Teoria Marxista

O prognóstico de Marx que as revoluções proletárias renascem em proporções cada vez mais gigantescas é um fato historicamente comprovado 

Teoria apresentada no 1º Foro Mundial do Pensamento Crítico, promovido pelo Conselho Latino Americano de Ciências Sociais, CLACSO, Buenos Aires, 23/11/2018 


Leon Carlos e Humberto Rodrigues

A história da humanidade não se desenvolve de forma linear, nem em ciclos que se repetem, mas em ondas espiraladas. Em sua obra "O 18 Brumário de Luis Bonaparte", Marx compara as revoluções burguesas e proletárias até o século XIX. As revoluções burguesas teriam vida curta enquanto as proletárias corresponderiam a um longo processo de ascenso e refluxo, revolução e contrarrevolução, um processo cumulativo de crítica das experiências passadas.

Com Hegel, Marx destacara o conceito de Aufheben, que expressaria determinações opostas e contraditórias, negação, conservação (no sentido de manter) e superação (ou elevação) [1]. O caráter de processo e não de ato, toma uma dimensão mais ampla que nos processos revolucionários burgueses. Marx importará a dialética para o estudo das relações sociais de forma materialista, fundando uma sociologia dialética. Método que consideramos fundamental para o estudo de qualquer campo das ciências sociais e as humanidades. Os ritmos das revoluções obedeceriam seu caráter de classe. Nas revoluções burguesas o processo tem curta duração, nas proletárias, não.
As revoluções burguesas [...] tem vida curta, chegam rapidamente ao seu apogeu e logo uma longa depressão toma conta da sociedade, antes de aprenderem a assimilar serenamente os resultados de seu período impetuoso e agressivo. Em contrapartida, as revoluções proletárias como as do século XIX, se autocriticam constantemente, interrompem-se continuamente em sua própria marcha, voltam ao que parecia estar acabado, para recomeçar de novo, zombam profunda e cruelmente das indecisões, da frouxidão e da mesquinhez de suas primeiras tentativas, parece que apenas para derrubar seu adversário para que ele retire novas forças da Terra e se erga novamente mais gigantesco diante delas, retrocedem constantemente perante a indeterminada enormidade de seus próprios fins, até que é criada uma situação que não permite voltar atrás e as próprias circunstâncias gritam: 
Hic Rhodus, hic jumps! Aqui está a rosa, dança aqui! [2]
As revoluções proletárias, a partir do século XIX, criticaram a experiência que lhe antecedeu e lhes inspirou, zombam da indecisão e das debilidades das primeiras tentativas revolucionárias. O “adversário”, o espectro do comunismo, é derrotado e a história cria circunstâncias que gritam para que a nova onda revolucionária realize um feito superior e até então inacreditável, de retomada do que parecia ter terminado, começando de novo com um ímpeto mais poderoso, se negando, se conservando e se superando.

A fase revolucionária da burguesia logo se esgota, dando lugar no máximo a uma modernização conservadora, integrada ao parasitismo do capital financeiro mundial. Em muitas nações oprimidas, o período revolucionário sob uma direção burguesa mal se manifesta, precocemente é sufocado por forças externas ou internas, intervenções militares e / ou golpes de Estado. A burguesia dos países semi-coloniais é também semi-dirigente e semi-oprimida. Logo, essa classe renuncia a seu protagonismo em troca de uma associação vassala com o grande capital mundial em favor da exploração do proletariado.

A incapacidade das burguesias vassalas faz com que muitas tarefas democráticas (reforma agrária, eliminação das desigualdades regionais, erradicação da miséria e do analfabetismo, continuidade democrática) não sejam realizadas e fiquem como dívidas pendentes, de herança para a revolução proletária, que terá de combinar as tarefas democráticas burguesas com as socialistas em um processo de revolução permanente.

O que Marx via nas revoluções proletárias no século 19 ainda eram os germes das revoluções proletárias gigantescas que marcaram o século seguinte. As revoluções burguesas clássicas, como na França em 1789-1832, e a de 1848 não foram capazes de eliminar a monarquia. Foi apenas a partir da Comuna de Paris ou da Revolução Bolchevique que a monarquia foi definitivamente eliminada na França e na Rússia.

Se olharmos com a devida paciência histórica, podemos perceber claramente o espiral revolucionário.

A revolução de 1848 na França foi abortada com a ascensão ao poder de Luís Bonaparte, sobrinho de Napoleão, que em 1852 realizará um autogolpe para reinstaurar a monarquia e autodeclarar-se imperador dos franceses. Dezenove anos após esse Golpe de Estado de Luís Bonaparte, pele primeira vez, o proletariado tomou o poder em uma cidade do mundo e a governou por 72 dias – a Comuna de Paris. A Comuna é a primeira manifestação do que virá a ser uma determinação integrante da era imperialista do capitalismo, as revoluções proletárias. Ela surge na esteira da crise econômica de 1870-71, a que marcou a transição do capitalismo concorrencial ao capitalismo monopolista, que dará início a era imperialista do capitalismo. 

A Comuna foi derrotada, dezenas de milhares de communards foram assassinados pela contrarrevolução. Quarenta e seis anos depois, triunfou a revolução de outubro de 1917, já não apenas em uma cidade, mas na maior nação da Terra. Essa revolução grandiosa impactou o mundo e dividiu a história humana em antes e depois da URSS. O primeiro Estado operário do planeta não durou somente 72 dias, mas já 74 anos (seu fim foi em agosto de 1991). A revolução de outubro de 1917 provou definitivamente que é possível a existência de um Estado soberano sem propriedade privada dos meios de produção. 

A terceira onda revolucionária mundial


Entre a revolução Russa e a revolução chinesa foram 32 anos, com a Segunda Guerra Mundial no meio. Entre 1946 (Albânia) e 1975 (triunfo anti-imperialista no Vietnã e em seguida Camboja) ocorreu um dos maiores ciclos expansivos do capital, os chamados "30 anos dourados", simultaneamente foi o momento de maior expansão do ciclo de novos Estados que passaram por processos de expropriação da propriedade privada dos meios de produção. Da China à Cuba, da Iugoslávia à Coréia do Norte, da Alemanha Oriental ao Iêmen do Sul, dezenas de países ou regiões passaram por períodos de anos ou décadas de extinção da burguesia enquanto classe social. 


No plano geográfico, a revolução proletária teve sua primeira vitória na tomada do poder em uma cidade (Paris), sua segunda onda no maior país do planeta (URSS) e sua terceira onda alastrou-se por nações cujas populações reunidas corresponderam a 1/3 da população planetária. Sem dúvida a revolução proletária renasce mais forte, mas a maioria de nós com uma visão encurtada por sua própria curta existência não consegue perceber suas ondas de contração e expansão. Essa miopia é acentuada por vivermos agora em uma época de contração, que favorece a perda da esperança, deixamo-nos adaptar a expectativas opostas às que conduzem a revolução. 

Entre a vitória da última revolução social, a do Vietnã e nós, se passaram apenas 43 anos. No Vietnã, homens franzinos de uma das mais pobres nações asiáticas derrotaram o maior império do planeta em toda a história, os EUA que depois Hiroshima e Nagazaki eram considerados invencíveis e mesmo matando cinco vezes mais gente no Vietnã do que com as bombas atômicas que soltou no Japão, foram vergonhosamente derrotados. 

Assim como a revolução de outubro foi o evento mais importante da história da luta dos trabalhadores, a reconquista daquele país e de sua massa de trabalhadores para novamente ser explorada pelo capital foi uma derrota histórica para nossa luta que animou o imperialismo a ofensiva que sentimos hoje. Com o fim da experiência soviética e da quase totalidade dos estados operários, o imperialismo aproveitou-se para saquear em maior escala aos proletariado através do que chamou de neoliberalismo e globalização. Mas logo o capital esbarrou em uma nova crise econômica em 2008. Sob a retração da participação dos EUA e Europa no mercado mundial se abriu espaço para novas potências como Rússia e a China. Graças as revoluções que passaram, esses dois países resolveram tarefas burguesas como a reforma agrária, a independência energética e nuclear, tarefas que a restauração capitalista não eliminou e, por conservarem esses avanços fundamentais em seu desenvolvimento estrutural, aproveitaram a brecha para se inserir no mercado mundial capitalista como sucessores do “declínio do império americano”, aí se abriu uma nova guerra fria. 

Todavia, nada nos assegura caminhar em uma linha reta para o socialismo. Nada a não ser a luta e o triunfo proletário nessa luta. Como reação burguesa ao impasse da crise do imperialismo, se recoloca novamente a disjuntiva de Rosa Luxemburgo entre o socialismo e a barbárie, ao que Lenin agregou, “barbárie capitalista”. A grande fome de 1848-1949 foi a maior catástrofe demográfica a atingir a Europa entre a Guerra dos Trinta Anos e a Primeira Guerra Mundial, matando mais de um milhão de pessoas só na Irlanda. Muitos elementos de barbárie capitalista afloram no século XX. A Primeira Guerra Mundial, o nazifascismo, a Segunda Guerra Mundial, a bomba atômica, a guerra contra a Indochina, as ditaduras latino-americanas, o parasitismo crescente com a financeirização da economia desde a década de 70 são fortes indícios dessa barbárie. 

O retardo da nova onda revolucionária mundial, fez renascer como cogumelos sementes do nazifascismo, que assumem políticas de Estado, como em Israel, ou crescem na atualidade com vários sintomas mórbidos da extrema direita em governos como na Ucrânia, Filipinas, Áustria, Polônia, Itália, EUA, Brasil. Como dizia Gramsci “A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer. Nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparecem”. Todavia, após o declínio de momentos de barbárie atrozes já no capitalismo, as ondas revolucionárias revitalizaram a humanidade. 

Pelo que foi dito anteriormente, é possível que no contexto da sociedade global do século XXI, a quarta onda revolucionária seja mais ampla e internacionalista, tende a ser mais planetária do que a terceira onda, quando o poder foi tomado em nações atrasadas, talvez mais do que países, desta vez sejam expropriados os monopólios, que segundo Lenin é o germe de uma economia “de transição do capitalismo para um regime superior” (LENIN, 2002, p. 67). Nesse sentido, a financeirização e a concentração de riquezas, por mais reacionárias que sejam, e apesar de seus resultados perversos contra o proletariado mundial, os povos oprimidos e a própria vida no planeta, contraditoriamente cavam sua própria cova e realizam uma parte do trabalho econômico necessário a luta pelo socialismo, que “inevitavelmente” suprimirá o imperialismo:

As relações sociais de produção que mudam continuamente. Quando uma grande empresa se transforma em empresa gigante e organiza sistematicamente, apoiando-se num cálculo exato duma grande massa de dados, o abastecimento de 2/3 ou 3/4 das matérias-primas necessárias a uma população de várias dezenas de milhões; quando se organiza sistematicamente o transporte dessas matérias-primas para os pontos de produção mais cômodos, que se encontram por vezes separados por centenas e milhares de quilômetros; quando, a partir de um centro, se dirige a transformação sucessiva do material, em todas as suas diversas fases, até obter as numerosas espécies de produtos manufaturados; quando a distribuição desses produtos se efetua segundo um plano único a dezenas e centenas de milhões de consumidores (venda de petróleo na América e na Alemanha pelo trust do petróleo americano), então percebe-se com evidência que nos encontramos perante uma socialização de produção, e não perante um simples "entrelaçamento", percebe-se que as relações de economia e de propriedade privadas constituem um invólucro que não corresponde já ao conteúdo, que esse invólucro deve inevitavelmente decompor-se se a sua supressão for adiada artificialmente, que pode permanecer em estado de decomposição durante um período relativamente longo (no pior dos casos, se a cura do tumor oportunista se prolongar demasiado), mas que, de qualquer modo, será inelutavelmente suprimida.
A supressão do imperialismo não atingirá apenas as corporações, mas também os bancos que controlam o capital mundial, incluindo, obviamente, as corporações. A concentração de capitais da época de Lenin ao nosso tempo deu um salto de qualidade exponencial. Hoje, 28 bancos constituem um oligopólio financeiro que controla o dinheiro do mundo, como bem destacou o economista François Morin, professor emérito da Universidade de Toulouse e membro do conselho do Banco Central francês, em sua obra: L’Hydre Mondial [A Hidra mundial], lançado em 2015. 

Segundo Morin, o balanço total desses 28 bancos do oligopólio (50,341 trilhões de dólares) é superior, em 2012, à dívida pública global (48,957 trilhões de dólares)! E, por sua vez, apenas metade desses bancos, portanto 14, têm uma seleta importância “sistêmica” capaz de “fabricar” produtos financeiros, também conhecidos como “derivativos”, cujo valor imaginário (o montante dos valores segurados) chega a 710 trilhões de dólares — ou seja, correspondem a mais de 10 vezes o PIB mundial.

