quinta-feira, 27 de novembro de 2014

ESTADOS OPERARIOS E RESTAURAÇÃO CAPITALISTA

Camboja, Vietnã, Laos e Etiópia

Disponibilizamos aos nossos leitores um documento sobre as revoluções afro-asiáticas, o caráter de classe do Camboja, Vietnã, Laos e Etiópia e os processos de restauração capitalista nestes países, redigido pelos camaradas do Socialst Fight britânico. Original em inglês: The Marxist theory of the state: Deformed and Degenerated Workers' States And capitalist States.
Mao esmagou a greve dos trabalhadores que saudaram o ingresso de seu "Exército Vermelho" em Pequim, em 1949. Sob a influencia maoísta, o Camboja / Kampuchea não era um Estado operário deformado até sua invasão pelo Vietname, em 1978. Por isso, Peng Shuzi está errado quando raciocina assim:

“Em nossa opinião é a de que sob o regime de Pol Pot, o Camboja foi muito contraditório. Por um lado, Pot havia confiscado as propriedades da burguesia e estabelecido relações de propriedade socialistas; sobre este ponto básico, era um Estado operário. Mas, por outro lado, uma vez que ele foi o mais estúpido e mais brutal entre os burocratas stalinistas, um açougueiro que matou mais de um milhão de pessoas, o seu regime era uma ditadura brutal profundamente odiada pelo povo cambojano. Do ponto de vista dialético, a progressividade das suas nacionalizações da propriedade não pode ser negada, e deve ser apoiada. Mas o seu aventureirismo cego por abolir toda a moeda e interromper todo o comércio devem ser criticados; assim como a seu terrível dominio burocrático, ele deve ser duramente desmascarado e denunciado. Mas o SWP possui opiniões diferentes. Ele ressaltou os crimes da ditadura burocrática e negou o fato do confisco da propriedade privada por Pot, sendo assim definiu o Camboja como um país capitalista. Tal ponto de vista é estranho, porque um país capitalista sem propriedade privada e sem comércio nunca existiu no mundo. Como Cuba apoiou ao Vietnam, o SWP também seguiu a burocracia castrista e também apoiou o lado do Vietnã neste conflito. [I]

Tropas vietnamitas invadem o Camboja em 1979
Antes da invasão do Vietnã o Camboja não era um Estado operário, não só porque Pol Pot não mobilizou a classe trabalhadora de forma alguma para derrubar as relações de propriedade, mas porque ele imediatamente dizimou não só aos capitalistas, mas também a classe trabalhadora; na verdade seu primeiro ano no poder já destruiu toda a cultura moderna do país. Peng diz: "Tal ponto de vista é estranho, porque um país capitalista sem propriedade privada e sem comercio nunca existiu no mundo". Mas um Estado operário sem uma classe trabalhadora ou comércio nunca existiu e nunca poderá existir. Pol Pot fez com que o país retrocedesse ao barbarismo pré-capitalista. Como Wikipedia relata: "ele havia deixado a República Popular de Kampuchea [fundada pela Frente de Salvação, em 1979, após a invasão vietnamita - nota do SF] com muito pouco para recomeçar, pois não havia aparato repressivo policial, escolas, livros, hospitais, correios, telecomunicações, sistema jurídico e nem mercados, seja estatal ou privados". [A].

Peng também não conseguiu ver a situação de conjunto, a invasão por parte do Vietnã foi historicamente progressista e, sem dúvida, a República Popular do Kampuchea (1979-1989) se tornou um Estado operário deformado sob o governo da Frente de Salvação. Foi apoiado pela URSS, Vietnã e Cuba, mas enfrentou a oposição da China, Grã-Bretanha, dos EUA e os países da ASEAN, o que o impediu de obter um assento na ONU e reconhecimento internacional. As "democracias", servilmente apoiadas pela China, continuaram a apoiar os restos do exército de Pol Pot e duas outras forças guerrilheiras pró-imperialistas até que o regime não suportou a instabilidade e capitulou inteiramente. O Estado tornou-se abertamente capitalista em 1989. O chamado marxismo-leninismo foi abandonado como ideologia de Estado em 1991. A monarquia foi restaurada em 1993. Tailândia e China forneceram ao genocida Pol Pot grandes quantidades de armamentos concedidos pelo ocidente imperialista.

