TRADUTOR

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

ENTREVISTA: PROF. JOSÉ DE LIMA SOARES

“A Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo buscava integrar o sindicato e outros organismos de resistência operária na perspectiva da luta de classes.”

José de Lima Soares faz um balanço das oposições metalúrgicas e o PT nos anos 80. Soares foi trabalhador metalúrgico e atuou junto a Oposição Metalúrgica de São Paulo até 1990. Formou-se em Sociologia e Política, fez Mestrado em Sociologia do Trabalho pela Unicamp e Doutorado e Pós-Doutorado em Sociologia pela Universidade de Brasília - UnB. É Professor de Sociologia e pesquisador da Universidade Federal de Goiás – UFG/CAC. É autor dos seguintes livros: O PT e a CUT nos anos 90: Encontros e Desencontros de duas Trajetórias (Fortium, 2005); Sindicalismo no ABC Paulista: Reestruturação Produtiva e Parceria (Universa, 2006) e Ensaios de Sociologia do Trabalho (Ed. Ciência Moderna, 2011). É dirigente sindical da ADCAC, filiada ao Andes (Sindicato Nacional dos Professores do Ensino Superior).

FdT - Soares, como e quando se formou a Oposição Metalúrgica de São Paulo?

Soares: Em primeiro lugar, gostaria de dizer que, inicialmente, quando ingressei na categoria metalúrgica, não era membro da Oposição Metalúrgica. Aliás, organicamente, nunca militei no MOMSP. Eu pertencia a um grupo trotskista, liderado por Paulo Skromov, pois havíamos rompido, em 1977, com a Organização Socialista Internacionalista (OSI), filiada ao Comitê de Reconstrução da Quarta Internacional (CORQUI, com sede na França). Essa organização mantinha, em suas fileiras, algumas figuras reconhecidas a nível internacional, dentre eles: o historiador Pierre Broué, o economista François Chesnais e Pierre Lambert. Então, quando saí do setor gráfico e vim para a categoria metalúrgica, começamos a editar um jornalzinho que se chamava o “Metalúrgico Independente”.
Ou seja, já tínhamos um expressivo grupo de militantes atuando na categoria metalúrgica (que não pertencia a Oposição Metalúrgica). Só muito tempo depois, é começamos a participar das reuniões da Oposição, mas sempre mantivemos nossa autonomia. Historicamente, a Oposição Sindical Metalúrgica, como movimento, surge a partir de meados dos anos de 1960. Com o golpe militar, em 1964, a ditadura cassa os dirigentes sindicais combativos e implementa a política de intervenção nos sindicatos. É aí que surge a figura de Joaquim dos Santos Andrade (o Joaquinzão) que, embora fosse trabalhador metalúrgico, já era homem de confiança dos militares. Sem sombra de dúvida, a Oposição Sindical Metalúrgica (depois MOMSP). Ao longo de uma trajetória de mais de vinte anos, a OSM-SP (como passa a ser referida) afirmou-se como uma frente de trabalhadores, centrada em um programa de defesa de um sindicalismo livre, democrática e de massa e pela auto-organização dos trabalhadores nas fábricas, através de grupos e comissões orientados pela perspectiva de uma independência política e ideológica dos organismos operários. Seu objetivo imediato foi o de conquistar a diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos do Município de São Paulo, pela via das eleições sindicais, portanto, por dentro da estrutura, assentada no apoio e na organização de base nas fábricas do centro da maior concentração operária do país. A OSM desenvolveu uma ação que buscava integrar o sindicato e outros organismos de resistência operária na perspectiva da luta de classes. Atuando dentro da estrutura sindical subordinada ao Estado e fora, a partir da fábrica, com uma prática direcionada para a construção de um sindicalismo de massa e democraticamente organizada com uma prática classista.

FdT - Qual era a conjuntura política da época? Quais eram os seus objetivos e a sua composição em termos de tendências do movimento operário?

Soares: De 1967 a 1990, a Oposição Sindical desempenhou um papel muito importante na organização e mobilização dos trabalhadores. É lógico que a Oposição Sindical não era uma organização homogênea, mas uma organização que englobava um vasto espectro da esquerda (comunistas, trotskistas, setores da igreja católica, independentes etc.) e por isso tinha suas limitações. O período histórico, é bom lembrar, foi marcado por uma ditadura militar, onde o trabalho de organização e mobilização ocorria dentro de uma ambiente de clandestinidade ou semi-clandestinidade. Daí as dificuldades de se organizar os trabalhadores para a luta. Além das famosas “listas negras” ou “sujas”, fornecidas aos patrões pela pelegada. Quando fomos presos, no DOPS, os próprios agentes nos disseram que havia diretores do sindicatos que estavam ali simulando que estavam “presos”, mas, na verdade, eles eram os verdadeiros “dedos duros”. E os agentes citaram até mesmo os nomes desses diretores.

FdT - Dentro do movimento de oposição houve outra chapa para eleição do Sindicato dos Metalúrgico de SP. O PCdoB com Aurélio Peres,e a oposição com Waldemar Rossi,isso influenciou na eleição do Sindicato?

Soares: Sem dúvida, a divisão da esquerda, facilitou a vitória da pelegada. O PC do B sempre fez esse tipo de política; lançou Aurélio Peres, rachou a oposição e acabou dando vitória aos pelegos. Em seguida, passou a fazer uma política de conciliação com essa mesma pelegada.

FdT - Qual era o papel do Luiz Antonio Medeiros, hoje Secretário do Trabalho de SP, e Paulinho da Força Sindical naquela época?

Soares: Medeiros se formou na escola do velho “partidão” (PCB); esteve em Moscou, fez cursos de formação política na escola do estalinismo. Chegou a São Paulo no final dos anos de 1970 e logo se alinhou com a política de Joaquinzão e sua pelegada. Em seguida, ao ser eleito presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, abandonou o partidão e aderiu ao neoliberalismo. Passou a fazer a chamada política do “sindicalismo de resultado”, em detrimento dos interesses dos trabalhadores. Criou, em 1991, juntamente com a pelegada, a central Força Sindical, que passou a se identificar claramente com a política neoliberal. A Força Sindical tinha como principal objetivo fazer frente à outra central já existente que era a CUT. A Força Sindical não tem em seus princípios ser contra o Capitalismo, mas um suposto sindicalismo de resultados. Já Paulo Pereira da Silva (o Paulinho) foi meu colega de trabalho na Duratex (Lapa), entre 1978-79, período em que eclodiu a greve dos metalúrgicos de São Paulo, que culminou com a morte do companheiro Santo Dias, em um piquete na porta de uma fábrica na zona sul. Nesse período, Paulinho não era militante político orgânico de nenhum partido e nem era membro da Oposição Metalúrgica; atuava junto ao pessoal remanescente da AP (Ação Popular), Deputado Sérgio dos Santos (MDB) e um pessoal ligado à Igreja e ex-militantes da ALN. Depois da greve de 1979, em seguida, se filiou ao PT, em Franco da Rocha, onde foi candidato, obtendo uma boa votação, ficando, se não me engano, como suplente de vereador nas eleições 1982. Daí em diante, Paulinho abandonou qualquer perspectiva de luta, foi cooptado pela cúpula da pelegada, e ingressou no sindicalismo neoliberal, onde permanece, até hoje.

FdT - Quais as principais lutas, greves e mobilizações impulsionadas pela Oposição Metalúrgica de São Paulo?

Soares: A Oposição Sindical, mesmo sendo uma organização bastante heterogênea (onde atuavam diferentes tendências políticas), com todos os problemas, acabou atuando em todas as greves e mobilizações de trabalhadores. Como sempre, incentivando e apoiando as lutas de outras categorias, de outras oposições sindicais.

FdT - Qual a sua participação na fundação do Partido dos Trabalhadores e na luta contra a Ditadura Militar?

Soares: Sem dúvida, a fundação do PT foi muito importante para os trabalhadores brasileiros. Tive a oportunidade de participar desde o primeiro momento de sua fundação (como delegado), no Colégio Sion, em 10 de fevereiro 1980. Mesmo com a vigência da ditadura militar, havia um forte ascenso de massas que grassava em todo país. Esse foi um momento muito importante para a organização e mobilização dos trabalhadores. Nesse sentido, faço um balanço positivo de momento histórico. O problema do PT é que seu processo de degenerescência foi bem mais rápido do a velha socialdemocracia e os partidos ditos comunistas. Falo de tudo isso em meu livro O PT e a CUT nos 90: Encontros e desencontros de duas trajetórias. Sabíamos que o PT - como partido de massa – não tinha nenhum perspectiva de se converter em um partido revolucionário, mas acreditou-se (inclusive eu), durante um certo período, que fosse possível impulsionar as direções centristas, sindicalistas, no sentido de organizar e mobilizar os trabalhadores para a luta contra o capital. O que para um partido, com as características do PT, já seria um salto qualitativo de suma importância. O PT tinha, no seu horizonte, uma plataforma vaga, no que diz respeito ao socialismo, à emancipação dos trabalhadores, um governo de trabalhadores etc. Creio que nunca passou (pelo menos para aqueles revolucionários abnegadamente sérios) de que o PT fosse fazer a revolução no Brasil. O PT nunca teve essa vocação estratégica! Mas esperávamos que cumprisse um papel fundante: o de lutar pela independência de classe. Mas isso não foi levado adiante.

FdT - Qual o balanço que o Professor faz da experiência da Oposição Metalúrgica de São Paulo?

Soares: Como já coloquei, a Oposição Metalúrgica teve um papel importante na organização e mobilização da categoria metalúrgica, incentivou a organização por locais de trabalho (Grupos de Fábrica, Comissões de Fábrica etc.), mas não conseguiu derrotar a pelegada (as eleições sempre foram fraudadas, é verdade) e, por uma série de fatores - que exigiria uma análise sociológica e política mais profunda - e construir uma alternativa hegemônica ao velho sindicalismo. O resultado é que a Oposição foi perdendo força, acabou sendo derrotada. Arriscaria afirmar que o ressurgimento de uma nova Oposição Sindical, só seria possível com um “novo curso” da luta de classes, com um novo ascenso de massas...

FdT - Soares, como e quando foi fundado o Partido dos Trabalhadores no Bairro da Lapa paulistana, 2ª. Região Industrial da Capital paulista (a 1ª é Santo Amaro)?

Soares: O Núcleo PT – LAPA da Rua Catão - foi um marco importante na fundação e organização do Partido. O PT – Lapa desempenhou um papel importantíssimo na mobilização e organização dos trabalhadores da região. Participou de todas as lutas e greves que se desencadearam na Lapa e região, apoiou, angariou fundo de greve, montou Comitês contra o desemprego, atuou junto às lutas dos trabalhadores do ABC paulista, bem como de outras categorias profissionais, além de prestar solidariedade a outras lutas sociais a nível nacional.

FdT - O comitê de desempregado do Núcleo Catão do PT Lapa realizou um comício contra o desemprego no bairro Lapa,qual a importância desse ato nos movimentos de desempregados dos anos 80.

Soares: A luta contra o desemprego foi uma das principais iniciativas que o Núcleo Catão acabou assumindo. Realizamos um Comício, que contou com a presença de várias lideranças petistas e do movimento sindical. Pela atuação combativa, vários companheiros acabaram presos, por diversas vezes, inclusive eu. Além de que, reconhecidamente, o Núcleo Catão, sempre se caracterizou pelo alto nível de politização e debates, onde se discutia grandes temas nacionais, análise de conjuntura, mas também a questão da transformação da sociedade, a luta contra o capital, a luta pela emancipação dos trabalhadores e pelo socialismo. Lembro-me que nossa atividade contou com a solidariedade de importantes intelectuais, dentre eles, Florestan Fernandes, Marilena Chauí e o historiador Edgar Carone.

FdT - A atuação dos militantes do Núcleo Catão do PT Lapa foram importante nas eleições sindicais,greve geral e na luta pelo fim da Ditadura Militar?

Soares: Indubitavelmente, o Núcleo Catão foi um dos grandes baluartes da luta dos trabalhadores. Lamento que a história tenha tomado outros rumos.

FdT - Qual era a conjuntura política da época ? Quais eram as tendências políticas precursoras do PT da Lapa? Qual o balanço que o Prof. faz da atuação da Organização Quarta Internacional, que editava o Jornal Causa Operária na época ?

Soares: Minha militância política começa muito cedo, no Estado da Paraíba. Lá, em 1969, fui preso, juntamente com outros jovens companheiros, quando ainda era menor de idade, por participar do movimento estudantil secundarista, ligado ao Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), uma organização clandestina, que havia rachado com o velho “Partidão”. Já, em São Paulo, nos anos de 1970, ingressei na Quarta Internacional, através do companheiro Paulo Skromov. Já falei dessa passagem pela OSI. Na Causa Operária, minha passagem foi bem mais rápida, mas no período de 1982, realizamos importantes atividades, desde campanhas contra o desemprego, a participação na Campanha Eleitoral, quando saí candidato a deputado estadual pelo PT, obtendo quase seis mil votos. Tudo isso foi importante para o avanço da consciência da classe trabalhadora. Em seguida, fui para Convergência Socialista, de onde saí para atuar no MTM (Movimento Por uma Tendência Marxista), que incorporava militantes de diferentes origens e ramificações políticas. Me desfiliei do PT, nos anos de 1990, me aproximei dos marxistas independentes, e hoje, atuo no movimento sindical, juntamente aos companheiros do PSTU e do PSOL. Não estou filiado a nenhuma organização política, mas sigo defendendo a ideia da centralidade do partido na luta pela emancipação dos trabalhadores e a construção de uma nova sociabilidade “para além do capital”.