Seja como for, sua expropriação ocorrerá, o marxismo, como teoria de libertação da humanidade do capitalismo, triunfará. Ainda que essa emancipação seja formalmente diferente (como não poderia deixar de ser) do que Marx esperava, como prognostica os últimos parágrafos da obra de Lenin:
Schulze-Gaevernitz, admirador entusiasta do imperialismo alemão, exclama:"Se, no fim de contas, a direção dos bancos alemães se encontra nas mãos de uma dúzia de pessoas, a sua atividade é já, atualmente, mais importante para o bem público do que a atividade da maioria dos ministros" (neste caso é mais vantajoso esquecer o "entrelaçamento" existente entre banqueiros, ministros, industriais, rentistas, etc.). "... Se refletirmos até ao fim sobre o desenvolvimento das tendências que apontamos, chegamos à seguinte conclusão: o capital-dinheiro da nação está unido nos bancos; os bancos estão unidos entre si no cartel; o capital da nação, que procura a maneira de ser aplicado, tomou a forma de títulos de valor. Então cumprem-se as palavras geniais de Saint-Simon: "A anarquia atual da produção, conseqüência do fato de as relações econômicas se desenvolverem sem uma regulação uniforme, deve dar lugar à organização da produção. A produção não será dirigida por empresários isolados, independentes uns dos outros, que ignoram as necessidades econômicas dos homens; a produção encontrar-se-á nas mãos de uma instituição social determinada. O comitê central de administração, que terá a possibilidade de observar a vasta esfera da economia social de um ponto de vista mais elevado, regulá-la-á da maneira mais útil para toda a sociedade, entregará os meios de produção nas mãos apropriadas para isso, e preocupar-se-á, sobretudo, com a existência de uma harmonia constante entre a produção e o consumo. Existem instituições que incluíram entre os seus fins uma determinada organização da atividade econômica: os bancos. Estamos ainda longe do cumprimento destas palavras de Saint-Simon, mas encontramo-nos já em vias de o conseguir: será um marxismo diferente do que Marx imaginava, mas diferente apenas na forma."
Não há dúvida: excelente "refutação" de Marx, que dá um passo atrás, que retrocede da análise científica exata de Marx para a conjectura - genial, mas mesmo assim conjectura - de Saint-Simon.
A crença na possibilidade da próxima onda revolucionária nada tem de fatalismo. Está alicerçada na ciência da história, na possibilidade da humanidade escapar da barbárie capitalista, da perspectiva distópica, de alguma forma piorada de escravidão dos homens como aspira a atual onda neonazista da fração dominante da burguesia mundial.

Não sabemos que forma a nova onda assumirá. Sabemos que o sujeito revolucionário segue sendo o proletariado, por mais precarizado que ele se encontre. Seus setores de vanguarda inevitavelmente instrumentalizarão as mais modernas tecnologias de comunicação a favor da luta. Mais uma vez, sem teoria revolucionária não haverá movimento revolucionário. Dito movimento precisará de um programa unificador da luta dos escravos modernos, dos distintos movimentos. O partido revolucionário internacional terá de possuir a habilidade para adaptar sua forma às necessidades da luta e do próprio inimigo. 

As atuais marchas migratórias da África e Ásia em direção a Europa ou da América Latina em direção aos EUA, por mais que se pareçam apenas como manifestações transnacionais de despossuídos buscando sobreviver e melhores condições de venda de sua força de trabalho em países imperialistas, podem ser embrião de um dos novos movimentos anti-imperialistas e antifronteiras nacionais capitalistas se se superarem cada vez mais politicamente. 

Não percamos a paciência histórica, enquanto houver propriedade privada dos meios de produção e exploração do homem pelo homem a revolução socialista renascerá em proporções mais gigantescas! 


Notas 

1. Em “A Ciência da Lógica’, G. W. F. Hegel destaca que Aufheben “representa uno de los conceptos más importantes de la filosofía, una determinación fundamental” (1982, pp. 50). 


2. 
Hic Rhodus, hic saltus! Nota da edição brasileira da Editora Expressão Popular, de O” 18 de Brumário de Louis Bonaparte, Karl Marx, Dezembro de 1851 a Março de 1852, página 211. “Hic Rhodus, hic salta! (Aqui está Rodes, salte aqui!): expressão de uma fábula de Esopo sobre um fanfarrão que, invocando testemunhas, afirmava que uma vez, em Rhodes, conseguira dar um salto enorme. Os que o escutavam responderam-lhe: "Para que é preciso testemunhas? Aqui está Rodes, salta aqui!" No sentido figurado significa: aqui é que está o essencial, aqui é que é preciso demonstrar.
A conhecida, mas pouco compreendida, máxima provém da tradicional tradução latina da piada da fábula de Esopo, O Atleta Vaidoso, que tem sido o tema de alguns erros de tradução.
Em grego, a máxima diz:
“Ιδού η ρόδος,
ιδού και το πήδημα ”
A história é que um atleta se vangloria de que quando estava na cidade grega de Rodes, capital da ilha homônima. O atleta vaidoso fala em voz alta que realizou um salto estupendo, e que havia testemunhas que poderiam comprovar sua história. Um espectador então comentou: "Tudo bem! Digamos que aqui seja Rodes, demonstre o salto aqui e agora. ”A fábula mostra que as pessoas devem ser definidas por seus feitos, não por suas próprias reivindicações. No contexto em que Hegel o utiliza, isso poderia ser entendido como significando que a filosofia do direito deve corresponder a atualidade da sociedade moderna ("O que é racional é real; o que é real é racional"), não as teorias e ideais que as sociedades criam para si, ou algum ideal contraposto às condições existentes: "Apreender o que é a tarefa da filosofia", como Hegel continua a dizer, em vez de "ensinar ao mundo o que deveria ser".
O epigrama é dado por Hegel primeiro em grego, depois em latim (na forma “Hic Rhodus, hic saltus”), no Prefácio à Filosofia do Direito, e ele então diz: “Com pouca mudança, o dito acima seria lido. (em alemão): “Hier ist die Rose, hier tanze”:
“Aqui está a rosa, dance aqui”
Isto é tomado como uma alusão à "rosa na cruz" dos Rosacruzes (que afirmavam possuir conhecimento esotérico com o qual eles poderiam transformar a vida social), implicando que o material que torna possível entender e mudar a sociedade é dado na própria sociedade, não reside em alguma teoria do outro mundo. As palavras são usadas também em sentido amplo para desdobrar o significado da expressão, primeiro no grego (Rhodos = Rhodes, rhodon = rosa), então no latim (saltus = salto [substantivo], salta = dança [imperativo]).
No 18º Brumário de Louis Bonaparte, Marx cita a máxima, primeiro dando o latim, na forma:
“Hic Rhodus, hic salta!”,
- uma mistura distorcida das duas versões de Hegel (salta = dance! Em vez de saltus = jump), e então imediatamente adiciona: “Hier ist die Rose, hier tanze!”, Como se fosse uma tradução, o que não poderia ser, desde o grego Rhodos, muito menos do latim Rhodus, não significa "rosa". Mas Marx parece ter compreendido o significado de Hegel, como é usado na observação que, intimidada pela enormidade de sua tarefa, as pessoas não agem até que:
“É criada uma situação que torna tudo impossível,
e as próprias condições clamam: aqui está a rosa, dance aqui!
e nos lembramos da máxima de Marx no Prefácio à Crítica da Economia Política:
“A humanidade, assim, inevitavelmente, estabelece apenas tarefas que pode resolver, uma vez que um exame mais detalhado sempre mostrará que o problema em si só surge quando as condições materiais para sua solução já estão presentes ou pelo menos no curso da formação!”
Assim, Marx evidentemente apoia a orientação de Hegel de que não deveríamos "ensinar ao mundo o que deveria ser", mas ele acentua mais ativo do que Hegel faria quando fecha o Prefácio, observando:
“Para tal propósito, a filosofia sempre chega tarde demais. ...
A coruja de Minerva só voa ao anoitecer, quando as sombras da noite estão se formando.
Marx também usa a frase, mas com salta em vez de saltus, mas usa praticamente o significado pretendido por Esopo no Capítulo 5 do Capital.

Referencias Bibliográficas

HEGEL, G. W. F. Ciencia de la Lógica - PRIMERA PARTE, Traducción directa del alemán de Augusta Y Rodolfo MONDOLFO, Ediciones Solar, 1982, pp. 50.

LENIN, Vladmir I. Imperialismo, fase superior do capitalismo, Fonte on line, Disponível em https://www.marxists.org/portugues/lenin/1916/imperialismo/cap10.htm Acesso em 13/01/2018.

MARX, Karl. O 18 Brumário de Luis Bonaparte, Escrito: Diciembre de 1851 - marzo de 1852. Primera Edición: En la revista Die Revolution, Nueva York, EEUU, 1852, con el título "Der Achtzehnte Brumaire des Louis Bonaparte". Fuente:C. Marx y F. Engels, Obras escogidas en tres tomos, Editorial Progreso, Moscú 1981, Tomo I, páginas 404 a 498. Edición Digital:Por la Red Vasca Roja; digitalizado y preparado por José Julagaray, Donostia, Gipuzkoa, Euskal Herria, 25 de septiembre de 1997. Esta Edición: Preparada por Juan R. Fajardo para el MIA, abril 2000. Fonte on line, Disponível em https://www.marxists.org/espanol/m-e/1850s/brumaire/brum1.htm Acesso em 13/01/2018.
MORIN, François. Os 28 bancos que controlam o dinheiro do mundo, entrevista a Vittorio De Filippis, publicado por Outras Palavras, 22-09-2015. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/169-noticias/noticias-2015/547171-os-28-bancos-que-controlam-o-dinheiro-do-mundo

Nossa homenagem aos revolucionários espartaquistas assassinados pela socialdemocracia contrarrevolucionária!


Humberto Rodrigues

Há quase um século, em 15 de janeiro de 1919, a coronhada de rifle de um soldado a mando de um governo reformista esmagava a mais brilhante e corajosa cabeça do movimento operário revolucionário alemão depois de Marx e Engels. Este acontecimento, por ter abortado a melhor oportunidade de uma revolução socialista em uma nação capitalista avançada foi como uma tragédia de proporções bíblicas sobre o futuro da luta do proletariado mundial até os nossos dias.

Como caracterizou o escritor Isaac Deutscher, o assassinato de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht foi o primeiro triunfo da Alemanha nazista. Teve consequências desastrosas para a luta de classes, selando o isolamento da revolução russa e todo refluxo posterior até a II Guerra Mundial.

Um ano após a tomada do poder pelos bolcheviques, o centro gravitacional da luta de classes havia passado para a Alemanha. Certamente, se uma revolução liderada por Luxemburgo e Liebknecht tivesse sido vitoriosa, o imperialismo seria golpeado de morte, em um de seus bastiões centrais, logo ao ingressar em sua fase decadente. A história da humanidade seria completamente diferente. Figuras abjetas como Hitler ou mesmo Stalin não teriam desempenhado o papel que tiveram, para não falar em outros personagens desprezíveis e acontecimentos reacionários que vieram depois, como a criação do Estado nazi-sionista de Israel.

Apesar de todas as dificuldades do primeiro ano da Revolução Bolchevique (que viriam a piorar depois), o otimismo revolucionário contagiava a vanguarda marxista. Lenin e Trotsky orientavam grande parte de seus esforços para impulsionar a revolução no restante da Europa. Trotsky empenhou-se em demonstrar o apoio incondicional dos revolucionários russos à luta do proletariado alemão: “Se o proletariado da Alemanha procura assumir a ofensiva, o dever essencial da Rússia dos sovietes será o de ignorar, na luta revolucionária, as fronteiras nacionais. A Rússia dos sovietes não é mais do que a vanguarda da revolução alemã e européia (...). O proletariado alemão e sua técnica por um lado e, por outro, nossa Rússia desorganizada, mas plena de riquezas naturais e tão populosa, formarão um bloco formidável contra o qual virão se quebrar todas as ondas do imperialismo (...). Liebknecht não precisa firmar tratado algum conosco. Sem tratado algum nós o ajudaremos com todas as nossas forças. Daremos tudo para a luta proletária mundial. A partir de então a Alemanha atrairá para si, fortemente, a simpatia de todos os povos, a simpatia das massas oprimidas do mundo todo – e antes de mais nada da França (...) mais sagrada do que outra qualquer, a classe operária francesa só espera, em seu coração revolucionário, o primeiro sinal da Alemanha.” (Discurso de 30/10/1918 no Vtsik, citado por Vitor Serge em O Ano I da Revolução Russa).

Lenin defendeu que para salvar a Revolução Alemã no momento decisivo, seria obrigatório aos revolucionários empregar toda sua energia, correndo inclusive o risco de sacrificar a revolução russa. Mas a social-democracia representante do imperialismo alemão aprendeu com o erro cometido pelo governo provisório de Kerensky de deixar escapar por entre os dedos a chance de esmagar os dirigentes da futura revolução bolchevique. Em meio ao refluxo da revolução russa, após as jornadas de julho de 1917, os bolcheviques foram caçados pelas ruas de Petrogrado. Trotsky foi preso e Lenin teve que escapar para a Finlândia.

Um ano e meio depois, após o refluxo que se seguiu ao levante proletário espontâneo de 09 de janeiro de 1918 em Berlim, Karl e Rosa tiveram suas cabeças postas a prêmio, a burguesia alemã ofereceu uma recompensa por qualquer informação que levasse a detê-los. Os dirigentes da Liga Espartaquista tinham acabado de receber documentos falsos, feitos na URSS para fugir de Berlim, mas antes disto foram capturados e executados.
Não se pode deixar de destacar, como desenvolveremos mais adiante, que fez uma profunda diferença a concepção de partido de revolucionários profissionais de Lenin e a imaturidade dos dirigentes espartaquistas na defesa da vida dos membros do estado-maior da revolução alemã e, portanto, da vida da revolução.