Já em 1986 o Vietnã foi reconvertido em Estado capitalista, sendo o primeiro Estado Operário Deformado a ser abolido “à frio” no período do "colapso do comunismo".

No VI Congresso Nacional do Partido Comunista do Vietnã, em dezembro de 1986, políticos reformistas substituiram o governo da "velha guarda" por uma nova direção. Os reformadores foram conduzidos pelo velho Nguyen Van Linh, de 71 anos, que se tornou o novo secretário-geral do partido. Linh e os reformadores implementaram uma série de reformas de livre mercado - conhecido como đối moi ("Renovação") – que conseguiu realizar cuidadosamente a transição de uma economia planificada para uma "economia socialista orientada para o mercado". Embora a autoridade do Estado tenha permanecido incontestada sob đối Moi, o governo incentivou a apropriação privada de fazendas e fábricas, a desregulamentação econômica e do investimento estrangeiro, mantendo controle sobre setores estratégicos. A economia vietnamita passou posteriormente por um forte crescimento na produção agrícola e industrial, construção, exportações e do investimento estrangeiro. No entanto, estas reformas também causaram um aumento na desigualdade de renda e disparidades entre os sexos. [II]
Guerrilheiro vietnamita, sem dedos e sem mão,
enterra mina contra ocupação militar dos EUA

Os Estados operários deformados foram transformado nos Estados capitalista do Vietnã e do Camboja, controlado por "governos marxista-leninistas" quando decidiram promover o capitalismo como a fonte de seus privilégios e o planejamento estatal foi dirigida a esse objetivo. Embora o Vietnam efectivamente controlasse o Estado do Camboja através de sua influência sobre a Frente de Salvação, eles foram incapazes de restaurar um Estado capitalista lá até 1989, porque a guerra contínua contra os EUA / China / exércitos guerrilheiros tailandesas na fronteira com a Tailândia tornou até então impossível um compromisso com o imperialismo. O fato de que o imperialismo foi capaz de forçar aos "marxista-leninistas" dirigentes no Camboja a resistir por mais tempo à restauração, mas não no Vietnã ou no Laos não altera a dinâmica da situação.

Agora resta-nos observar o proceso no Laos para completar o quadro no sudoeste asiático. O Laos tornou-se um Estado operário deformado em 1975 com a queda da monarquia constitucional de Sisavang Vong, derrubado pelo movimento comunista Pathet Lao com o apoio do Vietnã. De todo o planeta, o Laos é a nação que sofreu mais fortemente bombardeios per capita de sua população:

Durante a Guerra do Vietnã, os EUA estendeu as operações de combate ao vizinho Laos. Secretamente, os EUA bombardeou de forma generalizada quase todos os cantos do país... O Laos perdeu mais de 30.000 vítimas durante os bombardeios, mais de 20.000 pessoas morreram após o fim dos bombardeios em 1974 devido aos restos de munições não detonadas. Muitas outras dezenas de milhares foram desnecessariamente evacuadas. Um relatório da ONU observa que o Laos é per capita o país mais bombardeado do planeta, tendo 0,84 toneladas de explosivos sido lançada por pessoa, entre 1965 a 1974. [III]

O artigo da Wikipedia sobre o Laos afirma:

“A República Democrática e Popular do Laos, juntamente com a China, Cuba, Vietnã e Coréia do Norte é um dos cinco países socialistas restantes do mundo. O único partido político legal é o Partido Popular do Laos Revolucionária (LPRP). O chefe de Estado é o presidente Choummaly Sayasone, que também é o secretário-geral do Partido Revolucionário Popular do Laos. O chefe de governo é o primeiro-ministro Thongsing Thammavong, que também é um membro sênior do Politburo. As políticas do governo são determinados pelo partido através dos todo-poderosos onze-membro do Politburo do Partido Revolucionário Popular do Laos e do Comité Central 61-membro do Partido Revolucionário Popular do Laos. Decisões importantes do governo são avaliadas pelo Conselho de Ministros. A República Socialista do Vietnã mantém uma influência significativa sobre o Politburo do Laos e no aparelho do Estado comunista de partido único e militar.” [IV]

Defendemos que só Cuba e Coréia do Norte são agora Estados operários deformados e que a China, Vietnã e Laos já são Estados capitalistas governados por "partidos marxista-leninista", e que o conjunto do seu aparato burocrático do Estado incentiva e desenvolve a propriedade capitalista relações na economia. Na China, uma nova burguesia surgiu, principalmente dos filhos dos melhores burocratas do Partido Comunista que são milionários e bilionários agora. Isso não tem progredido nessa medida no Vietnã e Laos, mas ele está se movendo nessa direção muito claramente.

