sábado, 31 de março de 2012

FUA E REVOLUÇÃO PERMANENTE

CLQI lança livreto A tática da Frente Única Antiimperialista
e a estratégia da Revolução Permanente
contra a atual ofensiva imperialista
Índice
Revisando o revisionismo, retomar o caminho de
Lenin e Trotsky na defesa da Frente Única Antimperialista
(Apresentação - por LC e TMB)
A FUA é a tática, A Revolução Permanente é a estratégia
atual diante das guerras imperialistas no mundo semi-colonial
Introdução
História da FUA
Trotsky explica a FUA
1. Contra James Maxton do Partido
Trabalhista Independente britânico (1936)
2. Contra o Eiffelites na China (1937)
3. E sua famosa posição hipotética sobre o Brasil (1938)
Igualando a FUA com o frente populismo
As Malvinas, quando orelhas de jumento
se sobressaem no chapéu do ortodoxo trotskista
Concepções reacionárias sobre os controles de imigração
Calúnia contra Lenin sobre a Turquia
A FUA é a tática / a metodologia da luta
As conclusões metodológicas do comunismo
Notas Finais
Siglas das organizações internacionais e nacionais citadas

Revisando o revisionismo, retomar o caminho de
Lenin e Trotsky na defesa da Frente Única Antimperialista
Apresentação - por LC e TMB

Apresentamos aos nossos leitores um documento elaborado pelo grupo Socialist Fight da Grã Bretanha, redigido pelo camarada Ret Marut. O texto traz concepções que foram expressas nas últimas declarações assinadas em comum pelo Comitê de Ligação pela IV Internacional (CLQI) do qual fazem parte a Liga Comunista do Brasil, a TMB argentina e o próprio SF britânico.

A CLQI considera a intervenção imperialista na Líbia como um divisor de águas no movimento trotskista mundial. Esta intervenção deu início a uma nova cruzada recolonizadora que depois das ocupações do Afeganistão e Iraque, tem como próximos alvos imediatos a Síria e o Irã e como estratégia o controle absoluto das fontes energéticas da África e Ásia. A Líbia foi uma prova de fogo em que muitas correntes se queimaram, assim como capitularam à restauração capitalista na URSS e a ampliação da OTAN na intervenção militar contra a Iugoslávia na década de 1990.

Na Líbia, consideramos que a única posição marxista revolucionária e internacionalista foi a de invocar a derrota do imperialismo e seus agentes golpistas líbios e convocar uma frente única antiimperialista com Kadafi e contra a intervenção sem emprestar qualquer apoio político ao regime burguês líbio. A cada novo desdobramento deste conflito – como o estabelecimento de um governo títere, a continuidade da guerra civil no país com a resistência retomando cidades e o serviço prestado pelos novos títeres líbios na eminente intervenção na Síria – nossa política comprova seu profundo acerto na mesma medida em que salta aos olhos a grave capitulação ao imperialismo da grande maioria das correntes centristas e revisionistas.

No documento, ilustram as polêmicas sobre a FUA também a questão chinesa na primeira metade do século XX, a guerra das Malvinas, o controle de imigrações, Turquia, etc. O autor polemiza contra a chamada “família espartaquista” (LCI, TBI) assim como contra os neoshatmanistas do COFI, corrente dirigida pela LRP dos EUA e o COREP, dirigido pela Grupo Bolchevique francês, herdeiro do legado teórico do ex-lambertista Stephan Just.

A frente única antiimperialista atravessou o século XX e confirma sua vigência histórica no século XXI desde a eclosão dos conflitos no Afeganistão, Iraque, Haiti, Líbia e agora Síria e Irã, onde os revolucionários são obrigados a tomar o lado da resistência antiimperialista qualquer que seja ela.

Também rejeitamos o mito anti-marxista de que a frente antiimperialista deva se restringir a uma aliança militar “para se manter dentro da pureza principista”. Como marxistas reconhecemos que a guerra é a continuação da política por outros meios.

O principal artífice ao lado de Lenin da maior revolução proletária que a humanidade já conheceu nos ensina sob que condição podem os trabalhadores fazer uma aliança tática com a burguesia nacional contra o imperialismo: “A única ‘condição’ para qualquer acordo com a burguesia, pois cada acordo separado, prático e conveniente deve ser adaptado a cada caso concreto, consiste em não permitir que tanto as organizações quanto as bandeiras se misturem diretamente ou indiretamente por um único dia ou sequer uma hora; consiste em distinguir entre o vermelho e o azul, e em não acreditar por um instante sequer na capacidade ou vontade da burguesia em realizar uma luta genuína contra o imperialismo ou não colocar obstáculos para a organização política dos operários e camponeses". (Leon Trotsky, A III Internacional depois de Lenin, Balanços e perspectivas da Revolução chinesa, suas lições para os países do oriente e para toda a Comitern, setembro de 1928).