Longe de descarregar todo o peso da responsabilidade pelo destino da humanidade contra a barbárie nas costas de quem mais alertou o proletariado sobre qual seria sua desgraça caso sua luta não assegurasse um futuro socialista para o planeta, compreendemos que é preciso clarificar as causas desta derrota com os acertos e erros que a marcaram, como nos ensinou a própria Rosa: “Não estamos perdidos, nós venceremos desde que nós não tenhamos desaprendido a aprender.”

A ORIGEM DA MILITÂNCIA DE ROSA LUXEMBURGO E KARL LIEBKNECHT

Rosa Luxemburgo viveu no período compreendido entre a Comuna de Paris e o primeiro ano de existência do governo bolchevique. Nasceu em 05 de março de 1871 num vilarejo de Zamosc, perto de Lublin, na Polônia controlada pelo Império Russo. Era a quinta filha de Eliasz Luxemburg III, um judeu comerciante de madeira, e Line Löwenstein. Uma artrose no quadril lhe prostrou na cama até os cinco anos de idade, ocasionando que tivesse uma perna menor que a outra, fazendo-a mancar por toda a vida. Muda-se para Varsóvia para estudar e conclui os estudos secundários numa escola feminina em 1887. Aos 15 anos, ainda como secundarista, inicia sua militância política fazendo parte de uma célula do Partido Proletário (PP), fundado em 1882 e aliado do movimento populista russo na luta contra a opressão czarista. Mas logo o partido é massacrado e quatro de seus líderes são condenados à morte. Para escapar do cerco policial, Rosa foge para a Suíça em 1889. Ingressa na Universidade de Zurique juntamente com outros exilados socialistas como Anatoli Lunacharsky e Leo Jogiches, que viria a ser seu companheiro por mais de 15 anos.

Em 1892, funda com alguns ex-companheiros do antigo PP o Partido Socialista Polaco (PSP), que passa a ser dominado pelo nacionalismo, de onde sairia o general Pilsudsky, futuro ditador da Polônia. Em 1893, junto a Leo Jogiches e Julian Marchlewski (alias Julius Karski), funda o jornal “A causa dos trabalhadores” (Sprawa Robotnicza), para opor-se à ala nacionalista do PSP. Rosa acreditava que a luta pela independência nacional da Polônia, despossuída de um conteúdo de classe, levaria o proletariado a reboque da burguesia sob o canto de sereia nacionalista. O que é correto. No entanto, para ela, uma Polônia independente só poderia surgir através de uma revolução na Alemanha ou Rússia, discordando assim da luta pelo direito de autodeterminação dos povos, posição que acarretou futuras divergências com Lenin. No ano seguinte rompe com o PSP para fundar junto com Jogiches o Partido Social Democrata da Polônia e Lituânia (PSDPeL). Em 1897, foi uma das primeiras mulheres a concluir o doutorado em Ciência Política. Em abril deste ano, casou-se com Gustav Lueck, filho de um amigo alemão, a fim de conquistar a cidadania alemã. O casamento arrumado durou apenas cinco anos, que era o tempo mínimo estabelecido pela legislação do país para tal caso. Depois os dois se divorciaram.

Na Polônia dominada pelo czarismo, Rosa tomou parte ativa da revolução russa de 1905. Este movimento foi resultado espontâneo do descontentamento social provocado pela guerra russo-japonesa e o despotismo czarista. Culminou na greve geral em outubro, derrotada pelo czar em dezembro.

Foi a partir desta experiência que Rosa passou a contrapor mais apaixonadamente a espontaneidade da ação direta das massas à política conservadora “coroada pela vitória” da social democracia alemã. Nasceu daí o folheto “Greve de massas, partido e sindicato”, no qual Rosa tratou de explicar as lições dos acontecimentos russos ao proletariado alemão, aplicando-as na luta de classes deste país. Quando todos os jornais socialistas haviam sido suprimidos, o de Rosa continuava sendo publicado diariamente de forma clandestina, o que fez com que em quatro de março de 1906 ela fosse presa por vários meses. Devido a sua saúde frágil, sua nacionalidade alemã e o pagamento de uma fiança altíssima, foi liberada e expulsa da Polônia, dirigindo-se a Finlândia para encontrar-se com Lenin, Zinoviev e Kamenev. Este episódio aproximou profundamente o PSDPeL da fração bolchevique do Partido Operário Social Democrata Russo (POSDR).

Em 1907, Rosa participou como delegada do PSDPeL do Congresso de Londres do POSDR, onde apoiou os bolcheviques em todas as questões fundamentais concernentes a revolução russa. Chegou a declarar na tribuna do Congresso “Eu sei que também os bolcheviques cometem alguns erros, tem suas excepcionalidades, excessiva intransigência, mas eu os compreendo plenamente e os justifico: no mínimo é necessário ser firme como uma rocha frente a essa massa disforme e gelatinosa que é o oportunismo menchevique” (Discurso de Rosa no V Congresso de Londres do POSDR, 1907).

Três dias após o assassinato de Rosa e Karl Trotsky escreveu: “De constituição pequena, débil e enferma, Rosa surpreendia por sua poderosa mente. Já falei certa vez que estes dois líderes se complementam mutuamente. A intransigência e a firmeza revolucionária de Liebknecht se combinam com uma doçura e meiguice femininas, e Rosa, apesar de sua fragilidade, era dotada de um intelecto poderoso e viril. Ferdinand Lasalle já escreveu sobre o esforço físico do pensamento e a tensão sobrenatural de que é capaz o espírito humano para vencer e superar obstáculos materiais. Esta era a energia que comunicava Rosa Luxemburgo quando falava da tribuna, rodeada de inimigos. E tinha muitos. Apesar de ser de estatura pequena e aspecto frágil, Rosa Luxemburgo sabia dominar e manter a atenção de grandes auditórios, inclusive quando eram hostis as suas ideias. Era capaz de reduzir ao silêncio aos seus mais irascíveis inimigos mediante o rigor de sua lógica, sobretudo quando suas palavras se dirigiam as massas operárias.” (Karl Liebknecht - Rosa Luxemburgo, 18/01/1919).

Liebknecht, também nasceu no ano da Comuna (1871), tornara-se durante a I Guerra Mundial o representante mais popular do internacionalismo marxista. Seu pai, Guilherme Liebknecht (1826-1900), foi um dos fundadores do PSD e da II Internacional, parlamentar e diretor do jornal do PSD, Vorwäts, apontado por Lênin como “exemplo ideal do tipo de intelectual que necessita o movimento socialista, foi Liebknecht, quem embora fosse um brilhante escritor, perdeu a mentalidade específica do intelectual, marchava alegre com as massas e trabalhava em qualquer função que o orientasse, se submeteu integralmente a nossa grande causa e desprezou o débil choramingo sobra a anulação da personalidade, ao que tanto estão inclinados a entregar-se estão os intelectuais educados na escola de Ibsen e Nietzsche” (Um passo adiante, dois passos atrás, 04/1904).

Sobre esta herança nasceu e educou-se o jovem Karl. Estudou para ser advogado, tendo defendido inúmeros socialdemocratas em processos políticos. Exemplo único de parlamentar revolucionário, mesmo estando entre os bandidos do parlamento burguês, nunca vacilou em defender intransigentemente sua classe.

A voz e voto de Liebknecht, solitários no parlamento alemão (Reichstag) ressoaram em todo o mundo, levantou-se contra todo o imperialismo, toda a canalha social-chauvinista da II Internacional, declarou que “o inimigo principal estava em casa” e conclamou os operários e soldados da Alemanha para que voltassem suas armas contra seu próprio governo, proclamando “Abaixo a guerra; abaixo o Governo!” contra a carnificina imperialista e pela revolução socialista mundial. Quando Karl, assim como Rosa, foi acusado por traição, preso e sentenciado a dois anos e meio de trabalhos forçados, em várias cidades do país mais de 55.000 operários escolheram a arma da greve política de massas em defesa de seus mais legítimos representantes.

1871-1914, O AUGE DO OPORTUNISMO REFORMISTA, O MAIS ESTÁVEL E DURADOURO MECANISMO CONTRARREVOLUCIONÁRIO DA BURGUESIA

A partir de 1873, a Alemanha atravessou um período de grande prosperidade graças à unificação dos vários reinos da região em torno da Prússia para derrotar a França de Napoleão III. A burguesia francesa impôs a conta da derrota sobre sua própria população, mas não sem antes ter que esmagar a resistência oferecida pela Comuna de Paris que constituiu o primeiro governo operário da história. O império alemão também conquistou colônias na África (Camarões, Ruanda, Burundi e Namíbia), norte da China e no Oceano Pacífico (Nova Guiné e outras ilhas). Esta poderosa máquina de acumulação capitalista precisava ser azeitada com a colaboração de classes, necessitava de estabilidade política doméstica e poderia consegui-la a um custo insignificante diante do que arrecadava. Assim, o império teve que recuar diante das demandas do movimento operário por elevar o nível de vida dos trabalhadores e do fortalecimento dos sindicatos e cooperativas. Em 1890, para cooptar o movimento socialista à institucionalidade burguesa, o governo Bismark revoga a lei que proibia os partidos socialistas de disputarem o Reichstag. A partir de então a burocracia sindical passou a conquistar gradativamente sua representação parlamentar através do Partido Social Democrata (PSD, SPD em alemão), fundado em 1863.

Estas condições favoráveis à luta econômica e parlamentar somadas ao refluxo ideológico imposto ao movimento operário revolucionário com a ofensiva burguesa pós-Comuna propiciou a que os líderes do PSD cada vez mais substituíssem o programa marxista pela crença de que o capitalismo poderia ser reformado gradualmente até se transformar em socialismo. O porta-voz desta tendência e dirigente do partido foi Eduard Bernstein, principal sucessor de Engels na II Internacional, que escreveu uma série de artigos reunidos em “Problemas do Socialismo” atacando cada vez mais abertamente os princípios do marxismo.

O “papa” do socialismo internacional em nome da “liberdade de crítica” e em uma cruzada contra o “dogmatismo” negou a possibilidade de que o socialismo fosse fundamentado cientificamente e de provar sob o ponto de vista da concepção materialista da história a sua necessidade e sua inevitabilidade. Negou a miséria crescente e o agravamento das contradições capitalistas. A estratégia comunista foi renegada e substituída pela máxima “o movimento é tudo, o objetivo final é nada”. Foi negada a oposição de princípios entre o liberalismo e socialismo, a teoria da luta de classes, pretensamente inaplicável a uma sociedade democrática, governada de acordo com a vontade da maioria. E, principalmente, foi categoricamente rechaçada a ideia da ditadura do proletariado. Assim como a primeira vítima de toda guerra é a verdade, a concepção da ditadura do proletariado converte-se em inimiga número um de todo aquele que se passa para o oportunismo reformista. Não por acaso é a principal contribuição de Marx, definida por ele mesmo.

“Muito antes de mim, alguns historiadores burgueses tinham exposto o desenvolvimento histórico desta luta de classes. O que fiz e novo foi demonstrar: 1) que a existência das classes está ligada apenas a determinadas fases da produção; 2) que a luta de classes conduz necessariamente à ditadura do proletariado; 3) que esta mesma ditadura constitui tão somente a transição para a abolição de todas as classes” (Carta de Marx a Weydemeyer, Londres, 5/3/1852). Bernstein e todos seus discípulos declarados ou envergonhados no último século romperam com o ABC do marxismo.

Rosa Luxemburgo, que acabara de fugir da Polônia ingressara na social democracia alemã já combatendo a ala direita do partido representada pelo deputado Wolfgang Heine que justificava assim o revisionismo contrarrevolucionário: “De fato, eu pergunto a todos os homens racionais, uma política deveria tentar alcançar o que é impossível sob determinadas circunstâncias? O oportunismo é um jogo político que pode ser perdido de duas maneiras: não apenas princípios básicos, mas também sucesso prático podem ser perdidos. A suposição de que alguém pode alcançar o maior número de sucessos fazendo concessões é um completo erro. (...) Em nosso não, em nossa atitude intransigente, encontra-se toda nossa força. É esta atitude que ganha o medo e respeito do nosso inimigo e a confiança e o apoio do povo. Precisamente porque nós não concedemos nem um centímetro de nossa posição, nós forçamos o governo e os partidos burgueses a nos conceder os poucos sucessos imediatos que podem ser ganhos. Mas se nós começamos a perseguir o que é ‘possível’ de acordo com os princípios do oportunismo, sem nos preocupar com nossos próprios princípios, e por meios de troca como fazem os estadistas, então nós iremos logo nos encontrar na mesma situação que o caçador que não só falhou em matar o veado, mas também perdeu sua arma no processo." (O Oportunismo e a Arte do Possível, Rosa Luxemburgo, 30 de Setembro de 1898).

Depois da revolução de Novembro de 1918 na Alemanha, Heine ocupou uma série de lugares no governo capitalista da Prússia.

A LUTA CONTA AS IGREJAS

Rosa também se preocupou em polemizar com outros inimigos da revolução que entorpecem a consciência do proletariado em relação à luta política contra as classes dominantes, como o clero. Em “O Socialismo e as Igrejas” ela desmascara os interesses terrenos do Vaticano: “as enormes riquezas acumuladas pela Igreja, sem qualquer esforço da sua parte, vêm da exploração e da pobreza do povo trabalhador. A riqueza dos arcebispos e bispos, dos conventos e paróquias, a riqueza dos donos das fábricas, e dos comerciantes e dos proprietários de terras, é comprada ao preço de esforços desumanos dos trabalhadores da cidade e do campo. Qual é a única origem das dádivas e dos legados que os ricos senhores fazem à Igreja? Obviamente que não é o trabalho das suas mãos e o suor dos seus rostos, mas a exploração dos trabalhadores que trabalham sem descanso para eles; servos ontem, assalariados hoje...”.

