quarta-feira, 13 de novembro de 2019

BOLÍVIA: DERROTAR O GOLPE MILICIANO

Milhares de pessoas saem as ruas contra o golpe gritando “ahora si, guerra civil!”

Manifestantes de El Alto descendo para La Paz em sua típica marcha acelerada,
carregando a bandeira indígena andina de Wiphala contra o golpe miliciano na Bolívia
A Bolívia sofreu o primeiro golpe miliciano-pentecostal da história. Esses setores foram a vanguarda da escalada golpista articulada com a polícia e com o exército para derrubar Evo Morales e o governo do MAS e instituir o governo interino da senadora golpista Jeanine Añez. 

O golpe boliviano foi o primeiro experimento do novo militarismo impulsionado pelos EUA na região. O senador republicano Tom Cotton, figura proeminente do Comitê de Forças Armadas do Capitólio estadunidense proclamou a nova doutrina: os militares assumiram um novo papel na América Latina e se converteram em garantidores da ordem constitucional frente as demandas sociais, mencionando os casos do Equador, Chile e Brasil.

Evo, eleito presidente para um quarto mandato, ainda no primeiro turno, foi obrigado a renunciar, se esconder e fugir para o México. A oposição, uma associação entre a direita e a extrema direita não reconheceu o resultado e apoiada pela Organização dos Estados Americanos (OEA), que Fidel Castro chamava de “Ministério das Colônia dos EUA”, desatou uma campanha de bombardeios das redes sociais por fake news, terrorismo, linchamentos em praça pública.

Esse foi o primeiro golpe originalmente organizado pelo governo Trump, a derrubada de Dilma foi orquestrada pelo governo Obama. Trata-se de um contra-ataque diante dos levantes populares do último mês no continente e da ameaça de reversão da onda de direita, a partir das derrotas eleitorais de Macri, apesar de patrocinado pelo FMI, e da vitória do próprio Evo. Entendendo a gravidade da nova doutrina militarista dos EUA, Putin, através do Ministério das Relações Exteriores da Rússia critica explicitamente o golpe:
“Causa profunda preocupação que a vontade do governo de buscar soluções construtivas, com base no diálogo, foi rejeitada por eventos que têm um padrão de um golpe de estado orquestrado. Estamos preocupados com a dramática evolução da situação na Bolívia, onde a onda de violência desencadeada pela oposição não permitiu que o mandato presidencial de Evo Morales fosse cumprido. Apelamos a todas as forças políticas bolivianas para que sejam sensatas e responsáveis, para que encontrem uma solução constitucional para a situação no interesse da paz, da tranquilidade, da restauração da governabilidade das instituições do Estado, da garantia dos direitos de todos os cidadãos e do desenvolvimento social e econômico do país, ao qual estamos ligados por uma relação de amizade. Esperamos que esta abordagem responsável seja demonstrada por todos os membros da comunidade internacional, pelos vizinhos latino-americanos da Bolívia, pelos países extra-regionais influentes e pelas organizações internacionais”.
O comunicado de Moscou manda um recado para o Trump e seus vassalos na região, como Bolsonaro, demonstra preocupação com um continente que a Rússia tem estreitado muito suas relações comerciais, mas se limita ao terreno diplomático, sendo completamente impotente para reverter a situação tal como se encontra, uma tarefa dos trabalhadores bolivianos e seus irmãos de classe.

Do "bem estar social" no altiplano ao caos contrarrevolucionário

Os milicianos chegaram a queimar as casas, sequestrar e ameaçar os parentes das lideranças do MAS. Carlos Mesa, candidato do imperialismo incentivou as turbas fascistas a invadir e queimar a casa do presidente. Morales denunciou que "os líderes do golpe ofereceram US$ 50 mil a um membro da segurança para me entregar antes da minha renúncia".

Mas como foi possível que após 13 anos no governo o MAS e seu presidente tenha que largar o poder nestas condições humilhantes?


Primeiro é preciso que se registre que na Bolívia, tradicionalmente racista contra a maioria dos trabalhadores indígenas, os movimentos sociais organizados pela primeira vez conseguiram eleger um governante de origem indígena e cocaleiro, representante desses movimentos. O MAS de Evo estabeleceu um governo de frente popular com base camponesa. Tal situação excepcional possibilitou que entre 2005 e 2019 o PIB do país subiu de 9,574 para 40,885 bilhões de dólares. A taxa de desemprego é a mais baixa da AL: reduzida de 8,1% em 2005 para 4,2% em 2018, tecnicamente, a Bolívia vivia em condições de “pleno emprego”. Em pouco mais de uma década, a expectativa de vida aumentou em 9 anos. No mesmo período, a taxa de mortalidade infantil diminuiu em 56%. O índice de extrema pobreza baixou de 38,2% para 15,2% em 13 anos. O Salário mínimo subiu de 60 para 310 dólares. Renda per capita dos bolivianos subiu de pouco mais de 1,1 mil dólares, em 2006, para 3,6 mil dólares em 2018. 138.788 mulheres receberam terras até 2005 e 1.011.249 até 2018. A Bolívia é o terceiro país do mundo com maior participação de mulheres no parlamento (mais de 50%). A Bolívia é um território livre de analfabetismo desde 2008.

