domingo, 15 de maio de 2011

DA “OPERAÇÃO AJAX” À “ODISSEIA DO AMANHECER”

O ‘know how’ golpista de 1953, turbinado em 2011
dO Bolchevique #4

A "Operação Ajax" da CIA, foi a precussora dos
golpes de Estado com fachada de "insurreição popular". 
Tal como na Líbia e nas ruas da Síria hoje, em 1953, a
CIA arregimentou milhares de manifestantes para
camuflar seu plano, realizando confraternizações
populares com militares golpistas, enterros
de mártires, protestos de massa...
Cartaz made in CIA "Freedom" para a Libia sob a
bandeira da reinstauração da monarquia fantoche
do imperialismo
Em março de 2000, a secretária de Estado dos EUA, Madeleine Albright, admitiu que a administração Eisenhower organizou um golpe contra o regime no Irã em 1953, a chamada “Operação Ajax”, e que este acontecimento histórico explica a hostilidade atual dos iranianos contra os Estados Unidos. Nove anos depois, discursando na Universidade do Cairo, Obama apela para a reconciliação da África e Oriente Médio com os EUA. Para desarmar uma plateia desconfiada, induzindo-a à ideia de que a Casa Branca estaria “sob nova direção”, o mandatário ianque reconheceu que “na Guerra Fria, os Estados Unidos desempenharam um papel na derrubada de um governo iraniano democraticamente eleito” (Discurso do Obama no Cairo, Folha Online, 05/06/2009). Logo após a desocupação da Pérsia pela Inglaterra, Eisenhower orquestrou através da Agência Central de Inteligência, a CIA, recém criada (1947), e do serviço secreto britânico, o MI6, um golpe de Estado no Irã aliando-se ao Xá (monarca persa) Mohammad Reza Pahlevi quando o governo do primeiro-ministro Mohammad Mossadegh nacionalizou os recursos petrolíferos do país.

A “Operação Ajax” foi liderada por Donald Wilber, Kermit Roosevelt (neto do presidente Theodore Roosevelt) e pelo general Norman Schwartzkopf (cujo filho de mesmo nome, conduziu a Operação “Tempestade no Deserto” em 1991 contra o Iraque). Esta operação continua a ser um caso exemplar de “subversão” pró-imperialista, contou com milhares de agentes infiltrados no país, “manifestação de massas” de direita pró-imperialista (como massivas “marchas com Deus pela família e pela liberdade” contra o governo Jango no Brasil), atentados terroristas como um ataque com bomba na casa de um proeminente líder religioso iraniano, a mesquitas e disparos de metralhadoras contra multidões, atribuídos ao governo Mossadeq, propaganda enganosa sob “falsa bandeira” com milhares de panfletos que diziam “Viva Mossadeq, viva o comunismo, abaixo Allah!”. Depois de tudo isto Mussadeq foi preso e seus ministros executados sumariamente dias depois do golpe, acusados pelos crimes que a CIA e o MI6 haviam cometido. Depois disto, a CIA formou a SAVAK, a temida polícia política do regime do Xá que viria a governar pela tortura e repressão por 25 anos, até a revolução política iraniana de 1979.

Descrevendo os bastidores do golpe de 1953, o jornalista Stephen Kinzer do New York Times, relata em seu livro “Todos os homens do Xá: Um golpe de Estado americano e as raízes do terror no Oriente Médio”, que “a CIA projetou um cenário que dá a impressão de uma revolta popular quando na verdade se trata de uma operação secreta. O auge do espetáculo foi uma manifestação em Teerã com oito mil figurantes pagos pela Agência a fim de fornecer fotos convincentes à imprensa ocidental” (All the Shah’s Men: An American Coup and the Roots of Middle East Terror, 2003). Já há 60 anos, o imperialismo inaugurava a era dos cinematográficos golpes de Estado, justificados ao mundo a partir de uma superprodução hollywoodiana.

