sábado, 2 de março de 2013

MALI E FRENTE ÚNICA ANTIIMPERIALISTA

Para derrotar a “austeridade” imperialista que lhe rouba salário, emprego e conquistas históricas, o proletariado francês precisa aliar-se a seus irmãos oprimidos africanos

O ministro da Defesa francês, o “socialista” Jean-Yves Le Drian, declarou sobre a intervenção no Mali: "O objetivo é a conquista total. Nós não vamos deixar bolsões de resistência". Para bom entendedor, a "conquista total" significa muito mais do que a derrota da resistência. A partir desta campanha militar a luta inter-imperialista mundial pode ganhar uma nova dinâmica que precisa ser acompanhada mais de perto sem a exclusão de alternativas até então menos prováveis.

De certo modo, a crise econômica nos EUA, consumindo grande parte das preocupações da era Obama, que busca manter uma liderança na retaguarda militar dentro da OTAN e pela larga ampliação do uso de drones, substituindo missões com soldados, tem favorecido as iniciativas francesas que expande seus domínios coloniais em meio à crise econômica na UE e os limites históricos pós-II Guerra impostos a maior potência econômica do continente, a Alemanha [1].

É possível que a partir de um salto de qualidade na África, da provável retirada da Inglaterra de dentro da UE, e do estreitamento de seus laços comerciais com a America Latina [2], onde disputa influencia com os EUA em vários setores industriais, o imperialismo francês busque assumir cada vez mais o papel de coringa na disputa entre os blocos mundiais. Se o próprio Obama ou um governo republicano que lhe suceder resolver retomar o protagonismo ianque no Ocidente, tentando recuperar inclusive áreas onde a França avançou, o conflito de interesses pode aprofundar-se a uma posição em favor de um alinhamento oposto, em que Paris avalie que a perda de hegemonia dos EUA lhe seja imensamente mais vantajoso.

Mas, até agora, com os EUA ocupando um papel secundário no controle do espaço ocidental por ter deslocado a maior parte de seu arsenal para a região do pacífico e costa da China, tem sido vantajoso para a França assumir o protagonismo na região mediterrânea e africana como principal força militar da OTAN em atividade recolonialista desde 2011. Mas os EUA tratam de por as barbas de molho, na última semana de fevereiro, Obama ordenou o envio de tropas e drones para o Níger com a vaga justificativa de "promoção dos interesses nacionais dos EUA de segurança." [3]. Fato é, como bem destacara o jornalista John Pilger que uma nova invasão da África de grandes proporções está em andamento [4].

A França amplia seus domínios na África como aríete do bloco imperialista ocidental contra a China tomando espaço antes dominados por seus “aliados” europeus, agora em decadência econômica como a Itália. É bem sabido que a França se apoderou de imensas fatias de contratos de petróleo e gás da Líbia que antes pertenciam ao imperialismo italiano.

As legiões estrangeiras francesas não são conhecidas na África por levar a civilização e boas maneiras. A França terá de impor este método de ocupação para evitar a retomada do controle secular do deserto pelos tuaregues. Por isto, a propaganda de guerra da campanha francesa, mais do que apelos humanitários, precisa da risível justificativa de preservação do patrimônio histórico da região e o combate ao terrorismo.

O governo “socialista” até se esforça para tentar convencer “nossa intervenção não tem outro objetivo que a luta contra o terrorismo”, declarou Hollande no dia 12 de janeiro, mas tem sido impossível ocultar as ambições da 5ª República que almeja sair da crise econômica ampliando sua rapina imperial. Afinal, o Mali parece ser um país realmente pobre. Mas não é exatamente assim. É o terceiro produtor de ouro africano, depois de Gana e África do Sul. A produção anual é 52 toneladas de ouro, o que, segundo especialistas, pode ser aumentada para 100 toneladas em 2-3 anos (para comparação, a Rússia produz anualmente cerca de 200 toneladas). Mali também é o Eldorado do urânio. A francesa Areva, líder mundial de energia nuclear, já começou a explorar Saraya situada na fronteira senegalesa. Em 15 de novembro 2012, assinou um acordo com o estudo de viabilidade do Sul Africano DRA Grupo com foco em produção de prata, urânio e cobre. Segundo estimativas, os depósitos contêm cerca de 12 mil toneladas de urânio, quatro vezes mais do que a mina Areva no Níger produzido em 2012.

Hollande espera sair da crise econômica atirando para catapultar a participação francesa na recolonização planetária já dinamizando sua economia apostando em forças destrutivas [5]. Mas, em seu intento distracionista da luta de classes internas o “social-imperialista” francês pode colher efeitos colaterais bem mais convulsivos do que os que vem colhendo os governos da Grécia, Espanha, Portugal e Itália com seus planos de ataque econômico contra as massas de seu próprio país. Mas, como muitos analistas já comentam, o Mali pode se conveter no Afeganistão francês, ou pior. Hollande pode colher a combinação da revolta proletária interna que estão sendo executados com a luta anti-imperialista dentro de seu próprio território, através de levantes populares e ações de guerrilha das imensas comunidades africanas periféricas, cidadão de 2º categoria de Paris e adjacências ou nem sequer reconhecidos como cidadãos franceses. Dentre as massas francesas existem milhares de argelinos, tunisianos, africanos em geral e também muitos trabalhadores e dezenas de milhares de alunos secundaristas nascidos no Mali ou descendentes de malineses. No caldo de insatisfações contra a intervenção militar se combinam razões étnicas, de libertação nacional e de classe.

