domingo, 28 de outubro de 2018

GLOBO X RECORD

Eleições aprofundam tensão entre Globo e RecordTV

Fascista do PSL recebe apoio do dono da Record. Objetivo é ultrapassar Globo na audiência e ser a rede porta voz do novo regime ditatorial empresarial, teocrático e militarizado

Emiliano Fernandez

Um fato ocorrido no dia 04 de outubro aponta para uma nova fase da guerra pela audiência da TV aberta brasileira: o então líder nas pesquisas eleitorais, Jair Bolsonaro (PSL), alegou restrições médicas para se ausentar do debate entre os presidenciáveis (tradicional e concorrido encontro do calendário eleitoral brasileiro), transmitido pela Rede Globo de Televisão, às vésperas do primeiro turno. O debate transformou-se numa tradição desde a redemocratização, reunindo os principais candidatos ao Palácio do Planalto.

Ao mesmo tempo que os postulantes à comandar o Brasil por quatro anos (2019 a 2022) expunham ideias, propostas e se “engalfinhavam” para obter o reconhecimento do eleitor.

Ou seja, enquanto alguns debatem ideias, o capitão apenas aproveita uma “amistosa” conversa entre amigos e expões suas “ideias”.

Mesmo não tendo sido “liberado pelos médicos”, Bolsonaro foi “agraciado” com uma entrevista exclusiva na Rede Record – a vice-líder na guerra pela audiência da TV aberta de Pindorama (a RecordTV tem 14 emissoras e 87 retransmissoras).

E a liderança na audiência significa um bocado de recursos. Só para que o prezado leitor compreenda, segundo dados divulgados pelo instituto Kantar Ibope Media, o mercado publicitário da TV aberta movimentou um bolo de R$ 71,9 bilhões, em 2017 (valor maior que o PIB de dez estados brasileiros).

Mas não é só dinheiro. Poder também vale quando o assunto é televisão aberta no Brasil.

Por que TV é poder no Brasil?

Historicamente algumas características do sistema de mídia (jornais, rádios, TVs e, mais recentemente, portais de internet) permanecem imutáveis: o monopólio familiar e a propriedade cruzada nos meios de comunicação de massa no Brasil, a baixíssima diversidade do ponto de vista político e o viés conservador. Há também uma constatação para a falta de informação aprofundada de grande parte da população brasileira: a baixa circulação dos jornais e o escasso número de leitores e, como consequência, no campo da grande imprensa, um jornalismo orientado prioritariamente para as elites e permeável à influência dos “públicos fortes”.

Não se pode esquecer o surgimento tardio da imprensa e dos jornais comerciais no Brasil e a centralidade e hegemonia da televisão no sistema de mídia. Some-se a tudo isto, no campo político, os ciclos autoritários, o retorno relativamente recente da democracia e da liberdade de imprensa e a atual presença de um pluralismo polarizado (moderado) e teremos um quadro que une o sistema de mídia e o sistema político.

O jornalismo político burguês, no que pese seu papel teórico seja o de mediar, particularmente nos períodos eleitorais, os posicionamentos dos partidos e candidatos, “baseia-se em modelos propostos por Hallim e Mancini (2004) e construídos a partir da análise de algumas dimensões consideradas críticas para definir as características desses sistemas de mídia. Para caracterizar um sistema de mídia os autores definiram quatro dimensões analíticas: mercado de mídia, paralelismo político, desenvolvimento do jornalismo profissional e o grau e a natureza da intervenção estatal no campo da comunicação. A primeira dimensão está relacionada ao desenvolvimento forte ou fraco da mídia de massa no mercado de informação; a segunda, à natureza da relação entre a imprensa, governos, ideologias e partidos; a terceira, ao grau de profissionalismo do jornalismo e, finalmente, a última à capacidade de intervenção e regulamentação do Estado no setor das comunicações.” (AZEVEDO, 2006)

A emissora, líder em audiência, foi a responsável por dar suporte ao golpe militar-civil em 1964. A empresa dirigida por Roberto Marinho, atuou ao lado de tradicionais empresas do ramo como a Folha da Manhã (atual Folha de S. Paulo) e o Estado de S. Paulo, Diários Associados e outros, figurando como artífices do golpe à democracia, ocorrido naquele 31 de março.

Em contrapartida ao apoio, e o empenho de Roberto Marinho, que publicou um editorial enaltecendo o golpe, os militares fizeram vista grossa à legislação e a Globo recebeu um vultoso aporte financeiro do grupo midiático norte-americano Time-Life, mesmo isso não sendo permitido pela legislação.

A Globo se transformou, criou uma grade de programação eficiente, versátil e apostou no binômio jornalismo de cabresto (guiado e permitido pelo regime de exceção) e uma teledramaturgia bem construída, e depois, transformou-se numa referência mundial.

Recursos estatais (de propaganda) não faltaram à Globo. Já a Record é uma das mais antigas TVs do Brasil. Completou em 2018, 65 anos de existência. Criada pelo empresário Paulo Machado de Carvalho, em 1953, foi líder de audiência, reconhecida por promover os principais festivais de música do Brasil nos anos 1960. No início dos anos 1970 começa sua derrocada. Em 1989, com dívidas de US$ 20 milhões, e faturamento de apenas dois milhões de dólares, a Record sai das mãos dos Machado de Carvalho e Silvio Santos (sócio da emissora à época) e passa às mãos do “religioso” Edir Macedo.

Com altos investimentos e reformulações da programação, a Record passa a adquirir emissoras e retransmissoras que a colocam em segundo lugar no Século XXI, ultrapassando o SBT, de Silvio Santos.

