terça-feira, 6 de outubro de 2020

BOLÍVIA 2020 - ELEIÇÕES SOB GOLPE

Golpistas se unificam em torno da ala moderada contra o MAS

DECLARAÇÃO DO COMITÊ DE LIGAÇÃO PELA IV INTERNACIONAL


Em 2019 a Bolívia sofreu o mais violento Golpe de Estado na América Latina da nova era de golpes iniciados pelo governo Obama-Hillary Clinton (2009-2017), com os golpes em Honduras (2009), Paraguai (2012) e Brasil (2016).
O governo Morales nacionalizou o petróleo, o gás e os recursos minerais do país, permitindo um crescimento econômico inédito e a redução da extrema pobreza em quase 20 pontos percentuais.

Na Bolívia, Evo Morales saiu-se vitorioso em sua reeleição, mas foi pressionado a renunciar por um golpe cívico-policial-militar de uma ampla frente política.

Milicias fascistas e policiais golpistas, apoiados pelas FFAA ameaçaram de norte, apedrejaram casas e realizaram prisões políticas contra o MAS e seus aliados. A prefeitura da cidade de Vinto foi incendiada e a prefeita do MAS, Patricia Arce foi espancada e arrastada pelas ruas, obrigada a caminhar de pés descalços, tendo o cabelo cortado. Outro bando fascista, invadiu e assaltou a casa do próprio Evo. Os fascistas queimaram várias bandeiras da Whipala, de origem andina, um dos símbolos do Estado Plurinacional da Bolívia e representa o reconhecimento da diversidade dos povos indígenas que habitam aquele território. 24 pessoas foram mortas nos confrontos, 715 foram feridas e 50 foram presas. Em Cochabamba a polícia assassinou nove apoiadores de Morales durante protesto organizado por líderes cocaleiros pela volta do presidente. O novo governo golpista de Jeanine Áñez autoproclamado emitiu um decreto para eximir as Forças Armadas (FFAA) e a Polícia Nacional Boliviana de responsabilidade penal na repressão contra as manifestações e liberar o uso de armas de fogo.

Encabeçando o golpe contra Morales estiveram a direita entreguista anticomunista, militares, milícias policiais, seitas evangélicas, instrumentalizados pelos próprios interesses e pelos de bilionários como Elon Musk, sul-africano-canadense-americano, dono da multinacional Tesla, interessado em apropriar-se das reservas de lítio do país altiplano. O lítio é um metal alcalino usado na fabricação de baterias, inclusive para carros elétricos. A maior parte das reservas mundiais está na Bolívia, que concentra cerca de um terço de todo o litío do planeta.

Em setembro de 2019, Evo Morales dirigiu o primeiro carro elétrico fabricado 100% na Bolívia, pela fábrica Quantum, em Llajta, Cochabamba, que lançou seus primeiros automóveis. O governo e a Embaixada da China na Bolívia fecharam um acordo de quase R$ 13 bilhões para industrialização do lítio boliviano e anunciaram que o país se tornaria o maior produtor de veículos elétricos do mundo. As negociações entre as empresas TBEA Group e China Machinery Engineering foram amaldiçoadas pelas concorrentes do setor nos Estados Unidos, incluindo a Tesla, que ficaram de fora dessa parceria.

Na retaguarda, justificando o golpe como sendo parte de uma suposta mobilização popular e não da direita e do imperialismo esteve o POR boliviano. De defensor doutrinário da Frente Única Anti-imperialista o POR passou a maquiador de uma Frente Única Pró-Imperialista.


Ameaçados, Evo Morales e seu vice, Álvaro Garcia Linera, foram obrigados a renunciar e se exilaram na Argentina de Fernandez. Evo foi impedido pela justiça golpista de participar das eleições e candidatar-se sequer a Senador, com candidatura impugnada por não residir na Bolívia.

O regime golpista encontra-se diante das contradições de precisar restringir a democracia representativa no país, impedir a volta dos antigos governantes populares e ao mesmo tempo legitimar-se através de novas eleições para não parecer o que é, uma ditadura do capital e do imperialismo que busca saquear a água, o gás, o lítio e a força de trabalho do proletariado boliviano e não tolera sequer a convivência com setores que buscam reformar a extrema desigualdade criada pela condição semicolonial do país.

