domingo, 22 de junho de 2014

TEORIA LENINISTA

Rússia e China
NÃO são Estados imperialistas

Declaração do Comitê de Ligação pela Quarta Internacional - CLQI
Junho de 2014

É necessário polemizar contra a justificativa ideológica adotada tanto pela posição pró-imperialista quanto pelo "terceiro-campismo" de “nem Moscou nem EUA/UE/OTAN, mas com a classe trabalhadora internacional!”; que qualifica a Rússia e a China como países imperialistas (“Imperialismo Oriental”). Portanto, para os que pensam assim qualquer conflito entre China e Rússia, ou de ambos, contra o imperialismo global dominado pelos EUA (“Imperialismo Ocidental”) não passaria de um conflito entre potências imperialistas rivais e, portanto, os socialistas revolucionários não deveriam apoiar nenhum dos dois lados nessa guerra. Deveríamos, seguindo essa concepção errônea, defender o derrotismo revolucionário tanto para nós como para a classe operária russa/chinesa, ou seja, eles deveríam defender a derrota de sua própria burguesia, a fim de combater o chauvinismo imperialista que varre as massas em tempos de guerra através de seus principais instrumentos dos tempos modernos, os partidos trabalhistas, social democratas e a burocracia sindical.

Acreditamos que isso está fundamentalmente errado, ou seja, acreditamos que nem a Rússia nem a China são potências imperialistas no sentido marxista e que, portanto, diante de qualquer conflito entre o imperialismo e estes Estados é necessário formar uma Frente Única Anti-imperialista separadamente ou em conjunto com eles caso sejam simultaneamente atacados.

O equilíbrio de forças a nível internacional não é equivalente aos períodos anteriores à Primeira ou Segunda Guerra Mundial, quando blocos de poder do imperialismo aproximadamente iguais enfrentaram-se uns aos outros; agora o poder econômico e militar está esmagadoramente com o imperialismo dos EUA e seus aliados da OTAN.


Hoje dizemos que neste conflito na Ucrânia o derrotismo revolucionário é semelhante ao chauvinismo nacional nos países imperialistas ocidentais porque nem a Rússia nem a China são países imperialistas, como temos demonstrado politicamente. Alertamos aos camaradas mais novos contra as falácias sobre o termo “imperialismo” de grupos como o AWL que imita a mídia burguesa. Em termos marxistas, “imperialismo” tem um significado preciso que é o domínio do capital financeiro. Tomamos esta citação de Trotsky em 1939, quando os antigos impérios semifeudais da pré-Primeira Guerra Mundial encontravam-se na lata de lixo da história:

“A história conheceu o “imperialismo” do Estado romano, baseado no trabalho escravo, o imperialismo da propriedade feudal da terra, o imperialismo do capital industrial e comercial, o imperialismo da monarquia czarista etc. Sem dúvidas, a força propulsora da burocracia de Moscou é a tendência em expandir seu poder, seu prestígio, seus investimentos. No sentido amplo da palavra, este é o elemento de “imperialismo”, que no passado era próprio de todas as monarquias, castas dirigentes, Estados e classes medievais. No entanto, na literatura contemporânea, pelo menos na literatura marxista, se entende por imperialismo a política expansionista do capital financeiro, que possui um conteúdo econômico perfeitamente definido. Utilizar a palavra “imperialismo” para a política externa do Kremlin – sem esclarecer perfeitamente o que significa – equivale, simplesmente, a identificar a política da burocracia bonapartista com a política do capitalismo monopolista, baseados no fato de que tanto uma como a outra utilizam sua força militar para a expansão. Semelhante identificação, capaz unicamente de semear a confusão, é muito mais própria de democratas pequeno-burgueses do que de marxistas.” [ 1 ]

“MENTIRAS, MENTIRAS DESCARADAS E ESTATÍSTICAS” DE MICHAEL PRÖBSTING

“Há 3 tipos de mentiras:
Mentiras, mentiras descaradas e estatísticas”
Mark Twain
Mas como demonstrá-lo de modo econômico? Michael Pröbsting da RCIT austríaca produziu um enorme panfleto para provar, em nome de toda a trupe terceiro-campista, o quão errado a LCFI está e como eles são pró-imperialistas. Em seu trabalho, ele chama a Rússia de “grande potência imperialista”, com um desenho do Tio Sam na capa enfrentando um furioso urso russo que está prestes a arrancar sua cabeça. Gostaríamos de lembrar que isso é um uso ilegítimo de propaganda imperialista em uma revista que se autoproclama marxista.

