segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

'PEDALADAS', GOLPE, O CAPITAL

“Pedaladas Fiscais”, Golpe de Estado e O Capital de Marx
Humberto Rodrigues

O imperialismo sempre cria as desculpas que lhe convém para justificar os Golpes de Estado: “crimes contra a humanidade” (Milosevic/Iugoslávia; Kadafi/Líbia); “armas de destruição em massa” (Saddam Hussein/Iraque); “violação da constituição” (Zelaya/Honduras); “mau desempenho de suas funções” (Lugo/Paraguai).

A forma do golpe varia entre invasões militares externas, golpes militares, golpes parlamentares, mercenários treinados pela CIA apresentados como “rebeldes”. Os motivos são fabricados junto à opinião pública mundial pela grande mídia imperialista. Por exemplo, para invadir o Iraque e depor Saddam Hussein, os EUA montaram uma campanha mundial midiática, na esteira da “guerra ao terror” de Bush, acusando o regime a ser golpeado de possuir armas de destruição em massa. Anos depois, foi comprovado que tal argumento não passava de mentiras (Com justificativa falsa, Iraque era invadido há 10 anos). 
Trata-se de propaganda de guerra contra o governo do país alvo. Em 2016, no Brasil, não foi diferente. As “pedaladas fiscais” foram uma justificativa para o Golpe de Estado no Brasil. Dilma foi deposta porque o Tesouro Nacional do Brasil atrasou de forma proposital o repasse de dinheiro para bancos e autarquias públicas, a fim de melhorar artificialmente as contas federais. Mas as tais “pedaladas” foram criadas a partir da capitulação do PT as regras herdadas do neoliberalismo e com as quais não rompeu. É importante destacar que a causa alegada pela direita para a realização do impeachment é, ela própria, decorrente da submissão do PT a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

GOLPE DE ESTADO RADICALIZOU O PARASITISMO LEGALIZADO
PELLEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL (LRF), IMPONDO
UM "NOVO REGIME FISCAL" DE ARROCHO EXTREMADO

Como explica o economista marxista Fábio Sobral, a LRF é na verdade uma irresponsabilidade fiscal, porque impõe uma contenção dos gastos sociais do Estado e do pagamento de seus trabalhadores para priorizar o pagamento da dívida pública. Após o Golpe de Estado consumado, a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 55/241 que tornou-se uma emenda constitucional e também ficou conhecida como “PEC do teto dos gastos públicos” que radicalizou essa política da LRF, pois na medida em que sobrava caixa para os investimentos sociais mesmo com a LRF, o novo governo golpista deteve essas políticas por 20 anos através da nova emenda constitucional que estabeleceu um “Novo regime fiscal” no país. Ao se submeter ao receituário neoliberal do qual essa Lei faz parte, assegurando a primazia do pagamento da dívida pública sobre o orçamento federal, o PT tornou-se refém de sua própria capitulação.

Em termos contábeis, as pedaladas seriam maquiagens que adiam despesas de um período para o outro, de forma que os balanços imediatos pareçam mais positivos do que realmente são. Mas a grande causa da negatividade dos balanços está no fato de que metade do orçamento nacional é devorado pelo pagamento da dívida pública ao capital financeiro. Como manter esse saque e ao mesmo tempo apresentar contas no azul? Impossível.

As “pedaladas” são derivadas das renúncias fiscais dos governos petistas. “A renúncia começou tímida com Lula em 2009, para enfrentar a crise global, e explodiu com Dilma, a partir de 2011; em 2012, no auge das desonerações, o governo federal transferiu para o setor empresarial R$ 142,5 bilhões; o Bolsa Família, que chega para 14 milhões de famílias, custa R$ 27 bi por ano” (Custo das desonerações fiscais soma R$ 458 bi, Brasil 247, 6 de setembro de 2015). 

Os empresários se beneficiaram pelas isenções fiscais de Lula e Dilma, mas não geraram novos empregos. Aplicaram tudo no mercado, estimulados pelas altas taxas de juros. O PT quis atender a todos os setores do capital e ao mesmo tempo manter uma demagogia social através da bolsa família (que efetivamente representa míseros 0,5% do PIB) e outras medidas que no frigir dos ovos permitem super ganhos ao capital financeiro, empreiteiras, montadoras, industriais, universidades particulares. Em 2015 a dívida pública chegou a representar 66,2% do PIB. No mesmo ano, a renúncia fiscal chegou a 15,7% do PIB (Renuncias fiscais foram de 928 bilhões de reais em 2015, diz tesouro). Isso gerou uma crise fiscal, que conduziu as “pedaladas”.