O GOLPISMO MADE IN CIA COMO AGENTE CONSCIENTE DE LEVANTES INCONSCIENTES DE MASSA RESTAUROU O CAPITALISMO NO LESTE EUROPEU E NA URSS

Em 1981 este plano de desestabilização foi posto em andamento na Polônia, através da direção pró-imperialista do Sindicato Solidariedade, diretamente vinculada ao Papa polonês Karol Woitila (João Paulo II). O imperialismo aproveitou-se do legitimo descontentamento do proletariado polonês contra o aumento dos preços dos alimentos imposto pelo governo da burocracia stalinista para pagar os empréstimos que a Polônia havia contraído com os banqueiros internacionais, ou seja, com o próprio imperialismo. Mas ainda que o golpe restauracionista, apoiado em nada menos do que nas greves operárias do Solidariedade sob uma direção contrarrevolucionária, não tenha sido bem sucedido no início dos anos 80’, pela repressão burocrática do stalinismo polaco, ele foi um ensaio geral para a onda contrarrevolucionária que varreu o Leste Europeu, incluindo a própria Polônia, no final da década, derrubou todos os governos stalinistas, o Muro de Berlim e, por fim, a URSS, restaurando o capitalismo e o domínio imperialista em toda esta região do globo antes ocupada por Estados operários burocratizados.

Vale destacar que o que possibilitou a ofensiva imperialista foi a politica de convivência pacifica do stalinismo com o capitalismo mundial e a utopia reacionária de “socialismo em um só país”, contrária a extensão internacional e revolucionária da luta pela tomada do poder pelos trabalhadores aplicada pelos PCs em todo mundo através da colaboração de classes com as respectivas burguesias, através das frentes populares. Estas concepções tendem a levar a economia dos estados operários ao colapso, ao aumento da dependência com o capitalismo mundial que cedo ou tarde aproveita-se da debilidade dos Estados operários para aplicar-lhes o golpe mortal restauracionista sob uma fachada de “revolução democrática”.

CONTRARREVOLUÇÃO ETAPISTA

As supostas “revoluções” pré-fabricadas pela CIA vêm sendo a camuflagem democrática para os golpes de Estado orquestrados pela Agência contra governos em discordância com os interesses da Casa Branca, substituídos por outros “mais disciplinados”. Em 2000, a Sérvia foi vítima de uma que, após demonizar e derrubar Milosovic, selou o domínio completo da OTAN sobre os Bálcãs.

Depois foi a vez das ex-repúblicas da antiga URSS para arrancá-las da influência da burguesia restauracionista moscovita e entregar ao imperialismo ianque e europeu. Assim foram patrocinadas as revoluções Rosa (Geórgia, 2003), Laranja (Ucrânia, 2004), das Tulipas (Kirguistão, 2005). O mesmo intento, sob os mesmos interesses, fracassou na Bielorússia em 2006 (que recebeu o nome de Revolução Branca). Fracassaram: a tentativa de derrubada da ditadura pró-China por monges budistas em Mianmar (2007) e o intento de expulsão da China do Tibet (2008).

OS GOLPES MILITARES “VERSÃO 2000” NA AMERICA LATINA E NO ORIENTE MÉDIO

Para quem acreditava que os Golpes de Estado na América Latina eram fantasmas do passado, já superados pela redemocratização do continente, os últimos anos apontam justamente no sentido contrário. O golpe frustrado contra Chavez (2002), a derrubada do governo seguida de uma ocupação militar no Haiti (2004); o levante autonomista com apoio de massas da oligarquia pró-imperialista de cinco províncias separatistas na Bolívia (2007); o golpe militar em Honduras (2009) e o ensaio de golpe militar-policial no Equador (2010) demonstram o que estamos dizendo.

Foi bem sucedida a expulsão das forças sírias do Líbano que ficou conhecida como “Revolução do Cedro” (2005) que agora em 2011 tem continuidade na própria Síria contra o governo da oligarquia Assad. Ainda não se completou o plano golpista contra o governo xiita do Irã através da “Revolução Verde” latente no país.