Mais uma vez Rosa mostra sua coragem combatendo o clero na Polônia, o país onde a igreja católica historicamente tem uma força imensa. Força esta que associada a uma burocracia sindical corrompida pela CIA serviu de apoio inclusive para a restauração capitalista naquele país no final da década de 1980, quando Karol Wojtyla aliou-se ao arqui-burocrata, Lech Walessa, para orientar as massas organizadas no Solidariedade sob a política do imperialismo.

Rosa entendia que o culto religioso era um assunto privado o qual o Estado não tinha direito de intrometer-se e diferenciava seu ateísmo militante, no campo da luta teórico-ideológica, do combate a igreja como instituição auxiliar da classe dominante: “A Social Democracia de modo algum combate os sentimentos religiosos. Ao contrário, procura completa liberdade de consciência para todo o indivíduo e a mais ampla tolerância possível para qualquer fé e qualquer opinião. Mas desde o momento que os padres usam púlpito como um meio de luta contra as classes trabalhadoras, os trabalhadores devem lutar contra os inimigos dos seus direitos e da sua libertação. Porque o que defende os exploradores e o que ajuda a prolongar este regime presente de miséria, esse é que é o inimigo mortal do proletariado, quer esteja de batina ou de uniforme de polícia.” (Rosa Luxemburgo, O Socialismo e as Igrejas, 1905).

A TEORIA DO COLAPSO CAPITALISTA EM ROSA

Em 1913, Rosa elaborou suas concepções sobre o imperialismo em “A Acumulação do Capital”. Na visão da revolucionária, a posição de Bernstein foi equivalente a um abandono do ponto de vista de classe, e seu desprezo pela dialética correspondia a sua falha para negociar com o capitalismo como um todo, como um organismo vivo.

Em oposição à ideia dos que haviam se convencido que o capitalismo havia se livrado de suas contradições, Rosa desenvolve conceitos chaves sobre as fases de “ascenso” e “declínio” do capitalismo refutados por Bernstein. Ela argumenta que a formação de cartéis da indústria, crescimento da influência do capital financeiro, tentativas de cooptar o estrato superior dos trabalhadores organizados, a militarização do Estado e sua burocracia encarregada são todos fenômenos interligados a um mal geral, a decadência imperialista. Para a revolucionária o desenvolvimento do capital se daria sobre a base da expansão da venda de mercadorias sobre novos mercados não capitalistas de desenvolvimento mais atrasado. Ao conquistar este mercado, o capitalismo atingiria um limite em que não pode mais gerar as condições necessárias para o seu desenvolvimento, pois o próprio dinamismo de seu processo produtivo estaria esgotado.

Mas, longe de compreender as concepções da própria Rosa, alguns luxemburguistas “modernos” se apoiam na teoria do colapso da revolucionária para justificar sua própria prostração política e afirmar que o “capitalismo vai se autodestuir”. A recessão, a destruição das condições de vida das massas, a pauperização antes mesmo da proletarização das camadas médias da população, o crescimento do exercito industrial de reserva, a megaespeculação financeira, os investimentos maciços em forças destrutivas, a crise ambiental,... expressam o apodrecimento do capitalismo em direção à barbárie, mas de modo algum autodestruição do mesmo, cuja derrubada só pode ser produto da ação consciente do proletariado guiado por seu partido de vanguarda comunista e internacionalista.

A DEGENERAÇÃO DO SOCIALISMO QUE ROSA COMBATIA HÁ UM SÉCULO TORNOU-SE HEGEMÔNICO NA AMÉRICA LATINA

O câncer já havia se alastrado na Internacional. Em 1899, o “socialista” francês Millerand ingressou no governo de coalizão, empregando na prática as revisões teóricas de Bernstein, inaugurando o “ministerialismo” e a fórmula dos governos e colaboração de classes, onde os representantes “socialistas” do movimento de massas ingressam em ministérios, tornam-se presidentes ou primeiro-ministros auxiliam a burguesia a desarmar o movimento operário. A partir de então, quanto mais atravessa crises e ingressa em sua fase senil a estabilidade da ordem social burguesa requer a colaboração de classes passando. Os governos de colaboração de classes foram criando uma tradição contrarrevolucionária desde Millerand, seguido por Macdonald na Inglaterra, passando por Kerensky na Rússia, pela República de Weimar na Alemanha (que nasceu exatamente executando Rosa e Karl), pelos governos de frente popular (França, Espanha, Indonésia, Chile,...) ou nacionalistas de esquerda (Bolívia), as coalizões com socialistas e comunistas na Europa no pós-guerra até chegar aos dias de hoje com seus Mandelas, Lulas, Evos, Chávez,... A degenerescência burguesa da burocracia operária que dirige, integra ou apoia estes governos tornou-se o principal obstáculo à vitória da revolução proletária.

Enquanto uma legião de oportunistas tenta vender como novidade a gestão “popular” do Estado burguês (e de fato nem tão popular como podem atestar as massas haitianas, os metalúrgicos da Mistubhish venezuelana ou os sem terra do Brasil), o chamado “socialismo do século XXI”, Rosa já assinalava o quão era reacionária a ideia de reformar o capitalismo mesmo quando fora proposta de forma honesta pelos socialistas utópicos pré-marxistas. “Hoje, lendo os livros de Bernstein, a expressão teórica máxima dessa tendência, grita-se com estupefacção: Como? É tudo o que têm para dizer? Nem sombra de pensamento original! Nem uma ideia que o marxismo já não tivesse, há dezenas de anos, refutado, esmagado, ridicularizado, reduzido a pó! Bastou que o oportunismo começasse a falar para demonstrar que nada tinha para dizer.” (Reforma ou Revolução, 1900).

Foi a primeira socialista do planeta a levantar-se contra a degeneração oportunista do socialismo. E não era fácil no raiar do século XX aquela pequena e fisicamente frágil mulher, que nem sequer tinham direito ao voto e menos ainda a eleger-se nas eleições burguesas, combater o revisionismo onde justamente ele era mais forte, oferecia reformas reais e dispunha de uma imensa máquina de propaganda, demolindo impiedosamente seu maior representante: “Expondo a sua teoria, Bernstein começa por exprimir simplesmente o receio de que o proletariado conquistasse excessivamente cedo o poder. Se isso acontecesse, uma tal ação, segundo Bernstein, conduziria a deixar a sociedade burguesa na situação em que está, e o proletariado sofreria uma terrível derrota. Esse receio mostra ao que se confina praticamente, a teoria de Bernstein: a aconselhar o proletariado, no caso das circunstâncias o levarem ao poder, a ir-se deitar. Mas, mesmo aí, essa teoria julga-se a si própria, revela-se como uma doutrina condenando o proletariado, nos momentos decisivos da luta, à inação, a uma traição passiva da sua própria causa. (...) Depois de ter abjurado de qualquer crítica socialista da sociedade capitalista, contenta-se em considerar satisfatório o sistema atual, pelo menos no seu conjunto. É um passo que Bernstein não hesita em dar; considera que na Alemanha de hoje, a reação não é muito forte: ‘nos países da Europa Ocidental não se pode falar em reação política’; pensa que em todos os países do Ocidente a ‘atitude das classes burguesas em relação ao movimento socialista é mais ou menos uma atitude de defesa e não de opressão’ (Vorwärts, 26 de Março de 1899). Não existe pauperização, mas uma melhoria do nível de vida dos operários; a burguesia é politicamente progressiva e mesmo moralmente sã. Não se pode falar de reação ou de opressão. Tudo é feito para melhorar o melhor dos mundos... Depois de ter dito o A, Bernstein é, lógica e consequentemente, levado a recitar todo o alfabeto. Começou por abandonar o objetivo final do movimento. Mas, como na prática não pode haver movimento socialista sem finalidade socialista é obrigado a renunciar ao próprio movimento. (...) Pode definir-se e resumir-se a teoria revisionista pelas seguintes palavras: É uma teoria do afundamento do socialismo, fundamentada na teoria da economia vulgar do afundamento do capitalismo.” (Reforma ou Revolução, 1900). Até então foi ela quem se projetou como a defesa mais articulada do Marxismo revolucionário neste debate.

A era de ouro do reformismo durou até a primeira guerra mundial, ganhou uma pequena sobrevida após a II Guerra, quando o imperialismo entregou os anéis para não perder os dedos após a criação dos Estados operários burocratizados do Leste Europeu, China, Cuba, Iugoslávia. Mas o ingresso da humanidade na fase decadente do capitalismo inviabilizou as bases materiais de uma política de concessões crescentes da burguesia para os trabalhadores. Em todo o planeta, a burguesia toma o que concedeu no passado. Este saque as conquistas dos trabalhadores se acentuou nos últimos 20 anos, após a restauração capitalista na URSS e no Leste Europeu, o que potenciou a atual ofensiva imperialista em todos os terrenos. Para manter a estabilidade política e gerir o Estado burguês, os governos de colaboração de classes se converteram em opção preferencial do imperialismo, tornaram-se hegemônicos na América Latina. Os tais governos de centro-esquerda recorrem assim como Bernstein, há mais de um século, ao canto de sereia de que é possível reformar gradualmente o capitalismo em favor dos trabalhadores. Neste quadro, ganha imensa vigência os escritos de quem primeiro soou o alarme do combate ao reformismo como instrumento contrarrevolucionário da burguesia contra o avanço da consciência revolucionária dos trabalhadores.

COMO O PARTIDO OPERÁRIO COM MAIOR INFLUÊNCIA DE MASSAS DA HISTÓRIA DE TODOS OS PAÍSES CAPITALISTAS SE TRANSFORMA EM UM “CADÁVER MAL-CHEIROSO”

De todos os partidos já existentes na história do movimento operário, o Partido Social-Democrata alemão (PSD) foi o maior e mais poderoso partido em influencia de massas dentro de um país capitalista. Antes da primeira guerra mundial chegou a contar com um milhão de membros, mais de 15 mil profissionais operários, militantes de tempo integral e, 90 jornais diários!

Assim como os outros partidos sociais democratas, o PSD também votou nas resoluções contra a guerra em todos os congressos da II Internacional. Mas, adotou na prática (assim como a maioria dos membros social-chauvinitas da Internacional), uma posição oposta às resoluções aprovadas, que significou trocar o lema mais popular do marxismo por “trabalhadores de todo mundo matem-se uns aos outros”. Na Alemanha, para assegurar seus privilégios burocráticos junto ao Estado capitalista o PSD se colocou a serviço da ganância da burguesia germânica comandada pelo kaiser Guilherme II, a quem Lenin chamava de “bandido miserável”.

A degeneração contrarrevolucionária do grande partido socialista alemão, deve sempre servir de alerta contra todos aqueles que desprezam a rigorosa delimitação programática e principista e medem a importância das organizações pelo tamanho do aparato que controlam.

No dia 04 de agosto de 1914 o Império alemão aprova o orçamento de guerra proposto pelo governo, por quase unanimidade no parlamento, o Reichstag, tendo como o único voto contrário o de Liebknecht. Todos os demais parlamentares do PSD votaram a favor dos chamados créditos de guerra. Além disto, o partido estabeleceu uma trégua com o governo, prometendo evitar que se realizasse toda e qualquer greve durante a guerra.
Quando Lenin leu a capa do Vorwärts, o principal jornal do PSD, com essa notícia, ficou tão escandalizado inicialmente que acreditou tratar-se de uma falsificação do governo alemão para comprometer o PSD mais do que sua direção oportunista se dispunha. Desgraçadamente, não era uma fraude, mas a mais pura verdade. O Partido Socialista Francês e vários outros fizeram o mesmo por suas burguesias. Após esta traição Rosa Luxemburgo declarou que a social democracia a partir de então não passava de um “cadáver mal-cheiroso”.

No dia seguinte, Karl Liebk-necht, Rosa Luxemburgo, Clara Zetkin e Franz Mehring fundam o Grupo Internacional, uma federação de grupos que se opunham ao militarismo e ao oportunismo da direção social democrata. O nome espartaquistas derivou de que Liebknecht havia redigido uma série de artigos convocando os trabalhadores a fazer oposição revolucionária a guerra assinando-os com o pseudônimo de Espartaco, em homenagem ao escravo gladiador que liderou a principal revolta de massas que encurralou o Império Romano entre os anos de 71 e 74 a.C..

Foram expulsos do PSD em primeiro de janeiro de 1916 por denunciarem o chauvinismo da direção do partido e chamarem os trabalhadores a greve contra a guerra. Seus principais dirigentes Liebknecht e Luxemburgo, acusados de alta traição, foram condenados a dois anos e meio de prisão e a trabalhos forçados, enquanto continuaram a dirigir o grupo através de cartas traficadas para fora clandestinamente. Em maio de 1915, Liebknecht escrevia de sua cela um panfleto que foi amplamente divulgado nas fábricas e quartéis. Dizia: “neste momento nossa tarefa é a luta proletária internacional. O inimigo principal de cada povo se encontra em seu próprio país. O inimigo do povo alemão é o imperialismo alemão”.