Depois de meses adiando a convocação de novas eleições, apoiando-se na pandemia, o governo golpista está com dificuldades para censurar e manipular pesquisas que não lhe beneficiem. Pior, depois das pesquisas de setembro, que indicavam uma possível vitória, já no primeiro turno, de Luis Arce, candidato a presidente pelo MAS e ex-ministro da economia de Morales, a direita se viu na urgência de reunir as forças golpistas no candidato da direita tradicional, Carlos Mesa. Arce aparecia com 40 % as intenções de votos; Mesa com 26 %, o candidato da extrema-direita Luis Camacho, com 14 % e Jeanine Áñez, ficou em quarto, com 10 %. Esse quadro obrigou a Añez, a odiada golpista alçada a presidenta do país com a renúncia de Evo, a renunciar a sua candidatura. Para evitar a realização de um segundo turno, o vencedor do pleito precisa obter pelo menos 40% dos votos válidos no primeiro, e uma vantagem de pelo menos 10 pontos para o segundo colocado. Foram apresentadas outras pesquisas a partir de então, assegurando um crescimento de Mesa e de um segundo turno.

O governo golpista de Áñez suspendeu as operações e negociações iniciadas por Evo acerca da exploração do Lítio. Nos programas de governos presidenciais de Mesa, Camacho e Áñez (quando era candidata) defenderam a privatização do lítio, a subordinação aos preços no mercado internacional negociados nas Bolsas de Valores e, como que tentando tirar do foco a exploração do minério, minimizaram a sua importância para a Bolívia.

Arce, o candidato do MAS declarou:

As empresas que queiram industrializar nosso lítio serão bem-vindas, desde que empregando e produzindo na Bolívia. Nós queremos produzir nossas baterias bolivianas para podermos exportá-las, obtendo mais uma alternativa para a economia boliviana.

Ele pretende manter o imposto adicional de 32% sobre os hidrocarbonetos. Na avaliação de Arce, o interesse estrangeiro sobre os minerais bolivianos é tão grande que qualquer isenção seria desnecessária e representaria uma afronta à soberania nacional.

A maioria dos governos burgueses de esquerda latino americanos acreditaram que seriam lhes permitidos governar tranquilamente desde que não rompessem os acordos internacionais de dependência econômica com o imperialismo nem ameaçassem a propriedade privada dos meios de produção. Ledo engano. Após a crise de 2008 e expansão da influência da China no mercado mundial, tornando-se o principal parceiro comercial, o principal comprador e exportador dos países latino-americanos, os EUA contra-atacaram derrubando governos que operaram essa aproximação do continente com a China.

O que é o MAS

O MAS, ou MAS-ISPS (Movimiento Al Socialismo - Instrumento Político por la Soberanía de los Pueblos) se autodefine como um "instrumento político", por funcionar simultaneamente como partido político e uma federação de movimentos sociais ao mesmo tempo. O MAS-ISPS se apresenta como diferente dos partidos tradicionais, inclusive da esquerda, como o Partido dos Trabalhadores do Brasil. O artigo 42 dos Estatutos estabelecia que os candidatos nas eleições nacionais e locais deviam ser escolhidos por voto direto nas assembleias. De 1999 até 2002 a maioria dos candidatos do MAS-IPSP eram escolhidos por esse método. A partir das eleições de 2002 alguns candidatos passaram a ser indicados por Evo. Como um partido de movimentos sociais e confederações sindicais, o MAS-IPSP agrega a CSUTCB, CSCB e a Federação Bartolina Sisa, a Confederação Nacional de Professores Rurais, a Confederação Nacional de Rios e Pensionistas, a Confederação Nacional da Micro e Pequena Empresa (Conamype), a Federação Nacional de Cooperativas de Mineração (Fencomin, que alega possuir cerca de 40.000 membros) e a combativa Central Regional de Trabalhadores (COR) de El Alto. A Central Operária Boliviana (COB) e o Conselho Nacional de Ayllus e Markas de Qullasuyu (CONAMAQ) não fazem parte do MAS-IPSP, mas apoiaram criticamente o governo.