O pulo do gato para a liderança

Mesmo com muito dinheiro oriundo da IURD, a RecordTV (novo nome da cabeça da rede em 2015), a emissora não alcança a tão almejada liderança. No entanto, sua estratégia mudou a partir de 2010, quando o sobrinho de Edir Macedo passa a condição de senador pelo Rio de Janeiro, sede da sua principal rival: a Rede Globo. Marcelo Crivella aproveitou o apoio do PRB a Lula e se lançou com Lindberg Farias (PT). Elegeu-se. E mais recentemente, em 2016, foi o escolhido para ser o prefeito do Rio de Janeiro.

A IURD cresceu não apenas por seus próprios meios, mas também graças a dois equívocos profundos do PT. O primeiro foi devido ao aburguesamento do partido e sua cooptação pelo Estado capitalista, ele abandono do trabalho de base nos bairros proletários que herdou das Comunidades Eclesiais de Base e era forte até a década de 1980. O segundo erro foi o de não criar um forte aparato midiático próprio, sob a ilusão de que a trégua com a rede Globo e outras corporações, subsidiada por gordos patrocínios estatais fosse eterno. Agora, paga caro pelos dois erros.

O PRB tem dado apoio a Jair Bolsonaro. Mas é na RecordTV onde ele tem se apresentado como um “político moderado”. Os rompantes de ditador, que normalmente o acometem nas entrevistas para rádio, ou discursos inflamados para seus fiéis seguidores, são contrapontos perto dos momentos nos quais o capitão reformado do Exército Brasileiro atende às câmeras e usa os microfones do braço midiático da IURD.

Globo e Record, uma guerra que já dura quase três décadas

A guerra entre Globo e Record teve início com a prisão de Edir Macedo em 1992, acusado de charlatanismo, curandeirismo e estelionato. Macedo acusou a Igreja Católica e a Globo de estarem por trás da prisão. O que é verdade porque ele não é o único que pratica isso entre os religiosos e porque os que ele acusa de estarem por trás da prisão, também praticam o mesmo, cada um a seu modo. 

A guerra teve várias batalhas. A eleição de 2018 é mais uma delas.

Doze anos após a prisão de Macedo, em 2004, a emissora do neopentecostalista soltou a farpa, gerado pelo slogan “A caminho da liderança”: provocação à Globo, que, em represália, faz denúncias repetidas vezes sobre a ligação entre o bispo e sua forma “pouco ortodoxa” de professar a fé. A guerra pela audiência, por dinheiro de publicidade e poder, pode ter um novo capítulo caso Bolsonaro vença.

O braço político do bispo dono da RecorTV é o Partido Republicano Brasileiro, criado em 2005, quando já nasceu com dna governista. Nascido para dar suporte ao governo Lula, o PRB seguiu firme ao lado de Lula e, na sequência, elegeu e reelegeu Dilma. Mas em 2016, foi o primeiro a pular fora do barco da ex-comandante reeleita.

O capitão reformado do Exército e dublê de parlamentar (dois projetos aprovados em 28 anos de representação como deputado federal na Câmara dos Deputados) já adiantou onde estará, a partir do momento que exercer seu poder, em entrevista a um repórter do jornal O Globo, em dezembro de 2017. Ele falou claramente: reduzirá a parcela generosa da Globo na fatia, que hoje é de aproximadamente 80% do valor investido pela República, em publicidade oficial.

Ou seja: a Globo vem sendo ameaçada pela onda reacionária que ela própria alimentou nos últimos anos contra o PT e como parte da escalada golpista em geral. Agora a Globo pode ser superada durante a instalação de uma nova ditadura a qual a RecordTV deixou claro ter embarcado de carona no impeachment e estreitou seus vínculos ao apoiar Bolsonaro no meio da campanha eleitoral.

A proximidade com Bolsonaro pode ser o pulo do gato de Edir Macedo. A Record já ocupa o segundo lugar dentre as emissoras em audiência e em verbas federais. E juntamente com outras igrejas neopetenconstais controlam a prefeitura e estão prestes a fazer o mesmo no Estado do Rio de Janeiro, o segundo maior Estado do país e sede da Rede Globo.

A eleição de Bolsonaro faz parte da aposta de Macedo para se converter no momento da ultrapassagem sobre a Globo. Macedo deu a propulsão que animou Bolsonaro no domingo após o “#Ele não!” de 29 de setembro, ao transformar os púlpitos de todas as igrejas de sua IURD em palanque de defesa do capitão da caverna.

Mas não é só midiaticamente que os neopetenconstais ameaçam ultrapassar a Globo. Essa disputa é mais profunda do que por mera audiência. Trata-se da disputa ideológica pelo controle da população entre a doutrinação pós-moderna e a doutrinação fundamentalista. O neopetencostalismo é ainda mais funcional, pelo conformismo de sua religião da propriedade, a exploração do trabalho no novo ciclo de acumulação neocolonial e escravagista que o padrão global de idiotização.

A mídia é um espaço de disputa dentro da democracia burguesa, com todas as determinações que essa democracia possui em um país atrasado e subjugado como o Brasil, ou pode ser um espaço onde se prega a conformação com o destino traçado por “Deus” e por um mito que o represente na presidência do país.

Referências bibliográficas
AZEVEDO, Fernando Antônio. Mídia e democracia no Brasil: relações entre o sistema de mídia e o sistema político. Opin. Publica [online]. 2006, vol.12, n.1, pp.88-113.