segunda-feira, 12 de outubro de 2015

SOBRE A QUESTÃO DO REGIME DE PARTIDO 1

Centralismo democrático,
greves e militância trotskista

Documento do Congresso da FCT proposto por Humberto Rodrigues, elaborado a partir do documento “A consciência de classe e o partido revolucionário”, de Gerry Downing, do Socialist Fight britânico, publicado na Revista “En Defesa del Trotskismo” #3, inverno de 2011-2012.

O Centralismo Democrático deve ser mais democrático e menos centralizado quanto mais democrático for o regime político do país onde ele se desenvolve. O regime partidário está condicionado então ao grau de liberdades públicas existentes, e da relação de forças entre os trabalhadores, a burguesia e seu Estado. Centralismo e Democracia não são elementos contraditórios ou inflexíveis. São variáveis que se combinam a partir da discussão livre e da ação centralizada da militância, estabelecendo um regime partidário onde a disciplina seja justa às necessidades do partido de combate em cada momento da luta de classes. A função do regime centralista democrático é propiciar as condições para a elaboração e execução do programa partidário que deve expor aos oprimidos a verdade para abrir-lhes o caminho para a revolução.


O SENTIDO DA DEMOCRACIA PARTIDÁRIA

Segundo Pierre Broué, essa seria a visão que Lenin tinha das polêmicas partidárias:

“Se o partido excluísse os militantes inteligentes, porém pouco disciplinadas, e ficasse apenas com os imbecis disciplinados, afundaria, ... que os sentimentais se lamentem e deem os seus gemidos: mais conflitos! Mais diferenças internas! Ainda mais polêmicas! Nós responderemos: jamais se formou uma social-democracia revolucionária sem o contínuo surgimento de novas lutas” (O partido bolchevique, 1960).

Mas que fique bem compreendido que a discussão no partido deve ser livre no sentido que os marxistas dão a liberdade: a satisfação consciente das necessidades, no caso, das necessidades do partido como instrumento da revolução proletária e não a serviço de caprichos individualistas que assegurem para sempre e para todos a possibilidade de dizer e fazer qualquer coisa que brote na cabeça.
“Que é democracia partidária aos olhos de um pequeno-burguês ‘culto’? Um regime que lhe permita dizer e escrever o que lhe apeteça. Que é o ‘burocratismo’ aos olhos de um pequeno-burguês ‘culto’? Um regime no qual a maioria proletária fortalece com métodos democráticos suas decisões e disciplina. Operários, tenham isto bem presente!” (Leon Trotsky, Os Moralistas Pequeno-Burgueses e o Partido Proletário, 23 de Abril de 1940).
A definição das tarefas práticas do proletariado correspondentes as necessidades da luta só podem ser alcançada na medida em que o partido está inserido dentro da luta das massas, quando pode verificar a correção e os erros de seu programa, para necessariamente autocriticar-se e aprimorá-lo, bem como a sua agitação e propaganda postas a serviço do acúmulo da luta e da consciência das massas, como instrumento da revolução proletária. Nesta relação classe-partido-direção é obrigação do partido contribuir para a formação de operários revolucionários que, do ponto de vista da sua atividade no partido, estejam ao mesmo nível que os revolucionários intelectuais.

Hoje em dia existe uma aversão generalizada contra o Centralismo Democrático em favor de partidos ‘pluralistas’, como o Syriza grego, que apesar de trair vergonhosamente seus eleitores subordinando-se ao imperialismo, segue sendo invejado com deslumbramento pelos partidos que ainda não tiveram a oportunidade de fazer o mesmo como o Podemos espanhol e o PSOL brasileiro. A maioria da esquerda que busca criar uma alternativa aos tradicionais partidos dirigentes do movimento de massas, como o oportunista e aburguesado PT brasileiro, deseja liberar-se da disciplina da luta de classes sob o pretexto de escapar do “sectarismo” e do “dogmatismo”.

A CENTRALIZAÇÃO DEMOCRÁTICA
DO PARTIDO REVOLUCIONÁRIO DO PROLETARIADO
FOI INSPIRADA NA ORGANIZAÇÃO DO PROLETARIADO EM LUTA

Sem um partido baseado no centralismo democrático como norma de organização é impossível educar aos militantes e a vanguarda com a teoria revolucionaria. Para aprender com a luta de classes, devemos nos unir contra o inimigo comum. Consequentemente, o centralismo democrático é necessário em razão da forma particular de opressão imposta a classe operária e de sua luta contra essa opressão. Quando os operários se empenham em uma greve prá valer, estão obrigados a fazer piquetes de greve. Independentemente do que dizem as leis sobre as greves neste ou naquele país, os trabalhadores sabem que para alcançar a vitória precisam, em primeiro lugar, impedir que os setores mais atrasados de suas fileiras furem a greve. Quando se trata de lutas importantes, como a batalha dos estivadores australianos (a greve do sindicato marítimo em 1998) todo blábláblá sobre a democracia é esquecido e começa a batalha prá valer.

A democracia operaria recusa a democracia dos capitalistas de admitir e demitir segundo sua vontade e de fazer outros trabalhadores de fura-greves. Ela necessita da mais completa discussão antes que as pessoas tomem uma decisão e estas devem ser tomadas em reuniões onde os operários sintam sua força coletiva muito mais que nas votações individuais onde os trabalhadores se encontrem isolados e submetidos as pressões internas e da mídia.