Todavia, o MAS não é um partido revolucionário. Nem quer ser. Apresentou-se de forma moderna a tragédia histórica latino-americana. Os governos nacional populistas de esquerda cooptam e adormecem a organização social dos subalternos. Simultaneamente, estimulam o acúmulo de ressentimentos das classes dominantes tradicionais que não admitem as concessões sociais como às descritas no parágrafo anterior. Depois de derrotas eleitorais consecutivas e inéditas, as oligarquias tradicionais chegam a conclusão de que é impossível retomar o controle do governo sem um golpe de Estado na própria democracia burguesa. Recorrem as igrejas para doutrinar ideologicamente aos pobres contra os governos populistas de esquerda, a convulsão social e aos bandos paramilitares para abrirem caminho para seu retorno ao governo.

Para superar esse impasse seria necessário então desarmar as classes dominantes e seus bandos, avançando para uma nova forma de poder social pela via revolucionária. Mas, partidos como o MAS, desmobilizam e desmoralizam a população trabalhadora quando evitam que o processo progressista dê o salto de qualidade através do estabelecimento de um governo próprio dos trabalhadores. O proletariado é desmobilizado pelo reformismo e frustrado com a oposição desses governos a superação do capitalismo e do parasitismo imperialista. Ele perdeu apoio da pequena burguesia nas cidades e dos camponeses pobres, de frações da classe trabalhadora, e de indígenas. Em um dado momento, quem toma a iniciativa é a direita para reconquistar o poder através da guerra híbrida, do caos contrarrevolucionário, do golpe de Estado cívico-militar.

A traição hedionda do POR 

Depois que seu  dirigente histórico, Guillermo Lora, faleceu em 2009, o Partido Operário Revolucionário (POR) só lembra pelo nome e nostalgia o que chegara a ser 70 anos atrás, quando obteve influência em uma fração do movimento operário boliviano há 70 anos, conseguindo aprovar as "Teses de Pulacayo" em um Congresso extraordinário dos trabalhadores mineiros em 1948. O POR hoje representa uma seita marginal da pequena burguesia empobrecida e raivosa. 

Camuflado com uma fraseologia de esquerda, o POR e seus satélites no Brasil e Argentina aderiram a guerra híbrida da direita, tornando-se no atual processo boliviano mais um agente do imperialismo. Apoiou de forma concreta a escalada contrarrevolucionaria violenta e a instauração de uma ditadura militar burguesa, fantasiando que estavam lutando pela ditadura do proletariado. Logo, desgraçadamente, pagarão muito caro por isso.


A política do POR nesse conflito conseguiu ser mais canalha do que a do PSTU brasileiro, que apoiou o golpe contra Dilma e a prisão de Lula. O PSTU apoiou covarde e platonicamente o golpe no Brasil. A seita boliviana participou ativa e entusiasticamente das manifestações do Golpe contra o ex-sindicalista indígena. Antes da renúncia do presidente reeleito, enquanto as bandas fascistas ateavam fogo nas casas e torturavam prefeitas do MAS em praça pública, o POR dizia que Evo estava "encurralado pelo multitudinário repúdio nacional", um protesto de todas as classes que compõe a nação contra o governo, no que se irmanava com Mesa e Camacho na reivindicação comum da direita golpista: "Que se Vaya!" Depois do golpe consumado, o partido seguiu vergonhosamente embelezando a ação dirigida pelos agentes do imperialismo na Bolívia, afirmando que “Evo Morales e o MAS foram derrotados por uma grande mobilização popular”.

Nacional populistas preferem o sacrifício porque temem mais a revolução do que a contrarrevolução

Mas por que estando com o poder na mão, os populistas não armam as massas para defenderem seus governos? Porque sus governos, sendo burgueses, temem mais a revolução social que a contrarrevolução. Então, preferem ir para o sacrifício do que superar o impasse reformista com um salto de qualidade na luta de classes que resulte em verdadeiros governos dos trabalhadores e, no caso, um governo dos mineiros, professores, cocaleiros, indígenas e camponeses. Sendo assim, autofagicamente, diante da ameaça da ofensiva da oposição golpista, fragilizam seus próprios governos após concessões sucessivas à reação, até a anulação do resultado eleitoral sob orientação da própria OEA, até ficarem encurralados pelos inimigos agentes do imperialismo.