No rastro dos levantes espontâneos (Tunísia, Egito, Bahrein, Iêmen, Omã) mas que logo foram administrados e absorvidos pelos próprios regimes contra os quais a população se levantou, o imperialismo francês aproveitou-se para destituir o presidente da Costa do Marfim, que havia cometido o “crime” de nacionalizar a produção de cacau do país contra os interesses das multinacionais, e estão em andamento “revoluções” completamente fabricadas na Líbia, na Síria e no Irã.

OS REVISIONISTAS APOIAM POLITICAMENTE O COMPLÔ DA CIA CONTRA A LIBIA

Apesar da confissão oficial do comandante em chefe do imperialismo de que seu país orquestra este tipo de operação criminosa há mais de meio século, para algumas correntes que se dizem antiimperialistas como a Liga Internacional dos Trabalhadores, a denúncia feita pela Liga Comunista e várias outras organizações e intelectuais mundo afora de que o que a atual operação batizada de “Odisséia do Alvorecer” que se passa na Líbia é uma versão imensamente mais sofisticada da “Operação Ajax”, a “tese de que a situação na Líbia se explica como parte de um plano traçado pela CIA” não passa de uma “teoria da conspiração” (Opinião Socialista 421, de 6 a 19/04/2011).

A quase totalidade dos revisionistas apoiou todas e cada uma das armações golpistas com fachada de massas, principalmente contra os Estados operários do Leste Europeu e da URSS e agora contra Cuba, como é o caso da LIT que reivindica uma frente única com o restauraconismo burguês na ilha. Embora a influência política da LIT seja completamente desprezível para a guerra na Líbia, não resta dúvida de que esta corrente “trotskista”, como várias outras, apoia politicamente a oposição libia e participa objetivamente, através do ocultamento e falsificação dos fatos em seus periódicos e sites, da campanha midiática do imperialismo que pavimentou o caminho do ataque militar da OTAN. Este mesmo serviço de proliferação dos mitos imperialistas já foi prestado pelos morenistas (descendentes políticos da corrente fundada por Nahuel Moreno) várias vezes, desde o “Todo poder ao Solidariedade!”, passando pelo apoio aos movimentos restauracionistas no Leste Europeu, as revoluções coloridas nas ex-repúblicas da URSS, os protestos dos esquálidos venezuelanos e dos fundamentalistas pró-imperialistas no Irã, até agora na Libia. Na França, potência capitalista que lidera os bombardeios no continente europeu, Sarkozy dispõe do apoio do Novo Partido Anti-Capitalista (dirigido pelo SU e composto pela FT), do Partido Socialista e do Partido Verde para embelezar a agressão militar ao povo líbio como ajuda humanitária. Com sua típica combinação de estupidez e engano, esses partidos são obrigados a expor seu papel criminoso como engrenagens de confiança na máquina de propaganda imperialista.

A cada dia que passa, a oposição anti-Gadafi se mostra tão reacionária e colaboracionista ao defender ataques militares a seu próprio povo, quanto os anti-comunards de Thiers em 1871 e o regime pró-nazista de Vichy entre 1940 e 1944 na França, ou os colaboracionistas da OLP e do governo libanês em 2006, que apoiaram ataques militares contra os palestinos e seus próprios trabalhadores, levados a cabo pelo estado nazi-sionista de Israel, ponta de lança do Imperialismo norte americano contra os povos árabes. Os dirigentes do “processo revolucionário” líbio nada mais são do que monarquistas da direita, que a exemplo dos franquistas na guerra civil espanhola, que defenderam os bombardeios da aviação nazista sobre Guernica, defendem os bombardeios da OTAN sobre seu próprio povo. Clamam pela intervenção “humanitária” da ONU/OTAN, tão humanitária quanto a “ajuda operária” à Bósnia, que em 1992/1993 foi apoiada pelos revisionistas traidores que cantaram loas aos bombardeios imperialistas sobre o povo iugoslavo e foi apoiado pelos pseudomarxistas de toda espécie.