POUCO DEPOIS DO REFORMISMO, NASCEU O SEU FIEL ESCUDEIRO, O CENTRISMO

Embora ninguém possa duvidar do caráter genuíno do combate de Rosa ao oportunismo reformista, o que retardou seu amadurecimento político e organizativo foi à crença de que 1) por mais degenerado que pudesse estar o PSD era “O” partido da classe; 2) fora dele não se poderia se constituir mais do que seitas e 3) um futuro levante da classe regeneraria o partido. Por isto em sua carta de fundação os espartaquistas bradavam “nem partido novo, nem partido velho, mas reconquista do partido de baixo para cima por meio de uma rebelião de massas” (30/03/1916). Por isto também Rosa se opôs a cisão do próprio bloco centrista de Kautsky com o PSD em 1917, acreditando na reconquista revolucionária do partido já abertamente contrarrevolucionário e que a própria Rosa acertadamente denominava de “cadáver mal-cheiroso” desde o quatro de agosto de 1914.

Em abril de 1917, Kautsky e o próprio Bernstein saem do partido e fundam o Partido Social Democrata Independente (PSDI, USPD em alemão). Bernstein volta ao PSD depois da guerra, em 1919, e Kautsky, em 1922. Juntaram-se ao PSDI a Liga Espartaquista e os Socialistas internacionalistas (SI), dirigidos por Pannekoek, conformando assim o que Lênin viria a definir como um partido centrista clássico que oscila entre o reformismo e o marxismo. “Revolucionários apenas de palavra, mas reformistas de fato, internacionalistas de palavras, mas na verdade cúmplices do social-chauvinismo.” (Lenin, A situação da internacional socialista, Teses de Abril de 1917).

Para manter um pé no parlamento e com o outro controlar o movimento, o PSDI possuía uma espécie de central sindical própria, a Associação Operária ou do Trabalho (Arbeitsgemeinschaft), fundada em março pelos deputados do Reichstag que se separaram do PSD, mas defendiam os social-chauvinistas e sustentavam uma política de unidade com eles.

A Alemanha é parteira do marxismo assim como de suas duas principais doenças degenerativas, o reformismo e o centrismo. A situação objetiva do proletariado sob o regime imperialista provoca sua divisão política subjetiva em três tendências principais: o reformismo (socialistas a serviço do imperialismo ou social-imperialismo), o centrismo e o comunismo revolucionário. Se inclusive no interior do movimento operário as idéias dominantes são as ideias da classe dominante é fácil compreender que em situações não revolucionárias o marxismo revolucionário seja a minoritária destas três tendências. Dentre as contribuições de Lênin ao marxismo está a compreensão que a vitória da revolução socialista requer como pré-requisito que os marxistas rompam com o oportunismo no movimento operário. O centrismo é um dique de contenção para que o movimento operário não crie um forte partido operário revolucionário independente do oportunismo e do regime burguês. Em última instância, é o responsável para que os as insurreições e levantes populares e proletários não possuam a ferramenta apropriada para conduzir as massas à tomada do poder.

“Enquanto o comunismo é o porta-voz da classe operária e o reformismo representa os interesses da cúpula privilegiada da mesma, o centrismo reflete o processo transicional no interior do proletariado, as distintas ondas dentro de suas distintas camadas e as dificuldades que estorvam o avanço a posições revolucionárias definitivas. sempre haverá na classe operária uma camada de centristas crônicos, que não querem seguir com o reformismo até as últimas consequências, mas que são organicamente incapazes de se converter em revolucionários” (O que é o centrismo, Leon Trotsky, 28/05/1930).

O morenismo que já foi mais forte em nosso continente é uma corrente centrista por excelência. No Brasil, os melhores representantes do kautskismo é o PSTU que, guardadas as proporções numéricas e conjunturais, constrói a Conlutas sua Arbeitsgemeinschaft e que, completamente desprovido de representação parlamentar, aspira a ter no PSOL sua cara metade de cretinismo parlamentar. A grosso modo, o que na Alemanha de 1917 se expressava em um só partido, no Brasil de 2010 se expressa na dobradinha PSTU-PSOL.

Na Argentina, o centrismo é representado pelo PO, PTS e IS. O PSDI teve curta duração, desapareceu e seus militantes foram todos para o comunismo ou a socialdemocracia. Mas épocas como a atual, marcada pela reação ideológica pós-soviética sobre a consciência das massas, espasmos de resistência popular à ofensiva capitalista e governos de colaboração de classe dirigidos pelos oportunistas do século XXI, possibilitam uma longevidade maior às correntes centristas como o PSTU.

Rosa Luxemburgo foi implacável e pioneira no combate não apenas ao oportunismo de Bernstein, mas também contra as ilusões reformistas e pacifistas de Kautsky (limitação do armamentismo, tribunal internacional, etc.), seu “radicalismo formal” pedante e apodrecido desde o nascimento do bolchevismo em 1903. Como relembra Lenin: “ódio e desprezo a Kautsky, agora mais do que a todo o resto do rebanho hipócrita e vil (...). Rosa Luxemburgo tem razão, ela já compreendeu isto há muito tempo, que Kautsky possuía um alto grau de ‘servilismo de um teórico’, dito mais claramente, foi sempre um lacaio, um lacaio da maioria do partido, um lacaio do oportunismo” (Antologia leninista, vol. 2, Carta a A. Shliapnikov, 27/10/1914).

No entanto, a dirigente espartaquista não foi consequente na ruptura política e organizativa com o kautskismo nem colocou o problema da luta contra o centrismo em toda a amplidão necessária.

O mesmo Lenin destaca este problema com toda profundidade em 1916. “A maior falta de todo o marxismo revolucionário na Alemanha é a falta de uma organização ilegal bem enlaçada, que siga sistematicamente sua linha e que eduque as massas no espírito das novas tarefas; tal organização devia ocupar uma posição clara, tanto em face do oportunismo como em face do kautskismo” (Lenin: “Obras Escolhidas”, torno V, Sobre o folheto de Junius, 10/1916).

O revolucionário russo destaca a autenticidade do caráter revolucionário do combate de Rosa contra os oportunistas, mas segue mais adiante a criticando por deixar-se “asfixiar pela rede de hipocrisia kautskiana”: “É indubitável que ‘Junius’ [pseudônimo utilizado por Rosa] está decididamente contra a guerra imperialista e decididamente pela tática revolucionária. Mas, em primeiro lugar, ‘Junius’ não se libertou ainda per completo do ambiente dos socialdemocratas alemães, inclusive dos de esquerda, que temem uma cisão, que têm medo de levar até o fim as palavras de ordem revolucionárias. (...) No folheto de ‘Junius’ percebe-se que o autor se ENCONTRA ISOLADO, que não tem nenhum camarada numa organização ilegal que esteja acostumado a pensar em palavras de ordem revolucionárias até o fim e que eduque as massas em seu espírito. Mas esta falta não é uma falta pessoal de ‘Junius’, mas o resultado da debilidade de TODAS as esquerdas alemãs, que em todas as partes estão asfixiadas pela ignóbil rede da hipocrisia kautskiana, pelo pedantismo e o ‘pacifismo’ dos oportunistas” (idem).

Mesmo depois que Lênin levou a termo de forma cabal sua ruptura com os oportunistas russos, forjando sua fração de forma completamente independente e contra os mencheviques cinco anos antes da revolução de 1917, durante a própria, teve que travar duas batalhas ainda mais duras contra a direção do próprio partido bolchevique. Batalhas que se o autor do “O que Fazer?” não tivesse vencido, não existiria revolução soviética, a saber: a ruptura com a política de apoio crítico ao governo burguês provisório, prestado por Kamenev, Zinoviev e Stalin, os principais dirigentes do partido antes que Lênin chegasse do exílio com suas famosas teses de abril e a organização militar da tomada do poder, contra a qual resistiu à maioria da direção por quase dois meses cruciais.

O combate pelo legado de Rosa Luxemburgo, pressupõe uma luta sem quartel contra os oportunistas e centristas de hoje que utilizam da autoridade da revolucionária para cultuar o pacifismo, o antipartidarismo e o oportunismo, que ela tanto combateu, como é o caso do partido alemão Die Linke (A esquerda), que ostenta um programa tão contra-revolucionário quanto o do PSOL brasileiro.

A TRAGÉDIA DA REVOLUÇÃO ALEMÃ

Apesar da firme disposição de Lenin e Trotsky, os bolcheviques não poderiam fazer muito pela revolução alemã. Enquanto ainda enfrentavam as forças lideradas pelos generais brancos Deninkin, Wrangel, Yudenich e Kolchak foram obrigados a estabelecer a um custo altíssimo um acordo de paz com o império Alemão, contra quem a Rússia lutava desde início da I Guerra Mundial. Assim que se livraram dos invasores germânicos, os bolcheviques viram os brancos contrarrevolucionários serem turbinados com o apoio militar maciço dos exércitos que antes estavam do lado da Rússia contra a Alemanha. 50 mil soldados da Inglaterra, EUA, Itália, Sérvia, França, Tchecoslováquia, Polônia, Japão que se juntaram numa cruzada para trucidar o primeiro estado operário do mundo como tinha sido feito com a Comuna de Paris em 1871.

O Tratado de paz com o bloco alemão (Alemanha, Áustria-Hungria, Bulgária e Turquia), foi assinado em três de Março de 1918, em Brest (antigamente Brest-Litovsk). Foi motivo de intensas disputas dentro do partido bolchevique e entre os socialistas, particularmente os alemães. As condições de paz eram extremamente pesadas para a URSS. Segundo o tratado, deveriam ficar sob controle da Alemanha e da Áustria-Hungria a Polônia, a quase totalidade da região do Báltico e uma parte da Bielorrússia; a Ucrânia separava-se da Rússia soviética e tornava-se um Estado dependente da Alemanha. Uma parte de território iria para a Turquia. Para a URSS significou perder 27% de sua superfície cultivável, de 26% de suas vias férreas e de 75% de sua produção de aço e ferro. Em Agosto de 1918 a Alemanha impôs ao Estado operário um tratado adicional e um acordo financeiro, nos quais eram apresentadas novas exigências espoliadoras. Depois da revolução de Novembro de 1918 na Alemanha, que derrubou o regime monárquico, foi anulado o tratado de Brest-Litovsk.

Com os bolcheviques ocupados em defender a URSS da maior cruzada imperialista até então constituída a revolução alemã só podia contar com suas próprias forças. Que por sua vez, não eram débeis. A Alemanha era o país capitalista avançado por excelência, sua base industrial era imensamente mais ampla e o seu proletariado era muito mais numeroso que o russo. Contrariando o pacto antigreve estabelecido pelo PSD, desde o início da guerra o movimento de massas alemão crescia em força e coesão rumo à construção de organismos de duplo poder. Outubro de 1915 motins de fome, seguidos de saques em Chemnitz. Maio de 1916 manifestações massivas em várias cidades contra a prisão de Liebknecht. Março de 1917, onda de greves contra a intervenção nos sindicatos que não cumpriam a trégua social imposta pelo PSD. 16 de abril de 1917, nasce em Leipzig o primeiro conselho operário alemão, conhecido por “Comissão”. 16 a 23 de abril de 1917, 250 mil operários marcharam em Berlim. 19 de abril de 1917, a fábrica Knorr-Bremse elege um conselho operário de tendência espartaquista.

Ao final da guerra a classe dominante alemã encontrava-se em uma situação quase desesperadora. O “quase” reside em poder apoiar-se no PSD contra a revolução proletária. Toda denuncia feita pelos espartaquistas nos últimos anos, e particularmente por seus principais líderes encarcerados, se confirmara. O país estava colapsado, econômica e militarmente, os soldados e o proletariado avançavam sobre os culpados. A situação exigia um partido capaz de galvanizar este amplo descontentamento.

A partir de um motim na marinha contra a continuidade da guerra, os marinheiros da base de Kiel desarmaram seus oficiais, tomaram os barcos, elegeram um conselho de soldados e se uniram aos trabalhadores metalúrgicos. A revolta acabou definitivamente com a primeira guerra mundial, se alastrou por todo país, com greves de massa, motins, assaltos as prisões e paióis. Em Hamburgo, Lubek, Brunswick e na Baviera formaram-se conselhos populares e soldados e operários que destituíam os governadores proclamaram repúblicas socialistas nos estados federados. Para conter a revolta, em Outubro, anunciou-se uma anistia para presos políticos, inclusive Liebknecht. Tal medida foi saudada por milhares de operários berlinenses, mas Rosa Luxemburgo foi mantida na prisão, depois liberada em oito de novembro.

A Alemanha foi tomada por 10 mil conselhos operários que a parte Oeste da Alemanha dando lugar a uma república de conselhos (Räterepublik) similares aos sovietes russos de 1905 e 1917. Mas, sem alternativas revolucionárias os sovietes alemães votaram no velho PSD. Em Kiel, por exemplo, foi eleito presidente do Conselho o deputado “socialista” Noske que viria a entrar para a história como o “cão sanguinário” da revolução alemã. De forma semelhante, a maioria dos outros conselhos elegeu dirigentes do PDS e do PDSI. Os organismos revolucionários delegaram poder aos contrarrevolucionários social-imperialistas que por sua vez pactuaram o enterro da revolução com a burguesia germânica. Hintze, um secretário de estado declarou: “É necessário evitar uma sublevação de baixo para cima por meio de uma revolução de cima para baixo”. A burguesia desesperada deixou que o confiável PSD fizesse tudo que ela precisava para não perder o controle da situação para o proletariado. Foi então que em nove de novembro de 1918 ocorre a Novemberrevolution, em nome dos soldados e operários sublevados os socialistas substituíram o kaiser Guilherme II por um governo provisório “parlamentar” encabeçado pelo príncipe Max von Baden, primo do Kaiser, do qual faziam parte Scheidermann, Ebert e Noske.