Com a derrubada do líder ex-sindicalista indígena, os EUA buscam também avançar sobre as grandes reservas de hidrocarbonetos e de lítio da Bolívia, aspiração obstacularizada pela política nacional populista de Evo.

Manifestação racista anti-Evo. No cartaz, o super branco Carlos Mesa, agente dos EUA, chuta o índio Evo

Aconteceu recentemente no Paraguai, Brasil e agora na Bolívia. E a partir de agora, depois de toda essa capitulação sob a justificativa de querer “evitar derramamento de sangue” (a mesma justificativa de Jango no Brasil de 1964 para também renunciar e fugir do país) o que virá será um imenso banho de sangue orquestrado entre as milicias violentas da direita, convocadas a partir de uma paralisação “cívica” desde Santa Cruz de la Sierra como forma de guerra hibrida impulsionada por Camacho, o Bolsonaro boliviano, presidente do comitê cívico, que agrupam os elementos de choque do fascismo. 

Luis Fernando Camacho é um empresario do ramo do gás em Santa Cruz de La Sierra. As milicias paramilitares instauraram o caos e a policía da Bolivia, a partir das forças especiais de Cochabamba, se amotinou, seguida rápidamente pelo aparato repressivo de Sucre, Tarija e Santa Santa Cruz.

Evo renunciou e foi acompanhado pelos presidentes das duas casas do Congresso e dos deputados e senadores da coalizão MAS-IPSP, gerando uma situação de acefalia. Logo, para camuflar o golpe foi anunciada uma saída transitória para o problema, através da autoproclamação da senadora golpista Añez como nova presidenta. Tentando passar uma aparência identitária e democrática ao golpe cívico-militar, puseram em sua cabeça uma mulher. Todavia, um dos primeiros gestos dos golpistas foi retirar a bandeira Wiphala, dos povos indígenas da Bolívia, da Assembleia Legislativa, o que revela o seu caráter racista. Em seu primeiro discurso, em uma seção sem corum Añez declarou que "a Bíblia está de volta ao Palácio".


Autoproclamada presidenta, golpista Añez declara "a Bíblia está de volta ao Palácio"

As forças armadas da Bolivia iniciaron operações militares aéreas e terrestres contra grupos qualificados de “fuera de la ley”, dando início a uma caça as bruxas contra dirigentes do MAS e líderes sindicais.

Trump apoiou o golpe e o apontou como um sinal para Nicarágua e Venezuela. No Brasil, o neonazista Bolsonaro foi o primeiro a felicitar a  autoproclamada presidenta, qualificando o golpe como “um grande dia”. Na Argentina Macri, o moribundo agente do imperialismo, desconheceu o golpe e qualificou a situação de “un periodo de transición que se abrió por vías institucionales”

Atualmente a população rebelde de El Alto encabeça a resistência popular com manifestações massivas que tem contido o ritmo golpista da repressão. El Alto é a segunda maior cidade da Bolívia. Pertence Departamento Autônomo de La Paz, no oeste da Bolívia a uma altitude de 4.000 m no planalto e na Região Metropolitana de La Paz e uma população de um milhão e cem mil habitantes.

No dia 11 de novembro, a Federação das Juntas de vizinhos de El Alto deu um ultimato: que em 48 horas Luis Fernando Camacho e sua comitiva abandonassem La Paz e instruiu a conformação de comitês de autodefesa, bloqueios e mobilização permanente. Caso a polícia seguissem sem proteger os cidadãos dos bandos fascistas a Federação iria criar uma polícia cívico-sindical independente.

No dia 13, El Alto cumpriu a ameaça e desceu para La Paz, forçando o recuo das forças de segurança e a debandada dos grupos paramilitares na cidade. Milhares de pessoas cantando “Ahora sí, guerra civil!” e “Fuzil, metralha, El Alto não se cala!” paralisaram momentaneamente o golpe. Carlos Mesa que incentivara a invasão e destruição fascista da casa de Evo, agora pedia socorro pelo twitter: “Muchas personas me alertan indicando que una turba violenta se dirige a mi domicilio para destruirlo. Solicito a la Policía Nacional que evite esa locura.”

Ainda é possível reverter a tragédia. Uma derrota desse golpe miliciano na Bolívia pode derrotar a nova doutrina militarista de repressão social dos EUA e intimidar as aspirações de Bolsonaro por realizar um autogolpe miliciano no Brasil, debilitar o sanguinário Piñera e os governos neoliberais repressivos da Colômbia, Peru e Equador.

A COB ainda se encontra paralisada e catatônica diante dos acontecimentos. Mais que nunca os poderosos movimentos sociais, indígenas e sindicais precisam e ainda podem derrotar o golpe cívico militar, organizando comités de autodefesa, desarmando e prendendo os golpistas, impulsionando uma greve geral por tempo indeterminado e expulsando os golpistas do poder para instaurar o seu próprio poder dos trabalhadores.