A nova Constituição do Laos, de 1991 contém uma cristalina indicação de que o Estado tornou-se burgués, indentificando quais as relações de propriedade o Estado protege e defende [ Para o Comitê de Ligação pela IV Internacional, composto pela LC, TMB e SF, a natureza de classe de um Estado é determinada pelas relações de propriedade que ele defende e / ou se esforça para desenvolver ]:

Poster de propaganda comunista do Laos
O capítulo sobre o sistema sócio-econômico não menciona o estabelecimento do socialismo, o principal objetivo do dogma anterior. Em vez disso, o objetivo da política econômica é o de transformar a "economia natural em uma economia de bens." A propriedade privada parece ser assegurada mediante a afirmação de que o "Estado protege o direito de propriedade", incluindo o direito de transferência e herança. O Estado está autorizado a realizar tarefas como gestão da economia, proporcionando educação, ampliando a saúde pública, e cuidando dos veteranos de guerra, dos idosos e dos doentes. A constituição adverte que "todas as organizações e cidadãos devem proteger o meio ambiente". [V]

Houve oposição ao dominio do país pelo partido único para chancelar um parlamento burgués no Laos. No entanto, o principal representante político desse movimento foi derrotado.

"Em 1990, o vice-ministro da Ciência e Tecnologia Thongsouk Saysangkhi demitiu-se do governo e do partido, reivindicando uma reforma política. Ele morreu na prisão em 1998" (Wikipedia). Agora o artigo da Wikipedia nos informa sobre as consequências da restauraçao: o Laos é um membro da OMC, desapareceu o monopólio do comércio exterior e foi criada uma bolsa de valores no país:

O Laos é um membro do Acordo de Asia-Pacific Trade (APTA), da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), East Asia Summit e La Francophonie. O Laos solicitou a adesão à Organização Mundial do Comércio (OMC) em 1997, e em 2 de fevereiro de 2013, foi concedida sua adesão plena... Em 2009, apesar do fato de que o governo ainda ser oficialmente comunista, a administração Obama, nos EUA, declararam que consideram que o Laos deixou de ser um Estado marxista-leninista e suspendeu a proibição de empresas do Laos que recebem financiamento de os EUA através do Export-Import Bank. Em 2011, o Lao Securities Exchange começou a funcionar. Em 2012, o governo iniciou a criação do Portal Trade Laos, um site que reune todos as informação comerciais necessárias a importação e exportação de mercadorias para o país. [VI]

O Laos já não é um Estado operário deformado, no entanto, é, com o Vietnã, (e Camboja), uma nação oprimida semi-colonial que deve ser defendida incondicionalmente contra o imperialismo, mas isso não significa defendê-lo de forma acrítica ou apoiar a política de seus governos. Temos a obrigação de defender a Rússia e China contra as tentativas do imperialismo para desmembrar-los através do apoio a movimentos pró-imperialista na Georgia, Tibet, etc.

Comício do Partido dos
Trabalhadores da Etiópia em 1985
A Etiópia foi apresentada entusiasticamente como um Estado operário [ B ] por Ted Grant [ C ], assim como vários outros Estados africanos poderiam ser qualificados da mesma forma pois seus governos se proclamaram os marxistas-leninistas e defensores do "socialismo científico". No entanto, para qualquer um que quisesse acompanhar as transformações reais no país, ele sofreu um proceso muito parecido com o ocorrido na Birmânia ou o Egito de Nasser, dominados por governos violentamente hostis à independência política da classe trabalhadora organizada e a realização de não mais que uma nacionalização para defender o desenvolvimento de uma classe capitalista nativa. A propriedade privada dos meios de produção não foi abolida, apenas suspensa até que as forças produtivas ficassem fortes o suficiente para competir no mercado mundial. O fato de que a quase totalidade destes países (a exceção dos Tigres Asiáticos impulsionados pelo imperialismo para presionar a China) adotarem políticas neo-liberais quando se tornou evidente que as empresas imperialistas transnacionais nunca permitiriam que eles fortalecessem suas economias é uma prova suficiente de que tais nações nunca foram qualquer tipo de Estado Operário Deformado.