A república foi duplamente proclamada. Enquanto Schei-demann proclamava a república de uma sacada do Reichstag, em Berlim, ao meio-dia do 9 de novembro de 1918, às 16 horas, uma multidão tão grande quanto aquela que aplaudia Scheide-mann se aglomerava no castelo de Berlim (Stadtschloss), onde Karl Liebknecht também proclamava a república. Seu discurso culminou com a proclamação da “República livre e socialista da Alemanha”, que poria um fim à hegemonia dos Hohenzollern. No lugar do odiado estandarte imperial, deveria ser desfraldada a “bandeira vermelha da República Livre Alemã.

O PSD legitimou o governo provisório burguês aos olhos do conjunto das classes, convocando em dezembro uma assembleia constituinte e de organismos de poder local através do sufrágio universal, erradicando a recém nascida democracia soviética pela velha e clássica democracia parlamentar burguesa. O conjunto da esquerda alemã compartilhava com a fantasia burguesa de que a partir do momento em que o PDS havia se adonado do poder apoiado pelos conselhos operários, a transformação das relações sociais capitalistas era só uma questão de tempo em um processo progressivo, gradual e passivo. Em seu livro “Ditadura do Proletariado”, Kautsky deturpa o conceito primordial do marxismo, esconde o caráter de classe da democracia burguesa, apresentando-a como “democracia pura” e desaparece com a violência revolucionária, sem a qual é impossível a tomada do poder pelos trabalhadores das mãos da burguesia de forma gradual e pacífica. Não por acaso, por esta faceta, Lenin declara que o “O renegado Bernstein não passa de um fedelho em comparação com o renegado Kautsky” (A revolução proletária e o renegado Kautsky, 1918).

Bebendo da fonte dos ideólogos do oportunismo, Bernstein e Kautsky, o PDS explica a população trabalhadora que é preciso desenvolver o capitalismo até seu último estágio para só então socializá-lo. Para tanto, é preciso fazer reinar a ordem, esmagando os espartaquistas.

De 16 a 20 de dezembro de 1918 reuniu-se o Congresso Pan-Alemão dos Conselhos de operários e soldados que conferiu plenos poderes ao Conselho do Comissariado do Povo constituído por uma executiva de seis membros (três membros do PSD e três do PSDI). Dos 485 delegados do Congresso, os espartaquistas possuíam 10 delegados. A oposição mais a esquerda com significativo peso político dentro do Conselho a política imperialista do PSD era realizada pelos Arbeitsgemeinschaft.

A vanguarda armada revolucionária da revolução alemã era representada pelos marinheiros de Kiel, a Divisão de Marinheiros do Povo (Volksmarinendivisión, VMD) que foram transferidos para Berlin para proteger a principal cidade da revolução. Após o Congresso Pan Alemão dos Conselhos, o governo social democrata os provocou, cortando seus soldos. Em 24 de dezembro três mil marinheiros ocuparam o Palácio Imperial, sede do governo de Berlin, sitiando o chanceler Ebert. O PSD invocou o general monarquista Arnold Lequis a defender o chanceler reagrupando a odiada Guarda Imperial que se encontrava fora da cidade a espera de ser dissolvida. A Guarda cercou a chancelaria para encurralar a VMD, dando início uma batalha campal. No entanto a população trabalhadora cerca as tropas de Lequis que só escapou do linchamento pela intervenção direta de Ebert no conflito. Depois deste episódio, no dia 29 de dezembro o PSDI retira-se com seus três comissários do governo.

Em função da tumultuada disputa pelo controle de Berlim entre a revolução e a contrarrevolução, o governo provisório transferiu sua sede para a vizinha cidade de Weimar, que deu nome a nascente República contrarrevolucionária. Paralelamente a burguesia foi obrigada a fazer algumas concessões até então inexistentes no país como o voto universal, a jornada de oito horas e o reconhecimento do contrato coletivo de trabalho.

A FUNDAÇÃO DO PARTIDO COMUNISTA E O MASSACRE DE JANEIRO

Em primeiro de janeiro de 1919 os espartaquistas e Socialistas internacionalistas deixam o PSDI para fundar o Partido Comunista Alemão (PCA, KPD em alemão), exatamente três anos depois de terem sido expulsos do PSD. No dia 04 de janeiro Noske destituiu Emil Eichorn, membro da PSDI, da chefia da policia de Berlim. O PSDI invoca o PCA para mobilizar as massas a fim de retomar seu posto repressivo de volta e de destituir o PSD do governo. No dia 05, uma manifestação de 700 mil pessoas protesta contra a medida de Noske. Formou-se um Comitê Insurrecional ao qual se uniram os espartaquistas (Liebknecht e Pieck) para organizar a derrubada imediata do governo socialista contra a posição minoritária de Rosa Luxemburgo e P. Levi. Vale destacar que Rosa estava certa sobre a posição da maioria da direção espartaquista, ainda não era o momento do assalto ao poder. Era necessário preservar o Estado maior da revolução para ampliar sua influência política e programática sobre as bases proletárias ainda fiéis ao PSD e ao PSDI.

No dia 06 as forças da insurreição ocuparam pontos estratégicos de Berlim, chegando a controlar o centro da capital. O movimento se estende a Baviera, Bremen, Hamburgo, Saxônia, Magdeburgo e Sarre. Apesar disto, o vacilante e indeciso CI perdeu horas discutindo se devia ou não negociar com o governo PSD antes de destituí-lo. Enquanto isto Noske teve tempo e margem para organizar a reação bairro por bairro. Os ocupantes da sede do PCA foram assassinados quando saíram para pedir um armistício.

Tendo aprendido com as experiências anteriores, a clareza do que fazer diante da revolução alemã estava com os representantes da burguesia e não com os do proletariado. O carniceiro “socialista” Gustav Noske tripudiou depois do massacre: “Se esta multidão, ao invés de ser liderada por tagarelas, tivesse uma liderança resoluta, consciente do que estava fazendo, teria se tornado dona de Berlim”.

No dia 9 de janeiro de 1919, Noske e companhia impõem um estado de sítio em Berlim. Com o aparato repressivo do Estado decomposto e grande parte dos soldados tendo confusamente se passado à defesa dos conselhos, a social democracia precisava organizar tomar a iniciativa para realizar uma guerra civil preventiva e trucidar fisicamente com o processo revolucionário. Foi então que Noske, ministro da Defesa, organizou uma milícia paramilitar fascista composta por veteranos da guerra, os Freikorps, que viriam a servir de modelo para Hitler na organização das futuras falanges nazistas. Rosa e Liebknecht mudaram constantemente de esconderijo e vários empresários ofereciam recompensas a quem os denunciasse. A mando do governo social democrata, os dois revolucionários, ambos com 47 anos, foram sequestrados pelos Freikorps e levados ao Hotel Eden e lá insultados, torturados e espancados até ficarem inconscientes. Nesta condição foram postos em um automóvel e assassinados. Ela recebeu coronhadas e um tiro na cabeça. Para simular uma fuga, Karl foi metralhado pelas costas à queima roupa e seu corpo jogado no Neuen See, há uns cem metros do hotel. Rosa foi jogada nas águas geladas de um córrego conhecido como Canal do Exército (Landwehrkanal). Seu corpo só foi achado cinco meses depois, quando o lago descongelou. Seu túmulo foi depredado e saqueado por nazistas em 1935. Em maio de 2009, legistas alemães levantaram a suspeita que o corpo apresentado pelo governo social democrata como sendo o de Rosa, pertencia de fato a outra pessoa com características físicas bastante distintas. Suspeita-se que um outro cadáver enterrado na mesma época do assassinato, sem mãos, pés ou cabeça, recentemente encontrado atrás de um antigo hospital deva ser o da revolucionária polonesa, demonstrando que além de a matarem, antes de jogarem ao lago, Rosa teria sido também amarrada nos pulsos, tornozelos e no pescoço com arames de aço atados a pesos para eu o corpo não retornasse a superfície.

Pacificada Berlim a contra-revolução enfrenta uma resistência desorganizada em Brema, Hamburgo, Leipzig, Dresden até março de 1919 onde todos os Conselhos são dissolvidos, foi restabelecida a autoridade de mando hierárquico dos oficiais e a população trabalhadora civil foi desarmada. Jogiches, ex-companheiro de Rosa e membro da direção do PCA, também foi assassinado em março de 1919, quando investigava o assassinato de Luxemburgo e Liebknecht. Nestes três meses, os mortos da revolução alemã superam de longe os das revolução russa de fevereiro a outubro de 1917.
Neste clima de ofensiva contrarrevolucionária dirigida pelo PSD, no dia 05 de janeiro de 1919 se constituiu o Partido Operário Alemão, fundado por Anton Drexler e Karl Harrer que passou completamente desapercebido dos acontecimentos, com suas ideias nacionalistas, antissemitas e antissocialistas e sua insignificância numérica, mesmo após o ingresso de um tal Adolf Hitler, ex-recruta do exército e que no momento era informante da polícia alemã (Verbindungsmann), em outubro daquele mesmo ano. Possuía 40 membros que se reuniam numa cervejaria. Hitler assumiu a direção do partido pouco mais tarde quando ele foi rebatizado de Partido Nacional Socialista Alemão dos Trabalhadores Alemães, abreviado como Nazi.

Vários membros dos Frei-Korps que foram o braço direito de Noske nos massacres aos espartaquistas e depois a incipiente República Soviética da Baviera, viriam a se tornarem futuros líderes do partido Nazi, Ernst Röhm, futuro chefe das tropas de assalto (Sturmabteilung, SA), também conhecidas no país como a “escória parda”, precursora da SS, responsáveis por reprimir as manifestações socialistas e comunistas, e Rudolf Höb, futuro comandante do campo de concentração de Auschwitz. Até que este movimento macabro viesse a tomar maiores proporções, foi a social democracia quem chocou o ovo da serpente.

Aqueles que buscam na República de Weimar um meio termo entre a ditadura revolucionária bolchevique e o a ditadura capitalista tratam e ocultar o papel hediondo deste governo socialista, precursor das futuras frentes populares que com o sangue dos revolucionários espartaquistas pavimentou o caminho do regime mais sanguinário e escravocrata que a humanidade já conheceu, o nazismo.

ROSA LUXEMBURGO E O BOLCHEVISMO

Pouco tempo depois do II Congresso do POSDR de 1903, quando ficou evidente as diferenças organizativas entre bolcheviques e mencheviques, Rosa Luxemburgo publicou um polêmico ataque à concepção de Lênin denominado “Problemas Organizacionais da Social Democracia Russa”. Foi neste panfleto que as idéias de Rosa sobre a questão estiveram mais distantes das de Lenin. Até então, ela não compreendia o caráter desigual e inevitável da consciência da classe trabalhadora sob o capitalismo, nem que a luta contra o oportunismo deveria se traduzir na questão organizativa. Rosa veio a adotar uma posição bastante distinta ao participar pessoalmente do V Congresso do POSDR em 1907.

O que se critica erroneamente como espontaneismo em Rosa Luxemburgo não passa de uma combinação de dois elementos que caracterizaram a vida e a morte da revolucionária: a aversão de Rosa ao burocratismo da direção do SPD, uma trava contrarrevolucionária a ação direta das massas e a superação dialética e lamentavelmente incompleta de seus preconceitos antibolcheviques durante seus últimos meses de vida. Preconceitos estes também partilhados por Trotsky até julho de 1917, quando ele ingressa ao partido bolchevique e Lenin caracteriza que a partir de então não houve melhor bolchevique que Trotsky.

O fundador da IV Internacional explica de forma categórica o modo de pensar da revolucionária sobre a questão da espontaneidade: “Rosa Luxemburgo opôs com paixão a espontaneidade das ações das massas à política conservadora da direção socialdemocrata, particularmente depois da revolução de 1905. Esta oposição era do começo ao fim, revolucionária e progressiva.” (Luxemburgo e a IV Internacional, Observações superficiais sobre um assunto importante, 24/06/1935).

Os últimos escritos de Rosa revelavam sua aproximação paulatina em direção aos métodos leninistas. Quando esta corrente era duramente atacada pela grande imprensa burguesa imperialista, pelo PSD e por Kautsky, Rosa escudava o partido de Lenin e Trotsky com textos de grande preocupação didática como o “O que é o bolchevismo?”, editado em dezembro de 1918.

Muitos militantes hoje conhecem Rosa por uma das suas mais populares frases que viria a entrar para a história como símbolo da luta contra o burocratismo partidário “Liberdade só é a liberdade para quem pensa diferente” (Revolução Russa, 1918) proferida contra o partido bolchevique de Lenin e muito antes que Stalin viesse a tomar o poder. É uma bela frase, mas de certo modo a crítica foi influenciada pela imprensa do PSD que fazia eco as calúnias de seus pares russos, os mencheviques.

Mesmo o folheto “A Revolução russa”, a obra mais usada pelos revisionistas como Ernest Mandel para contrapor Rosa ao bolchevismo, a revolucionária conclui fazendo uma brilhante ode ao partido de Lenin e Trotsky: “Tudo que um partido pode fazer no terreno da valentia, da ação firme, previsão e coerência revolucionarias: tudo isto fizeram Lenin, Trotsky e seus camaradas. Toda a honra revolucionária e a capacidade de ação que tanto faltam a socialdemocracia ocidental, os bolcheviques demonstraram possuir. Sua insurreição de outubro salvou não apenas a Revolução Russa, mas também a honra do socialismo internacional (...) Neste sentido, Lenin, Trotsky e seus companheiros foram os primeiros em dar o exemplo ao proletariado mundial. Agora continuam sendo os únicos que podem gritar, com Huteen,[poeta alemão do sec. XVI que conclamou a nobreza a se rebelar contra os príncipes e a igreja] ‘Eu ousei!’”.