O trabalho de Pröbsting é repleto de extensos gráficos e tabelas para provar estatisticamente o seu ponto de vista de que a Rússia e a China são as novas potências imperialistas emergentes prestes a dominar o planeta e que os EUA é o poder em declínio, prestes a ser eclipsado pelas ameaças do urso e dos amarelos, que são os inimigos que representariam de fato o perigo real. A grande parte do trabalho prova apenas que são sociedades desiguais, como eram os antigos estados operários deformados e degenerados, mas não tão desiguais como estão os seus sucessores estados capitalistas hoje. Entretanto, mesmo as estatísticas e gráficos mais relevantes são unilaterais e bastante enganosas (“Há 3 tipos de mentiras: Mentiras, mentiras descaradas e estatísticas”, como diria o escritor e humorista estadunidense Mark Twain), assim como as reais relações econômicas entre a Rússia e a China e o imperialismo global, que representa os perigos militares.

MONOPÓLIOS RUSSOS

Pröbsting diz:

Em suma, em menos de duas décadas, formaram-se uma série de monopólios russos que estão exercendo um controle total da economia do país. O capitalismo na Rússia é provavelmente mais monopolizado do que na maioria das outras economias imperialistas. Como veremos detalhadamente a seguir, esses monopólios estão envolvidos em todas as formas de negócios – começando com a extração de gás e petróleo, mineração e fabricação de metais, e até o financiamento. A definição de Lênin de uma potência imperialista é, obviamente, aplicável ao tratar-se do capital monopolista da Rússia. [ 2 ]

Mas devemos perguntar a quem pertence esses “monopólios da Rússia”? Na gigante de energia Gazprom, por exemplo, apenas 50% é propriedade do Estado, o restante das ações está majoritariamente nas mãos do capital estrangeiro. E o resto dos principais “monopólios” da Rússia e China que estão listados como “propriedade estatais” são consideravelmente menores que 50%, representando 25% e, em alguns casos, ainda menor que 13%. É claro que os imperialistas ocidentais queixam-se amargurados que isto é um abuso [assim como queixam-se do regime de partilha usado pelo governo Dilma no Brasil na privatização do campo de petróleo de Libra]. Reclamam que deve ser permitido o livre acesso a compra de 100% das ações e não apenas para as ações “B” que são de capital aberto. E Pröbsting poderia referir-se aos investimentos estrangeiros diretos (IEDs) internos e externos da Rússia ou ao “round-tripping” (engenharia financeira de venda e recompra de títulos) de fundos oligárquicos através do Chipre etc. para que assim eles possam reinvestí-los na Rússia livre de impostos, mas ele sempre evita todo o panorama global em sua ânsia de fazer valer a sua caracterização de imperialismo.

Por exemplo, a China e o Japão são de longe os dois maiores detentores de ações e títulos do governo estadunidense, os quais são obrigados a comprar para desovar seus excedentes de dólares e manter em aberto o mercado consumidor dos EUA, de longe o maior do mundo. Mas essas ações e títulos pagam apenas entre 1% a 2% de juros ao passo que os IEDs dos EUA na Rússia e na China rendem mais de 20% de juros. E o dólar como moeda de negociação não só do petróleo, mas também da maioria das outras commodities do planeta dá aos EUA uma enorme vantagem; alguns diriam que isso é a coisa mais importante que detém o mercado mundial. [Tendo o dólar como garantia, em finanças: lastro, o domínio militar imperialista sobre o globo] a contínua ameaça a esse monopólio global pode ser razoavelmente compreendida como a principal causa para a guerra contra o Iraque em 2003, contra a Líbia em 2011 e contra a Ucrânia em 2014. Se os EUA perderem essa imensa vantagem, seus dias de império estarão realmente contados.