O neocolonialismo da OTAN e Frankafrica já foi capaz de realizar proezas maiores em tempo recorde: unificou em uma frente panafricana e antiimperialista a jihadistas que ajudaram o CNT a derrubar Kadafi com Tuaregs que eram aliados do regime do caudilho líbio. Foram unidos pela miséria crescente que a França e seus aliados acentuam por seu parasitismo secular e suas aventuras militares no continente e agora voltam às armas para seus antigos generais.

Em sua ultima reportagem sobre o tema a revista Time levanta dúvidas sobre a saída das tropas francesas anunciadas para este mês de março: “É cada vez mais improvável que esta intervenção militar da França no Mali será breve. Apesar de comentários de autoridades francesas no início deste mês que Paris espera começar a retirar as tropas, em março, parece agora evidente a resistência enrijecimento dos grupos jihadistas no Sahel – empurrado para fora das cidades do norte do Mali pela expedição francesa liderada mês passado – vai exigir uma persistente presença francesa por meses, talvez até anos.” (“The War in Mali: Does France Have an Exit Strategy?”, Time, 17/02/2013) [6].

Apesar da crise econômica e dos cortes aos gastos públicos que a União Europeia vem exigindo, Le Drian, o ministro francês da Defesa, informou que as operações da “conquista total” contra os “terroristas” custaram, até o momento mais de 100 milhões de euros à França. “Hoje podemos estimar em pouco mais de 100 milhões de euros [aproximadamente 260 milhões de reais] o que se gastou a partir de meados de janeiro,” quando começou a intervenção militar no Mali, disse Le Drian na entrevista concedida à emissora RTL. Se um povo que oprime outro forja suas próprias cadeias, as cadeias da austeridade que aterrorizam o proletariado europeu se tornam mais insuportáveis para pagar os esforços de guerra da burguesia francesa para aumentar seu saque a África. Em janeiro, centenas de trabalhadores da planta da Peugeot de Aulnay que ocupam a empresa para evitar seu fechamento se somaram aos e da planta da Renault de Flins que lutam contra as 7.500 demissões anunciadas pela multinacional automobilística até 2016. Ao contrário de exterminar a resistência no deserto africano o imperialismo está fustigando os “bolsões de resistência” proletários em suas próprias cidades.

Mais uma vez o proletariado francês é chamado a lutar contra suas próprias cadeias e contra as cadeias forjadas da política neocolonial da república burguesa francesa e constituir uma Frente Única Antiimperialista (FUA) com seus irmão guerrilheiros e oprimidos africanos.

A quase totalidade da esquerda mundial, refém da pauta midiática imperialista, já abandonou qualquer referência a luta contra a intervenção imperialista no Mali, enquanto a esquerda francesa apoia a carnificina em curso. Como denunciamos em nossa declaração, para o NPA, por exemplo, que se declara formalmente contra a invasão militar ao Mali, “a questão não é conformar uma Frente Unida Anti-Imperialista contra a invasão francesa, mas limitar-se a apoiar aos agrupamentos de esquerda e as forças progressistas enquanto o imperialismo pode bombardear e mandar para o inferno os reacionários e assim se pode aproveitar-se da nação e de seus recursos realmente sem qualquer objeção uma vez que se trata de uma guerra contra os tais reacionários.” (MALI: Derrotar a invasão imperialista francesa!, Declaração do Comitê de Ligação pela IV Internacional, 25/01/2013) [7]

É somente superando seus próprios “socialistas”, stalinistas e pseudo-trotskistas cúmplices da campanha de guerra contra os povos oprimidos africanos que poderemos construir um partido que unifique valentemente a luta antiimperialista com a luta pela revolução social, seguindo o caminho trilhado pela Comuna de Paris que as massas francesas demonstrarão mais uma vez que merecem o posto de “país em cuja história a luta de classes, mais do que em qualquer outro, foi resolutamente conduzida até o fim” (F. Engels, trecho do prefácio do 18 Brumario de Marx).


Notas:

[1] Enquanto a França já não possui mais bases aéreas dos EUA instaladas em seu território desde 1967, é na Alemanha (Ramstein) que está instalado o centro de operações da Força Aérea estadunidense na Europa. Isto é um sintoma do grau de independência militar que possuem as duas nações imperialista em relação aos EUA.



[4] “The real invasion of Africa is not news and a licence to lie is Hollywood's gift” em http://www.marchaverde.com.br/2013/02/a-invasao-da-africa-que-nao-esta-nos.html