O MAS-ISPS tem suas origens na organização dos trabalhadores cultivadores de coca da região do Chapare, sob a liderança de Evo Morales em 1987 como Movimiento al Socialismo-Unzaguista. A vitória eleitoral e os quase 14 anos de mandato de Evo se apoiaram na luta dos trabalhadores pobres e populações indígenas bolivianas. O MAS se reivindica herdeiro da Falange Socialista Boliviana (FSB) um partido fundado em 1937 por Oscar Unzaga, que propunha um nacionalismo boliviano oposto as correntes estrangeiras como o capitalismo, o marxismo e o fascismo. Por essa tendência, o governo do MAS promoveram várias nacionalizações, dos hidrocarbonetos, especialmente do gás, principal fonte de divisas do país. Foram nacionalizadas subsidiárias da hispana YPF-Repsol, da britânica Ashmore e da British Petroleum e do consórcio peruano-alemão CLBH; transformou a estatal YPFB em uma corporação para dirigir a nacionalização do petróleo e criou a Empresa Boliviana de Industrialização de Hidrocarbonetos (EBIH). O Estado boliviano adquiriu 100% da Compañía Logística de Hidrocarburos (em mãos peruanas e alemãs) e da empresa telefônica Entel, subsidiária da italiana Telecom. Recuperou a participação maioritária (50% + 1 participação) das petroleiras Chaco, da Panamerican Energy (do grupo British Petroleum); Nacionalizou a empresa Andina, uma subsidiária da Repsol YPF; e Transredes, um transportador de hidrocarbonetos de propriedade da britânica Ahsmore e da Anglo-Dutch Shell. Evo nacionalizou a mina de estanho de Huanuni; a petrolífera Chaco, de propriedade da British Petroleum (BP) e da argentina Bridas, a quem acusou de tirar US $ 277 milhões do país em 2008. O governo boliviano expropriou 36.000 hectares de terras de proprietários de terras (15.000 da família americana Larsen Metenbrink), acusando-os de submeter os índios Guarani à servidão. Promoveu a expropriação das ações de quatro subsidiárias da empresa espanhola de energia Iberdrola; a Air BP, subsidiária da British Petroleum e dedicada à distribuição de combustível em aeroportos bolivianos. Morales nacionalizou quatro empresas de eletricidade: Corani, 50% detida pela Ecoenergy International, subsidiária da francesa GDF Suez; Guaracachi, cujo principal acionista (com 50%) era a britânica Rurelec PLC; Valle Hermoso, cujos 50% do capital estavam nas mãos do Grupo Gerador Boliviano do Panamericano da Bolívia; e a cooperativa de distribuição Empresa de Luis e Ferza Eléctrica de Cochabamba. Evo Morales expropriou as ações da Red Eléctrica Española (REEE) na empresa Transportadora de Electricidad (TDE). [1]

Apesar de todas essas e outras medidas progressivas, o governo do MAS faz parte dos governos que não se prepararam para enfrentar a reação e o ressentimento do imperialismo, da burguesia e das classes médias locais. Todo o processo tem suas particularidades e singularidades, no caso boliviano, há o racismo histórico da burguesia com as várias etnias indígenas, que se volta contra Evo e a maioria da população. O MAS caiu facilmente sob pressão do movimento golpista, depois de fazer concessões a pressão da direita pró-imperialista como na entrega do refugiado político Cesare Batistte ex-ativista do grupo Proletários Armados pelo Comunismo para a prisão perpétua pelo imperialismo italiano.

A rejeição ao marxismo do MAS, a não identificação do imperialismo e do capitalismo como inimigos e a incompreensão da luta de classes cobrou seu preço. Quando os golpistas se insurgiram, a resistência e o esmagamento do golpismo que não foram preparados por uma década e meia de governo favoreceram ao inimigo.

Diferente ocorreu com a Venezuela de Maduro, que de forma prudente anulou os poderes do Congresso de maioria golpista com uma assembleia constituinte e armou parte da população trabalhadora para defender o governo popular de forma política e militar, ainda que, as ilusões conciliadoras do chavismo na Venezuela ainda a mantenham vulnerável por não avançar na expropriação social e econômica da burguesia golpista.

Quando Evo e o MAS reconheceram seu erro já era tarde. Em janeiro de 2020, uma rádio boliviana divulgou uma gravação no qual Evo reiterou ter sido vítima de um "golpe de Estado" durante uma reunião com simpatizantes na Argentina. E assegurando que

Quero que vocês saibam que em pouco tempo, se eu voltar ou alguém voltar, temos que organizar como na Venezuela as milícias armadas do povo.

Todavia, sob pressão do governo golpista e da opinião pública burguesa, Evo reucou em uma carta dizendo:

Há alguns dias foram tornadas públicas palavras minhas sobre a formação de milícias. Me retrato delas. Minha convicção mais profunda sempre foi a defesa da vida e da paz. [2]

Os trabalhadores, que são os maiores perdedores do processo golpista, devem ter como tática uma frente única anti-imperialista nessas eleições, com o voto na candidatura do MAS, mas sem alimentar ilusão de que essa vitória será respeitada pelos golpistas e simultaneamente devem lutar para além do programa limitado do MAS através de greves e de lutas de rua pelo desarmamento e expropriação dos golpistas.

Notas

1.  https://www.lainformacion.com/economia-negocios-y-finanzas/empresas-nacionalizadas-durante-los-mandatos-de-evo-morales_MZ2g1pEpcncA9nan9xzzM7/

2. https://www.dw.com/pt-br/evo-recua-e-diz-que-n%C3%A3o-pretende-mais-criar-mil%C3%ADcias/a-52035045