Combinado a isso estão os sucessivos ataques de Quantitave Easing, ou seja, de desvalorização do dólar que reduz o valor das reservas em dólar da China e Rússia, em particular, mas também do Japão, dos Estados do Golfo, do Brasil etc. E há a questão da exploração de ouro. Há rumores de que os EUA saquearam as reservas de ouro da Líbia no final da guerra em 2011, não devolveu para a Alemanha a suas barras de ouro como Merkel solicitou no final de 2012 e ainda por cima acabaram saqueando toda a reserva de ouro da Ucrânia em 7 de março de 2014, cerca de 1,8 bilhão de dólares. Por esses mecanismos o mundo inteiro é forçado a subsidiar a economia dos EUA.

O COMPLEXO MILITAR INDUSTRIAL (MIC)

Uma grande parte desse subsídio, drenado para enriquecer os EUA, é patrocinado pelos parceiros comerciais estrangeiros e passa pelo exército estadunidense, que por sua vez é usado para ameaçar e/ou invadir qualquer país que ameace seriamente esse monopólio. Os elevados gastos militares dos EUA são mantidos pelo poderoso complexo industrial militar (MIC), no qual o presidente Dwight D. Eisenhower alertou em 1961:

Essa conjunção de um imenso establishment militar e uma grande indústria de armas é nova na experiência norte-americana. A influência total – econômica, política e até espiritual – é sentida em todas as cidades, em todos os prédios dos governos estaduais e em todos os gabinetes do governo federal. Nós reconhecemos a imperiosa necessidade desse desenvolvimento, embora não deixemos de perceber suas graves implicações. Nosso trabalho, recursos e meios de subsistência estão todos envolvidos; assim é a própria estrutura da nossa sociedade. Nos conselhos de governo, temos de nos precaver contra a influência que o complexo industrial-militar venha a ter, sem qualquer justificativa, deliberadamente buscada ou não. Isto conduzirá a ascensão desastrosa de um poder desproporcional. [ 3 ]

O MIC é agora muito mais poderoso do que era em 1961 e cada senador dos EUA e quase todos os representantes são pagos pelo lobby do MIC, que necessita de guerras constantes para manter os lucros e os altos dividendos a acionistas e seus funcionários, como foi citado acima por Eric Zuesse.

Pröbsting diz:

Hoje, o setor estatal-capitalista russo é crucial para a economia. Ele desempenha um papel decisivo entre muitos monopólios russos. Por exemplo, o Estado manteve “Golden Shares” em 181 empresas. 15 companhias controladas pelo Estado são responsáveis por 62% do mercado de ações da Rússia.

Mas de acordo com a “Russia Beyond The Headlines”:

Os investidores estrangeiros mantêm uma influência determinante sobre o mercado de ações russo. De acordo com analistas do Sberbank KIB, cerca de 70% das ações russas em circulação livre estão nas mãos de investidores externos. Mas os investidores russos ainda estão cautelosos com o mercado de ações após a queda de 2008-2009.

Um terço dos investimentos ativos na Rússia são fundos dos Estados Unidos, outro um terço da Europa continental e um quarto vem do Reino Unido. O maior investidor estrangeiro (responsável por mais de US$ 5 bilhões) é o Norwegian Government Pension Fund, seguido pelo Vanguard Emerging Markets Stock Index Fund (com cerca de US$ 4,7 bilhões) e o fundo Oppenheimer (com pouco menos de US$ 3 bilhões investidos em ações russas).