Uma vez que a maioria decide partir para a ação, então a organização precisa fazer com que esta decisão seja respeitada por seus adversários, dentro de suas próprias fileiras e por todos os meios que tiver a sua disposição. Assim, a democracia operária está a serviço da luta – as organizações operárias definem quais são as tarefas a serem realizadas em uma ampla discussão para ao final impor sua deliberação por todos meios que podem lançar mão. Não é por acaso que os Conservadores apontam sua legislação antissindical principalmente para destruir esta democracia operária, cujos núcleos são os sindicatos, partidos, cooperativas, ...

Não se deve esperar por uma maioria simplesmente no sentido formal porque a própria luta pode produzir esta maioria em condições corretas. Temos visto este instinto de classe elementar em ação quando os mineiros de Cortonwood estenderam piquetes pelo restante da bacia de Yorkshire e deram início a grande greve dos mineiros de 1984 [ a greve mais importante da Grã Bretanha e quiçá da Europa na década de 1980 contra Tatcher e a aurora do neoliberalismo ]. Argumentando contra os mencheviques, Lenin dizia que já nas fábricas vemos princípios do centralismo democrático nas formas de luta e organização que os trabalhadores se veem obrigados a realizar independentemente de sua pouca educação e da sacrossanta natureza da democracia burguesa. Isto é, a democracia operária em movimento. Quando um grupo revolucionário, centrista ou ainda um grupo reformista explica a lógica destas ações, sua consciência pode avançar ainda mais. O partido revolucionário pode realizar recrutamentos.

Como forma superior de organização dos trabalhadores, o partido revolucionário, deve refletir e desenvolver os elementos da democracia operária como prática consciente e como sua norma de organização. Assim, a teoria do centralismo democrático foi extraída e desenvolvida a partir da prática da classe operária em luta. A democracia é para decidir como combater, o centralismo para assegurar que golpearemos juntos, que aprenderemos de nossas vitórias e derrotas. Para decidir como tratar das importantes diferenças políticas e ideológicas dentro do grupo, é razoável exigir que elas sejam primeiro submetidas no interior (do partido ou grupo) e levadas a mais alta instância possível por qualquer um de seus membros ou por um conjunto de membros.

MILITANTE, ASPIRANTE E SIMPATIZANTE

Dentro dessa concepção de partido, chegamos à compreensão de que o MILITANTE partidário é aquele que 1) aceite e defenda o programa do partido e venda a literatura partidária; 2) apoie materialmente o mesmo com uma contribuição financeira mensal regular e 3) exerça uma participação ativa e pessoal em um organismo do mesmo.

O ASPIRANTE é aquele que cumpre duas destas três condições e manifesta sua intenção de ingressar na organização, o SIMPATIZANTE apenas uma. Nossos aspirantes (utilizamos essa definição para o caso de membros da LC que hoje cotizam regularmente, aceitam o programa do partido, pretendem tornar-se militantes, mas não podem estar presencialmente em nossas reuniões por conta de residirem em locais onde não existem células partidárias), têm direito a voz, mas não voto. Os simpatizantes, por sua vez, são convidados para as plenárias e atividades abertas, mas não têm direito à participação nos fóruns internos.

TENDÊNCIAS E FRAÇÕES

O direito de formar tendências deve ser facilitado pelos estatutos do partido ou do sindicato e deve ser considerado como parte integrante da vida interna. Deve ser positivamente fomentado quando diferenças importantes apareçam já que geralmente refletem problemas reais no seio da classe trabalhadora. Somente a partir de um debate sério e da luta é possível fazer avanços teóricos. Quanto mais esse método for fomentado, menos frações se formarão por membros descontentes e assim haverá menos perigos de rupturas e menos membros serão perdidos pela desmoralização causada pelas frustrações ideológicas e para a confusão que se instalam quando são simplesmente reprimidas.

Definimos uma tendência como um agrupamento que tem por objetivo modificar tal ou qual aspecto da linha do partido ou de um programa. Definimos uma fração como um agrupamento que tem por objetivo substituir a direção atual do grupo ou partido.

Os leitores reconhecerão a ausência de normas nos regimes internos dos mais diferentes grupos, no healista WRP, no SWP, no Militant, na morenista LIT e alguns sucessores do lambertismo, etc. O SU-QI tem maior democracia interna que a maioria, mas, internacionalmente e as vezes nacionalmente funciona na base de um federalismo para poder fazer seguidismo a diversas forças nacionalistas, reformistas, de esquerda e estalinistas.

Sem dúvida, todo grupo precisa de um nível de coesão ideológica. As diferenças públicas deveriam normalmente poder ser expressas e isto não deve ser considerado como uma traição política na medida em que a orientação e a direção da política do grupo sejam protegidas. Mas é o Congresso do Partido e seus dirigentes democraticamente eleitos que devem dispor de poder para traça esta linha. Se os dirigentes não são respeitados por todos os membros do grupo eles só podem conquista-lo pela luta política, não pela repressão burocrática. Do contrário, estaremos educando coelhos, não revolucionários, como tantos outros fizeram até o momento.


Quando os trabalhadores tiverem estendido suas normas de organização e seus métodos de luta por toda a sociedade com a formação de sovietes pré-revolucionários ou conselhos de trabalhadores, a ditadura revolucionária do proletariado, começarão a desafiar a ditadura da burguesia. Se o partido revolucionário conquistar o controle ideológico dos sovietes a revolução triunfará, o Estado operário imporá a ditadura dos trabalhadores sobre os capitalistas.