É importante destacar que Mao rompeu empiricamente, por uma questão de sobrevivência com a orientação de Stalin e que, tão logo triunfou a revolução chinesa, tratou de degolar a ala esquerda da grande marcha e na década  de 1970 pactuou uma frente única com o imperialismo contra a URSS e o Vietnã.

Não é por acaso que a “família espartaquista”, em quase meio século de existência, foi incapaz de fundar uma sólida seção em países semi-coloniais, pois renegaram a tática da FUA por princípio, capitulando assim à sua própria burguesia imperialista e por isto são vistos como porta-vozes “trotskistas” de sua própria burguesia pela vanguarda proletária do mundo imperializado.

A TMB se originou do PBCI argentino. A LC, da LBI brasileira. PBCI e LBI (ambas advindas da tendência internacional impulsionada pelo Partido Obrero de Jorge Altamira), sendo organizações de países semi-coloniais, incorporam de forma contraditória e suicida o revisionismo das correntes pequeno burguesas das nações imperialistas e particularmente da família espartaquista. O escritor Rufino Fombona costuma dizer que os povos dominados latino americanos, ao não saber manejar de forma dialética a cultura do colonizador e ao copiá-la de forma mecânica, pareciam com o orangotango que na tentativa de imitar um homem se barbeando degolava-se. Ao copiarem simiamescamente o desvio espartaquista o PBCI se degolou, convertendo-se em uma ONG e a LBI, convertida em uma seita virtual, caminha na mesma direção.

Este debate não se circunscreve à crítica à família espartaquista, ao COREP ou ao COFI, criticados no conteúdo do texto dos camaradas de SF. Este debate perpassa todas as organizações que se dizem antiimperialistas hoje, muitas das quais, em nome do trotskismo, adotaram um terceiro campo ideal, neutro, entre o imperialismo e a nação oprimida na Líbia, Síria e Irã. A neutralidade diante de uma guerra entre um país oprimido e um país imperialista representa para os marxistas uma escandalosa cumplicidade tácita com a nação opressora.

A “família espartaquista” opõe a concepção da FUA – aprovada como parte das Teses do Oriente, em novembro de 1922 pelo IV Congresso da III Internacional Comunista, ou seja, antes da stalinização da URSS e da Internacional fundada por Lenin – às Teses da Revolução Permanente de Trotsky redigidas em 1930. A “família” reivindica uma sagacidade teórica superior a de Lenin e Trotsky que não notaram o germe da colaboração de classe frente populista nas Teses do Oriente. Esta “descoberta” serve sobretudo à capitulação espartaquista à sua própria burguesia imperialista por toda a existência de sua corrente do que a uma crítica criteriosa aos limites contidos nas formulações de 1922. Como afirmam as Teses do Oriente em sua denúncia dos desvios obreiristas:

“a negativa dos comunistas das colônias em participar da luta contra a opressão imperialista sob o pretexto da ‘defesa’ exclusiva dos interesses de classe é a conseqüência de um oportunismo da pior espécie que não pode senão desacreditar a revolução proletária no Oriente. Não menos nociva é a tentativa de afastar-se da luta pelos interesses cotidianos e imediatos da classe operária em nome da ‘unificação nacional’ ou de uma ‘paz social’ com os democratas burgueses”.

A tática da FUA que se fez necessária na Líbia, agora é exigida na Síria para qualquer grupo que se reivindique minimamente antiimperialista. Damasco sofre uma investida golpista similar a tantas outras que vimos na história, agora na esteira da multifacetada e predominantemente falaciosa “primavera árabe”. O imperialismo patrocina o golpismo por meio de agentes internos, massacres fictícios midiáticos ou chacinas reais com falsa bandeira, impõe bloqueio econômico, sanções internacionais, boicotes, bloqueio naval-militar, todos componentes típicos da política imperialista.
Em 1937 e 1938 quando Lazaro Cárdenas nacionalizou a rede ferroviária e o petróleo mexicanos, um golpe pró-imperialista manietado pela Grã Bretanha foi orquestrado contra seu governo. O general Saturnino Cedillo se insurgiu contra Cárdenas. Na época, Trotsky defendeu uma frente antiimperialista contra a Grã-Bretanha:

“Tanto cronológica como logicamente, o levante do general Cedillo é resultado da política de Chamberlain. A Doutrina Monroe ‘aconselha’ ao almirantado britânico a abster-se de realizar um bloqueio naval-militar sobre as costas mexicanas. Devem atuar por meio de agentes internos, que, na realidade não agitam abertamente a bandeira britânica, ainda que favoreçam aos mesmos interesses a quem serve Chamberlain, os interesses de uma quadrilha de magnatas do petróleo. Podemos estar seguros de que as negociações de seus agentes com o general Cedillo não foram incluídas no Livro Branco publicado pela diplomacia britânica há uns poucos dias. A diplomacia imperialista realiza seus principais negócios amparada pelo segredo... Não estamos pensando neles mas nos operários com consciência de classe no mundo inteiro. Sem sucumbir as ilusões e sem temer as calúnias, os operários avançados apoiarão completamente ao povo mexicano em sua luta contra os imperialistas... O proletariado internacional não tem nenhuma razão para identificar seu programa com o programa do governo mexicano. Os revolucionários não tem nenhuma necessidade de mudar de cor e prestar homenagem à forma como a escola de cortesãos da GPU, que em um momento de perigo, vende e trai os mais fracos. Sem renunciar à sua própria identidade, todas as organizações honestas da classe trabalhadora no mundo, principalmente as da Grã-Bretanha, têm o dever de assumir uma posição irreconciliável contra os ladrões imperialistas, sua diplomacia, sua imprensa e seus mercenários fascistas. O caso do México, como a causa de Espanha, como a causa da China, é a causa do proletariado internacional. A luta pelo petróleo mexicano é apenas uma das escaramuças das batalhas futuras entre os opressores e os oprimidos" (Leon Trotsky, O México e o imperialismo britânico, 05/06/1938).

Em que reconheçamos as inúmeras diferenças entre o México de 1938 e a Síria (e em seguida o Irã) do século XXI, a luta de classes continua sem deixar intacto o lugarzinho do terceiro campo imaculado e “obreirista”. Agora e por enquanto, a instabilidade da zona e o crescimento da resistência antiimperialista “aconselha” ao imperialismo a intervir por meio dos agentes internos, camuflado pelos mercenários da CNT, do “Exército Livre da Síria” e da oposição burguesa teocrática no Irã. Todas as organizações honestas da classe operária no mundo inteiro, e principalmente nos países imperialistas que participam do cerco e das condenações à Síria hoje (aos quais se somam os governos do Brasil e Argentina), têm o dever de assumir uma posição irreconciliável contra os ladrões imperialistas que fazem da re-colonização da Síria uma escalada para o cerco ao Irã e o controle por completo o petróleo do Oriente Médio.

Os adversários teóricos da FUA (Espartaquistas, COREP e COFI,...) sendo originários de países imperialistas devem ser desmascarados por sua posição vergonhosa terceiro-campista na Libia, por cederem a pressão de suas próprias burguesias nos EUA, Grã Bretanha e França. Mas esta grave capitulação das correntes do centro do sistema é tragicamente simétrica aos desvios das correntes da periferia como os grupos ligados ao Partido Obrero dirigido pelo caudilho Jorge Altamira e os grupos que reivindicam o legado de Nahuel Moreno na Argentina e Brasil. O Partido Obrero, dirigente da CRCI (que reivindica a FUA) e o PSTU brasileiro (que despreza historicamente a FUA), e que dirigem as duas maiores tendências destas famílias pseudo-trotskistas em nossos países, falsificaram completamente a realidade. O PO, por exemplo, cria um cenário fictício: “Chamamos a solidariedade mais ampla com a luta do povo sírio, em oposição completa a uma intervenção imperialista na Síria que, em definitiva será uma intervenção contra a revolução, como ocorreu na Líbia” (PO, “Siria: Al Assad goza de la complicidad del imperialismo y del sionismo”, 22/03/2010). Tais delírios aparentes conduzem estas organizações a adotar objetivamente o campo do imperialismo na recolonização destes países oprimidos. Esta interpretação completamente distorcida da realidade é resultado da capitulação da esquerda pequeno burguesa e revisionista aos novos tempos pós-URSS onde, sob o intenso bombardeio midiático imperialista, os “revolucionários modernos” simplesmente não se contrapõem ao senso comum dominante para, seja pela via do cretinismo eleitoral, parlamentar ou sindical, constituir um aparato com o qual possam usufruir do regime globalizado burguês. Mas, no quesito cretinismo pró-imperialista, a LIT se destaca com larga vantagem sobre a CRCI altamirista: a Conlutas e o PSTU estiveram juntos com mercenários da CIA brasileiros na tomada da Embaixada líbia em Brasília, dando uma fachada de esquerda à invasão da representação diplomática da nação oprimida por agentes do imperialismo. A propósito, um dos estilhaços do velho centro morenista, a LOI-DO argentina, chega a exceder os desvios da LIT a ponto de embelezar de contornos soviéticos os esquadrões para-militares armados pela CIA na Líbia e na Síria.