Mesmo assim, enquanto Rosa esteve viva “A revolução russa” nunca foi publicada com sua autorização. Os dirigentes espartaquistas adotaram uma política extremamente cautelosa em relação a qualquer crítica aos bolcheviques, devido a dificuldade para obter informação sem falsificações, e exata, e porque sua responsabilidade fundamental era defender a Revolução Russa e explicar seu significado ao proletariado alemão. Isto era o essencial e não queriam que houvesse nenhuma ambiguidade a respeito sobre quem apoiava na Alemanha a Revolução Bolchevique. Quando o folheto de Rosa, escrito na prisão, chegou à mão do editor da Liga Espartaco, Paul Levi, este viajou especialmente à prisão de Breslau para dissuadi-la de publicar o folheto. Ela foi convencida de não publicá-lo uma vez que este fornecia munição aos inimigos da Revolução Russa aportando sua autoridade moral aos ataques desferidos contra a política bolchevique. Curiosamente, “A revolução russa” só vem a ser publicado em 1922, pelo próprio Levi depois que este rompe com o PCA, ingressa no PSDI e depois no PSD.

Sobre este episódio Lênin escreveu: Paul Levi quer agora cair nas graças da burguesia – e, consequentemente, de seus agentes, a II Internacional e II ½ Internacional – através da republicação precisamente daqueles escritos de Rosa Luxemburgo em que ela se encontrava equivocada. Devemos responder a isso, citando duas linhas de uma boa velha fábula russa: “As águias podem, às vezes, voar mais baixo do que as galinhas, porém as galinhas não podem jamais subir às alturas das águias.”[fábula do escritor russo Ivan Krylov]. Rosa Luxemburgo equivocou-se na questão da independência da Polônia. Equivocou-se, em 1903, em sua apreciação do menchevismo. Equivocou-se na teoria da acumulação do capital. Equivocou-se quando, em julho de 1914, juntamente com Plekhanov, Van der Veld, Kau-tsky e outros, defendeu a unificação dos bolcheviques com os mencheviques. Equivocou-se em suas anotações redigidas no cárcere de 1918 (nesse sentido, corrigiu a maioria de seus erros, depois de abandonar o cárcere, no fim de 1918 e no início de 1919). Porém, apesar de todos os seus erros, Rosa foi e permanece sendo uma águia. E não apenas os comunistas de todo o mundo irão velar pela sua memória, senão ainda sua biografia e suas obras completas servirão como úteis manuais para o treinamento de muitas gerações de comunistas em todo o mundo (...) E, naturalmente, no quintal do movimento operário, entre os montes de esterco, galinhas como Paul Levi, Scheidemann, Kautsky e toda aquela sua fraternidade, vão piar sobre os erros cometidos pela grande comunista.” (Discurso de Abertura do I Congresso da Internacional Comunista, 02/03/1919).

A evolução política “de Rosa permite assegurar que, dia a dia, ela se aproximava da nítida concepção teórica de Lenin sobre a direção consciente e a espontaneidade (…). Rosa era demasiadamente realista, no sentido revolucionário, para desenvolver os elementos da teoria da espontaneidade até convertê-los em um sistema metafísico consumado. Na prática, como já se disse, ela minava esta teoria em cada passo (...). No máximo, poderíamos dizer que, na concepção histórico-filosófica do movimento operário, a seleção preliminar da vanguarda era deficiente em Rosa, em relação às ações de massa que deveríamos esperar. Enquanto Lênin, sem se consolar com os milagres das ações que viriam, unia sem cessar e infatigavelmente os operários de vanguarda em núcleos firmes ilegais e legais, nas organizações de massa ou nas clandestinas, por meio de um programa rigorosamente delimitado. (...) A obra de Rosa nos permite concluir com certeza que ela se aproximava, cada dia mais, das ideias de Lênin rigorosamente pesadas sobre a direção consciente e a espontaneidade (Luxemburgo e a IV Internacional, Observações superficiais sobre um assunto importante, 24/06/1935).

Com vários elementos semelhantes (a revolução espontânea que derrubou o antigo regime imperial, a formação de um governo provisório socialista-burguês, um novo levante espontâneo das massas frustradas com o novo governo burguês popular, o apelo à assembleia constituinte como organismo da reação democrática, a caçada fascista preventiva a ala esquerda do marxismo revolucionário,…) as etapas de fluxos e refluxos da situação revolucionária na Alemanha foram curtíssimas quando comparamos com o processo russo.

A imaturidade da direção e a falta de tempo para preparar-se foram implacáveis com os espartaquistas como lamenta Trotsky três dias após o assassinato de Rosa e Karl: “Em Berlim, a vanguarda do Partido Comunista ainda não dispunha de forças suficientemente organizadas para defender-se. Ainda não tinha um Exército Vermelho, como tão poucos nós tínhamos durante as jornadas de julho, quando a primeira onda de um movimento poderoso mas não organizado foi quebrada por bandas organizadas ainda que pouco numerosas.” (León Trotsky, Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo, 18/01/1919).

As jornadas de julho russas terminaram com uma derrota para o partido bolchevique “no sentido formal do termo” como assinalou Trotsky. Muitos militantes foram presos, o jornal do partido foi fechado, o soviete, reduzido a impotência, as tipografias operárias, saqueadas, as sedes das organizações operárias, invadidas por bandos paramilitares da extrema-direita. Lenin e Zinoviev tiveram que esconder-se. Em Petrogrado ocorreu o mesmo que ocorreria um ano e meio depois em Berlim. Mas também nas jornadas de julho os revolucionários puderam medir as suas forças e a do inimigo, puseram em evidência para amplas massas proletárias que o governo provisório estava a serviço dos capitalistas e da contrarrevolução.

Em que pese seu heroísmo, a imaturidade de Liebknecht no trato da segurança, de certo modo derivada da formação legalista da social democracia alemã, o impediram de ver que da sua vida dependia a sorte da Revolução. O que foi claramente compreendido pela canalha social democrata governante que não se ateve a qualquer melindre legal ou sequer julgamento formal antes e executá-lo sumariamente e pelas costas. “Liebknecht tinha progredido consideravelmente durante a guerra e aprendera em definitivo a por entre si mesmo e a honesta falta de caráter de Haase (oportunista dirigente do PSDI), um abismo intransponível. Seria supérfluo dizer que Liebknecht era um revolucionário, intrépido e corajoso.

Mas só naqueles dias ele começara a elaborar qualidades de dirigente. Isto se via tanto quanto ele considerava a questão do seu destino pessoal, como também na sua política revolucionária. Não se preocupava absolutamente com a própria segurança. Quando foi preso, muitos de seus amigos sacudiram a cabeça falando de sua abnegação e da sua temeridade. Lenin, ao contrário, preocupou-se sempre com a segurança dos dirigentes. Era como um chefe do estado-maior e nunca esquecia que, em tempo de guerra, se devia salvaguardar o alto comando” (Leon Trotsky, Minha Vida, 14/09/1929).

Lenin já possuía uma clara delimitação na concepção de partido desde 1903. Os bolcheviques se apartaram em definitivo dos mencheviques em 1912 e dispuseram de oito meses, de fevereiro a outubro, para se alçarem dirigentes do processo revolucionário aberto em fevereiro de 1917. Os espartaquistas só vieram a se constituir como grupo independente em 1919. Nas míseras semanas transcorridas da “Novemberrevolution” ao levante de 5 de janeiro em Berlim, a ausência de uma direção partidária mais experimentada nos métodos bolcheviques completamente apartada do centrismo foi decisiva para o trágico desfecho. E como ainda não havia sido criada tal direção, não se pode esperar que ela se geste em uma ou duas semanas por mais veloz que seja o amadurecimento da consciência da vanguarda e das massas no processo revolucionário. Então, a tarefa do momento era de preservação do estado maior da revolução, a contenção da insurreição prematura de Berlim para a nacionalizar o processo revolucionário e ampliar a influência espartaquista sobre os Conselhos como fizeram os bolcheviques a partir das “jornadas de julho” sobre os sovietes.

Em todas as situações revolucionárias que se seguiram à Revolução bolchevique, em que se manifestaram elementos de dualidade de poder, como na Alemanha (1918-19), Itália (1920-1922), Espanha (1933-1936), Bolívia (1952), Chile (1973), a revolução proletária foi derrotada exatamente por faltar ao proletariado uma organização de combate de tipo leninista.

A enorme estatura histórica destes bravos combatentes da classe trabalhadora deixou seus nomes marcados para sempre no livro de ouro da revolução proletária. Morreram convictos que sem partido revolucionário não há revolução vitoriosa. Foram a melhor expressão do bolchevismo em solo alemão.

Como quem suplica à impassível luta de classes um prazo maior para alçar seu voo de águia explicava da forma mais simples há cerca de um mês de seu assassinato: “Não nos falta nada, minha mulher, meu filho, a não ser tudo que cresce através de nós, para sermos livres como os pássaros: nada, a não ser tempo! (Rosa Luxemburgo, A Socialização da Sociedade ou O que é bolchevismo?, 12/1918).

Se a luta de classes não concedeu a Rosa o tempo necessário para ela completar a tarefa a qual dedicou a vida, a melhor forma de honrar sua memória ao completar-se 91 anos de seu assassinato é preparar infatigavelmente um vigoroso partido revolucionário internacionalista da classe operária. Os que depois de todas as tragédias de revoluções abortadas pela falta de uma direção revolucionária se atrevem a afirmar que os operários não necessitam de uma organização revolucionária de vanguarda, que a classe operária é autossuficiente, que é madura o bastante para prescindir da direção de sua vanguarda não passa de um miserável adulador, um demagogo e um cortesão do proletariado, um adversário da revolução. Embelezar a realidade é um ato criminoso. É obrigatório dizer a verdade aos operários por mais amarga que ela seja, e eles devem se acostumar a amar a verdade. Por fim, fazemos nossas as últimas palavras escritas por Rosa “A ordem reina em Berlim!... Ah! Estúpidos e insensatos carrascos! Não perceberam que vossa ‘ordem’ está construída sobre a areia. A revolução levantará sua cabeça novamente amanhã e, para o horror estampado em vossos rostos, anunciará com todas suas trombetas: ‘Eu fui. Eu sou. Eu serei!’”





“O partido socialista e o revolucionarismo sem partido”


"O movimento revolucionário na Rússia, abarcando rapidamente novas e novas camadas da população, cria toda uma série de organizações sem partido. A necessidade de união irrompe com tanto mais força quanto mais tempo a sufocaram e perseguiram. Surgem constantemente organizações deste ou daquele tipo, muitas vezes ainda informes, e o seu caráter é extraordinariamente original. Não há aqui limites rígidos, semelhantes aos limites das organizações européias. Os sindicatos tomam um caráter político. A luta política funde-se com a econômica - por exemplo, sob a forma de greves, criando formas confluentes de organizações temporárias ou mais ou menos permanentes.

Qual o significado deste fenômeno? Qual deve ser a atitude da social-democracia  diante dele?

Um partidarismo rigoroso é um fenômeno que acompanha e é resultado de uma luta de classes altamente desenvolvida. E, inversamente, nos interesses de uma luta de classes aberta e ampla é necessário o desenvolvimento de um partidarismo rigoroso. É por isso que o partido do proletariado consciente, a social-democracia, luta sempre, com toda razão, contra o sem-partidarismo e trabalha firmemente para criar um partido socialista operário conseqüente do ponto de vista dos princípios e solidamente coeso. Este trabalho tem êxito entre as massas na medida em que o desenvolvimento do capitalismo cinde cada vez mais profundamente todo o povo em classes, agudizando as contradições entre elas.

É perfeitamente compreensível que a presente revolução na Rússia  tenha gerado e gere tantas organizações sem partido. Esta revolução é uma revolução democrática, isto é, burguesa quanto ao seu conteúdo socioeconômico. Esta revolução derruba o regime autocrático feudal , libertando de sob ele o regime burguês, realizando, deste modo, as reivindicações de todas as classes da sociedade burguesa, sendo neste sentido uma revolução de todo o povo. Isto não significa, naturalmente, que a nossa revolução não seja de classe; naturalmente que não. Mas ela dirige-se contra as classes e castas que se tornaram ou se estão a tornar caducas do ponto de vista da sociedade burguesa, alheias a esta sociedade, que dificultam o seu desenvolvimento. E como toda a vida econômica do país se tornou já burguesa em todos os seus traços fundamentais, como a gigantesca maioria da população vive já de fato em condições burguesas de existência, os elementos contra-revolucionários são naturalmente extremamente reduzidos em número, são verdadeiramente «um punhado» em comparação com o «povo». O caráter de classe da revolução burguesa  manifesta-se por isso inevitavelmente no caráter «popular geral», à primeira vista não de classe, da luta de todas as classes da sociedade burguesa contra a autocracia e o regime de servidão.