A primeira medida de um governo interessado no desenvolvimento nacional, seria rasgar a tal lei neoliberal para livrar-se das amarras ao orçamento nacional impostas aos parasitas do capital financeiro internacional e nacional. A verdadeira maquiagem contábil é feita a serviço desses sanguessugas para quem é assegurado o pagamento de juros da dívida pública avaliada hoje em mais de 3,3 trilhões de reais.

A LRF estabelecida nos neoliberais anos 90, estipulou limites para o tamanho dos “restos a pagar” deixados de um mandatário para seu sucessor. A tentativa de “zerar” os restos a pagar entre um governo e outro, foi, desde logo impraticável. Assim, atraso de pagamentos, ainda mais entre um mandato e outro de um mesmo governante reeleito, tornou-se corriqueiro desde a LRF nos governos federais, estaduais e municipais. O governo federal precisava atrasar pagamentos de benefícios, subsídios e subvenções concedidos por ele mesmo e cujos agentes repassadores seriam o Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES. Concluído o período fiscal sem desrespeitar as medidas draconianas impostas pela LRF, o TN repassava para os bancos públicos a quantia em atraso, cerca de 40 bilhões de reais, segundo o TCU. Até precisarem criar a qualquer custo uma desculpa para o Golpe parlamentar, tal fato nunca chamou a atenção do Tribunal de Contas da União (TCU) como crime de responsabilidade fiscal. Vale destacar que exatamente por ser essa acusação muito fraca, desprovida de qualquer base real, foi necessário desdobrar a acusação dizendo que os bancos públicos estavam financiando ilegalmente o Tesouro Nacional (TN), quando na verdade, o que ocorre é obviamente o contrário. O TN, como autoridade fiscal é quem possui a capacidade para emitir moeda (dívida) a qualquer momento, sem intermediários. O TN é o credor líquido, em geral em volumes robustos, dos seus bancos.

A DÍVIDA PÚBLICA N'O CAPITAL, DE MARX

A LRF, agora exponenciada no “Novo Regime Fiscal” do governo golpista, se destina a fazer caixa para a dívida pública. O endividamento público tornou-se um dos motores da acumulação capitalista através do Estado, como de forma simples e cristalina descreve Marx nO Capital:
“O sistema de crédito público, isto é, das dívidas do Estado, cujas origens encontramos em Gênova e Veneza já na Idade Média, apoderou-se de toda a Europa durante o período manufatureiro. O sistema colonial com seu comércio marítimo e suas guerras comerciais serviu-lhe de estufa. Assim, ele se consolidou primeiramente na Holanda. A dívida do Estado, isto é, a alienação do Estado — se despótico, constitucional ou republicano — imprime sua marca sobre a era capitalista. A única parte da assim chamada riqueza nacional que realmente entra na posse coletiva dos povos modernos é — sua dívida de Estado. (N. do A.) Daí ser totalmente consequente a doutrina moderna de que um povo torna-se tanto mais rico quanto mais se endivida. O crédito público torna-se o credo do capital. E com o surgimento do endividamento do Estado, o lugar do pecado contra o Espírito Santo, para o qual não há perdão, é ocupado pela falta de fé na dívida do Estado.
A dívida pública torna-se uma das mais enérgicas alavancas da acumulação primitiva. Tal como o toque de uma varinha mágica, ela dota o dinheiro improdutivo de força criadora e o transforma, desse modo, em capital, sem que tenha necessidade para tanto de se expor ao esforço e perigo inseparáveis da aplicação industrial e mesmo usurária. Os credores do Estado, na realidade, não dão nada, pois a soma emprestada é convertida em títulos da dívida, facilmente transferíveis, que continuam a funcionar em suas mãos como se fossem a mesma quantidade de dinheiro sonante. Porém, abstraindo a classe de rentistas ociosos assim criada e a riqueza improvisada dos financistas que atuam como intermediários entre o governo e a nação — como também os arrendatários de impostos, comerciantes e fabricantes privados, aos quais uma boa parcela de cada empréstimo do Estado rende o serviço de um capital caído do céu — a dívida do Estado fez prosperar as sociedades por ações, o comércio com títulos negociáveis de toda espécie, a agiotagem, em uma palavra: o jogo da Bolsa e a moderna bancocracia.” K. Marx, O Capital, Capítulo XXIV, “A Assim Chamada Acumulação Primitiva”, 6. Gênese do capitalista industrial”,1867
Para financiar-se ou refinanciar-se, para sustentar-se, os Estados capitalistas precisam encontrar compradores para seus títulos da dívida. Para Maria Lucia Fattorelli “a dívida é um mega esquema de corrupção institucionalizado’”, Carta Capital, 9 de junho). Enquanto favorece a sobreacumulação de capital das metrópoles, a dívida pública é instrumento de ampliação da escravidão das colônias e semicolônias. Faça o que eu digo não faça o que eu faço. Os EUA e o capital financeiro internacional usufruem de privilégios alimentados pelas regras draconianas que impõem aos países subjugados. Enquanto praticam os menores juros do mundo através do FED, o seu Banco Central, os EUA estimulam bancos centrais e governos marionetes como o do Brasil a praticarem os maiores juros do mundo. Enquanto pintam papel, transformam-no em dólar e possuem a maior dívida pública do planeta, os EUA orientam a emissão de reais pelo TN brasileiro apenas em favor do pagamento da dívida pública e de seus juros e condenam o “endividamento desenfreado” do Brasil. O imperialismo impõem amarras desde a Constituição Federal (Art. 167) agravadas na LRF que proíbem, por exemplo, ao governo brasileiro que emita títulos de dívida pública para dobrar os salários dos servidores públicos federais em greve.

