domingo, 12 de abril de 2020

CONVERSA COM FRANK FITZMAURICE

"Uma reviravolta pró-imperialista da ultra esquerda"

Reproduzimos trechos da primeira conversa entre o camarada Humberto Rodrigues (FCT-Brasil) e Frank Fitzmaurice (SF-Grã Bretanha) em 02/09/2017. Frank faleceu no dia sete de abril de 2020. Na expressão acima, que titula essa publicação, Frank resume o giro que acometeu a Liga Internacional dos Trabalhadores, corrente internacional da qual o PSTU é a seção brasileira. Na conversa também são abordados o WRP, a ISL, Nahuel Moreno, "revoluções democráticas" na Líbia e Síria,...

Original dialogue in English on the Trotskyist Fraction page
É assim que eu quero ter 106 anos. Talvez não seja tão agradável, mas desejo ter a mesma atitude. Esta era uma mulher armênia que guardava sua casa em 1990, aos 106 anos [a imagem faz parte do mural de Frank no facebook e foi publicada pelo mesmo poucos dias antes da conversa abaixo]
Humberto Rodrigues: Oi Camarada.

Frank Fitzmaurice: Olá Humberto.

Humberto Rodrigues: Por muito tempo, quero falar com você, precisamos fortalecer nossos laços de amizade. Perdoe-me pelo meu precário uso da língua inglesa. 

Frank Fitzmaurice: Seu inglês é bom. Como vai você? Muito melhor do que o meu português, que não existe.

Humberto Rodrigues: Sem problemas. De onde você veio, politicamente? 


Frank Fitzmaurice: Eu estava no WRP com Gerry [Downing, dirigente do Socialist Fight]. Depois da expulsão de Healy, nosso grupo iniciou conversações com a LIT [Liga Internacional dos Trabalhadores] e ingressamos nessa organização em 1988 e nos tornamos a seção britânica da LIT, a ISL [Liga Socialista Internacional, em português]. [Depois de 2011] Alguns de nós saíram após divergências sobre a política da LIT na Líbia.


Humberto Rodrigues: Muito progressiva a ruptura de vocês. É realmente uma ruptura dialética. A LIT seguia por um caminho, e você seguiu o caminho oposto.

Frank Fitzmaurice: Era mais a maneira como o destino era tratado em nossa tendência. Poderia ter ficado, mas não poderia debater adequadamente.

Humberto Rodrigues: Porque?

Frank Fitzmaurice: Penso que o LIT regrediu terrivelmente. Não pense que eles superaram a morte de Moreno. E em nossa tendência, mesmo sofrendo porque nosso líder, Bill Hunter, envelhecera e nos anos noventa suas faculdades decaíram, surgiram diferenças.

Humberto Rodrigues: Líbia, Síria, Ucrânia, Brasil, ... em todos esses países, a LIT apoiou a política do imperialismo. No geral, a LIT apoiou o golpe contra o governante burguês que era pró-BRICS.

Frank Fitzmaurice: Sim, eles despencaram de um penhasco.

Humberto Rodrigues: Na minha opinião, o apoio à "contra-revolução democrática" contra as "ditaduras stalinistas" na URSS e na Europa Oriental já havia apontado o morenismo em favor de uma política pró-imperialista, mas o que aconteceu após a crise de 2008 foi surpreendente. A stalinofobia das décadas de 1980 e 1990 tornou-se "ditadurofobia" que seguia a opinião pública democrática do imperialismo.

Frank Fitzmaurice: Sim, Bill [Hunter] escreveu algumas coisas boas contra essa visão das "revoluções democráticas". Nós entramos na LIT porque pensávamos que a separação deles com o Secretariado Unificado era baseada em princípios e gostávamos da plataforma anti-foquista de Moreno. Acima de tudo, concordamos que deveríamos entrar em organizações em luta e não ter medo de pertencer a uma minoria.

Humberto Rodrigues: Sem dúvida, na década de 1980, o morenismo foi mais progressivo que o mandelismo (e as capitulações do SU ao foquismo, a socialdemocracia e, finalmente, a Perestroika). Mas, de 1989 a 1991, o morenismo evoluiu para posições cada vez mais pró-imperialistas. Como apoiar capacetes azuis da ONU nos Balcãs.

Frank Fitzmaurice: Sim "uma reviravolta pró-imperialista da ultra esquerda" resume-os. Gradualmente, percebemos que a discussão se tornara um caminho. Eles enviaram alguns bons camaradas nos primeiros dias.

Humberto Rodrigues: Bom. Mas, de qualquer forma, considero uma estupidez avessa ao materialismo acreditar que a culpa de toda degeneração após Nahuel Moreno seja atribuída ao NM e ao seu legado. Sem dúvida, houve um salto de qualidade no programa LIT, principalmente da Líbia.

Frank Fitzmaurice: Se Moreno tivesse vivido, as coisas poderiam ter sido diferentes. Colocamos em prática os movimentos e aprendemos muito e isso certamente nos desenvolveu.

Humberto Rodrigues: Afirmar que a política atual da LIT é culpa da NM é uma concepção espiritualista, de Allan Kardec e não de Karl Marx.

Frank Fitzmaurice: Sim, houve uma degeneração maior que não poderia ser atribuída a Moreno... Tentarei enviar algumas coisas de Bill Hunter para você, acho que você vai gostar.

Humberto Rodrigues: Está bem... No Brasil, o PSTU perdeu mais da metade de sua militância por apoiar o Golpe de Estado contra o PT.

Frank Fitzmaurice: Essa é uma degeneração qualitativa. O desenvolvimento da crise capitalista, especialmente desde o crash de 2008, lançou toda a esquerda em turbulência. Os da LIT não estão sozinhos em ceder ao intervencionismo humanitário, de fato a maioria capitulou a essa tendência.

Humberto Rodrigues: Sim. Concordo.

Frank Fitzmaurice: Vá para a cama agora. Amanhã escreverei algo para você. Boa noite

Humberto Rodrigues: Boa noite camarada.


Leia também:
Frank Fitzmaurice (1938-2020), Presente em nossas lutas! Hoje e sempre!