sexta-feira, 30 de abril de 2021

PANDEMIA: PELA QUEBRA DAS PATENTES

A vida acima do lucro: Senado precisa aprovar a quebra de patentes das vacinas

Frederico Costa*

O Senado deve votar nesta quinta-feira, 29, o Projeto de Lei 12/2021, que permite a quebra de patentes de vacinas, testes de diagnóstico e medicamentos de eficácia comprovada contra a covid-19 enquanto vigorar o estado de emergência de saúde. De acordo com o texto, os titulares de patentes ficam obrigados a ceder ao poder público todas as informações necessárias para a produção de vacinas e medicamentos para o enfrentamento à covid-19. O objetivo, segundo o autor, o senador Paulo Paim (PT-RS), é agilizar a produção de imunizantes na tentativa de acelerar o processo de vacinação contra a doença no país. Em sua justificativa, o senador afirma que a medida não implica ignorar os direitos à propriedade intelectual relacionados ao comércio, mas relativizá-los em caráter temporário, diante do interesse maior do povo brasileiro.
Índia e África do Sul apresentaram proposta nesse sentido à Organização Mundial de Saúde e esse movimento tem apoio de 100 países. No entanto, essa medida é rejeitada por Estados Unidos, Brasil, Japão e países da União Europeia, como Suíça e Noruega.

O secretário do Ministério das Relações Exteriores, Sarquis José, ponderou que a quebra de patentes não tem efeitos de curto prazo e traz riscos ao país. O representante da Organização Mundial de Propriedade Intelectual no Brasil, José Graça Aranha, também se manifestou contrário. No entanto, a quebra de patentes ainda é apoiada por instituições brasileiras, como o Conselho Nacional de Saúde (CNS) e por parlamentares do PSOL, PSB, PDT, PCdoB e PT, que enviaram uma carta à Organização Mundial do Comércio (OMC), endossando a proposta apresentada por Índia e África do Sul.

Tal medida é urgente. Até agora 30,2 milhões de brasileiros receberam a primeira dose da vacina contra a covid-19, enquanto apenas 13,9 milhões tiveram aplicadas as duas doses necessárias para a imunização. Há cerca de 15 dias, mais de 600 milhões de doses haviam sido aplicadas em todo o mundo, mas a distribuição era bastante desigual e 10 países da África ainda não haviam recebido uma única dose.

Na realidade, o que se vê é uma disputa entre a vida de bilhões de seres humanos e os lucros de corporações farmacêuticas sediadas em países imperialistas (EUA, Europa, Japão).
A quebra de patentes, o espírito do capitalismo e o filho do capeta


Karl Marx, recentemente acusado por fundamentalistas obtusos de satanista, matou a charada do capitalismo já no século XIX. E o século XXI confirma sua descoberta: o que caracteriza o capitalismo é a compra e a venda da capacidade de trabalho dos trabalhadores e seu uso na produção de mercadorias para o lucro. Nesses termos, vacinas, testes, insumos e medicamentos não passam de veículos para lucros e acumulação de riquezas nas mãos de poucos. Essa relação de produção primordial condiciona todas as conexões sociais, jurídicas, políticas, militares e culturais do mundo burguês.

Por isso, o cuidado do senador Paulo Paim em dizer que o PL 12/2021 é temporário e não visa atingir “os direitos à propriedade intelectual relacionados ao comércio”, ou seja, o espírito do capitalismo na sua busca insaciável por lucro. Quando, de fato, é preciso socializar a propriedade privada das grandes corporações farmacêuticas a serviço da maioria da humanidade. Mas, mesmo assim, é um avanço a defesa da aprovação do PL12/2021, no sentido de que a vida de milhões de brasileiros é o que importa.

Só não podemos esquecer, a partir desse fato, a lição de Marx (2008, p. 47):
Em uma certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes, ou, o que não é mais que sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais elas se haviam desenvolvido até então. De formas evolutivas das forças produtivas que eram, essas relações convertem-se em entraves. Abre-se, então, uma época de revolução social.

Noutras palavras, no capitalismo do século XXI, torna-se mais evidente que o lucro está acima do principal elemento das forças produtivas: a vida. Essa verdade é incômoda para os poderosos, porque conduz à conclusão necessária: superar o capitalismo para desenvolver as forças produtivas, isto é, o conjunto das capacidades humanas.


* Professor da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e coordenador do Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário (IMO).


Referências

MARX, Karl. Contribuição à crítica da economia política. 2 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2008.