De modo que o TCU instrumentalizado pelos golpistas acusou Dilma pelo crime de atrasar os repasses devidos aos bancos públicos no valor de 40 bilhões de reais, enquanto o verdadeiro crime contábil e irresponsável contra o futuro do país é praticado pelo capital financeiro anualmente sobre o orçamento federal através de uma dívida pública maior que 3,3 trilhões.

O NASCIMENTO DE UM REGIME DE EXCEÇÃO

A trama política do impeachment em si, foi desde sua gênese um processo de EXCEÇÃO aberto tão somente para condenar Dilma por uma prática contábil realizada desde a instituição da LRF, pelo presidente FHC, por governadores e prefeitos.
De acordo com o então ministro da justiça Eduardo Cardozo, o procedimento ocorria desde o ano de 1994 e foi usado nos governos de Fernando Henrique Cardoso e Lula.[7] Já para a Advocacia Geral da União (AGU), esta prática ocorre desde o ano 2000.[2] No entanto ganhou proporções inéditas nos anos de 2013 e 2014.[8] Segundo números do Banco Central do Brasil, no fim dos anos de 2001 e 2002 (governo FHC) elas somaram R$ 1 bilhão e R$ 948 milhões, respectivamente,[9] o que representava de 0,03% a 0,11% do Produto Interno Bruto (PIB).[10] Já no fim de 2013 e 2014, no governo Dilma, os valores chegaram a R$ 36,07 bilhões e R$ 52 bilhões, respectivamente[9], o que representava 1% do PIB.[10] (Wikipedia, Pedalada Fiscal)
Deposta Dilma, 48h após, a prática foi legalizada pelo mesmo congresso que a depôs. (Após impeachment, Senado transforma pedaladas em lei).

Para impor a lambança que pretendem, levando ao extremo a "austeridade fiscal”, é preciso aprofundar a injustiça cometida contra a população trabalhadora na mesma medida que privilegia os setores burgueses golpistas. Como vimos com os outros povos, a justificativa para o Golpe é um mero detalhe a ser exaustivamente explorado. E por pior que tenha sido a política do PT, não se pode pôr um sinal de igual entre os ataques sofridos pelos trabalhadores antes do Golpe com os sofridos depois e que se aprofundam agora.

A reconstrução do movimento de massas exige a ruptura com a política neoliberal praticada também pelo PT. As pedaladas do capital financeiro impõem a irresponsabilidade política para com o futuro do país a qualquer governo que a elas se submetam.

O combate a LRF, a Nova política fiscal e o assalto a riqueza nacional produzida pela população trabalhadora é uma condição para fazermos avançar nossa luta anti-imperialista e anticapitalista. A dívida pública precisa ser abolida (e não apenas “auditada” como defendem os reformistas), os bancos privados nacionalizados e todos os setores chaves da economia estatizados sob o controle dos trabalhadores. A instituição de um banco único controlado pelos trabalhadores bancários e pela população trabalhadora usuária sobre a base da estatização de todo o sistema de crédito é uma exigência da emancipação do país.

Rompido com o parasitismo do capital financeiro será possível investir maciçamente os fundos do Estado na atrofiada estrutura do país, fazer um ambicioso plano de obras públicas para contratar em massa os desempregados para reconstruir a malha ferroviária, metrôs, projetos contra a falta de água, escolas, universidades, hospitais, conjuntos habitacionais, etc.

Tais reivindicações só podem ser plenamente alcançadas no contexto da luta pela construção de Comitês Populares que apontem uma alternativa ao curso cada vez mais reacionário e militarizado do regima golpista, defendendo um governo dos trabalhadores para emancipar toda a nação oprimida do imperialismo e seu parasitismo.

Nota:
William Cobbett observa que, em Inglaterra, todas as instituições públicas são designadas como «reais»; em compensação há, contudo, a dívida «nacional» (national debt). (Nota de Marx.)