Os senhores que hoje não defendem a frente militar com o governo de Trípoli contra a OTAN e os “rebeldes” patrocinados pela CIA, que posam de marxistas revolucionários mas vergonhosamente capitulam ao imperialismo, talvez hoje acusariam Trotsky de capitular ao nacionalismo burguês pelo mesmo ter reivindicado categoricamente o lado da nação oprimida na luta anti-imperialista. Divagando sobre um hipotético conflito militar entre o Brasil e a Inglaterra nos anos 30’, o dirigente do primeiro Soviete do planeta e fundador do Exercito Vermelho reivindicou uma frente única com o ditador sanguinário Getúlio Vargas: “eu estarei do lado do Brasil ‘fascista’ contra a Inglaterra ‘democrática’” (Conversando com Trotsky, Mateo Fossa, 23/11/1938). O armamentismo crescente, a hipertrofia dos aparatos repressivos, a xenofobia, o racismo, o clericalismo, os ataques às liberdades democráticas e civis, a perseguição das minorias religiosas e aos imigrantes atestam cruelmente como o imperialismo tem se tornado cada vez mais reacionário e antidemocrático. Os verdadeiros revolucionários marxistas continuarão sabendo que lado tomar no conflito entre o imperialismo e a nação oprimida, não se deixando impactar pelos cenários teatrais montados pela contrarrevolução por mais “democráticos” e “populares” que pareçam ser.

Nem sempre ocorre de um plano golpista ser completamente artificial desde o princípio como vemos hoje na Libia. Muitas vezes conjunturas reacionárias pavimentam o caminho do golpismo imperialista. A teoria marxista sobre as oscilações politicas da classe média e os alinhamentos do lumpensinato não é nova. Já o primeiro documento fundador do marxismo, o Manifesto Comunista, já a enunciava. Portanto, os marxistas nada tem a ver com os impressionistas pequeno burgueses que se animam quando veem setores de sua mesma classe militares, pequenos camponeses e comerciantes, artesãos e mesmos lumpens desclassados participarem da cena política. Hitler soube muito bem arregimentar o lumpem e a pequena burguesia desesperada. Os setores intermediários da sociedade de classes tendem a revolução e estão dispostos a apoiar o movimento operário quando este se mostra capaz, por suas ações políticas e seu ascenso, de dar uma perspectiva revolucionaria a crise burguesa, mas também estes setores médios tendem a apoiar a burguesia e a contrarrevolução diante da ofensiva imperialista e da reação. Há também combinações de fatores, principalmente a ausência de uma direção revolucionária com influencia de massas, que fazem com que o próprio proletariado possa ser usado como massa de manobra do imperialismo. As massas podem ser revolucionárias, mas na maior parte do tempo são conservadoras e passivas à exploração e opressão que sofrem, mas também podem ser reacionárias e manipuláveis pela contrarrevolução. A teoria que as massas sempre são progressivas e revolucionárias pertence à retórica dos demagogos, nada tem a ver com o materialismo histórico e dialético, concepção fundamental tanto para preservar o rico patrimônio ideológico comunista da luta de classes, durante a reação, quanto para conduzir as massas ao triunfo, no momento do ascenso.

Para saber mais sobre a "Operação Ajax":

Um golpe de Estado americano e as raízes do terror no Oriente Médio - Stephen Kinzer (livro em inglês)
h t t p : / / w w w . n y t i m e s . c o m / l i b r a r y / w o r l d / mideast/041600iran-cia-index.html (site em inglês)

Crímenes británicos: Operación Ajax
http://www.youtube.com/watch?v=rJ0kf5vON0E (vídeo em espanhol) 
http://www.indyarocks.com/videos/US-and-Them-Operation-Ajax--Iran-and-the-CIA-coup-1046511 (vídeo em inglês) 

US and Them Operation Ajax - Iran and the CIA coup 
The New York Times: Segredos da História, a CIA no Irã 
Todos os homens do Xá: