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quinta-feira, 11 de abril de 2019

LULA, O NOSSO CASO DREYFUS

Fazer da luta pela libertação de Lula o aborto da ditadura em curso


Muitos artigos e analistas tem chamado a atenção para a semelhança entre os casos Dreyfuss e Lula, do ponto de vista de ser uma farsa judicial de comoção mundial. Mas pouco se destaca da importância que essa luta tem para além do significado em si da libertação de Lula.
Estamos diante de um governo protonazista. Chamamos de "nazista" e não fascista a esse governo porque se trata de um movimento político com explícitos elementos racistas. 

Agregamos o elemento "proto" porque ainda não se consumou, porque possui todo um programa reacionário engatilhado para o estabelecimento de uma ditadura contra a população trabalhadora e a serviço do imperialismo e se apoia na mais ampla ocupação militar dos postos chaves do Estado em toda a história do país.

Todavia, não se estabeleceu o momento de repressão física sistemática, intervenção policial nos sindicatos, proibição dos partidos de esquerda, de anulação ampla dos direitos e garantias democráticas e civis.

Tudo depende do desfecho da luta entre o governo e a resistência popular e de massas que ainda não foi derrotada e se encontra em um crescente. Pode ser que esse passo terrível nunca seja consumado. Pode ser que a derrota da reforma da previdência leve Bolsonaro a queda ou torne-o figura decorativa, distracionista.

Todavia, na ausência de uma alternativa política dos trabalhadores capaz de assumir o poder sob uma eventual queda de Bolsonaro, assuma a alternativa política burguesa mais articulada para o momento: Mourão.

Mas a contrarrevolução encontra-se em um impasse, em crise interna. Entre a população, o movimento de maturação do descontentamento popular se realiza por diversas vias. As manifestações de oposição popular crescem desde o repúdio espontâneo do carnaval até as manifestações do 8 e 22 de março que superaram a expectativa de seus organizadores das Frente Brasil Popular e Frente Povo Sem Medo.

Essa insatisfação popular cumulativa tem provocado uma crise interna no bloco político dominante. Ela se reflete da queda livre da popularidade de Bolsonaro, na perda de 15 milhões de votos desde a posse, na incapacidade dos diversos partidos burgueses chegarem a um acordo em torno da reforma da previdência, apesar de todos a defenderem formalmente.

O que foi o caso Dreyfus?

O Caso Dreyfus foi um escândalo político que dividiu a França e o mundo na época. Alfred Dreyfus era um tenente do Exército francês. Em 1894, após a descoberta de que informações militares secretas estavam sendo passadas para a Alemanha, a justiça francesa condena Dreyfus a prisão perpétua na ilha do Diabo, na Guiana Francesa, por alta traição. A ala direita do regime político aproveita a farsa para realizar uma campanha nacionalista e xenófoba contra um acusado de origem judaica. Não haviam provas materiais contra Dreyfus, apenas convicções morais.

Porém, as suspeitas em torno do caso vão aumentando à medida em que ficam cada vez mais evidentes os fins políticos da fraude: manipular a opinião pública da sociedade civil para instaurar uma ditadura no país, um novo regime repressivo desejado pelo clero e por setores monarquistas.

O caso foi um sintoma de enormes contradições latentes da luta de classes. A campanha popular contra a condenação de Dreyfus por parte da esquerda mundial frustra não apenas a condenação como também uma conspiração golpista. O caso Dreyfus foi o primeiro grande escândalo moderno de utilização do sistema judicial para realizar uma mudança de regime político.

Lembre-se que o proletariado e o socialismo francês haviam sofrido sua maior derrota física, o massacre de 30 mil communards que lutaram na Comuna de Paris.

Uma questão interessante também é que Dreyfuss não era nenhum militante de esquerda, não tinha nada a ver com a luta dos trabalhadores e não passava de um oficial qualquer do exército burguês. Mas a defesa da condenação ou da libertação, ou seja, a consumação da injustiça ou a luta contra ela sim, foi o divisor de águas entre os princípios ideológicos da esquerda e da direita.

Nessa questão, há uma enorme vantagem em favor da luta pela libertação de Lula: o Dreyfus brasileiro, no imaginário popular, simboliza a ascensão política de sua classe e de sua gente oprimida, sendo também o mais popular Lula dirigente político da história do país e o principal representante da luta contra o golpe e a reação bolsonarista. 

A "Lava Jato" teve como objetivo maior a prisão de Lula, destruiu toda uma fração da economia e do ordenamento jurídico nacionais, como expõe o documentário: Destruição à Jato. A operação judicial encabeçada pelo juiz Sérgio Moro, agente da CIA, foi um instrumento fundamental da guerra de posições da contrarrevolução pacífica em curso no Brasil. A rigor, Moro e seus asseclas da Lava Jato, como Deltan Dallagnol, deveriam ser processados e presos por alta traição ao país, eles sim cometeram o crime do qual Dreyfus foi acusado. Repassaram informações fundamentais para a CIA e para o Departamento de Justiça dos EUA, contra os interesses do Brasil e suas empresas como a Petrobrás, como acertadamente criticou a presidente do PT, Gleise Hoffmann.

Nesse processo, a reação conquistou posições com o Golpe de Estado de 2016, a prisão de Lula e a eleição fraudulenta de Bolsonaro. Assim, a nação perdeu a frágil independência política que possuía, retrocedeu de país semicolonial para neocolonial e os trabalhadores vem sendo submetidos, através de uma série de medidas como a reforma trabalhista e a terceirização total a um novo tipo de escravidão assalariada.

Assim, Lula é um preso político do regime golpista e também um refém da nova opressão colonial imperialista.

Premiado com um superministério da Justiça pelo governo de extrema direita militarizado que ajudou a "eleger", Moro apresenta como primeira medida uma radical alteração da legislação penal que libera o "direito de matar" para o aparato repressivo, como ocorreu quando o carro de uma família de trabalhadores negros foi metralhado com 80 tiros pelo Exército em Guadalupe/RJ, e autoriza a ampliação do encarceramento em massa dos pobres.

Gramsci: A luta por Dreyfus conteve a imposição de uma ditadura

Gramsci chama a atenção para o fato de que a luta em defesa de Dreyfus foi o que impediu a ascensão de um regime autocrático, um cesarismo reacionário na França da época.

"um episódio histórico muito importante desse ponto de vista é o chamado movimento em torno do caso Dreyfus na França; também ele deve ser considerado nesta série de observações, não porque tenha levado ao 'cesarismo', mas exatamente pelo contrário: porque impediu a ocorrência de um cesarismo de caráter nitidamente reacionário, que estava em gestação. (Cadernos do Cárcere, Vol. 3, p. 308).

Nesse sentido, a libertação de Lula pode ser o elemento que provoque uma ruptura na trajetória golpista em um dado momento de desgaste do governo Bolsonaro. No caso francês, sob a pressão do movimento socialista, dos reformistas e revolucionários, o bloco burguês dominante se dividiu e acabou por frustrar a unidade até então estabelecida em torno do curso reacionário do cesarismo.

A questão Lula também serve de divisor de águas entre os que hoje favorecem a instauração de uma ditadura no Brasil e os que se opõem. Os que defendem a prisão de Lula na classe dominante e na esquerda são cúmplices da consolidação do regime ditatorial.

Vale lembrar que apesar do Supremo Tribunal Federal fazer parte do golpe desde a primeira hora, ele ainda assim vem sendo ameaçado pela extrema direta e publicamente pelo alto comando do exército a não vacilar em favor de um abrandamento da prisão de Lula.

A posição de cada personagem ou partido em relação a prisão de Lula é essencial para a identificação de quem é ou não aliado, e em que medida o é, na luta contra Bolsonaro, Guedes, Mouro e Mourão. Ciro não é aliado na luta pela libertação de Lula assim como Mourão não é aliado na luta contra a reforma da previdência, como perigosamente fizeram crer as direções do PT e da CUT.

"Mas o movimento Dreyfus é característico porque são elementos do próprio bloco social dominante que frustram o cesarismo da parte mais reacionária do mesmo bloco, apoiando-se não nos camponeses, no campo, mas nos elementos subordinados da cidade guiados pelo reformismo socialista (e também na parte mais avançada do campesinato)." (idem)

Por sua vez, é preciso unir as lutas e movimentos. É fundamental unir a luta democrática em defesa da liberdade de Lula com a luta contra o feminicídio o massacre de negros, o encarceramento em massa, as "reformas" da previdência, trabalhista, a Emenda Constitucional 95, a entrega da Amazônia, da base de Alcântara, das estatais e do pré-sal. Assim como precisa haver uma reunião profunda e de ação, nas ruas, dos movimentos sindical, sem terra, sem teto e todos os grupos sociais que são alvo da reação (mulheres, negros, indígenas, quilombolas, lgbts), para a ampliação e fortalecimento dos Comitês pela libertação de Lula.

Mas, os comitês não são suficientes como instrumentos políticos para se candidatar como alternativa de poder dos trabalhadores diante da crise do governo Bolsonaro. Serão necessários um programa estratégico e uma verdadeira organização revolucionária dos trabalhadores capazes de assumir o poder político e livrar-se de todo o lixo golpista. Os comitês contra o golpe e por Lula servem de escola dessa luta.