Isso deixa bastante claro que longe de serem potências imperialistas, a Rússia e a China nada mais são do que países semicoloniais, embora sejam grandes e avançados. Eles não estão ligados à rede mundial do imperialismo estadunidense da mesma forma que os imperialismos menores como a Holanda e a Bélgica ou seus aliados mais semelhantes, ainda que subordinados, como o Japão, Alemanha, Itália, Espanha e Canadá. Não, eles estão em um nível superior de países semicoloniais e se reconhecem como tal, aliando-se ao BRICS; Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. [ 4 ]

CONCLUSÃO

Esboçamos o desenvolvimento de três correntes distintas dentro da extrema-esquerda, a direita que tomou uma posição pró-Maidan na Ucrânia, cujos exemplos mais extremos são os signatários da Declaração da Campanha de Solidariedade Socialista da Ucrânia de Chris Ford; Labour Representation Committee, Socialist Workers Party, Revolutionary Socialism 21, A World To Win e Socialist Resistance (FI) e, internacionalmente, o CWI-CIT (Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores, cuja seção no Brasil é a corrente LSR do PSOL) e o PSTU do Brasil, principal corrente da LIT.

No campo centrista, algumas organizações giraram à esquerda em relação à Ucrânia, aproximando-se dos trotskistas revolucionários que  desde o início tomaram uma firme posição anti-imperialista sobre a Líbia e a Síria. Rechaçamos as teorias de que a luta de classes internacional está sendo impulsionada pelos conflitos interimperialistas entre o Imperialismo Ocidental, dos Estados Unidos, e o Imperialismo Oriental, da Rússia e China (inclusive na Venezuela, onde o LCC – Comitê de Ligação dos Comunistas – sugere ridiculamente que o conflito é o resultado das incursões da China no quintal dos EUA).

Por uma campanha de solidariedade internacional para defender o que é agora a Novorossiya (Nova Rússia) do leste da Ucrânia e sua classe trabalhadora organizada dirigida pela União Borotba e pelo Partido Comunista da Ucrânia. Por uma Frente Única Antiimperialista com o “diabo e sua avó”, incluindo o próprio Putin, como demandas da classe trabalhadora em relação à Rússia para defendê-la contra o ataque fascista de Kiev. Por fim, esta orientação é impulsionada principalmente a fim de construir uma nova direção da classe operária socialista revolucionária como parte de uma Quarta Internacional reconstruída.

• Defender a União Novorossiya contra os ataques fascistas, esmagar o ilegal regime de Kiev instalado pelos EUA/CIA!

• Formar milícias operárias armadas para defender as sedes, edifícios e organizações da classe trabalhadora!

• Nenhuma confiança nos oligarcas corruptos, nacionalizar suas fábricas, sistemas de transporte e terras!

• Esmagar o regime reacionário e pró-imperialista de Kiev!

• Por uma Frente Única Anti-imperialista com todas as forças que estão lutando agora contra os fascistas!

• Exigir assistência material de Putin em armas e tropas para derrotar a conspiração global dos EUA contra a Rússia, China, Síria, Irã e Venezuela!

• Avançar na construção de uma direção socialista revolucionária ucraniana, uma seção da Quarta Internacional reconstruída!

Liga Comunista—Brasil
Tendencia Militante Bolchevique—Argentina
Socialist Fight—Britain

4 de junho de 2014

NOTAS:

[1] Leon Trotsky, In Defence of Marxism, Again and Once More Again on the Nature of the USSR, (October 1939), http://www.marxists.org/archive/trotsky/idom/dm/04-again.htm

[2] Russia as a Great Imperialist Power, The formation of Russian Monopoly Capital and its Empire – A Reply to our Critics, By Michael Pröbsting, Revolutionary Communist International Tendency (RCIT), 18 March 2014, http://www.thecommunists.net/theory/imperialist-russia/

[3] Dwight D. Eisenhower, Speech on Military Industrial Complex, 1961: http://coursesa.matrix.msu.edu/~hst306/documents/indust.html

[4] Source: Russia Beyond the Headlines – January 22, 2014 Anna Kuchma, http://rbth.com/business/2014/01/22/who_owns_the_russian_stock_market_33437.html)