobiliárias ou vinculadas aos mega-eventos previstos e a momentânea alta dos preços das commodities. Este último elemento tem limites intrínsecos como, no caso dos de origem agrícola, a dependência das empresas multinacionais. O Brasil é o maior importador mundial de fertilizantes. 90% dos fertilizantes usados na produção agrícola nacional é importada de apenas três multinacionais que controlam a venda de fertilizantes para o Brasil: a Bunge, a Cargill e a Yara. Quanto às commodities de origem mineral, elas obviamente se esgotarão como se esgotaram a seu momento todos os ciclos como o do ouro. E o tão propalado petróleo do pré-sal, "embora algunseconomistas esperem compensar a decadência prevista no preço das commoditiescom o petróleo do pré-sal, não é por demais lembrar que ‘dada a quantidade deinvestimentos necessários, certamente a exploração do petróleo do pré-salretirará recursos de outros setores, podendo inviabilizá-los a longo prazo.’(America Economia, Edição internacional, janeiro de 2012)". Como chamamos a atenção nO Bolchevique #8 “O controle de capitais no Brasil e, obviamente, detodos os países imperializados de uma maneira geral, não passa de umaformalidade fraudulenta. Como se diz no mundo dos negócios tupiniquins, osInvestimentos Estrangeiros Diretos que recolhem o IOF (Imposto sobre Operaçõesde Crédito, Câmbio e Seguros) é porque têm um mau contador. Assim que a marémudar lá vem o Brasil descendo a ladeira. E o “boom” dos preços das commoditiesque tem sustentado os saldos comerciais e vem beneficiando os governosLula-Dilma desde 2004 parece estar se esgotando... O esgotamento daprimarização do Brasil. Apesar das dimensões do país, a fronteira agrícola nãoé lá muito grande... a manutenção do modelo agro-exportador da turbosojabrasileira comissionista da Cargill, da Bung, etc. requer uma expansão do usoda terra rumo às fronteiras agrícolas do Paraguai e quiçá Uruguai por parte dolatifúndio “brasileiro”. Em resumo, na melhor das hipóteses, o Brasil“potência” revive algo parecido com o ciclo de crescimento anterior à crise de1930 baseado em um modelo agro-exportador, aquém inclusive da industrialização deeconomia substitutiva pós-segunda guerra mundial.

Trata-se do esgotamento do modelo agro-exportador de neoplantation no Brasil, junto com ele se esgotará todo o sistema político e jurídico superestrutural gradualista que imperou por mais de 500 anos. Toda tendência super-estrutural que já não tem base estrutural que a alimente só se mantém pela inércia e forçosamente se esgota. Ante a perspectiva desse esgotamento histórico é preciso ir preparando a vanguarda proletária para a oportunidade que se lhe apresenta de constituir um verdadeiro partido operário trotskista com proletários fabris, petroleiros e com o conjunto dos assalariados diante do estreitamento evidente da margem de manobra do gradualismo para realizar a ruptura revolucionária que levará a classe trabalhadora ao poder e realizar sob bases materiais infinitamente superiores as que nossos irmão cubanos. É válido destacar que também o stalinismo Castrista, foi incapaz de superar a condição de país monoprodutor que encontrou a economia cubana em 1959 e que por sua vez manteve esta atrofia com sua política de socialismo em uma só ilha. Isto fez com que o país se tornasse órfão econômico após a queda da URSS para quem exportava com preços majorados sua produção agrícola monoprodutora. Por isto, desde a década de 90 retrocede em toda a linha em direção a restauração capitalista.

Somente um verdadeiro internacionalismo proletário superior aos limites do foquismo (o único internacionalismo político praticado e mesmo este abandonado desde os anos 1970) baseado na legítima democracia operária organizada em cada local de trabalho poderá superar a frágil e dependente economia agro-exportadora monocultora na América Latina. Apenas o trotskismo revolucionário pode arrancar o continente de seu atraso secular para o salto histórico necessário a uma economia socialista que atenda plenamente as necessidades e potencialidades da humanidade.

1. Assim como a ”independência do Brasil” foi obra do filho do dono da metrópole portuguesa, a “abolição da escravatura” foi obra da filha do imperador sob pressão do novo amo inglês, não havendo nesta canetada da Princesa Isabel nada de revolucionário, ao contrário do que afirma a “teoria do modo de produção escravista colonial” do stalinista reciclado Jacob Gorender copiada pelo Coletivo Lenin e apresentada pelo mesmo como a “elaboração” mais “original” deste grupo. Vale lembrar que Gorender é autor da revisão anti-operária de que “o proletariado é ontogeneticamente reformista”, e sob esta concepção, Gorender revisa a miséria da teoria stalinista pela direita, apontando a superação do proletariado como sujeito da revolução e indicando novas vanguardas entre os setores pequeno aburguesados dos trabalhadores assalariados. Nisto, ele e seus seguidores confessos ou envergonhados opõem-se pelo vértice ao marxismo que afirma categoricamente que “de todas as classes que hoje em dia se opõem à burguesia, só o proletariado é uma classe verdadeiramente revolucionária.” (Marx e Engels, Manifesto do Partido Comunista, 1848).

2. Expressão lapidar do General Ernesto Gaisel para a transição entre o regime militar (1964-1985) e o regime democrático, que garantiu até hoje que os torturadores e assassinos da ditadura permanecessem impunes e que só em 1989 ocorressem finalmente eleições diretas para presidente do país. É mister a centristas e reformistas superestimar estes processos como fez o fundador da LIT, Nahuel Moreno, caracterizando de “revolução democrática” esta transição gradualista brasileira.

3. Com as mudanças introduzidas pela transferência do Estado maior da metrópole portuguesa para o Brasil em 1808 seguida pela proclamação forma da independência pelo sucessor do trono da metrópole em 1822 o Brasil passa de colônia portuguesa para semi-colônia inglesa.