A defesa principista da FUA e o internacionalismo proletário são interdependentes. Basta ver o ocaso da corrente que foi paladina da FUA no continente latino americano, o POR boliviano dirigido por Guillermo Lora, o partido quem melhor posicionado esteve diante de um levante proletário em todo planeta. Além dos erros mencheviques cometidos pelo jovem POR na revolução de 1952 e do partido chegar a deformar a tática da FUA a ponto de convertê-la em estratégia, os remanescentes da corrente lorista demonstram mais uma vez que nunca entenderam nada propriamente sobre a FUA. Na recente recolonização da Líbia, os loristas brasileiros foram incapazes de esboçar qualquer discernimento independente diante do ataque imperialista, sendo arrastados para o mesmo pântano em que se afogaram outros pseudo-trotskitas: “O POR declara apoio à revolta popular. Pelo fim do regime reacionário! Abaixo a ditadura de Kadafi!... Viva o levante popular na Líbia! (site do POR, “Declaração do Partido Operário Revolucionário sobre a crise revolucionária na Líbia”, 23/02). Isto mostra que a defesa da FUA pelo lorismo sempre foi mais um subproduto dos desvios de nacional-trotskistas do falecido fundador da corrente em busca de aliados burgueses no país altiplano do que a defesa dos princípios do internacionalismo proletário e da própria luta antiimperialista.

Sobre as polêmicas Teses do Oriente, aprovadas no IV Congresso da IC e que também versam sobre a FUA, devemos reconhecê-lo que, afora o fato de que seguem vigentes onde tocam do tema da imigração – outra questão em que a “família espartaquista” capitula vergonhosamente à sua própria burguesia como veremos no texto abaixo – expressaram um duplo aspecto contraditório:

1) estavam aquém das lições da revolução bolchevique e foram superadas pelas teses da revolução permanente e nisto foram débeis e sua ambigüidade possibilitou o seu uso pela degeneração etapista do Comitern;

2) apontavam as necessidades de romper o cerco geoestratégico da URSS, como se pode notar: "A FUA está indissoluvelmente ligada à orientação da Rússia soviética. Explicar aos trabalhadores a necessidade da aliança com o proletariado internacional e com as repúblicas soviéticas é um dos principais pontos da tática antiimperialita única." (Teses do Oriente). Esta preocupação que visava sobretudo a China, Índia, Pérsia (atual Irã) e Turquia, se operou na Mongólia em 1925. Nota-se claramente nas Teses do Oriente a necessidade de romper o bloqueio imediato fronteiriço já sobre a URSS. Não por casualidade não incluem a America Latina e África (a exceção do Egito) nestas teses.

Ao publicarmos este folheto corrigimos o revisionismo de nossas correntes originárias, que ao rechaçar a FUA cederam levianamente ao bombardeio ideológico imperialista. Deste modo saudamos de forma teórica uma dívida com a tradição marxista que, por instinto de classe, já o havíamos saudado de forma política ao defender a nação oprimida líbia sem nos deixarmos confundir com a propaganda de guerra imperialista nem nos enganarmos sobre o caráter torpe da resistência burguesa de turno. Também não nos contentamos com o acerto da posição política manifesta no calor dos acontecimentos de 2011 porque a defesa ou rechaço a FUA não é uma questão menor na etapa do capitalismo inaugurada em 1900 e cujas perversões só se acentuaram até os nossos dias. Como afirma o documento dos camaradas do Socialist Fight:

“A Frente Unida (FU) foi o método dos bolcheviques e do Comintern nos anos 1920 que o Programa de Transição do trotskismo defendeu e desenvolveu para ganhar a direção revolucionária da classe operária. A FUA é a sua extensão lógica nas semi-colônias. Reconhece as alterações nas circunstâncias da luta e, portanto, na consciência da classe trabalhadora e dos oprimidos no ‘terceiro mundo’ e também procura fazer uma ponte entre a consciência e o programa revolucionário. Ao reconhecer as contradições entre as nações oprimidas e opressoras, entre as nações imperialistas e os povos semi-coloniais e o impulso saudável dessas massas na luta contra o inimigo principal de toda a humanidade oprimida, o capital financeiro imperialista, seus exércitos predatórios e seus lacaios locais e bandidos contratados, procuramos ganhá-los para o programa trotskista revolucionário.”

Não duvidamos que é somente o enriquecimento do patrimônio teórico bolchevique sob a base da rica experiência de todo o século imperialista o que pode nos armar com um programa que combine de forma harmônica a tática da luta antiimperialista com a estratégia revolucionária permanente para derrotar o monstro imperialista em todo o globo.

Tendência Militante Bolchevique - Argentina
Liga Comunista - Brasil
abril de 2012