A época da revolução burguesa distingue-se tanto na Rússia como noutros países por um estado relativamente não desenvolvido das contradições de classe da sociedade capitalista. É verdade que o capitalismo na Rússia está hoje significativamente mais desenvolvido do que na Alemanha de 1848 , para já não falar da França de 1789 , mas não há dúvidas de que no nosso país as contradições puramente capitalistas são ainda encobertas em grau muitíssimo forte pelas contradições entre a «cultura» e o asiatismo , o europeísmo  e o tartarismo , o capitalismo e o regime de servidão, isto é, avançam para primeiro plano as reivindicações cuja satisfação desenvolverá o capitalismo, o depurará das escórias do feudalismo, melhorará as condições de vida e de luta tanto para o proletariado como para a burguesia.

De fato se examinarmos as reivindicações, mandatos e doléances (queixas) que são hoje formuladas em número incontável na Rússia em cada fábrica, em cada escritório, em cada regimento, em cada destacamento de polícia, em cada diocese, em cada estabelecimento de ensino, etc., etc., veremos facilmente que a sua imensa maioria são reivindicações puramente «culturais», se assim nos podemos exprimir. Quero dizer que não são propriamente reivindicações especificamente de classe, mas reivindicações de direitos elementares, reivindicações que não destroem o capitalismo, antes, pelo contrário, o introduzem no quadro do europeísmo, libertam o capitalismo da barbárie, do selvagerismo, da corrupção e de outros vestígios «russos» da servidão. Em essência, mesmo as reivindicações proletárias se limitam na maioria dos casos a transformações que são plenamente realizáveis no quadro do capitalismo. O proletariado da Rússia reivindica desde já e imediatamente não aquilo que mina o capitalismo, mas aquilo que o depura e apressa e reforça o seu desenvolvimento.

Evidentemente, a situação particular do proletariado na sociedade capitalista conduz a que a aspiração dos operários ao socialismo, a sua união com o partido socialista, irrompam com uma força espontânea logo nos graus mais precoces do movimento. Mas reivindicações propriamente socialistas pertencem ainda ao futuro, e na ordem do dia estão, em política, as reivindicações democráticas dos operários, e na economia as reivindicações econômicas nos limites do capitalismo. Mesmo o proletariado faz a revolução, por assim dizer, nos limites do programa mínimo e não do programa máximo . Sobre o campesinato, essa gigantesca massa da população, esmagadora pelo seu número, nem é preciso falar. O seu «programa máximo», os seus objetivos finais, não saem fora dos limites do capitalismo, que se desenvolveria ainda mais larga e exuberantemente se toda a terra passasse para todo o campesinato e para todo o povo. A revolução camponesa é hoje uma revolução burguesa, por mais que estas palavras «ofendam» o sentimental ouvido dos sentimentais cavaleiros do nosso socialismo pequeno-burguês.

O caráter que esboçamos da revolução em curso gera muito naturalmente organizações sem partido. Todo o movimento no seu conjunto adquire inevitavelmente a marca do sem-partidarismo exterior, a aparência de sem-partidarismo — mas só a aparência, naturalmente. A necessidade de uma vida «humana», culta, da união, da defesa da sua dignidade, dos seus direitos de homem e de cidadão, abarca tudo e todos, une todas as classes, ultrapassa largamente qualquer partidarismo, sacode pessoas que estão ainda muito longe de serem capazes de se elevar até ao partidarismo. A premência dos direitos e reformas imediatos, elementarmente necessários, afasta, por assim dizer, os pensamentos e considerações sobre qualquer coisa de mais além. A entrega à luta em curso, entrega necessária e legítima, sem a qual é impossível o êxito da luta, obriga a idealizar estes objetivos imediatos e elementares, pinta-os de cor-de-rosa, reveste-os mesmo por vezes de roupagens fantásticas: o simples democratismo, o democratismo burguês vulgar, é tomado por socialismo e «é registrado» como socialismo. Todos parecem «sem partido»; todos parecem fundir-se num só movimento «libertador» (de fato: que liberta toda a sociedade burguesa); todos adquirem um leve ligeiro matiz de «socialismo», particularmente devido ao papel de vanguarda do proletariado socialista na luta democrática. A idéia do sem-partidarismo não pode em tais condições, deixar de alcançar certas vitórias temporárias. O sem-partidarismo não pode deixar de se tornar uma palavra de ordem em moda, porque a moda se arrasta impotentemente atrás da vida e o que parece ser o fenômeno mais «habitual» da superfície política é precisamente a organização sem partido, o democratismo sem partido, o grevismo sem partido, o revolucionarismo sem partido.

Pergunta-se agora: qual tem de ser a atitude dos partidários, dos representantes das diversas classes, em relação a este fato do sem-partidarismo e a esta idéia do sem-partidarismo? — «tem de» não no sentido subjetivo, mas no objetivo, isto é, não no sentido de qual deve ser a atitude em relação a isto, mas no sentido de qual a atitude em relação a este fato que se forma inevitavelmente na dependência dos interesses e dos pontos de vista das diferentes classes.


 II


Como já mostramos, o sem-partidarismo é um produto — ou, se quiserem, uma expressão — do caráter burguês da nossa revolução. A burguesia não pode deixar de tender para o sem-partidarismo, pois a ausência de partidos entre os combatentes pela liberdade da sociedade burguesa significa a ausência de uma nova luta contra esta própria sociedade burguesa. Quem trava uma luta «sem partido» pela liberdade ou não tem consciência do caráter burguês da liberdade, ou santifica este regime burguês, ou adia a luta contra ele, o seu «aperfeiçoamento», para as calendas gregas. E, inversamente, quem consciente ou inconscientemente está ao lado da ordem burguesa não pode deixar de sentir atração pela idéia de sem-partidarismo.

Numa sociedade baseada na divisão em classes, a luta entre as classes inimigas torna-se inevitavelmente, num certo grau do seu desenvolvimento, uma luta política. A expressão mais integral, completa e acabada da luta política das classes é a luta dos partidos. O sem-partidarismo é a indiferença em relação à luta dos partidos. Mas esta indiferença não equivale a neutralidade, a abstenção da luta, porque na luta de classes não pode haver neutros; na sociedade capitalista não é possível «abster-se» de participar na troca de produtos ou de força de trabalho. E a troca gera inevitavelmente a luta econômica, e na sua seqüência também a luta política. A indiferença em relação à luta não é por isso, na realidade, de modo nenhum afastamento da luta, abstenção dela ou neutralidade. A indiferença é um apoio tácito àquilo que é forte, àquilo que domina. Quem na Rússia era indiferente à autocracia antes da sua queda durante a revolução de Outubro apoiava tacitamente a autocracia. Quem na Europa atual é indiferente ao domínio da burguesia apóia tacitamente a burguesia. Quem tem uma atitude indiferente em relação à idéia do caráter burguês da luta pela liberdade apóia tacitamente o domínio da burguesia nesta luta, o domínio da burguesia na Rússia livre que está a nascer. O desinteresse político é saciedade política. O homem saciado tem uma atitude «desinteressada», «indiferente» em relação a um pedaço de pão; mas o faminto será sempre «partidário» na questão do pedaço de pão. O «desinteresse e indiferença» em relação ao pedaço de pão não significam que um homem não precise de pão, mas que esse homem tem sempre o pão assegurado, que ele nunca teve falta de pão, que ele se acomodou firmemente no «partido» dos saciados. O sem-partidarismo na sociedade burguesa é apenas a expressão hipócrita, encoberta, passiva, do fato de se pertencer ao partido dos saciados, ao partido dos dominantes, ao partido dos exploradores.

 Esta tese, em geral, é aplicável a toda a sociedade burguesa. Naturalmente, é preciso saber aplicar esta verdade geral às diferentes questões particulares e casos particulares. Mas esquecer esta verdade, numa altura em que toda a sociedade burguesa no seu conjunto se ergue contra o regime de servidão e a autocracia, significa renunciar de fato à crítica socialista da sociedade burguesa.


O sem-partidarismo é uma idéia burguesa. O partidarismo é uma idéia socialista.

A revolução russa, apesar de se encontrar ainda no começo do seu desenvolvimento, fornece já bastante material para confirmar as considerações gerais expostas. Só a social-democracia, o partido do proletariado consciente, sempre defendeu e defende um rigoroso partidarismo. Os nossos liberais , representantes das concepções da burguesia, não podem suportar o partidarismo socialista e não querem ouvir falar da luta de classes: basta lembrar os recentes discursos do Sr. Róditchev  que repetiu pela centésima vez aquilo que disse e ruminou tanto a Osvobojdénie  no estrangeiro como os incontáveis órgãos vassalos do liberalismo russo.

Finalmente, a ideologia da classe intermédia, a pequena burguesia, encontrou uma clara expressão nas concepções dos «radicais» russos de diversos matizes, a começar pelo Nacha Jizn  e pelos «radicais-democratas»  e a acabar nos «socialistas-revolucionários» . Estes últimos manifestaram a sua confusão entre socialismo e democratismo do modo mais claro na questão agrária e precisamente na palavra de ordem de «socialização» (da terra sem socialização do capital). É também sabido que, tolerantes em relação ao radicalismo burguês, eles são intolerantes em relação à idéia do partidarismo social-democrata.Não entra no nosso tema uma análise de como precisamente os interesses das diferentes classes se refletem no programa e na tática dos liberais e radicais russos de todos os tipos. Só de passagem tocamos aqui esta interessante questão e temos de passar agora às conclusões políticas práticas sobre a atitude do nosso partido em relação às organizações sem partido.

É admissível a participação de socialistas nas organizações sem partido? Se sim, em que condições é ela admissível? Que tática se deve aplicar nessas organizações?

À primeira questão não se pode responder com um «não» incondicional e de princípio. Seria incorreto dizer que a participação dos socialistas em organizações sem partido (isto é, mais ou menos consciente ou inconscientemente burguesas) não é admissível em nenhum caso e em nenhumas condições. Na época da revolução democrática a recusa de participar em organizações sem partido equivaleria em certos casos à recusa de participar na revolução democrática. Mas é indubitável que os socialistas devem circunscrever estes «certos casos» com limites muito estreitos, que eles só podem admitir semelhante participação em condições rigorosamente definidas e limitadas. Porque, se as organizações sem partido são geradas, como já dissemos, pela relativa falta de desenvolvimento da luta de classes, por outro lado o rigoroso partidarismo é uma das condições que tornam a luta de classes consciente, clara, definida, baseada em princípios.

A salvaguarda da independência ideológica e política do partido do proletariado é um dever constante, imutável e incondicional dos socialistas. Quem não cumpre este dever deixa de fato de ser socialista, por mais sinceras que sejam as suas convicções «socialistas» (socialistas em palavras). A participação em organizações sem partido só como exceção é admissível para um socialista. E os próprios objetivos desta participação e o seu caráter, condições, etc., devem ser inteiramente subordinados à tarefa fundamental: preparar e organizar o proletariado socialista para dirigir conscientemente a revolução socialista.

As circunstâncias podem obrigar-nos a participar em organizações sem partido, especialmente na época da revolução democrática e em particular da revolução democrática em que o proletariado desempenha um papel destacado. Essa participação pode revelar-se necessária, por exemplo, no interesse da propaganda do socialismo perante um auditório indefinidamente democrático ou no interesse da luta conjunta dos socialistas e dos democratas revolucionários contra a contra-revolução. No primeiro caso essa participação será um meio de fazer propaganda das nossas concepções; no segundo será um acordo de combate para alcançar determinados objetivos revolucionários. Em ambos os casos a participação só pode ser temporária. Em ambos os casos ela só é admissível com uma completa defesa da independência do partido operário e com um controle e direção obrigatórios por todo o partido no seu conjunto dos membros e grupos do partido «delegados» às associações ou sovietes  sem partido.

Quando a atividade do nosso partido era secreta, a realização desse controle e direção apresentava dificuldades gigantescas, por vezes quase inultrapassáveis. Agora, quando a atividade do partido se está a tornar cada vez mais aberta, pode-se e deve-se realizar este controle e esta direção do modo mais amplo e obrigatoriamente não apenas perante as «cúpulas» mas também perante as «bases» do partido, perante todos os operários organizados que fazem parte do partido. Os relatórios sobre a atuação dos sociais-democratas nas associações ou sovietes sem partido, os relatórios sobre as condições e tarefas dessa atuação, as resoluções das organizações do partido de todo o tipo a propósito dessa atuação, devem obrigatoriamente fazer parte da prática do partido operário. Só semelhante participação real do partido no seu conjunto, participação na direção de toda essa atuação, é que pode confrontar na prática o trabalho verdadeiramente socialista com o trabalho democrático geral.

Que tática devemos nós aplicar nas associações sem partido? Em primeiro lugar, aproveitar todas as possibilidades para estabelecer ligações independentes e fazer propaganda de todo o nosso programa socialista. Em segundo lugar, definir as tarefas políticas imediatas do momento do ponto de vista da realização mais plena e decidida da revolução democrática, lançar palavras de ordem políticas na revolução democrática, apresentar o «programa» das transformações que a democracia revolucionária combatente, diferentemente da democracia liberal traficante, deve realizar.

Só colocando assim a questão pode ser admissível e frutuosa a participação de membros do nosso partido nas organizações revolucionárias sem partido criadas hoje pelos operários, amanhã pelos camponeses, depois de amanhã pelos soldados, etc. Só colocando assim a questão estaremos em condições de cumprir a dupla tarefa do partido operário na revolução burguesa: levar até ao fim a revolução democrática, alargar e consolidar os quadros do proletariado socialista, que precisa da liberdade para a luta implacável pelo derrubamento do domínio do capital."

V. I. Lênin
Publicado no jornal Nóvaia Jizn n.°s 22 e 27. 26
de Novembro e de 2 de Dezembro de 1905