Notas

I. Peng Shuzi, Ver Peng Shuzi, críticas sobre o parecer da SWP dos EUA em Cuba, http://www.marxists.org/archive/peng/1982/oncubavswp.htm.

A. Nota da LC – Com esta posição superamos a inconsistencia programática da caracterização que herdamos acerca do Camboja, quando acreditábamos que o país havia sido um Estado operário deformado entre 1975 e 1979 e que teria sido destruido pela invasão vietnamita. Na verdade, existiam mais elementos para una nueva construção social entre as Cidades-Estado sumerias que existiram há 6.000 anos atrás, que já possuiam escritura, livros, comércio, etc. que no Camboja sob o regime de Pol Pot, que foi uma expressão extremada do stalinismo criada contraditoriamente a partir das extremas atrocidades cometidas pelo imperialismo na Indochina.

II. Vietnã, Wikipedia. http://en.wikipedia.org/wiki/Vietnam

III. Ataques dos EUA no Laos 1965-1973, http://peterslarson.com/2010/12/15/us-bombings-in-laos-1965-1973/

IV. Wikipedia Laos, http://en.wikipedia.org/wiki/Laos

V. Ibid.

VI. Ibid.

B. Nota da LC e da TMB – Deixaremos para uma análise posterior os casos de Angola, Moçambique, Yemen do Sul, etc. E de como estes países se converteram (ou não) em Estados operários.


C. Ted Grant (1913-2006) foi um dirigente trotskista británico que tem duas tendencias internacionais centristas como seus herdeiros políticos: O CIT, dirigido por Peter Taaffe, é o Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores (CIT ou CWI em inglês) tem como seção no Brasil a LSR do PSOL. O CMI (ou IMT, em inglês), dirigido por Allan Woods, é a Corrente Marxista Internacional que tem como seção brasileira a corrente Esquerda Marxista do PT (EMPT). Trata-se de duas tendências internacionais com maior número de seções.
Grant, Taaffe, Woods faziam parte do Militant britânico até a explosão do mesmo em 1991. A raiz da explosão foi a caracterização dos partidos trabalhistas e social democratas. Enquanto a minoria, dirigida por Grant e Woods, seguia caracterizando-os como partidos operários burgueses, o que justificaria seguir com a política de entrismo dentro deles, a maioria, dirigida por Taaffe, afirmava que tais partidos não tinham mais nenhum caráter operário e que, portanto, já eram partidos burgueses sob os quais não era legítima a tática do entrismo. As diferenças se expressaram em vários terrenos, por exemplo, em relação a um imposto criado pelo Partido Conservador, o poll-tax, um imposto per capita contra o qual o Partido Trabalhista não queria lutar. A maioria do Militant, sob a pressão de enormes manifestações de massas, queria derrotar o imposto, enquanto a minoria considerava que não era politicamente conveniente lutar contra o imposto para não ter que enfrentar-se com o Partido Trabalhista. Foi então que o setor majoritário, dirigido por Taaffe, expulsa o setor minoritário de Grant e Woods.
Grant revisou os fundamentos do trotskismo já em 1940, baseado em uma profunda incompreensão do caráter do Estado, um dos elementos centrais do próprio marxismo, revisão que está na base de todo o reformismo da petista EMPT e do psolista LSR. As duas alas herdeiras de seu legado caracterizam aos policiais, carcereiros e agentes de segurança como “trabalhadores de uniforme”, que devem compartilhar dos mesmos sindicatos com os demais servidores públicos, utilizando a velha justificativa oportunista de que assim estaríamos dividindo o aparato repressivo. Assim como assumem posições pró-imperialistas com relação às questões irlandesa, palestina, Malvinas, primavera árabe,...